História Nova Era - Borrão

Abri meus olhos e fitei o dossel vermelho da cama, eu estava no meu quarto, minhas roupas haviam sido trocadas e em meu braço estavam pequenos fios que ligavam minha veia até um saco de soro fisiológico, minha boca estava seca e minha cabeça parecia girar. Peguei o fio e com cuidado tirei-o de meu braço, o leve puxão doeu um pouco, mas não era nada pior do que eu estava acostumada. Levantei-me com dificuldade e andei até o closet, peguei minha saia preta, minha blusa da mesma cor e um casaco que batia na altura de meus joelhos. Calcei a bota de cano longo e prendi meu cabelo em um rabo alto.

Fui até o banheiro e liguei a torneira lavando meu rosto e bebendo um pouco da água. Meu rosto não estava mais abatido, na verdade eu parecia bem saudável, as bochechas coradas, a boca rosa, sem olheiras, meu cabelo parecia um pouco mais escuro, mas brilhante e mais forte, minhas unhas estavam compridas, fortes e bem feitas. Eu parecia melhor do que nunca. O colar de pedra azul em meu pescoço fez-me tentar lembrar algo importante, mas minha cabeça doía demais para que eu me lembrasse de algo naquele momento.

O barulho da porta abrindo fez-me pegar a adaga que estava escondida em meu casaco e esperar com ela em punho. A porta do banheiro abriu e eu peguei a garota pelo pescoço batendo suas costas nos azulejos do chão do banheiro e colocando a faca no pescoço da garota.

-Alexia! O que pensa que está fazendo?  –gritou Rose surpresa

-Rose?

Soltei a adaga e me sentei no chão olhando a garota de cabelos pretos na minha frente. Rose colocou a mão em seu pescoço e então riu me olhando.

-Vejo que está melhor. –ela disse entre risos

-O que aconteceu comigo? –eu perguntei confusa

-Não se lembra de nada?

-Não. Quer dizer, eu me lembro de uma garota loira, Gabrielle? Lembro-me de ter ficado presa em algum lugar durante dias e de acordar com o lugar sendo invadido. Mas não me lembro de mais nada. –eu respondi tentando me lembrar de mais alguma coisa.

-Tudo bem. Eu te explico tudo, mas venha, levante-se e vamos para o quarto, você precisa comer e beber alguma coisa. –ela disse pegando minha mão.

Voltamos para o quarto e eu me sentei na minha cama enquanto Rose colocava uma bandeja com um prato de lasanha, salada e um suco de morango com laranja na minha frente. Comi o que ela me deu sem ligar com a ardência da lasanha queimando minha língua por estar quente demais, eu estava com mais fome do que eu poderia imaginar, o suco frio e doce refrescava minha garganta, minha cabeça foi aos poucos parando de doer.

Rose me observava enquanto esperava eu terminar de comer. Quando terminei voltei ao banheiro e escovei os dentes, voltei para o quarto e ela sorriu enquanto eu me sentava novamente na cama.

-Muito bem, Leonard e você saíram em uma missão e as coisas ficaram meio feias, algumas bruxas acabaram sequestrando vocês. Elas torturaram a você e ao Leonard, mas ele conseguiu fugir e veio até o Instituto, alguns dias depois conseguimos localizar você, você estava presa em uma sala, desnutrida e desidratada. Cuidamos de você, demos remédios e soro durante semanas e finalmente hoje você acordou. Gabrielle é uma das bruxas que sequestraram você. –ela explicou com calma.

Fitei a cama tentando me lembrar de alguma coisa, mas nada vinha em mente, como se a memoria simplesmente tivesse sumido.

-Eu não me lembro de nada disso. –eu disse confusa.

-Imaginei que não, foi um trauma muito grande, mas você não precisa se preocupar com isso mais, está segura e em casa. –ela disse segurando minha mão.

-Onde está o Leonard? –eu perguntei

-Ele saiu em uma missão com o Sebastian. Devem voltar mais a noite, foram investigar alguns desaparecimentos no outro lado da ilha. –ela respondeu.

-Onde você estava? Sumiu por meses e Marcos não me disse para onde você estava indo.

-Marcos me mandou para uma cidade vizinha, eu estava ajudando o outro Instituto. Eles estavam com alguns problemas de segurança. Não recebeu minhas cartas? –ela perguntou confusa

-Não. Na verdade fiquei bem confusa de a minha melhor amiga sumir sem dizer para onde ia e não me enviar nem uma carta. –eu disse cruzando os braços.

-Sabe que eu não abandonaria você assim. Cheguei aqui ontem e pode imaginar minha confusão quando me contaram o que aconteceu com você não é? Fiquei preocupada, quase não sai do seu lado, só sai pra buscar algo para você comer quando acordasse e ainda fui atacada! Nem uma miséria de “obrigada Rose”! –ela disse fingindo chorar.

-Obrigada Rose! –eu disse rindo.

-Disponha. Vem, vamos até o escritório do Marcos, ele vai gostar de saber que você acordou, ele ficou aqui do seu lado o tempo todo enquanto eu estive fora. –ela disse segurando minha mão e me levando para fora do quarto.

-Marcos ficou aqui comigo?

-Claro! Que tipo de namorado ele seria se não ficasse? –ela perguntou revirando os olhos

Olhei confusa para o carpete vermelho enquanto pensava em tudo o que Rose me dizia, eu me lembrava de Marcos e eu estarmos namorando, mas algo parecia fora de lugar. As memórias faltando me deixavam um pouco ansiosa, eu não gostava de me sentir de fora das coisas. Os seguranças nos corredores sorriam para Rose e eu na medida em que andávamos. Paramos em frente a enorme porta de madeira escurecida e Rose bateu na porta abrindo-a em seguida. Marcos estava sentado na poltrona preta lendo alguns papeis, ele olhou para frente e sorriu parando seus olhos verdes em mim, por alguns segundos ele pareceu surpreso e então isso desapareceu de seu rosto e ele levantou vindo até mim. Marcos segurou minha mão e me puxou para um abraço, ele parecia receoso em me abraçar, como se eu fosse quebrar. Sorri para ele e retribui o abraço.

-Como se sente meu amor? –ele perguntou segurando meu rosto.

-Bem. Um pouco confusa, mas bem. –eu respondi olhando para baixo

Por algum motivo eu não me sentia confortável em olhar seus olhos. Ele abaixou o rosto e colou sua boca na minha me dando um leve beijo.

-Fico feliz por finalmente ter acordado. –ele disse me soltando e voltando para sua mesa.

-Por quanto tempo exatamente eu dormi? –eu perguntei confusa

-Quatro semanas. Estávamos começando a pensar que talvez você não acordasse mais. –disse Rose me abraçando.

-Isso tudo? Eu perdi muita coisa? –eu perguntei

-Nada de anormal. Leonard e Sebastian têm feito as patrulhas por perto, Rose chegou ontem e eu estou aqui trancado nesse escritório resolvendo problemas com o governo. Os vampiros e os lobos estão causando muitos problemas ultimamente, o governo está começando a ficar com medo de eles se reerguerem novamente e a situação voltar a ser caótica como era antigamente. –disse Marcos lendo os papeis em suas mãos.

-Então vamos caça-los. –eu disse

-Calma ai, Alexia. Você não vai caçar nada por enquanto. Não até seu médico voltar aqui e te examinar novamente. –disse Rose

-Mas...

-Rose tem razão. Temos muitos caçadores que podem fazer isso por enquanto. Você fica aqui e vai se recuperar. –disse Marcos se levantando novamente.

-Mas Marcos!

-Isso é uma ordem Alexia. Não ouse desobedecer. –ele disse segurando minha mão.

Revirei os olhos e sai do escritório sendo seguida por Rose. Eu não gostava de receber ordens e muito menos de ficar trancada no Instituto enquanto os outros faziam o meu trabalho. E se a situação estava tão feia quanto ele disse que estava eles precisariam de toda a ajuda possível. Andei até meu quarto e me deitei na cama novamente olhando o dossel.

-Você não deveria se estressar assim. O médico vem em dois dias e se você não estiver em perfeito estado até lá, não tem condições de caçar. Isso quer dizer que deveria se preocupar em dormir, comer, beber muito liquido e não se estressar. Ficarei com você nesses dois dias. Marcos me deu alguns dias de folga. –disse Rose sentando-se na cama.

-Tá. –eu respondi contrariada.

-Ótimo, agora pare de reclamar mentalmente e vá tomar um banho. Precisa descansar.

Assenti e me levantei indo ao banheiro, tirei a roupa e entrei de baixo do chuveiro deixando a agua batem em meu corpo e encharcar o cabelo. O cheiro de morangos do meu shampoo era familiar e confortante, algo do que me lembrava e tinha certeza de que estava certo, a única coisa que eu me lembrava e tinha completa certeza de que estava certa. Sai do banho e olhei meu reflexo no enorme espelho de moldura dourada.

Meu corpo parecia diferente, não tinha manchas ou cicatrizes, mas minhas tatuagens estavam todas ali, a flor no meu braço, o pequeno coração ao lado do seio esquerdo, a flecha no antebraço direito, a pequena frase na coxa direita e a meia lua do lado esquerdo da virilha. Minha pele estava mais branca do que o normal, meus seios pareciam maiores, minha cintura menor e o quadril mais largo. Soltei meu cabelo e notei que o mesmo também estava maior. Algo não estava igual à antes, aproximei-me do espelho e fitei meus olhos, lá no fundo do azul, ao redor da pupila, uma pequena luz prateada brilhou e sumiu logo em seguida. Afastei-me do espelho confusa e olhei para o colar azul em meu pescoço. Eu também não me lembrava dele.

Alexia...

Afastei-me do espelho e olhei em volta procurando pela voz baixa que me chamava. Rose bateu na porta e eu me enrolei na toalha branca que tinha ali. Ela abriu a porta e sorriu e entregando algumas roupas. Peguei de suas mãos e ela fechou a porta em seguida. Coloquei a roupa e olhei-me novamente procurando pela luz em meus olhos. Nada. Nada além de uma garota usando uma blusa de mangas compridas rosa que deixava a renda de seu sutiã preto amostra e um short preto. Os olhos azuis da garota do reflexo pareciam extremamente normais, como se nada tivesse brilhado ali há alguns segundos atrás. Abaixei o olhar e sai do banheiro indo direto para a cama. Rose não estava mais ali e eu estava sozinha agora. Deitei-me e observei o teto por mais alguns instantes  enquanto o sono me dominava e me levava para longe.