História O Altar de Sangue - Cicatrizes

  Um ano depois...

 Quarta-feira, dia 16 de janeiro. Seattle, Washington.

 Todas as noites, em meus sonhos, eu olho para um chão ensanguentado entorpecida em um misto de desespero e angústia. No silêncio, o corpo do prefeito Gorroway ainda está lá, caído sem vida ao lado da cama, os olhos encarando o vazio sem fim.
             O quarto úmido cheira a sangue e a tabaco. Da janela, por entre as persianas, fracos raios de luz da lua adentram o cômodo escuro, tornando tudo assustadoramente calmo.
            Você vai ser a próxima, vadia... Sussurra uma voz melodiosa como um sino na minha cabeça. Olho em volta sobressaltada, mas estou sozinha.
             Reparo num pequeno lenço de cetim na janela, branco e com bordas de renda francesa, eu o observo cair com a brisa leve e pousar suavemente sobre, o que eu percebo ser, o corpo de uma jovem deitada e encolhida no chão. Chego mais perto. Seus olhos, agora vazios e mortos, são de um castanho amendoado com um leve toque de verde esmeralda nas bordas. Os meus olhos. Eu. Morta e jogada no chão. O pânico me toma. Ouço um grito sair arranhando pela minha garganta... Então eu acordo.        
           Presenciar a cena de um assassinato não é bem algo em que se possa esquecer. Já se passara um ano, mas eu ainda ouço os tiros retinirem em meus ouvidos, como fantasmas me assombrando.
          Quando me olho no espelho, não vejo mais aquela garota leve que fui a minha vida toda. Que colhia amoras no jardim e que achava que a vida era perfeita, que não tinha riscos ou perigos.
           Ingênua
         Agora, ao olhar-me no espelho, só vejo uma garota estranha e vazia me encarando de volta. Jogada no mundo. Pisoteada. Perdida. Desorientada. Grotesca em todos os aspectos.
             Foi nisso que aquela noite me tornou.
             Mas tudo irá mudar, vou descobrir quem fez aquilo e fazê-lo pagar.