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História O Anel do Imperador - Uma Parte de Três


Escrita por: LukePaladino

Capítulo 6 - Uma Parte de Três


– Ainda temos ouro, ainda podemos chegar lá – Disse Rey esticando os braços e sorrindo para o céu de um azul limpo, enquanto rumava para os portões do vilarejo.

 

– Depois que Rey vender o anel, para onde vai? - Perguntou o bárbaro.

 

– Vamos para o sul, onde tem menos mato. Talvez possamos ir na capital, talvez pague alguém para lhe ensinar uma coisa ou duas sobre civilidade e o uso de calças – Riu.

 

– Brannford não gosta de calças, elas coçam – Protestou.

 

Rey levou a mão à cabeça. Dores nela e nos olhos haviam sido recorrentes desde que acordara. Havia se tornado sensível à luz, por causa dos excessos do festival na noite passada. Tocava seus bolsos de tempos em tempos para se certificar que o anel ainda estava lá. Não queria ter o risco de perdê-lo novamente.

 

– Como você está se sentindo? - O garoto perguntou, e Brannford sabia que se tratava do corte que levou em seu peito.

 

– Brannford está bem. Allen é um bom xamã e curou ele.

 

– Clérigo, ele é um clérigo, Brann – Explicou, didaticamente.

 

– Clérigo – O outro se corrigiu – Porque Allen não quis vir com Brannford e Rey?

 

– Ele tem sua vida e seus problemas para resolver. Servos da deusa da paz não costumam seguir pessoas que batem em outras pessoas… Como nós, por exemplo - Riu.

 

– Mas Allen seria bom para o grupo.

 

– Sim, ele seria… Mas ele não está aqui, Brann.

Partiram rumo a Collarthan, onde esperava vender o anel por um bom preço. Passaram pelos guardas do portão que sorriram agradecidos pela ajuda em derrotar a fera. Rey estava animado, havia ganhado alguma reputação, se provara mais útil do que seria na fazenda de seu pai. Já seu amigo não estava tão contente, se lamentava pelo clérigo não estar com eles.

A cada dia descobria mais sobre Brannford, desta vez o que via era que ele se apegava demais as pessoas.

 

#

– Com a passagem de nossos queridos irmãos, Thomas D. Verve e Jack Somali. Em Marah existem várias coisas importantes que podemos tomar para a meditação do nosso coração… - Madre Marie, diante os corpos dos homens falecidos na noite anterior, deu início ao seu sermão.

 

Em volta dos caixões encontravam-se familiares, colegas e soldados que possuíam algum laço com os falecidos, e alguns outros cidadãos oportunistas que estavam ali por alguma espécie de ganho próprio. Lamentos e choros podiam ser ouvidos durante o discurso e o séquito de sacerdotes presentes tentava em seu máximo confortar o coração daqueles que necessitavam de seu auxílio.

 

Allen não estava presente com eles, ao invés disso, estava no cemitério, um pouco distante do vilarejo. Sentado em um túmulo de pedra com motivos angelicais, observando o trabalho do coveiro.

Duas covas haviam sido abertas para depositar os corpos dos homens que foram abatidos pela fera. Ali seriam depositados com o último resquício de glória que poderiam ter tido em vida, e em alguns anos seriam esquecidos pelo tempo. A expressão do coveiro era neutra, olhar pesado, a pele flácida, envelhecida pendendo sobre o rosto. Allen imaginava quantos homens e mulheres ele já havia enterrado em sua vida, quanta dor e tristeza ele não deve ter sentido por aqueles que haviam perdido alguém querido, e como aquilo deveria tê-lo afetado de tal maneira que a morte e a tristeza tivessem se tornado banais, mera casualidade, ritual.

A mente do clérigo então divagou mais, indo por caminhos de porque ter mentido para sua superior em vez de falar a verdade sobre o anel e sobre os forasteiros. Aquelas mortes eram, por tabela, culpa sua também. Ela vinha para todos, era inevitável, mas a que chegava precoce sempre lhe incomodava, e não conseguia ficar sem remoer isso, diferente do coveiro, ainda sentia.

Sem notar seus dedos se envolveram no cabo de sua maça e a apertaram na medida que seus sentimentos se tornavam mais turvos.

Uma raiva cresceu-lhe no peito quando percebeu que teria que explicar tudo sozinho à clériga, já que Rey Blackstar e Brannford, O Bárbaro haviam partido naquela manhã. Lembrou das palavras do garoto de olhos vermelhos, convidando-o para ir com eles, seduzindo-o com ouro e glória… Como recusou avidamente… afirmando que deveria ficar e ajudar com o velório, ao mesmo tempo que seu coração batia de excitação e engatilhava em sua memória a promessa que fizera em um passado distante.

No fundo sentiu uma pontada de dor, talvez já estivessem longe demais para sequer mudar de ideia, mas era melhor assim, a vida de aventureiro já havia passado para ele. – Imbecíl – Allen depreciou-se colocando a mão livre na testa, relembrando de sua carga – Você fez merda mais uma vez, você mentiu pra madre e safou dois caras dos quais não sabe nada sobre!

Despertou de seus devaneios quando percebeu que a procissão se aproximava para concretizar a última etapa do velório. Allen se levantou rapidamente arrumando sua roupa. Esperou até todos se aglomerarem em volta das covas, até as últimas lágrimas serem derramadas enquanto cânticos fúnebres eram entoados a medida que se tornavam engasgados e soluçados. Os entes próximos tinham um último vislumbre do receptáculo dos falecidos. Um dia de tristeza após um dia de celebração.

Aos poucos, terra sobre terra, a cova era preenchida, e a lápide era colocada vedando o túmulo dos dois homens. E a partir daí, Allen sabia, o tempo não pararia. Daqui algumas décadas ninguém lembraria quem eles haviam sido, o que fizeram para defender o vilarejo ou como lutaram para salvar sua própria vida, de uma besta que ele mesmo havia compactuado a soltar.

– Está muito quieto, irmão Vorpade – Madre Marie se aproximou caminhando altivamente, enquanto as pessoas se dispersavam voltando para o vilarejo.

 

– N-não é nada, Madre – Disse um tanto nervoso.

 

– O seu problema, irmão, é não saber mentir. Suas emoções são cristalinas – Afirmou inquisitiva.

 

O coração de Allen disparou ao vê-la, se pudesse gostaria de correr, de sumir. A responsabilidade por aquele incidente lhe pesava nas costas, a culpa o corroía. Precisava contar para ela, confessar seus pecados, mais uma vez.

 

– E-eu tenho que lhe confessar algo… - Engoliu seco. Tinha certeza que seria a última vez que conversaria com ela – A besta que atacou na noite passada… Eu sei de onde ela veio.

 

A clériga franziu o cenho, apreensiva.

 

– Eu e os aventureiros, que contratamos para lidar com as criaturas nas cataratas, encontramos um anel mágico sobre um altar de ossos… Viemos descobrir na noite passada que ele era amaldiçoado, ele que transformou aquela mulher na besta… Eu falei para eles não o pegarem, mas-

 

– Allen! - Ela exclamou aturdida levando a mão à boca – Você… Você e aqueles baderneiros!

 

– Me perdoe, Madre, me perdoe – Ele se ajoelhou juntando as mãos em sinal de devoção, enquanto o pavor no olhar da outra se transformava em desgosto.

 

– Onde está este anel agora? - Disse séria, sem fitar o garoto.

 

– Eles o levaram… - Olhou para baixo.

 

– Então és tão culpado quanto eles – Declarou – Não cabe a mim lhe perdoar, apenas Marah tem este direito – Ainda séria – Porém, esta foi a última vez que você falhou comigo, Irmão Vorpade. Parece que você atrai conflitos e a morte por onde anda! - Fechou os punhos, por mais que não transparecesse, tomar aquela decisão também doía nela – Não é mais bem-vindo em meu clero.

 

Allen se levantou de cabeça baixa.

 

– Volte para o templo em Valkarya, se limpe de seus pecados. Um espírito conflituoso só atrai problemas. Não entendo como Marah pode andar contigo, você tendo um coração tão violento… - Ela tocou o ombro dele, mas Allen se desvencilhou. Ela olhou desapontada, mas não surpresa.

 

O jovem clérigo tinha palavras presas na garganta. A respeitava demais, então decidiu não falar tudo que queria. Ela não sabia nada sobre ele. Sim, ela tinha razão quando ele causava problemas, que seu gênio era forte, mas estava errada quando o julgava de atrair a morte quando sempre tentou impedi-la de todas as maneiras possíveis. Ela nunca o entendeu como sua mãe o entendia, como seus antigos amigos entenderam, mas isso não importava mais. Estes já estavam todos mortos.

 

– Eu irei – Disse por fim – Adeus, Madre – Deu as costas para ela, que tentou dizer algo reconfortante, mas não conseguiu. Allen aquele ponto sabia exatamente o que deveria fazer. Não voltaria ao templo na capital, seguiria seu próprio caminho.

Para a clériga era um alívio ver Allen Vorpade partir. Culpou-se de se sentir feliz, mais tarde naquele dia oraria para sua deusa em busca de perdão, mas por onde aquele garoto andava a paz nunca era encontrada, sorte tivesse aquele que cruzasse seu caminho.

 

#

 

– E é para isso que o ouro serve, Brann. Sem ele você não pode comprar comida, roupas e viver com algum conforto.

 

Rey explicava enquanto andavam pela estrada de terra batida a passos vagarosos. Não fazia uma hora que partiram das Cataratas de Sambúrdia.

 

– Mas o conforto de que Brannford precisa ele retira da natureza. Ele caça animas, ele dorme na casa que fez. A grande Alihanna é gentil. - Ainda não estava convencido dos argumentos do garoto.

 

– Não é tão simples – Ele suspira tentando arrumar uma outra forma de explicar – É que nas cidades temos o que chamamos de leis, feitas a muito, muito tempo pelo Deus da Justiça, Khalmyr. Regras que regem o mundo dos homens civilizados, e uma dessas regras é que você precisa trocar ouro por outra coisa se quer ela, com isso quanto mais ouro você tem mais coisas você consegue.

 

– Acho que Brannford está compreendendo, mas não faz sentido tantas regras – Ele coloca a mão na cabeça.

 

– É confuso no começo, mas logo você pega a prática – Ele sorri – Vou te dar um exemplo. Se você está em uma cidade e quer dormir e comer bem, então terá que ir até uma taverna e dar uma moeda de ouro.

 

– Então Brannford troca a moeda pela cama e pela refeição?

 

– Exato! - Rey faz um gesto animado – Como fizemos no vilarejo. Se continuar assim logo será um homem civilizado!

 

Brannford sorri em resposta, mas não tinha a certeza de que ser civilizado era tão bom assim, no fundo sentia falta de sua tribo quando estava perto dos Homens-da-Vilarejo.

 

– Ei!

 

A dupla escuta uma voz um pouco distante, vinda de trás deles.

 

– Ei! Esperem!

 

Eles se viraram para fitar Allen correndo em sua direção. Estava visivelmente cansado, devera ter percorrido um bom caminho até eles. Se os dois tivessem a cavalo o clérigo nunca teria os alcançado.

– Allen! - Brannford exclamou e foi correndo até o garoto ajudá-lo.

 

O clérigo carregava uma bolsa em seu ombro, com alguns tibares, suprimentos e túnicas limpas. Aceitou a ajuda do bárbaro quando o viu.

 

– Não sabia que clérigos podiam correr por tanto tempo – Rey fez troça.

 

– Eu achei que não fosse alcançar vocês… – Disse ofegante ficando ao lado de Blackstar - Não ia deixar que partissem com a minha parte do anel, afinal sem minha ajuda nas cataratas vocês estariam mortos – Ele sorriu.

 

– Você está exagerando, sabemos nos virar bem – Rey falou, convencido. Vendo a cara de reprovação dos dois acabou cedendo e sorrindo – Mas bem-vindo ao grupo, Allen, é bom ter você de volta – Rey estendeu a mão e os dois se cumprimentaram segurando o cotovelo um do outro. Um sinal de fraternidade.

 

– Para Collarthan! - Brannford exclamou empolgado.

 

Para a fortuna, pensou Rey.

 

O garoto sorriu, pois agora eram três, eram imbatíveis e tudo estava ocorrendo da forma como ele desejara. Se houvesse alguma divindade que o guiasse sentia que poderia beijar-lhe a boca, extremamente grato.



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