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História O anjo de vidro - Capítulo XXI - Mare Vitreum


Escrita por: Greenselves

Notas do Autor


Oi?

QUE SAUDADE

Muito atraso, nem sei o que dizer, socorro. A odisseia começou com uma visitinha dos probleminhas psicológicos que estavam fingindo que tinham sumido, passou por mais um piripaque do notebook e terminou com festa de 15 anos da minha irmã que foi essa semana e que deixou a minha dinâmica louca. Mas enfim, estou aqui.

O cap tá pequeno por que eu não acho que seria interessante colocar outras partes da história junto com o que está nele. Ele é muito específico e está cheio de detalhes que precisam ser levados em conta.

No mais estou sEdentA pelo comeback dos meninos que vem só mês que vem - to sofrendo real. Será que até o próximo capítulo já sai? AMÉM.

Boa leitura!

P.s: o nome desse cap também foi candidato a nome da fanfic.

Capítulo 22 - Capítulo XXI - Mare Vitreum


Fanfic / Fanfiction O anjo de vidro - Capítulo XXI - Mare Vitreum

Capítulo XXI – Mare Vitreum

<Mar de vidro>

 

Mansão dos Wu.

 

O som abafado das dezenas de conversas que competiam entre si fazia às vezes de trilha sonora enquanto eu observava Catarina e seu tio se abraçarem forte, deixando claro o tempo que tinham passado separados. Pequenas rugas apareciam no canto dos olhos do visitante enquanto ele sorria o mesmo sorriso que estava estampado na foto que Junmyeon carregava há doze longos anos. Estava mais velho e parecia até um pouco cansado, mas não havia erro. Aquele era realmente Ele. Era Jongdae.

Minhas pernas tremularam um pouco enquanto aquela cena corria em frente aos meus olhos, tão alheia a tudo o que eu sabia. Tio e sobrinha conversavam sobre algo que eu não podia ouvir, e o Senhor Rait ria, satisfeito com o que estava vendo. Todos eles estavam muito felizes. Jongdae sorria como se nada lhe pesasse nas costas, como se não tivesse culpas. Como se nem ao menos se lembrasse da existência de Junmyeon.

E eu suspeitava, dolorosamente, de que o caso não era que ele não se lembrava, mas sim de que não fazia questão de lembrar.

De repente, os olhos de Cathy pousaram em mim, encontrando com os meus, ainda muito assustados. Seus lábios desenharam palavras que eu não consegui ler, mas que imaginava ser um convite para que eu me aproximasse. Não foi preciso muito tempo para que ela notasse meu comportamento estranho, perguntando o que estava acontecendo com o olhar castanho. Engoli em seco e, em vão, tentei dar alguns passos em sua direção, numa tentativa inútil de burlar toda aquela confusão que estava acontecendo dentro da minha cabeça. Entretanto, nada parecia funcionar direito naquele momento.

Dei apenas três passos lentos antes de, covardemente, dar meia volta e correr em disparada até a porta atrás da árvore.

Do lado de fora, fui recepcionado pela neve grossa que tinha acabado de começar a cair, deixando tudo esbranquiçado. Num ímpeto, pensando em tudo e ao mesmo tempo com a mente em branco, me dirigi até a porta principal, afoito em busca da minha jaqueta. Eu não duraria muito tempo ali fora sem ela. Na verdade, eu me sentia tão confuso a ponto de desaparecer, aquilo parecia ser muito mais do que uma confusão qualquer.

Beirava o desespero.

Sem tempo para cumprimentos, passei pelo gato preto e pelos homens na porta, alcançando a jaqueta e indo em direção à saída. Apressado, dispensei tentativas de formar planos para vencer o portão fechado e alcei voo, ultrapassando o muro alto, a avenida, e aterrissando de qualquer forma na calçada da orla, impedido de voar pelo vento, pela neve, pelo frio, e por conta das penas que me faltavam.

Tremendo da cabeça aos pés, vesti a jaqueta, aproveitando a pouca iluminação da rua. À minha esquerda, o mar rugia alto depois da praia branca, furioso com algo que eu não sabia o que era, e que dispensava saber. Eu havia percebido do pior jeito que, quanto mais eu sabia sobre as coisas, sobre qualquer coisa, mais complicada se tornava a minha cabeça.

Continuei olhando ao meu redor, encarando a rua vazia enquanto escutava meu coração retumbar. Naquele estado, eu sabia que só existia um lugar onde eu podia ir. O lugar onde a pessoa a quem pertencia àquela história vivia, seu cárcere. Eu não sabia se o encontraria ou se conseguiria dizer alguma coisa a ele, mas nada importou.

Tudo o que eu consegui fazer foi correr em disparada e não parar até chegar ao hospital.

 

 

~X~

 

 

Ala abandonada.

 

Eu quase não sentia mais meu rosto, e o machucado em meu pé doía ardido por conta do frio. Qualquer pessoa sã diria que seria loucura sair debaixo da neve em uma noite como aquela, ainda mais vestindo só uma jaqueta. Porém, eu nem sabia ao certo se podia me considerar uma pessoa, muito menos alguém são. Já fazia algum tempo que essas questões precisavam ser afastadas com cada vez mais frequência da minha mente, como moscas que rodeavam um prato de comida. Afinal, agora havia coisa muito mais urgente para eu me preocupar, apesar de eu ter certeza de que as moscas voltariam assim que tivessem a oportunidade.

A ala abandonada se apresentava extremamente escura, assim como da primeira vez em que estive nela. Encarei hesitante sua fachada miserável antes de entrar, espiando rapidamente o resquício de luz que vinha do hospital, que parecia tão mais quente e convidativo.

Lá dentro, a escuridão estava ainda mais densa do que eu tinha imaginado. Pisquei repetidamente, tentando fazer meus olhos se acostumarem com o breu, mas obtendo um resultado no mínimo frustrante. Ali, tudo o que eu podia realmente fazer era ouvir as correntes de ar correrem apressadas pelos corredores e pelo teto alto do saguão, cantando alguma canção macabra que não combinava com o natal e que parecia deixar aquele lugar ainda mais vazio. Cheio de vento, nada mais. Vento e um anjo cego.

Incerto, dei alguns passos quando comecei a distinguir formas. Eu sabia onde estava o corredor e sabia chegar até a escada, apesar de também saber da quantidade de coisas que estavam pelo meio do caminho e da grande possibilidade de Junmyeon não estar no andar de cima. Mesmo assim, fui.

Sem a luz frágil que havia por ali durante o dia, o corredor leste parecia ter o triplo de seu comprimento real, coisa que meus passos lentos ajudavam a frisar. Cada tropeço quase me levava ao chão e todo barulho dos animais que passavam por ali acabava me assustando. Meu coração estava a mil e, mesmo com frio, eu sentia minhas mãos grudentas de suor gelado. Eu queria encontrar Junmyeon a todo custo, mesmo sem ter certeza do porquê. Se o achasse, o que faria depois? Deveria contar? Começar a chorar feito uma criança humana por não estar entendendo nada do que estava acontecendo? Eu não sabia, e não saber só apressava a minha vontade gritante de não ficar sozinho por ali. Não ali, onde os meus pensamentos corriam soltos junto àquele vento uivante. A verdade era que, naqueles últimos dias, cada segundo que eu passava sozinho era solitário demais.

Tomado por um medo quase infantil, minha voz chamou por ele, ecoando no corredor.

- Junmyeon?

Não houve resposta, como eu temia.

Com um pouco mais de pressa e com menos cuidado, apressei minha caminhada, ouvindo a jaqueta ruir, como se reclamasse do meu passeio súbito. Pelo visto, nem a peça de roupa gostava daquele lugar.

Encontrei as escadas com um esbarrão que, com um pouco mais de força, teria me machucado. Tremendo de frio, tateei o corrimão e segurei forte na madeira gelada, sentindo a camada grossa de poeira sob os dedos. Tentei me lembrar da quantidade de degraus que precisaria subir, mas não consegui. Algo me dizia que, mesmo se fossem apenas vinte, pareceriam quarenta.

Sem a pressa anterior, fui firmando meus pés devagar, ouvindo a madeira ranger cada vez que eu colocava meu peso sobre ela. Chamei Junmyeon mais algumas vezes durante o percurso, sendo respondido apenas pelos degraus barulhentos sob a sola dos meus sapatos. A ideia de que ele não estava por ali crescia a cada passo dado, e me perguntei se eu conseguiria percorrer o prédio procurando-o, como já havia acontecido antes. Eu suspeitava que não. Eu estava exausto.

Praticamente sem esperanças, completei a subida, apostando o resto da minha força de vontade na possibilidade de encontrá-lo no pequeno saguão do primeiro andar. E, contrariando a maré de coisas estranhas que banhava aquele dia, meu esforço foi compensado.

Embora não tenha respondido a nenhum dos meus chamados, lá estava ele, encarando a janela que não estava cerrada pela madeira, de costas para mim. A visão do tecido grosso de sua jaqueta azul não impediu a lembrança de suas omoplatas deformadas de correr pela minha mente, fazendo com que o centésimo calafrio corresse pela minha espinha naquela noite. Ali, vi o quanto sentia falta dos arrepios agradáveis que deram largada àquela competição, quando estive com Catarina.

- O que está fazendo tão tarde da noite por aqui, Sehun? – A voz de Junmyeon cortou o ambiente, me deixando alerta. Não por ter ficado surpreso, mas sim pela maneira que ele tinha falado. Não era animado, como de costume, muito menos desesperado, como da última vez em que tínhamos conversado. Era estranhamente calmo, como se algo tivesse mudado nele. Como se ele estivesse mais sintonizado com a realidade do que nunca.

Respirei fundo, sentindo o ar gelado passar desconfortavelmente pelas minhas vias. Muita coisa estranha estava acontecendo naquela noite.

- Eu precisava te ver – falei o óbvio. – Finalmente consegui te encontrar.

- Finalmente? – Ele se virou, mostrando um sorriso cálido. – Onde foi que você andou me procurando? Eu estive aqui o tempo todo!

O encarei, hesitante em falar. Por fim, achei que seria melhor não tocar naquele assunto. Ou pelo menos não de cara.

- Quem sabe eu não tenha procurado o suficiente... – respondi baixinho.

Junmyeon se aproximou alguns passos de mim, o indicador me apontando. Sem entender, baixei a cabeça, procurando o que ele queria que eu visse.

- Roupa nova? Por que trocou? – Ele perguntou antes que eu entendesse sozinho, indicando a parte aberta da minha jaqueta, que deixava a roupa da festa à mostra.

- Eu estava acompanhando o meu humano numa festa – expliquei. – Foi Kyungsoo quem me arranjou a roupa.

Completando os poucos passos que nos afastavam, ele levou suas mãos até o tecido da camisa verde que eu usava, demorando os dedos brancos por poucos segundos antes de subir o zíper da jaqueta, apagando os resquícios do meu maior disfarce de humano.

 - Acho que já é natal, então – concluiu.

Fiz que sim com a cabeça. Junmyeon parecia outra pessoa.

- A cidade está bonita? – Perguntou ainda frente a frente comigo.

- Está – contei. – Quase todas as casas estão iluminadas.

- Isso é bom – ele pareceu satisfeito. – Essa tem que ser uma noite boa, espero que muita gente esteja celebrando... – parou abruptamente de falar – Sehun, o que você andou fazendo? – Perguntou desconfiado.

- Eu? – Uma onda de nervosismo me assolou quando eu me lembrei do motivo que havia me tirado daquela festa.

- É, você – insistiu. – O cheiro está muito mais forte em você hoje. – Franziu a testa.

Senti meus pés ficarem mais gelados depois de ouvir aquilo. Seria possível aquele cheiro que Junmyeon dizia sentir ter ficado mais acentuado por que Jongdae estava na festa? Mesmo que não estivéssemos perto um do outro? Aquela possibilidade foi suficiente para que meu cérebro desse um pequeno nó.

- Mas talvez... – a face de Junmyeon se tornou confusa e ele recuou um passo, tornando minha respiração um pouco mais confortável – quem sabe seja só uma coincidência engraçada.

Engoli em seco, tentando me acalmar.

- Coincidência com o quê? – Indaguei.

O olhar de Junmyeon se tornou triste, me preocupando mais uma vez, e com razão.

- Desculpa, eu esqueci que você ainda não sabe, Sehun – se explicou. – Mas é que até o ar parece diferente agora, do mesmo jeito que era da primeira vez. Acho que é por que já faz muito tempo desde a última vez em que ele pisou nessa cidade.

Não foi preciso uma pergunta para que Junmyeon entendesse o que eu queria saber, do mesmo jeito que seus olhos escuros me deram a resposta antes mesmo de suas palavras.

- Suponho que esteja com tempo livre – ele adivinhou, o rosto iluminado pela fraca luz da lua que entrava pela janela.

- Estou – fui monossilábico. Algo tinha roubado mais da metade das minhas palavras naquela noite agitada. Eu só não sabia se o culpado havia sido Catarina ou o visitante.

Junmyeon pareceu estudar meu rosto com cuidado, analisando bem aquela situação enquanto o tempo passava moroso noite de natal adentro. Meu coração batia tão forte quanto quando estive com Catarina, retumbando em meus ouvidos. E aquela face de Junmyeon que eu não conhecia não parecia querer menos do que isso.

- Sehun... você alguma vez já se lembrou de alguma coisa que jurava ter esquecido? Algo que tinha esquecido a ponto de nem mesmo lembrar se alguém te contasse? – Foi mais uma explicação do que uma pergunta – Algo importante a ponto de dizer quase tudo sobre quem você é? Alguém tão importante quanto a sua própria existência? – Sua voz tremulava.

O longo olhar que trocamos naquela luz fraca confessou por mim que aquela sensação não era algo que eu conhecia, e que, após ouvi-lo, desejava não conhecer. A dor e a mágoa contidas em cada palavra dita por Junmyeon deixava claro que aquela confusão era ainda maior do que eu imaginava, e que eu não sabia da missa a metade. Provavelmente, ele era o único que sabia. E aquilo estava acabando com ele.

- Hoje, por algum motivo, eu me lembrei – disse quase num sussurro. – Foi como um estalo, como quando os humanos acordam de algum sonho estranho e notam que estão acordados. E eu não me lembrava há tanto tempo... – sua voz morreu, sufocada por um barulho entrecortado que eu supus ser um soluço.

Sem perder tempo, me aproximei afoito. Ele estava chorando novamente.

- Junmyeon, você está bem? – exclamei quando o alcancei, segurando em seus ombros enquanto encarava seus olhos cheios d’água, que me fitavam de volta inquietos.

Quando seu olhar fixou em mim, senti meu peito ficar apertado demais. Ele não estava simplesmente olhando para mim. Ele estava olhando dentro de mim.

- O nome dela era Haesoo – disse num fio fraco de voz – Haesoo.

Varri minha mente em busca daquele nome, tentando desesperadamente lembrar se o conhecia de algum lugar, mas nada me veio. Eu nunca tinha ouvido falar de nenhuma Haesoo.

- Junmyeon, quem é Haesoo? Quem é ela? – Perguntei incerto.

- Um pessoa muito importante – disse com um pingo de desespero. – Alguém para quem eu fiz uma coisa ruim.

Engoli em seco, preocupado depois de ouvir sobre aquilo. O que alguém como Junmyeon poderia ter feito de errado?

- Mas... por que você teria feito algo ruim para ela? Tem certeza? – Tentei consertar a situação, me recusando a acreditar no que ele me dizia – Você não é mau, Junmyeon...

Junmyeon me encarou como se eu não entendesse o que ele queria dizer. E eu suspeitava que realmente não entendesse.

- Você não sabe de muita coisa, Sehun – disse triste.

O ar pareceu me faltar nos pulmões.

- Então me conte.

Ao ouvir aquilo, Junmyeon sorriu. Não foi um sorriso feliz.

- Tem certeza de que quer ouvir essa história miserável? – Havia mais sinceridade do que seria saudável naquela pergunta.

Assenti tenso pela trigésima vez naquela noite. Algo em seus olhos me impediria de recusar mesmo se eu quisesse.

Um silêncio denso se cravou entre nós enquanto ele parecia juntar forças para começar o que queria me dizer. Talvez todos os anos em que passou ali sozinho deixassem a comunicação mais difícil, ainda mais sobre aquilo. Talvez fosse difícil demais ter que lidar com tudo aquilo em um dia como aquele, onde ele estava tão lúcido. Talvez tivesse se lembrado de coisas que desejava não lembrar.

Existiam muitos “talvez” quando se tratava de Junmyeon. Ele, por si só, era um grande talvez.

Quando começou a contar, só confirmou tudo aquilo.

Aquela foi uma noite quase tão longa quanto os anos em que ele esteve preso ali.

 

 

Junmyeon não se lembrava do sobrenome de Haesoo, mas recordava com detalhes o dia em que ela tinha nascido. Quando a garota deu os primeiros indícios de que viria ao mundo, Junmyeon já estava esperando-a ao lado de sua mãe, que fazia mil esforços para parir sua primeira criança. Lá fora caía um dos piores temporais que aquela cidadela tinha visto em anos, e um relâmpago clareou o céu cinzento no mesmo instante em que o primeiro grito do bebê ecoou no hospital. O ano de 1974 já tinha se esgotado pela metade quando os olhos escuros de Junmyeon encontraram os de sua protegida pela primeira vez desde que ele recebera a notícia de que sua hora de ir para a Terra estava próxima. Dali em diante, aqueles seriam os únicos olhos que o anjo da guarda encararia por um bom tempo.

Enquanto a economia daquele país que era tão novo crescia, a menina cresceu também. Dotado da paixão que só os anjos que são incumbidos de guardar humanos possuem, Junmyeon a seguia por todos os lados como um fiel escudeiro protegendo sua princesa. Haesoo não era uma criança doce, tinha uma teimosia atípica correndo nas veias. Não gostava de ir para a escola, então costumava se “perder” no meio do caminho quase todos os dias, geralmente indo parar na praia e voltando encharcada para casa. Havia aprendido a nadar quase tão cedo quanto a andar, ensinada pelo pai, um comerciante calado que gostava mais do mar do que da própria casa. Sua mãe, dona de casa, falava pelos dois e gostava de ouvir rádio enquanto realizava os afazeres sem fim do pequeno lar. Nenhum dos dois costumava dizer palavra alguma quando a filha chegava em casa cheirando à água salgada no fim da tarde, com a pele morena do sol. Obra de Junmyeon, na verdade. Ele não gostava de ver seu botãozinho de flor ser repreendido enquanto tudo o que ela queria era um pouco de liberdade.

A quantidade massiva de provas e as notas baixas conseguiram, por fim, prender um pouco do instinto fugitivo daquela garota que mais parecia um moleque por conta das pernas cheias de roxos. Seu anjo da guarda não gostava tanto de sussurrar respostas de testes quanto gostava de ir à praia, mas ajudar sua protegida a ser aceita no colégio também era sua obrigação. O fato de ser julgada como um mau exemplo pelas outras crianças dificultava a socialização na escola, onde ela só tinha uma única amiga, a franzina Yerin. Junmyeon também não conseguia lembrar como as duas se aproximaram, mas não se importava muito com isso. Tudo o que ele queria era que sua preciosa Haesoo fosse feliz e saudável.

Depois da aparição de Yerin, os cenários começaram, aos poucos, a se diversificar. Haesoo não ia apenas para a praia, tinha estendido seus horizontes para a montanha que ficava atrás da pequena vila de pescadores, no final da costa da cidade. Mais especificamente, para o cemitério que ficava quase escondido no topo dela.

“Tem certeza de que podemos entrar aí, Yerin?” Aquela pergunta ainda ecoava muito viva nas memórias do anjo.

“Claro” tranquilizou a outra garota. “Meu pai é o coveiro. E o zelador. Pintor requisitado de lápides e jardineiro nas horas vagas.”

Junmyeon sempre pensou que Yerin era esperta demais para a década de vida que tinha.

O cemitério da cidade, que era ainda menor naquela época, não era muito diferente do atual. A pintura branca de cal dos túmulos já sofria com a maresia, e as mesmas trepadeiras cresciam entre as casas de descanso eterno, como se quisessem penetrar nas lápides, o que acontecia por vezes.

A desconfiança inicial foi trocada por um semblante calmo assim que a humana deixou de encarar os túmulos enfileirados e se concentrou no que estava no horizonte, no final daquele gramado salpicado de branco. Lá, depois do fim da montanha, estava o mar, azul e brilhante, comungando com o céu repleto de nuvens brancas. De alguma forma Haesoo soube que aquela cena ficaria gravada em sua mente para sempre.

Durante quase dois anos aquele lugar foi o ponto de aventuras das duas crianças, muitas brincadeiras e segredos foram trocados ali, assim como tristezas e alegrias. Haesoo amava Yerin, assim como Junmyeon, que já sabia que aquela seria uma amizade duradoura. Todavia, não foi assim que aconteceu. A última visita de Haesoo ao cemitério foi marcada por uma chuva triste, que se misturou com suas lágrimas. A humana de Junmyeon prometeu que nunca mais voltaria àquela montanha, ao contrário de sua melhor amiga Yerin, que ficou ali para a eternidade.

No fim do enterro, depois que todos tinham ido para casa, Haesoo sentou ao lado do túmulo de sua amiga, segurando uma flor qualquer nas mãos. Viu o sol se pôr e as estrelas brilharem junto com a lua. Quando amanheceu, seu pai a encontrou dormindo na grama úmida de orvalho, tremendo como um gatinho. Após acordá-la, não disse uma palavra sequer. A única coisa que fez foi esperar a filha se levantar e dar as costas para a paisagem, indo em direção à saída. Menos de um mês depois, por conta do bom rendimento dos negócios e da tristeza que via a filha carregar, ele a mandou para a avó, que morava na capital.

Haesoo tinha quase onze anos quando deixou os pais sozinhos e pisou pela primeira vez em Seul, que era tão diferente da sua úmida cidade natal, que cheirava à maresia e peixe fresco. Daí em diante, tudo se tornou diferente. Junmyeon não conseguia mais prestar atenção ao que acontecia em volta de sua querida humana, pois estava ocupado demais tentando mantê-la em pé. Os novos problemas pessoais e as novas dificuldades só pareciam crescer junto com ela, e a vida na capital era ainda mais difícil. Se antes só tinha olhos para Haesoo, depois da mudança não olhava nem para os lados. Se fosse recomendado responder com sinceridade, o anjo diria que não se lembrava de praticamente nada dos anos passados fora da cidade natal da protegida, só o que sabia era das mudanças de sua criança, nada mais. Apenas as lembranças da infância estavam realmente vivas em sua memória. Junmyeon suspeitava de que o mesmo acontecia à Haesoo. Por escolha, talvez.

 

Quando voltou da capital, foi ainda mais estranho. Junmyeon demorou algum tempo para notar que aquela não era a casa de infância de Haesoo e que a mãe dela estava morando no hospital. Ele não pisava naquele lugar desde uma febre alta que a garota teve aos oito anos de idade, mas mesmo um anjo da guarda concentrado percebeu a diversidade de seres celestiais que estavam por ali. Assim como a criatura de vestes longas e negras que rondava o quarto enquanto Haesoo olhava para a mãe internada. Ele entendia o que aquilo significava, e se sentia aliviado por sua humana não poder ver aquilo, apesar de seu coração lhe dizer que, mesmo sem ver, ela já sabia.

Os dias seguiram metódicos, cinzentos e úmidos. Tão parecido e tão diferente de Seul ao mesmo tempo, com uma camada de melancolia que parecia pairar constantemente sobre sua protegida, sem abandoná-la. Às vezes, Haesoo se lembrava de Yerin e pensava se não seria uma boa ideia visitá-la no topo da montanha, mas a menor lembrança daquele cemitério remetia à sua mãe, deitada no leito do hospital. Foram tempos difíceis onde Junmyeon cuidou de Haesoo e Haesoo ouviu Junmyeon, mesmo sem saber. O laço entre humana e anjo ia se estreitando mais e mais à medida que a doença levava a senhora deitada no leito do hospital aos poucos, como se fosse uma compensação por tudo o que estava acontecendo. Junmyeon não entendia, mas não via necessidade em entender as coisas puras. Essas simplesmente aconteciam.

Numa manhã onde o sol finalmente tinha resolvido aparecer, Haesoo saiu de casa como fazia todos os dias, caminhando sem pressa em direção à avenida beira-mar. Contudo, não foi até o ponto de ônibus como das outras vezes, mas sim para o lado contrário, onde um pequeno contingente de pessoas circulava entre os estabelecimentos concentrados ali. Parou para encarar o mar e chegou a fazer menção de que iria até o píer, ideia que durou muito pouco tempo. Ela tinha algo importante para fazer e logo retomou seu caminho. Junmyeon a seguia como a boa sombra que era.

Quando a garota abriu a porta da loja de ferragens que ficava entre a farmácia e a relojoaria, Junmyeon por pouco não ficou para o lado de fora. O barulho estridente do sino que estava acoplado à porta ainda soava quando foi sufocado pela queda de uma caixa atrás do balcão, chamando a atenção do anjo que não viu ninguém, ao contrário de Haesoo, que se aproximou.

“Ei, está tudo bem por aí?” Ela se debruçou sobre a bancada de atendimento, fazendo com que o anjo da guarda fosse correndo até ela, receoso dos inúmeros perigos que estavam abrigados na loja de ferragens.

Outro ruído de objeto derrubado foi ouvido antes da resposta.

“E-está!” Uma voz afoita soou entre a confusão de parafusos, brocas e cabelo castanho que Junmyeon via perto do chão. “Eu só me desequilibrei, só isso...”

“Tudo bem, só tome mais cuidado. Você sabe que seu chefe não gosta de bagunça, não é?” Ela comentou enquanto o outro humano se levantava.

Finalmente com as mercadorias em suas devidas caixas, um garoto de no máximo 14 anos se levantou, o rosto vermelho como uma pimenta. As mechas de seu cabelo castanho estavam alinhadas num corte padrão, e o mesmo uniforme escolar que Haesoo usava antes de ir morar na capital estava escondido por baixo de um avental bege que parecia grande demais para ele. Seus olhos inquietos pareciam olhar para qualquer lugar, menos para sua humana.

“Sim, eu sei” ele respondeu contido. Talvez estivesse com medo que Haesoo contasse sobre seu manejo desastrado.

“Falando nele, onde está?” Ela se esticou outra vez por cima do balcão, fazendo com que o garoto se afastasse dele com a rapidez que só a timidez provoca.

Ainda atordoado pela aproximação da garota, ele apenas indicou uma porta coberta por uma cortina de contas de madeira, que ficava entre duas prateleiras repletas de várias tralhas humanas que Junmyeon não fazia ideia do que eram.

“Ah, o depósito” ela concluiu. “Pai! Eu já estou aqui!” Não poupou a garganta.

Poucos segundos depois, o pai de Haesoo passou pela cortina de contas, trazendo nos braços mais uma caixa cheia de tranqueiras pequenas. Para Junmyeon parecia cansado e bem mais velho do que da última vez em que tinha realmente prestado atenção nele. Olhando ao redor, o anjo supôs que aquele estabelecimento era o comércio de onde ele tirava as economias da família. Perguntou-se como não se lembrava daquele lugar, mas não conseguiu achar uma resposta exata. Tudo o que se lembrava era de Haesoo. Fazia algum tempo que não se sentia curioso sobre o mundo ao redor dela, aquela era a primeira vez em muito tempo.

O fato de que conhecer sobre o mundo em que ela vivia poderia ajudá-lo a cuidar dela pareceu quase uma aparição milagrosa para Junmyeon. Foi sua maior descoberta desde que aprendeu que não era uma boa ideia deixar Haesoo comer terra.

“Chegou cedo, Soo” ele abandonou a caixa na bancada e limpou as mãos em um pano que estava por ali. “Achei que viesse às 10.”

“E eu vinha, mas achei que seria uma boa ideia te dar algum tempo para passar em casa ao invés de ir direto para o hospital” explicou.

“Bom, acho que estou mesmo precisando de um banho” ele deu uma boa olhada em si mesmo. “Eu acabei de mexer em uma poeirada sem fim.”

“Eu nem tinha notado.”

Quieto como se quisesse fazê-los esquecer de que estava ali, o humano atrás do balcão observava tudo com os olhos castanhos bem atentos, sem saber que também era observado por Junmyeon. Curioso, o anjo da guarda notou que o garoto não simplesmente assistia à cena, mas sim encarava sua Haesoo. Olhou da humana para ele algumas vezes, tentando entender o porquê daquela intensidade que ele carregava no olhar. Depois de pensar um pouco em tudo o que sabia sobre os humanos, concluiu que só poderiam existir duas justificativas para aquele olhar tão dedicado. A primeira opção – que deixava o anjo muito orgulhoso – era que Haesoo era tão bonita que ele não conseguia parar de olhar, já a segunda era confusa e tinha um pouco a ver com a primeira. Matutou, e quando mais cravava seus olhos naquele menino, mais achava a primeira hipótese rasa. Aquele humano olhava para sua Haesoo como se não quisesse que ela fosse embora. Como se estivesse apaixonado.

“Eu volto no fim da tarde então” o homem velho saiu detrás do balcão, fazendo com que tanto Junmyeon quanto o garoto se desprendessem de seus focos.

“Certo, pode deixar que eu cuido das coisas por aqui” disse Haesoo.

“Até depois então. Obedeça à sua sunbae, garoto.” se dirigiu ao humano antes de sair.

Sozinho ali com Haesoo, Junmyeon percebeu que os olhos dele se tornaram fugidios de novo, e seu rosto vermelho outra vez. A possibilidade daquele garoto desconhecido estar apaixonado por sua humana lhe era no mínimo estranha.

“Sunbae...” Haesoo riu do comentário do próprio pai “ele acha que você está onde, na escola? Pode me chamar de noona. E falando nisso, por que não está na escola?”

O garoto pareceu ficar apavorado com a pergunta repentina, procurando a resposta na caixa de quinquilharias que estava à sua frente. Ele não parecia ser alguém de muitas palavras, ao contrário de sua humana.

“Eu... Ahn...” parecia ficar mais nervoso a cada segundo “Só teremos atividades à tarde, é um campeonato de futebol, sunbae...” o olhar repreendedor de Haesoo o acertou sem dó ”Noonim.”

Haesoo suspirou.

“Noona, Jongdae. Só noona.”

Aquela foi a primeira das muitas vezes em que Junmyeon encontrou Jongdae.

 

Duas semanas depois, o telefone de Haesoo tocou no meio da noite. Sua mãe havia falecido. Aquela foi a segunda vez que Junmyeon a viu derrubar tantas lágrimas de uma só vez. Sua humana não chorava daquele jeito desde a morte de Yerin, há treze anos.

Haesoo compareceu ao funeral, mas não o enterro. Enquanto seu pai e uma dúzia de conhecidos subiam a montanha rumo ao cemitério, o anjo da guarda acompanhava sua protegida em um passeio silencioso pela areia da praia, sentindo-a um pouco mais sozinha do que o de costume. Sentindo-se um pouco mais só também. De algum jeito, aquele lugar o fazia ser daquela maneira. O fazia sentir muito mais do que deveria.

E o distraía também.

Aquela foi uma época conturbada tanto para o anjo quanto para a humana, mas de formas totalmente diferentes. Existiam coisas naquela cidade que despertavam Junmyeon aos poucos, que o individualizavam.

 

O tempo começou a passar e sua protegida nunca mais voltou para a capital, o que só parecia piorar as coisas. A moça se tornava cada vez mais independente de seu anjo, que só via os perigos aumentarem a cada dia que passava. Não entendia como não tinha percebido antes, mas aquela cidade estava repleta de demônios. As criaturas andavam por aí, se esgueirando pelas sombras ou até mesmo desfilando por entre os humanos em plena luz do dia. Às vezes, cumprimentavam Haesoo quando passavam por ela, depois, riam sarcásticos para Junmyeon, fazendo-o se desesperar.

Entretanto, não eram só os demônios que o preocupavam. Havia aquele garoto também. Jongdae. Existia algo naquela devoção tímida que o adolescente prestava à sua humana que o irritava profundamente. Não gostava dos olhares furtivos que ele lançava à ela enquanto a moça estava ocupada ajudando o pai na loja. Não gostava daquela proximidade que se erguia aos poucos e da curiosidade sem fim do garoto. Gostava menos ainda de quando ele levava doce para ela e do fato de que ele tinha deixado de ser um menino. Porém, o que mais detestava era ouvi-lo chamá-la de noonim.

Junmyeon não sabia, mas estava com ciúme do ajudante da loja de ferragens.

E foi nessa explosão de sentimentos desconhecidos que, numa tarde, depois de flagrar Jongdae observando Haesoo caminhar, Junmyeon o seguiu por puro impulso. Queria tanto saber quem ele era e que tipo de coisa fazia que, quando notou, tinha saído do lado da própria humana e caminhava junto ao anjo do garoto.

Sozinho, Jongdae andava pela orla sem muita pressa, percorrendo um caminho que Junmyeon e Haesoo tinham feito várias vezes de ônibus nas últimas semanas. Demorou um pouco mais do que ele estava acostumado para chegarem ao hospital, mas estavam nele antes do sol começar a se pôr.

Sem entender o porquê do humano estar ali, ficou curioso. O que alguém como ele faria no hospital? Ele não deveria ter ido para casa?

Junmyeon ficou ainda mais confuso quando o acompanhou até uma ala cheia de crianças adoentadas, que sorriram ao ver o adolescente. Continuou a se surpreender quando ouviu o adolescente contar histórias para elas e arriscar algumas canções infantis, que soaram muito mais bonitas do que o anjo gostaria de admitir. Também se espantou quando, ao invés de ir embora, Jongdae atravessou o que um dia foi um jardim e penetrou numa construção abandonada que aguardava do outro lado. Acima de tudo, ficou assustado consigo mesmo por acompanhá-lo até o fim.

Após daquela tarde, Junmyeon soube que as coisas não seriam mais as mesmas. Talvez seu coração tivesse lhe dito aquilo, mas ele não se lembrava. Tudo parecia muito distante, apesar de ele não ter ideia alguma do tempo que havia passado. A única coisa da qual ele sabia era que, aos poucos, começou a se afeiçoar a Jongdae. O ciúme foi se despedaçando e uma vontade estranha de estar perto dele tomou seu lugar. Ficava feliz quando Haesoo ia até a loja, pois isso significava que iria vê-lo. Também gostava de fingir que era a ele que os olhos castanhos do garoto seguiam, ao invés da humana.

Depois de descobrir onde Jongdae morava, não demorou muito até que ele começasse a deixar Haesoo sozinha e ir até a janela do outro humano observá-lo até tarde da noite. Às vezes, só voltava no dia seguinte. Foi em uma dessas saídas clandestinas que encontrou Kyungsoo pela primeira vez das muitas que viriam. Assim como foi no meio delas que começou a se apaixonar, apesar de não saber que o que estava acontecendo tinha esse nome.

 

A primeira pena caiu no dia em que o inverno daquele ano chegou. O frio já o incomodava desde o início do outono, e agora ele usava uma roupa que Kyungsoo havia arranjado. A camisa social branca e as asas haviam sido cobertas por uma enorme jaqueta azul. Junmyeon já não ficava mais todos os dias ao lado de Haesoo como fazia antes, mas isso acontecia por que sua memória e percepção de tempo nunca haviam funcionado direito. O que começou com um dia todo de ausência terminou em uma semana inteira. Enquanto um humano era escoltado por dois anjos da guarda, outro alguém andava mais só do que deveria. Era muito difícil lembrar o caminho de casa. Jongdae era a única coisa que sempre estava clara na mente de Junmyeon.

Um dia, acompanhando o adolescente nas visitas que ele fazia às crianças, algo estranho aconteceu. Sentado na cama de um menininho, Junmyeon viu Jongdae sair para conversar com uma das enfermeiras e decidiu ficar esperando. Estava tão concentrado no pouco que podia ver do humano do lado de fora que quase não notou os repetidos puxões na manga de sua jaqueta. Estava praticamente convencido de que estava maluco quando seus planos foram interrompidos.

“Você também veio para contar histórias pra gente?” Os olhos escuros do menino deitado na cama o miravam curiosos “Foi o Jongdae hyung quem te trouxe? Ele disse que ia precisar arranjar alguém novo.”

Tentou encontrar mais motivos para tomar aquilo como uma alucinação, mas uma outra criança lhe estendeu um livro colorido antes disso. Devia ter se assustado quando descobriu que sabia ler, mas aquela situação já era assustadora o bastante para que ele conseguisse se concentrar nos detalhes. A pressão era tanta que ele estava agindo no piloto automático.

Estava na parte onde o nariz do boneco de marionete crescia quando o que já parecia ruim o suficiente conseguiu piorar.

“Quem é você?”

Quando a voz de Jongdae ecoou no ambiente, Junmyeon jurou que seu coração havia parado de bater. Não sabia dizer se a sensação tinha durado um segundo ou um minuto. O tempo era sempre indeciso quando estava com ele.

“É um hyung novo que veio para ler histórias” o garotinho o salvou.

O olhar desconfiado do adolescente foi substituído por alívio e um sorriso simpático que fez o coração de Junmyeon falhar novamente. Tinha visto Jongdae sorrir mais vezes do que poderia contar, mas a sensação de ter aquele sorriso dirigido para ele foi quase além do que ele achava que conseguiria aguentar. Contudo, sobreviveu. Deixar de existir enquanto recebia um sorriso como aquele não parecia uma opção muito inteligente.

Naquele dia, cuidaram das crianças juntos, e Junmyeon descobriu uma porção de coisas além de que sabia ler. Inventou histórias e as contou tanto para as crianças quanto para Jongdae, escutou a própria voz entoar canções e gostou de ouvir o quão doce ela era. Notou ainda que, diferente do que deixava transparecer, o ajudante da loja de ferragens falava muito e parecia tão necessitado quanto ele de alguém para conversar.

A amizade entre o anjo e o humano aconteceu tão espontaneamente que pareceu quase planejada. Se encontravam três vezes por semana no hospital, e depois começaram a andar pela cidade, passeios esses que era sempre patrocinados por Kyungsoo. Junmyeon tinha que tomar cuidado, pois nunca sabia se as pessoas o estavam vendo ou não. Ele era como uma televisão com sinal ruim, mas sua imagem sempre estava nítida quando estava com Jongdae. A inconstância da sua visibilidade fez com que ele se afastasse ainda mais de Haesoo, de quem raramente se lembrava.

Aos poucos, foi ficando mais nítido, cada vez menos como costumava ser, cada vez mais humano. As penas já haviam caído tanto que ele quase não parecia ter asas e, às vezes, sentia até fome. Se lembrava bem do dia em que Kyungsoo sugeriu que ficasse escondido na ala abandonada do hospital, garantindo que faria com que ninguém notasse, por mais óbvio que fosse. Aquela foi apenas uma das coisas que marcaram aquele dia, que estava fresco como tinta na memória do anjo da guarda. Apesar de pensar que sua existência já tinha mudado o máximo possível, descobriu que estava enganado. Depois de brincarem com as crianças, Jongdae o acompanhou até o prédio velho e, sem explicar nada, o beijou. O escuro do saguão não foi capaz de mascarar o nervosismo e a reciprocidade do sentimento que ambos compartilharam quando tocaram os lábios um do outro.

Jongdae e Junmyeon se beijaram mais uma centena de vezes, assim como passearam e conversaram sobre tudo, sem nunca cansar. Uma vez o humano perguntou ao anjo se estavam namorando e, mesmo sem saber exatamente o que era aquilo, ele respondeu que sim. Depois daquilo, as coisas ficaram ainda mais diferentes, mas de um jeito bom. Não existiam reclamações da parte de Junmyeon, muito pelo contrário, ele estava mais feliz do que nunca. Ele não via nada que envolvesse seu “namorado” como algo ruim, mesmo que muitas coisas parecessem novas demais.

 

Um dia, Jongdae disse que queria apresentá-lo para alguém muito importante. Quando Junmyeon contou a Kyungsoo, recebeu a notícia de que só poderia realmente fazer parte do mundo do humano se contasse a ele a verdade. Foi o que bastou para que o anjo passasse a noite em claro. Nunca havia lhe passado pela cabeça revelar a Jongdae que era uma criatura diferente dele. Nunca até pensar naquilo pela primeira vez e começar a enxergar sentido e necessidade em contar. Sentia que, se não o fizesse, ele e Jongdae não poderiam ficar juntos.

E isso não era algo agradável de se imaginar.

No dia seguinte, a primeira coisa que Junmyeon fez foi telefonar para Jongdae e pedir que ele viesse encontrá-lo no fim da tarde.

Jongdae não veio.

Também não apareceu no dia seguinte.

Muito menos no resto da semana.

Na primeira tentativa de ir procurá-lo, Junmyeon descobriu que não conseguia mais sair do prédio abandonado. Desesperado por estar preso por uma força que não podia ver, tentou arrombar a porta e as janelas, ferindo as mãos e os pés. As primeiras feridas sempre se curavam, ao contrário das do segundo tipo. Quando perdeu os sapatos, aprendeu a conviver com os pés, sempre feridos por conta das tentativas diárias de escapar. Doze anos de espera escorreram como água pelo ralo, mas ele não desistiu.

 

Junmyeon abriu tanto seu coração que nunca mais conseguiu fechá-lo.”

 

 

~X~

 

“Porque -eu te amo-, porque as palavras -eu te amo-

Não são o suficiente, não importa o que eu diga

Eu te amava tanto, para onde você foi?

Você foi para longe porque não gostava mais de mim?

 

Não brinque, eu sei que você está ai

Eu sinto que você aparecerá, então estou apenas esperando

Eu preciso te encontrar, preciso te encontrar

Se eu chorar agora, talvez eu não veja você”

Don’t Wanna Cry,  Seventeen

 

~X~


Notas Finais


Muito obrigada por ler!

Resuminho: Sehun assustado; Sehun fujão; Sehun cego na ala abandonada; Sehun com medo na ala abandonada; Sehun mais desesperado que criança chamando a mãe enquanto procura o Suho; Sehun achando o Suho; Suho enigmático; Suho chorão; QUeM é hAesoO?; Flashback para os tempos de brilhantina do nosso líder; Haesoo y soy rebelde; Haesoo e sua best Yerin; Haesoo sem sua best Yerin; Haesoo em Seul; Haesoo de volta à cidadela que eu nunca falei o nome; Jongdae ajudante da loja de ferragens; Jongdae tem um crush na Haesoo?; Suho ciumento; Suho apaixonado pelo Jongdae; Bom dia Kyungsoo, você por aqui?; Suho esquecido; Suho aparecido; Suho revelador de segredos; Suho esquecido pelo Jongdae. É o que temos pra hoje, nenês.

Eu preciso dizer que não estou muito segura com esse capítulo, escrevi ele TODO manuscrito e isso me prejudicou um pouco, mas eu não achei que ficou tão ruim. Eu me inspirei no escritor Carlos Ruiz Zafón (alguém aí já leu "A sombra do vento" e derivados?), que sempre conta as histórias do passado em forma de flashback em terceira pessoa. Claro que não ficou legal igual os que ele faz, mas acho que consegui colocar meu estilo.
Aprendi também que terceira pessoa realmente não é o meu forte kk

Tem tanta coisa importante nesse capítulo que é reveladora que eu nem sei mais o que eu to fazendo aqui hehehehe


P.s: Além disso, mais alguém aqui é My Day? Estou precisando de fanfics do Day6 por que eu estou um pouco fanática por eles faz uns meses kk socorro. Amém I Smile. Amém Sunrise.

Beijos e até o próximo, que se deus quiser sai ainda esse mês e também vai ser desse tamanho.

Me contem as teorias! Tenho certeza de que esse cap rendeu algumas!


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