História O Auto do Busão do Inferno - O jogador de futebol

Cena II

Entra o jogador de futebol, vestindo o uniforme de seu time, carregando uma bola embaixo do braço.

DIABO – Ora, quem vem até meu busão! É o grande craque, Jorge Gusmão!

JOGADOR – Fazer o quê, eu sou o melhor! Um time inteiro em relação a mim é pior!

DIABO – Grande artilheiro do time líder do campeonato, jogador nato.

JOGADOR – Eu sou fantástico! Mas o que você faz aí, estático?

DIABO – Logo saberás, não podes voltar atrás. Mas, me diga, que morte lhe deu partida? Morreu de bala perdida?

JOGADOR – De carro fui vítima de acidente. Confesso que não sou prudente.

DIABO – Bem, vá entrando no busão. Não guiarei na contra-mão.

JOGADOR – E esse transporte que tem de enxofre odor não possui nenhum cobrador?

DIABO – Pagaste a passagem em vida. A viagem é só de ida.

JOGADOR – E para onde leva essa lata de sardinha? Até o fim da linha?

DIABO – Ela leva até o estádio do suplício, onde as torturas terão início!

JOGADOR – Então essa lata velha vai até o inferno? Não irei de modo algum ao castigo eterno! Sou artilheiro e tricampeão, jogo com a camisa e o coração!

DIABO – Não se mime, nem torço pro seu time. Gosto é do Flamengo, aquele time é o meu dengo. Além disso, sua lista não é nada pequena. Não poderei aliviar sua pena.

JOGADOR – Então, chifrudo aprendiz, o que de errado eu fiz?

DIABO – Você se esqueceu de seus amigos de infância, não lhes dando nenhuma constância. Foram eles que lhe ensinaram a jogar futebol, e mesmo rico deixou que trabalhassem duro sol a sol.

JOGADOR – Pecado menor, seu mariquinhas! Sempre tirei fotos com as criancinhas!

DIABO – Pouca percepção para o caso já vi que tem, só para clube estrangeiro é que joga bem. Depois dos quarenta, na política tentou ter seu final, para falar que Copa não se faz com hospital.

JOGADOR – Mas dediquei a Jesus cada gol que fiz, até mesmo se a bola bateu na trave por um triz!

DIABO – Então, caro Gusmão, por que não tenta a sorte no outro busão?

JOGADOR, se aproximando do transporte celeste – Você desse ônibus é motorista ou é um simples manobrista?

ANJO – Sou eu o guia desta celestial carruagem, mas infelizmente não posso lhe dar passagem.

JOGADOR – Eu posso saber a razão, de tamanha desconsideração?

ANJO – Jogador mercenário, fez até seu treinador de otário. Nunca jogou com o coração, apenas para autopromoção. E ainda por cima deixou os amigos em deficiência, eles que lhe ensinaram futebol com paciência. Passou com os pobres mais de um dia inteiro, mas movido sempre pelo dinheiro. Você sempre enganou o povo de forma revoltante, justo ele que assistia aos seus jogos sob o sol escaldante.

JOGADOR, voltando para o Busão do Inferno – Perdi tudo, caro chifrudo...

DIABO – Irás agora jogar pelada onde o Judas perdeu as botas, junto com outras escórias mortas! (O jogador entra no ônibus).