Será que era normal tremer tanto antes de algo importante ou eu estava no meio de uma crise de ansiedade? Era difícil dizer.
Puxei a manga da blusa que eu usava até que elas cobrissem meus punhos cerrados. Não sentia frio, mas pelo tremor em todas as partes do corpo, parecia que sim.
Olhei o relógio do celular pela vigésima vez, vendo que ainda faltavam vinte minutos para o início da prova. Argh. Por que cheguei tão cedo? Por que acordei tão cedo? Por que eu estou tão aperreado?
Quinze minutos. Droga. Estou tremendo mais ainda.
Será que trouxe a caneta certa? Verifiquei as duas canetas que eu havia trazido, vendo que as duas eram pretas. Graças a Deus.
Dez minutos. O prédio estava cheio. Olhei todos os rostos, mas não reconheci nenhum. Nenhum (ex) amigo meu da escola. Nenhum conhecido. Nenhum vizinho. Nenhum primo que as vezes encontro por aí.
As conversas eram poucas. Alguns cumprimentos ali e aqui, algumas risadas baixas. Duas meninas com tranças no cabelo conversam alegremente entre si, mas em tom baixo. Parecia que já estávamos na sala, apenas esperando a prova vir para nossa mesa para enfim mergulharmos em um silêncio total.
Cinco minutos. Dois minutos. Um minuto.
Fomos todos chamados para dentro. Tivemos que entregar nosso celular e qualquer outro pertence para um segurança na porta, que guardava tudo em saquinhos de plástico, selava, e então, nos entregava de volta. Fui um dos primeiros a entrar e me sentei no fundo. Deixei o saquinho em baixo da cadeira e as canetas na mesa.
A prova tinha duração de até cinco horas. Podíamos entregar depois de duas horas na sala. Tinha a impressão de que iria passar as cinco horas inteiras na sala.
Passei três horas.
Entreguei a prova e saí da sala, quase me esquecendo de pegar minha sacolinha. Fui para o lado de fora do prédio e rasguei o plástico, pegando meu celular e ligando para Yoongi. Ele mesmo pediu para que eu o ligasse quando eu terminasse, então acatei seu pedido. Ele chegou uns quinze minutos depois, quando a calçada já estava cheia de outras pessoas que também haviam feito a prova.
— E aí? — ele perguntou quando eu entrei no carro. O fuzilei com o olhar. — Ah, sim. Palavra proibida. Como foi a prova?
— Não sei.
Ele me olhou, esperando uma resposta melhor. Encolhi os ombros.
— Não sei, Yoongi. Tinha umas questões fáceis, outras difíceis, e... Sei lá.
— Como você acha que foi?
Pensei por um momento.
— Bem — respondi.
— E a redação?
Suspirei. A última coisa que queria fazer agora era responder a esse tipo de pergunta. Odiava terminar uma prova e todos saírem me perguntando como eu achava que tinha ido. Eu nunca tinha uma resposta certa. Se eu dissesse “fui ótimo” sairia muito convencido. Se eu dissesse “foi péssimo” possivelmente ele iria me consolar.
Ah, céus, por que me importo tanto com o que ele vai pensar?
— Acho que fui bem. Também. Eu fazia muitas redações no ensino médio. Minha professora de línguas passava várias para nós. Uma ou duas por mês.
— Ah, isso é bom — Yoongi comentou.
Desviei meu olhar para janela, esperando que ele entenda que quero encerrar o assunto.
— Está com fome? — ele perguntou, por fim.
Assenti. Estava faminto. Havia me esquecido de trazer um lanchinho e havia comido pouco em casa, mesmo com meus pais insistindo para que eu comesse mais.
Yoongi parou o carro em frente a uma lanchonete. Desci do carro e olhei para cima, para ver o nome do local, vendo que estávamos no Subway. Quando Yoongi veio para o lado, ergui uma sobrancelha pra ele.
— Você não queria vir pro Subway comigo um dia? — ele perguntou.
— Era disso que eu estava lembrando — eu disse, e ele sorriu.
Entramos na lanchonete, indo pegar a curta fila para fazer nossos pedidos. Depois de pegarmos os lanches e pagarmos, fomos para uma mesa perto da janela para comer.
— Então — Yoongi disse — já tem planos para quando for para a capital?
— Eu nem tenho certeza se vou...
Ele revirou os olhos.
— Pare de ficar falando assim, Jimin. É claro que vai.
Tomei um gole do meu refrigerante antes de dizer algo. Yoongi estava certo. Como todo aquele meu positivismo de quando eu recebi a confirmação da matrícula pôde ter sumido de um dia para o outro?
— Bem, eu e meus pais conversamos bastante nos últimos dias — respondi. — Vou ficar no dormitório da faculdade mesmo. Não tem necessidade de alugar um apartamento ou coisa assim.
— Sabe que vai ter que dividir quarto, certo? — ele lembrou.
Estremeci só de pensar. Sempre dormi sozinho, por não ter irmãos. A ideia de ter que dividir quarto com um desconhecido me assustava. E se eu acabasse caindo com um louco ou coisa assim?
— Eu sei. — Suspirei. — Vou ter que aprender a fazer amizades.
— Você consegue. Vai frequentar muitas festas, hm? — ele comentou, com um sorriso brincalhão nos lábios.
Balancei a cabeça.
— Deus me livre — eu disse, fazendo-o rir. — Se for igual as que eu vejo nos filmes colegiais, prefiro ficar longe.
— Você tem que interagir.
— Eu tenho que estudar.
— Ah, não vá ser careta, Jimin — ele repreendeu. — Você vai estudar e vai para festas. Tem tempo pra tudo.
— Você está me dando um péssimo exemplo, Min Yoongi! — exclamei. — Deveria estar me dizendo para estudar, e não frequentar festas!
Ele riu novamente.
— Eu também estou te dizendo para estudar — disse.
Balancei a cabeça novamente, voltando minha atenção para a janela. Um grupinho de cinco amigos passou pela calçada, rindo e empurrando uns aos outros. Os acompanhei com o olhar até que eles virassem uma rua, sumindo do meu campo de visão.
Voltei o olhar para Yoongi, vendo-o afastar alguns fios de cabelo da testa.
— Você sempre pintou o cabelo? — perguntei, chamando sua atenção. — Ou o verde foi sua primeira experiência?
— Sempre pintei — ele respondeu, esfregando os olhos como se tivesse acabado de acordar. E eu não duvidava que fosse isso mesmo. — Desde a escola. Eu pintei de ruivo na primeira vez. Depois castanho claro. Depois descolori. — Ele estreitou os olhos, tentando se lembrar de mais. — Aí depois que eu comecei a experimentar essas cores mais chamativas.
— Vai pintar novamente nas próximas férias?
— Talvez. Atualmente tenho certa preguiça de pintar. Não tenho tempo pra ficar cuidando.
— Que cor tem em mente?
Ele pensou.
— Azul.
Sorri. Eu gostava de azul.
— E você? Também sempre pintou?
— Não. Quer dizer, mais ou menos. Eu descolori na primeira vez, mas eu não cuidava direito, então decidi voltar a cor original. Depois tentei o ruivo, mas odiei. Aí eu vi alguém de cabelo laranja na rua e pensei: “eu tenho que pintar meu cabelo de laranja!”, e pintei.
— E vai continuar pintando?
— Não — respondi. — Vou estar muito ocupado estudando.
— Ah. — Ele sorriu. — Está certo.
Saímos alguns minutos depois. Pedi para Yoongi me levar para casa, embora quisesse passar mais tempo com ele. A ideia de que em algumas semanas eu (possivelmente) pararia de vê-lo com frequência me atordoava, e eu queria aproveitar cada momento com ele, mas ainda tinha que falar com meus pais.
— E então? — minha mãe perguntou assim que eu cruzei a porta da sala.
Fui até o sofá, me sentando entre ela e meu pai. Como era domingo, eles não trabalhavam. Pela televisão ligada, presumi que eles estavam assistindo algo. Observei o suposto filme por um instante, mas não consegui reconhecer qual era.
— Acho que fui bem — falei, tentando deixar minha confiança transparecer. Pareceu funcionar, já que eles sorriram.
— Quando sai o resultado? — meu pai perguntou.
— Eles deram duas semanas — respondi. — No máximo.
— Rápido assim?
Dei de ombros.
— Não tinha nem quarenta pessoas na sala. E eles liberam os resultados por município, então... Digo, tem um grupo corrigindo a prova em cada município. Deve sair rapidamente. — Apertei minhas mãos uma na outra. — Estou nervoso.
— Não precisa ficar, Jimin — minha mãe me confortou, passando um braço pelos meus ombros. — Você vai arrebentar.
Assenti. Eles voltaram a atenção para o filme. Tentei assistir junto com eles, mas estava com a cabeça na lua e não conseguia prestar atenção. Me levantei do sofá e fui pro quarto. Me joguei na cama e peguei meu celular. Sorri antes de abrir as mensagens.
jimin
oi to com saudade
Dei risada, me virando na cama. Nem sei do que estava rindo. Eu era muito bobo.
yoongi
nos vimos a menos de dez minutos
jimin
nossa, grosso
que diferença faz?
yoongi
eu não fui grosso
só fiquei confuso
jimin
preciso que vc crie uma conta no skype pra mim
yoongi
ué, você não sabe criar?
jimin
pq vc tá tão grosso comigo?
yoongi
eu não fui grosso!!
foi uma pergunta simples
jimin
e ainda tá gritando comigo
yoongi
jimin você tá lelé da cabeça?
jimin
meu deus, yoongi
quem ainda usa lelé da cabeça
seu velhote
yoongi
podemos voltar ao assunto skype
eu crio uma conta pra você
mas por que você precisa?
pra falar comigo? rs
jimin
não
yoongi
nossa
jimin
sinta o gosto da grosseria
brincadeira yoongi <3
eu quero criar uma para poder falar com os meninos quando eu for pra capital
Hesitei antes de mandar as próximas mensagens. Ir pra capital. Ir pra capital. Bastava eu pensar nisso que ficava doido.
jimin
e com vc tb
eu n sei mexer com esses negócios
yoongi
mas é simples, é só baixar o aplicativo no pc ou no celular
e criar uma conta
o que, você não tem nenhuma rede social?
jimin
não
quer dizer eu tenho um facebook
mas nunca usei
yoongi
criar uma conta no skype tem o mesmo processo de que criar uma conta no facebook
jimin
mas não fui eu quem criei minha conta do facebook
foi um amigo meu
para me atualizar
mas nunca senti vontade de usar
yoongi eu sou um homem das cavernas
não sei o que é tecnologia
yoongi
e me chama de velhote
jimin
é sério vc vai criar a conta pra mim ou não
yoongi
eu crio
depois te mando os dados
é estranho pensar em alguém no século 21 que não use o facebook
vc tem ao menos instagram?
jimin
não
eu não gosto de tirar foto
yoongi
que estranho
e você tem 21 anos
jimin
a minha idade influencia em que?
yoongi
é porque você é jovem
jovens usam redes sociais
jimin
vc fala muito como se fosse um velhote
“jovem”
que isso, meu vô fala assim
yoongi
mas que implicância você tem comigo, em?
jovem é uma palavra normal
as pessoas usam a palavra jovem
jimin
ou vc usa adolescente ou vc usa adulto
yoongi
eu desisto de falar com você
caraca
Dei risada. Consegui visualizar Yoongi na minha frente falando “caraca”, e sinceramente, é engraçado demais. Não sei qual é o meu problema.
jimin
vc vai começar a trabalhar amanhã, né?
ei volta aqui!!!
vou parar de encher o saco
yoongi
sim
jimin
vamos fazer algo legal hoje
tipo sentar na calçada e procurar desenhos nas nuvens
acho que é o ponto máximo de diversão por aqui
yoongi
podemos ir ao shopping
passear na livraria e comprar marca-páginas
jimin
qual shopping
ah
Bem, já tínhamos ido no shopping antes, eu, Yoongi e os meninos. Mas não é um local tão divertido. Basicamente, nem é um shopping. É um prédio com algumas lojas da cidade mesmo, uma sorveteria, uma livraria e algumas lanchonetes. Era lá onde o cinema ficava também, e por isso chamávamos de shopping. O centro da cidade era mais shopping que aquilo.
jimin
que tal vermos um filme?
yoongi
só tem desenho passando
se quiser ver desenhos...
Bufei. Que cidade interessante.
jimin
podemos ir para o limite do município e colocar um pé em cada cidade
que nem naquele filme
que a menina morre no final
qual é?
yoongi
muitas meninas morrem no final de filmes
jimin
não mas é aquele que ela casa e depois morre
yoongi
que horror
jimin
para de me fazer rir
meu deus eu me esqueci completamente
mas é um que a menina tem leucemia eu acho
yoongi
aaaaaaaaaaaaaaaaaa
não sei qual é
jimin
idiota
Ele subitamente parou de responder, mas não me importei. Não tinha mais assunto, de qualquer maneira.
Me levantei da cama, deixando meu celular por lá e fui procurar por algo para fazer. Acabei me juntando com meus pais para vermos como funcionava a faculdade. Era como se não existisse prova e eu já tivesse passado, e estávamos já planejando tudo para a minha partida.
— Você tem certeza que quer ficar nos dormitórios? — minha mãe perguntou. — Temos condição de alugar um apartamento pra você.
— Não precisa, é sério — eu disse, tentando soar firme.
Sinceramente? Queria muito ter um apartamento só pra mim. Imagine se a faculdade realmente for igual à dos filmes e meu companheiro de quarto ser um maníaco ou que as festas sejam todo os dias ou que meus vizinhos escutem música no último volume? Eu não teria de enfrentar nada disso se morasse em um apartamento. (Quer dizer, a parte da música possivelmente, mas na faculdade já era assegurado que meus vizinhos seriam adolescentes).
— Pelo menos faço uma amizade — lembrei a ela, sorrindo.
Ela mal sorriu. Sabia que meu histórico de amizade pós-ensino médio estava vazio.
— Eu vou ficar bem — assegurei. — Prometo.
Dessa vez, ela abriu um sorriso verdadeiro e assentiu.
Ficamos vendo mais alguns detalhes que não me soavam interessantes no momento (fora as aulas que eu teria relacionadas ao meu curso e o refeitório), e quando deu cinco horas, fui buscar por um petisco na cozinha para comer. Acabei encontrando achocolatado na geladeira (não sabendo bem porque aquilo havia parado ali, talvez meus pais agora estejam gostando disso?), então peguei um e tomei. Imediatamente me lembrei de Jungkook e seu vício em achocolatado. E geleia. E lápis de cor. E dinossauros.
Me sentei a mesa da cozinha, mordendo o canudo do achocolatado enquanto pensava nos meninos. Não era uma boa hora pra começar a refletir no quanto eu sentiria falta dos três se eu saísse, mas as vezes não dá pra evitar. Aqueles três me faziam um bem danado. Era tão mais fácil enfrentar crianças estranhas... Pra que ir a faculdade e ter de enfrentar adolescentes?
Dei risada do meu pensamento. As pessoas que vou encontrar vão ter a média da minha idade. Alguns possivelmente mais novos, já que terminam o ensino médio e já vão pra faculdade, e talvez outros até mais velhos que eu. Não eram mesmo adolescentes. Eu estava começando a virar um Yoongi da vida.
Yoongi. Ah, ainda tinha que ter um plano para sair com ele hoje à noite. Ele possivelmente vai estar ocupado pelo resto da semana, e eu tinha que aproveitar pelo menos hoje a companhia dele. Mas, infelizmente, não conseguia pensar em nada divertido. Acho que vou dar uma olhadinha no Google Maps (se eu souber) para ver se acho algum ponto interessante escondido pela cidade, do mesmo jeito que Yoongi achou o morro que me levou uma vez.
Eram sete e meia da noite quando meus pais decidiram sair para jantar. Estranhei. Fazia um bom tempo que eles não saíam juntos. E estranhei mais ainda quando eles me disseram para me arrumar. Fazia um bom tempo que nós não saíamos juntos. Tentei dizer a eles que iria sair com Yoongi (embora não tivesse certeza), mas eles não quiseram me ouvir, então tive que colocar uma roupa bonita e sair com eles.
Fomos para um restaurante que não visitávamos a meses e enquanto esperávamos a comida, conversamos sobre vários assuntos. A família do meu pai, da minha mãe, sobre minha infância, sobre como eles se conheceram (eles gostavam de contar essa história e eu gostava de ouvir) e várias outras coisas, não tocando no assunto Jimin-vai-pra-faculdade, o que eu agradeci mentalmente. Até os resultados saírem, não queria ouvir nada de faculdade e nem de capital.
No fim, quando meu pai terminava sua bebida para que pudéssemos pedir a conta, Yoongi me mandou uma mensagem.
yoongi
você pode vir aqui na praça?
Levantei o olhar do celular para minha mãe, que me observava atentamente. Ela ergueu uma sobrancelha, e eu disse o nome de Yoongi, sem fazer som. Ela sorriu.
— Pode ir — disse ela.
Abri um sorrisinho.
jimin
posso
yoongi
quer que eu vá te buscar?
jimin
não precisa, eu to perto
já to indo
— Eu vou indo agora — disse para os meus pais. Minha mãe continuou com aquele sorrisinho na cara, mas meu pai se virou para mim, curioso.
— Pra onde? — perguntou.
— Jimin vai encontrar o namorado dele — minha mãe respondeu por mim.
Até tentei argumentar, mas decidi ficar quieto. Os dois riram.
— Tudo bem — meu pai disse. — Quer que eu te leve ou ele vem te buscar?
— Não, eu vou de a pé mesmo, ele tá me esperando na praça — respondi. Ele assentiu. — Tchau!
— Não volte tarde! — meu pai disse antes que eu pudesse me virar para ir embora.
— Ele tem 21 anos — minha mãe o lembrou.
— Ainda assim — ele disse. — Vá com cuidado. — Assenti e me despedi mais uma vez antes de sair. Mas enquanto esperava um carro passar para atravessar a rua, pude ouvi-lo dizer a minha mãe: — Que tal pedirmos outra bebida?
— A não, chega! — ela respondeu, e eu dei risada.
Cheguei na praça em instantes, já que era a duas quadras do restaurante. Vaguei o olhar pelo local até encontrar Yoongi do outro lado da quadra, encostado em um muro. Sorri e fui até lá. Enquanto me aproximava, pude vê-lo com mais clareza. Ele usava uma blusa preta de mangas longas e jeans preto — sua cor favorita. Seu cabelo preto estava despenteado e alguns fios caiam em sua testa. Ele era tão bonito.
— Ei — eu disse quando me aproximei. Ele me olhou e sorriu de volta. — Um dia quero conferir seu guarda-roupa, sério.
Ele franziu a testa.
— Por quê? — perguntou.
— Pra ver se todas suas peças são realmente pretas.
Ele riu.
— Eu tenho algumas peças cinzas também — disse. — Eu gosto do básico.
— Percebi. O que veio fazer aqui? — perguntei.
— Só andar um pouco. Quer andar?
— Vamos.
Ele me ofereceu o braço, e eu aceitei antes de começarmos a caminhar em volta da praça. Era pelo menos umas oito ou talvez quase nove da noite, e o local estava quase vazio. Não vi crianças no parque e nem em lugar algum, somente alguns casais nos bancos e um grupo de amigos sentados na grama, conversando. A noite não estava fria como as dos dias anteriores, mas o vento ainda batia, fraco, porém confortável.
— Onde estava antes de vir pra cá? Até onde eu sei a praça não é perto da sua casa — Yoongi perguntou.
— Eu saí para jantar com meus pais — respondi.
— Você saiu no meio do jantar...?
— Não. — Dei risada. — Já tínhamos terminado de comer, não se preocupe.
— Ah, sim.
E continuamos andando. Questionei ele sobre seu trabalho, porque foi o único assunto que me veio à tona, e ele confessou estar nervoso para conhecer seus novos companheiros. Imagino como deve ser difícil se mudar tão de repente e conhecer uma dezena de pessoas novas ao qual terá de conviver regularmente. Yoongi parecia ser social, mas pra mim seria um sufoco, considerando meu status de quase (apenas quase) antissocial.
Ele me questionou sobre a faculdade, e o assunto me deixou nervoso. Não sei porque ficava assim. Talvez porque eu ainda não esteja preparado. Ou ainda não acreditando. Ou algo entre esses dois ou similar. Acabei confessando isso pra ele.
— É normal — Yoongi comentou. — Eu estive assim no meu primeiro dia da faculdade também. São pessoas novas. São experiências diferentes da escola. A quanto tempo saiu da escola?
— Uns três anos — respondi.
Era surpreendentemente estranho falar disso agora.
— Então, você esteve afastado de um ambiente assim por três anos. Talvez esteja assustado por ter que voltar novamente.
— Deve ser. Foi uma ótima consulta, doutor — brinquei.
Ele riu.
— Às vezes sou bom nas palavras. Confesso também que queria entrar na área de psicologia antes de pensar em trabalhar em empresas.
Ergui as sobrancelhas.
— Sério?
— Sim, mas a ideia se dissipou tão rápido quanto surgiu. Eu não tenho paciência para lidar com meus problemas, imagina o de outras pessoas.
Dei risada. Parece coisa que eu diria.
Continuamos conversando, inventando novos assuntos assim que um acabava para não ficar no silêncio total. Perdi a conta de quantas voltas demos na praça. Estávamos tão entretidos que nem percebi que estava rodando tanto. Gostava desses momentos com Yoongi, em que nada além de nós dois importava. Eu me sentia tão confortável.
Mais tarde, enquanto Yoongi me tirava um pouco do nervosismo falando sobre seus momentos bons da faculdade, a praça foi começando a ficar vazia, deixando apenas Yoongi e eu caminhando e um outro casal um pouco suspeito. Foi quando decidimos que era melhor ir embora. Fomos para o carro de Yoongi, estacionado perto dali, e enquanto ele dava a volta para seguir caminho para a minha casa, pude ver que o casal suspeito apenas estávamos esperando que saíssemos para ficarem sozinhos para... Bem. Não é da minha conta.
Em contraste a nossas conversas na praça, o carro estava silencioso. Com as janelas abertas, eu podia ouvir o zunido do vento nos ouvidos. Coloquei meu braço direito pra fora, deixando que o vento atravessasse meus dedos, me fazendo cócegas de leve, uma sensação boa de sentir. Yoongi seguiu meus movimentos, deixando o braço esquerdo pra fora enquanto o direito segurava o volante. Talvez eu devesse me preocupar com o fato de ele estar conduzindo o carro com uma mão, mas não me importava.
O caminho até minha casa pareceu rápido demais comparado às vezes anteriores, e eu lamuriei não poder mais sentir a brisa do vento no rosto assim que o carro parou. Gostaria de pedir a Yoongi para andarmos mais, de dar a volta pela cidade. Mas eram quase dez da noite e ele precisava trabalhar amanhã. Não poderia pedir isso dele, por mais que tenha a leve impressão de que ele aceitaria.
— Não sinto meus dedos — Yoongi reclamou, tirando o braço da janela e esfregando as mãos uma na outra.
Dei risada. Minha mão também estava gelada. Não que o vento fosse gelado, mas ele era meio frio e ficamos com a mão do lado de fora por um bom tempo. Esfreguei minhas mãos uma na outra também para esquentá-las.
— Meus pais ainda não chegaram — comentei, observando a casa escura. Eles poderiam ter apagado as luzes para ir dormir, mas não estava vendo o carro em lugar nenhum. Onde será que eles estavam?
— Você ficou pra fora? — Yoongi perguntou, rindo. Mas pude ver a preocupação escondida em sua voz.
— Eu sempre levo minhas chaves comigo — digo, procurando por elas no bolso.
A verdade era que eu não levava sempre minhas chaves comigo, somente quando saio sozinho, obviamente. Ou seja, quase nunca. Mas hoje decidi colocá-las no bolso, sem motivo aparente.
— Vou entrar, você precisa acordar cedo amanhã — eu disse.
Ele bufou, me fazendo rir novamente.
— Espero que seja bom pra você amanhã — comentei. — Me conte como foi depois.
— Certo. Obrigado.
Me estiquei para beijá-lo antes de abrir a porta. Porém, antes de sair do carro, me lembrei da noite de alguns dias atrás, quando estávamos nesse mesmo cenário. Me virei pra ele.
— Você não me contou o que comprou no centro aquele dia — lembrei.
Ele me olhou.
— Ah. Eu disse que contaria depois que você me contasse seu curso.
— Não! — exclamei. — Você me disse que contaria hoje.
— Mudei o quesito — ele disse, dando de ombros.
Fiquei um pouco bravo, mas não argumentei.
— Por que a gente sempre tem que ficar nesse mistério? — perguntei.
— Não sei. Cada casal tem sua característica e ficar fazendo mistério é a nossa.
A palavra casal me deu uma sensação esquisita no peito.
— Ao menos me dê uma dica — pedi. — Só pra eu não morrer de curiosidade.
Ele pensou.
— É pra você — disse.
— Sério?!
— Sim, Jimin. — Ele riu. — Mas só posso te dar no dia certo.
— Quando seria o dia certo?
— No dia certo.
Estreitei os olhos pra ele.
— Tá — eu disse, por fim. — Vou entrar.
Pulei do carro, mas antes de fechar a porta, ele me chamou.
— Quando vai me contar qual curso escolheu? — perguntou.
Desviei os olhos para a rua, pensando se contaria ou não. Por fim, decidi contar.
— Pedagogia — disse, e então acenei pra ele depois de fechar a porta e correr para dentro.
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