– Lá é tão ruim assim? – Ele questionou atencioso.
– Ah! Deixa pra lá! – Monica cortou, imaginando quão tola seria abrindo o coração para um estranho.
– Não mesmo! Aproveita que também não estou muito a fim de ir embora, e me conta, como é sua vida Monica? – Pediu, se sentando em um banco de madeira a beira do riacho.
– Não é tão fácil quanto muita gente acha – Ela soltou, jogando uma pedrinha sobre a água.
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– Quais problemas pode haver na vida de uma menina tão linda como você? – Ele questionou educadamente.
– Hum! – Monica titubeou com receio - Acho melhor irmos embora.
– Sua vida não pode ser mais difícil que a minha – Cebola a ignorou, percebendo que a única chance de arrancar algo de sua boca, seria desabafando primeiro.
– A sua? Bom, vamos lá me deixa tentar adivinhar! Titular do time de futebol, de um bom colégio, vários amigos, meninas em cima, pais que provavelmente o deixam viver, sem precisar fugir de casa para fazer o que gosta – Ela desatou a falar enumerando nos dedos item por item.
– Passei a vida toda no colégio interno, enquanto meu irmão esteve do lado de fora, com meus pais, viajando, vivendo e aprendendo o negócio da família para assumir a empresa quando mais velho – Cebola concluiu a deixando boquiaberta.
– Nossa! Sinto muito. – Monica suspirou finalmente sentando ao seu lado.
– O tempo todo sou comparado com ele, com as notas, com o comportamento, com as habilidades. Meu pai não aceita quem eu sou e não dá a mínima pra quem me tornarei – Ele terminou de contar, analisando com atenção as ondinhas formadas pelas pedrinhas arremessadas no lago. .
– Mas, você tem que protestar isso, não pode aceitar – Ela se indignou o olhando de braços cruzados.
– Acha que nunca tentei? Isso já me rendeu milhares de noites de castigo, finais de semanas preso no colégio sem poder voltar para casa – Cebola explicou voltando o olhar para a menina. – Mas me conta, por que sua vida não seria fácil?
– Eu... É... Meu pai, é complicado – Monica se embaralhou entrelaçando os dedos.
– Hum... Mereço detalhes, não conto minhas coisas para qualquer um – Ele pediu continuando a mirá-la.
– Ele preenche meu dia com regras, sem parar, a todo minuto tenho uma atividade nova, como se eu fosse programada e supervisionada o tempo inteiro – Ela contou desviando a atenção para suas próprias pernas que balançavam levemente sob o banco alto.
– Mas ele fica em cima, tipo o dia todo? – Ele questionou franzindo a testa.
– Não, mas escala uma equipe para isso! – Monica concluiu arqueando os ombros. – E leve bem a sério quando digo “equipe”.
– Entendo... Deve ser realmente difícil, não fica tão longe da minha realidade – Ele comentou calmamente.
– Não mesmo e talvez, parando para pensar melhor, você tenha mais liberdade dentro do colégio, do que eu do lado de fora.
– Fato! E já tentou explicar para seu pai que você não é um robô? – Cebola questionou naturalmente.
– Já! Eu vivo em constante briga com minha família por causa disso, tem uma cartilha de horários para minhas atividades com cada um da minha casa, e até meus finais de semana são cheios de coisas para fazer, mal consigo tempo para o que eu realmente gosto – Ela concluiu abrindo um meio sorriso, ao ver que ele a observava com olhar doce.
– Então somos dois, dois aprisionados! – Ele falou alto, mirando o céu estrelado. – Sob esse universo imenso. E mesmo assim, nos conhecemos.
Monica permaneceu quieta, alargando um pouco mais o sorriso que estampava anteriormente em seu rosto. Acompanhou o menino que tornou a olhar para o lago e imaginou o quanto ele devia sentir a respeito de tudo o que passava. Ninguém que o olhasse imaginava o tanto de ressentimento que havia guardado naquele peito. Por alguns segundos sentiu-se especial, de uma forma estranha, uma vez que ao menos se conheciam, mas ela pode ter certeza que não era qualquer pessoa que ouvia da boca dele, o que ela tinha acabado de escutar.
– E você vai para o último ano? – Perguntou quebrando o silencio instalado.
– Sim, vou sim! E essa é a melhor parte, meu pai vai me tirar do colégio. – Ele contou ajustando os cabelos rebeldes – Ano que vem irei para um comum. Fruto do meu bom comportamento. – Gabou-se rindo – Vai ser a primeira vez depois de anos que vou viajar com minha família nas férias.
– Olha! Isso é demais, fico feliz em saber! – Monica o parabenizou verdadeiramente – Já para mim, o colégio é um dos únicos lugares em que me sinto livre de verdade, posso ser eu mesma, fazer o que gosto, ver meus melhores amigos.
– Você é linda sabia? – Ele cortou a conversa voltando a encará-la.
Monica sentiu seu rosto preencher-se de uma quentura, pode jurar que havia ficado mais vermelha que o esmalte de suas unhas. Tornou a sorrir em agradecimento e não se afastou ao ver ele se aproximar.
– Você também! – Foi a única coisa que pronunciou quando o sentiu passar uma de suas mãos por dentro dos seus cabelos.
Cebola firmou seus dedos por entre o emaranhado de fios escuros e com o outro braço a trouxe mais para perto, puxando-a pela cintura. Pode sentir o perfume doce da menina se espalhando pelo ar e invadindo seu olfato, aumentando ainda mais a vontade do que faria a seguir. Sem mais pensar, encostou sua boca na dela, unindo pela primeira vez aquelas duas histórias recém contadas.
O menino tinha um cheiro amadeirado e suas mãos fortes a manteve imóvel, mesmo sentindo que seus pés saiam do chão. Os pelos do seu corpo se arrepiaram um a um com o envolvimento daquele beijo e seu corpo estremeceu com o domínio dele sobre suas ações, fazendo com que ela desejasse poder ficar ali, naqueles braços pelo resto da noite.
Como se entendesse seus pensamentos, ele continuou a beijá-la e somente após uns minutos longamente aproveitados, que foram se afastando, podendo enfim encarar seus rostos, um tanto ofegantes.
– Não acredito que me beijou! – Ela levantou levando as mãos à boca, tentando um tanto desajeitada, ajustar seu batom borrado.
– Ueh! Você nunca tinha beijado antes? – Ele questionou sorrindo.
– Já... Quer dizer, não te interessa! Eu nem te conheço. – Respondeu tentando manter a seriedade, não queria nem por um segundo demonstrar o quanto havia gostado.
– Acabou de me contar uma parte da sua vida, acho que te conheço um pouco sim, sei por exemplo que sempre entrelaça os dedos quando fica sem jeito – Cebola se defendeu levantando também, com as mãos no bolso.
– Ah, então quer dizer que você sai beijando todo mundo que desabafa com você? Tenho pena das suas amigas! – Monica provocou, virando e levando um susto ao dar de cara com ele.
– Não! Não beijo qualquer uma, só quando a pessoa me tira do sério, e me deixa louco! – Ele concluiu a agarrando novamente para outro beijo dessa vez com mais intensidade.
Monica queria protestar, mas envolta daquela sensação nem pensou em parar, apenas passou o braço pelos seus ombros permitindo que ele a conduzisse. Cebola aproveitou a deixa e a encostou na parede, muro da casa onde antes estava acontecendo a festa, segurou em sua cintura com uma das mãos, a pressionou ainda mais sobre seu corpo, e somente quando ambos já estavam perdendo o ar, que pararam novamente, dessa vez sorrindo.
– Você é louco sabia? – Ela questionou arrumando o cabelo bagunçado, achando graça da boca do menino que trazia marcas vermelhas do seu batom.
– Um pouco mais do que você imagina – Ele respondeu rindo – Vem.
– Pra onde? – Monica perguntou com duvidas, analisando se pegava ou não em sua mão estendida.
– Vamos sair daqui, sair um pouco do nosso padrão, sem contar que o Mauricio não vai dormir enquanto souber que estamos do lado da sua casa.
– Ah! Verdade! O Mauricio... Mas não posso ir, já está super tarde, meu pai vai me matar se sonhar que vim nessa festa – Ela explicou assustada com o convite.
– Monica, você já veio! Até quando vai viver com medo? – Cebola questionou – Sempre que saio do colégio, viro a noite tocando violão na praça, fica um monte de gente lá, é uma delicia.
– Você toca violão? – Ela perguntou encantada – Eu sempre quis aprender.
– Toco, desde pequeno! – Ele respondeu sorrindo – Vamos, prometo que toco uma especialmente para você!
Ela analisou a situação por alguns segundos, fazendo todo seu cérebro focar naquilo rapidamente, imaginou sem muito precisar comparar o que preferiria naquele momento.
Voltar para casa e dormir, ou ir junto a ele, passar a madrugada cantando, ouvindo musica, e rindo acompanhada do garoto que até então, possuía todos os atributos de uma presença adorável. A resposta foi lógica e igualmente veloz, mesmo indo contra todas as suas lições de precaução, a única vontade que realmente sentiu, foi a de segurar em sua mão.
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