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História O Beijo da Serpente - Três.


Escrita por: SickleMoon

Notas do Autor


Confesso que não fiquei muito satisfeita com esse capítulo...já tentei reescrevê-lo algumas centenas de vezes, mas não consegui gostar do resultado. Peço perdão desde já, prometo que o próximo vai ser legal (●´⌓`●)
Beijos e boa leitura ♡

Capítulo 3 - Três.


 O tempo pareceu congelar quando os olhos de Jonathan se encontraram com o olhar ardente daquele estranho misterioso. Havia uma aura estranha pairando sobre aquele jovem, algo que o tornava hipnotizante. Algo de outro mundo.

- Não vai me responder? – o loiro disse. Sua voz era grave, mas ainda assim suave como uma pluma flutuando.

 Jonathan subitamente ficou corado ao se dar conta de que passara alguns segundos apenas encarando o menino em puro fascínio. Levantou-se rapidamente tomado por um sentimento de vergonha.

- N-nada! – respondeu sem conseguir desviar do olhar intenso do garoto. Aquele menino o olhava como se pudesse enxergar através de sua alma, ver todos os seus segredos. Apesar de deixa-lo nervoso, simplesmente não conseguia se desvencilhar daquele brilho. – V-você é novo por aqui? Nunca te vi nessa rua antes...- o moreno corou ainda mais ao perceber que mal conseguia formar as palavras na frente do outro rapaz.

 O jovem o olhou de cima a baixo, como se estivesse conjecturando se valia a pena responder ou não.

- Sim – respondeu – Cheguei na cidade há alguns meses. Só estava dando uma olhada por esse bairro.

- Ah sim. B-bom, seja bem-vindo a Londres! – disse estendendo timidamente a mão para o outro em um sinal de boas vindas.

 O loiro pegou sua mão, afastando-a. Por um breve instante, Jonathan pôde sentir seu toque gélido.

- Só pra que você saiba, eu não posso ser seu amigo.

- Hã? – o garoto fora pego de surpresa por aquela frase - ...por que? – disse depois de alguns segundos de silêncio.

- Preciso de motivos? – A expressão do rapaz permanecia fria. Não importava o quanto falasse, nenhum sinal de emoção parecia passar por seu belo rosto– É apenas como deve ser. - e sem mais palavras, virou-se e foi embora.

 Jonathan ficou parado, apenas observando atônito enquanto o menino se afastava.

- E quem disse que eu quero ser seu amigo?! – o garoto gritou, sua voz ecoando pela rua deserta. Mas já era tarde demais. O menino misterioso já havia desaparecido em meio à escuridão.

 “Tsc”, resmungou consigo mesmo. Sentia-se estranho, não pela reação rude do jovem (o próprio Jonathan já havia dado respostas muito piores quando não estava a fim de socializar com outras pessoas), mas sim pelo sentimento inexplicável de atração que ele havia lhe provocado. Aquele garoto, mesmo sob as luzes pálidas da rua, era extremamente bonito. Mas era um tipo incomum, quase ímpar de beleza. Algo...diferente.

 Como se não fosse humano.

 Subitamente, o moreno sentiu suas bochechas queimando. O que diabos estava pensando? Por que havia ficado tão deslumbrado por um rapaz qualquer com o qual mal tinha trocado palavras? Balançou a cabeça, como se estivesse tentando expulsar aquelas ideias de sua cabeça à força.

 Lentamente, uma por uma, as luzes das casas ao seu redor foram se apagando. Dando-se conta de que aquela “pequena” caminhada havia imprevistamente demorado demais, o garoto marchou de volta pra casa, andando o mais rápido possível enquanto tentava em vão tirar aquele olhar penetrante de sua mente.

***

 Já eram quase 5h da manhã. Christian conseguia sentir os neurônios em seu cérebro explodindo um por um enquanto tentava juntar as peças daquele quebra-cabeça aparentemente sem solução. Assim que o sol raiasse no céu, todos de Londres saberiam de mais uma vítima do misterioso assassino que agora tinha a cidade inteira como refém. Quatro assassinatos e absolutamente nenhuma pista.

 Irritado, pegou o papel onde estava fazendo anotações e rasgou-o em mil pedaços. Já era a terceira ou quarta folha que desperdiçava com rabiscos incongruentes, tentativas falhas de encontrar algum culpado por aquela barbárie. Apoiou seu rosto com a mão, sentindo o suor escorrendo em sua testa. O que mais poderia fazer? Era o chefe do departamento de investigação da cidade, o homem a quem todos depositavam sua confiança e proteção. E simplesmente se mostrava incapaz de protegê-los daquela ameaça anônima e silenciosa. Podia praticamente sentir o assassino rindo da sua cara naquele exato momento.

- Querido? – uma voz sonolenta vinda de trás o tirou de seus pensamentos, dando-lhe um pequeno susto. Virou-se e deu de cara com Layla, sua esposa, que o observava com uma expressão de preocupação – Ainda está acordado? Já é quase de manhã.

 Christian olhou para a mulher, de cabelos bagunçados e pijamas bem maiores do que seu corpo, dando-lhe um ar quase infantil. De vez em quando ainda se surpreendia em olhar para aquela mulher e ver que mesmo depois de tantos anos ainda era loucamente apaixonado por aqueles cachos loiros e aquele jeito tão inocente e ao mesmo tempo tão forte, ambos herdados por sua filha.

- Está tudo bem – disse com um sorriso – Vou conseguir trabalhar amanhã. Promet... – deixou escapar um bocejo antes que pudesse terminar a frase, o que só fez o olhar apreensivo de sua esposa se intensificar.

- Eu não duvido da sua capacidade – Layla disse envolvendo-o em seus braços – Mas não quero que carregue todo esse peso sozinho, como se tudo isso fosse culpa sua.

 Christian olhou para a pilha de papéis rabiscados que havia amontoado pela mesa de seu escritório. No fundo, sabia que a esposa tinha razão. A culpa não era dele, pelo menos não inteiramente. Não havia motivos para se martirizar. Mas mesmo assim...

- Não se preocupe – respondeu – Vou ficar bem. Assim que acabar essa anotação eu vou dormir.

- Vai mesmo? – Layla disse olhando em seus olhos. O homem assentiu com a cabeça. Desapontada porém não surpresa com a atitude teimosa do marido, deu um suspiro e se retirou do escritório.

- Tome cuidado para não acordar a Erina quando sair – disse antes de fechar a porta, deixando-o mais uma vez sozinho com seus tórridos pensamentos.

***

 “O professor Charles Dexter Ward (52) foi encontrado morto em um beco na rua Woodford Green, na madrugada de sexta para sábado. Até agora não foram divulgados muitos detalhes sobre o acontecimento à pedido de sua família, exceto de que a causa da morte foi assassinato. A polícia de Londres desconfia que aja uma ligação entre a morte do professor e os outros três assassinatos ocorridos previamente na cidade, onde todas as vítimas foram encontradas com o pescoço quebrado e sem sangue no corpo”.

  As palavras duras escritas em letras negras exageradamente grandes no jornal contrastavam com o som alegre de “Black Planet”, a faixa de abertura do último disco do Sisters of Mercy, o qual Jonathan havia comprado há alguns meses na loja de Speedwagon. A voz sedutora de Andrew Eldritch ecoava sombriamente pelo quarto enquanto o moreno folheava o jornal repetidas vezes, indo e voltando para as mesmas páginas.  Quanto mais lia e relia aquela notícia, mais confuso ficava. A ideia de que alguém tão próximo, por mais que não fosse exatamente um ente querido, havia simplesmente morrido sem deixar pistas lhe parecia surreal.

 Lembrou-se de alguns anos atrás, quando os EUA foram tomados pelo medo com os assassinatos de Richard Ramírez se alastrando por Los Angeles. Lembrou-se das entrevistas que eram constantemente passadas e reprisadas na televisão de pessoas implorando para que o assassino poupasse seus filhos e amigos. A obsessão sádica da mídia de tornar o desespero alheio em um produto para entreter o resto do mundo. Agora tudo isso, aquela história que mais parecia um filme de terror de baixa qualidade, lentamente tornava-se a realidade de sua cidade. A grande metrópole londrina afundava em um banho de sangue.

 - Jonathan! Você já está pronto? Os convidados já estão chegando! – o garoto, perdido em um mar de pensamentos sombrios, tomou um pequeno susto ao ouvir a voz do pai do outro lado da porta. Levantou-se o mais rápido que pôde, jogando o jornal debaixo da cama.

- Já estou indo, pai! – gritou em vão, sua voz abafada pelo som do rádio. Vestiu a primeira roupa que encontrou no armário e desceu as escadas apressadamente, dando de encontro com vários parentes no andar de baixo. – Olá – disse com um sorriso amarelo, tentando ao máximo não deixar transparecer o aborrecimento em participar daquilo.

 Nunca fizera questão de comemorar seu aniversário, ao contrário de seu pai, que de alguns anos para cá sempre fizera jantares enormes com a família inteira presente. Jonathan tentara várias vezes convencê-lo de que não era necessário, mas era inútil. Sabia que aquilo significava bastante para George, então ao invés de perder tempo discutindo tentava pelo menos se divertir um pouco – um esforço que quase sempre se mostrava infrutífero.

- Oh, Jonathan!– sua tia Ruth, uma senhorinha de 60 anos bem acima do peso, correu até o moreno dando-lhe um abraço apertado que fez alguns de seus ossos estalarem. - Olha como você cresceu!

- É impressão sua, tia – o garoto respondeu sem graça. Por trás da mulher, via vários outros parentes sorridentes, segurando pacotes de diversos tamanhos embrulhados com papéis coloridos (provavelmente mais uma pilha de horrorosos suéteres comprados em lojas de qualidade duvidosa, presentes que o moreno acumulava em seu guarda-roupa sem jamais usar). “Vou ter que abraçar todos eles?”, pensou preocupado.

 Durante as horas seguintes, o moreno dividiu seu tempo entre participar de conversas fúteis com seus tios (“como vai na escola?”, “já arrumou uma namorada?”, entre outras variantes ainda piores), roubar comida da mesa sem ser visto e olhar para o relógio implorando para que os ponteiros se mexessem e fizessem aquele momento passar mais rápido. Quando deu por si já era tarde da noite e a maior parte dos convidados ainda estavam em sua casa, sem um mínimo sinal de cansaço. Soltou um suspiro desanimado ao ver que, se dependesse deles, a festa provavelmente duraria até o dia seguinte.

 Sentado no sofá da sala, o moreno remexia desinteressadamente em um velho cubo mágico que achara em seu quarto algumas horas antes. Distraído, olhou desoladamente pela janela. O que outrora era uma forte tempestade agora não passava de uma fina chuva de primavera, cujas últimas gotas batiam levemente contra a vidraça. As nuvens negras que antes haviam tomado conta do céu lentamente se dissipavam, revelando uma brilhante lua cheia. Uma luz resplandecente, como um enigma a ser desvendado.

 Como os olhos daquele garoto.

 Um arrepio lhe percorreu a espinha ao lembrar daquele olhar penetrante. Por onde andaria aquele loiro misterioso, que em meros minutos conseguira virar a vida de Jonathan de cabeça pra baixo? Desde o momento em que o viu, não conseguiu tira-lo de seus pensamentos. Só de imaginar-se perto dele outra vez, sentiu suas bochechas queimarem. O que aquele jovem tinha que o tornava tão diferente, tão fascinante?

 A lua refletida pela janela era como um convite para adentrar a noite. Respirou fundo e levantou-se da cadeira.

- Pai, vou dar uma volta – disse enquanto se dirigia à porta. Antes que o pai pudesse dizer qualquer coisa, o moreno já estava do lado de fora, rumando ao mesmo local onde encontrara o jovem na noite anterior. Mesmo sem entender porquê, ansiava por mais um encontro. Mais do que isso, precisava.

***

 Straits não era um homem de beber. Desde a primeira vez que havia acidentalmente tomado cerveja aos 13 anos pensando ser refrigerante, decidiu que a bebida simplesmente não era para ele. “Você vai gostar quando for mais velho”, seu pai ria enquanto o garoto tentava desesperadamente tirar o gosto amargo da boca, tomando copos e copos de água. Agora, aos 25 anos, sua opinião a respeito do álcool permanecia imutável. Por mais que tentasse beber às vezes, fosse vinho ou tequila ou qualquer outra coisa, todas as tentativas se mostravam ineficazes. Sempre tinha a mesma sensação que tivera aos 13 anos, como se tivesse ácido descendo por sua garganta.

 Dito isso, Straits adorava bares e pubs. Para ele, não havia nada melhor do que terminar um dia árduo de trabalho vendo seus amigos enchendo a cara e agirem como completos idiotas – como acabara de fazer agora, naquela típica noite de sábado. Depois de ajudar (ou melhor, carregar) seu amigo bêbado Dire de volta para casa, o moreno vagava sozinho pelas ruas à procura de um ponto de ônibus.

 O que antes era uma caminhada despreocupada agora se tornava um motivo para nervosismo: já era tarde da noite, e tirando alguns postes espalhados piscando em um canto ou outro da rua, não havia ninguém além do próprio Straits por aquele lugar. Tentava manter-se calmo; demonstrar medo não ajudaria em nada naquela situação. Respirou fundo, deixando o ar gelado e com cheiro de asfalto entrar por suas narinas. “Se eu for assaltado, juro que vou matar aquele filho da puta do Dire”, pensou consigo mesmo.

- Socorro...

 Uma voz tênue ecoou pelo recinto, tão fina que parecia ser levada pelo vento. Por um instante, Straits pensou se tratar de uma alucinação; olhou ao redor, procurando em vão pela pessoa que emitira tal pedido. Mas não havia nada ao redor além da mais completa penumbra.

- Me ajude...socorro...

 Mais uma vez, aquela voz fraca ressoou sob os ouvidos do moreno, dessa vez seguida de uma pequena tosse. Straits começava a ficar assustado.

- Quem é você? – disse tentando inutilmente disfarçar o medo em sua voz. Sua vontade era de correr para o mais longe possível, mas não conseguiria dormir a noite sabendo que poderia ter possivelmente abandonado alguém que precisasse de ajuda. – Onde você está?

- Aqui... – a voz respondeu, vinda de um beco sem nenhuma iluminação. O moreno começou a suar frio. “Essa pessoa precisa da minha ajuda. Eu não posso fugir”, pensou. Cerrou os punhos e correu em direção ao breu.

 No fim do beco, encostado contra a parede, havia um pequeno corpo encolhido. Abraçando os joelhos contra o peito, seus cabelos loiros de tamanho mediano escondiam seu rosto, impedindo o moreno de saber se era um homem ou uma mulher. Suas roupas transparecia grande parte de seu corpo, pálido e quase reluzente sob a luz do luar, mostrando várias cicatrizes. Certamente um garoto de programa que havia apanhado do cafetão, Straits imaginou. Correu até ele, tentando lembrar-se de qualquer conhecimento médico que pudesse ter aprendido em sua vida: aquela era a hora ideal para usá-lo.

- Você tá bem?! – disse enquanto tentava levantar o jovem, com todo o cuidado possível para não machuca-lo ainda mais. - Consegue se levantar?

- Não – o garoto disse com visível dificuldade. Levantou a cabeça, revelando um par de brilhantes olhos cor de âmbar, marejados de lágrimas.

- Não se preocupe. Vou tirar você daqui – Straits respondeu deixando escapar um pequeno sorriso ao se deparar com os belos olhos do jovem. Mesmo naquele estado, o moreno teve certeza de que aquele era uma das pessoas mais bonitas que tinha visto em sua vida. Ergueu o menino do chão, levantando-o em seus braços. O jovem, em resposta, enfiou a cabeça em seu pescoço, chorando baixinho.

- Me desculpe...- sussurrava entre soluços.

- Não precisa disso! Você não pesa quase nad...ah! – antes que pudesse terminar a frase, sentiu uma forte dor em seu pescoço. O garoto, aparentemente tão frágil, o havia atacado. – Socor...- tentou gritar, mas o menor tapou-lhe a boca usando de uma força incomum.

 Desesperadamente tentando se desprender do menino, Straits começou a se debater violentamente. Sentia as mãos geladas daquele jovem o sufocando, segurando seu queixo para poder morde-lo melhor. De repente, sua visão começou a ficar turva. Uma súbita fraqueza tomou conta de suas pernas, fazendo-o cair. Em questão de segundos, caiu inconsciente no chão.

 Ao vê-lo imóvel, o jovem o soltou de seu enlace, observando seu corpo estático no chão. Lambendo o sangue que escorria de sua boca, segurou a cabeça do maior entre as duas mãos e, com um único golpe, quebrou-lhe o pescoço.

Crack!

  O barulho seco atravessou o pequeno beco, fazendo um pequeno eco por entre as ruelas próximas. Sentiu o rosto que carregava em suas mãos lentamente tornar-se frio, largando-o sobre o concreto do chão. Levantando-se do chão, esticou sua blusa branca procurando por manchas de sangue que pudessem denuncia-lo. Felizmente, estava limpo.

 Por alguns instantes, observou aquele corpo sem vida tal qual um pintor observa sua obra de arte. Aquilo deveria mantê-lo alimentado por um bom tempo. Um sorriso lhe subiu o rosto ao imaginar a reação dos policiais, que pateticamente andavam em círculos à procura dele, sem jamais encontrar nenhuma pista. Contendo um riso de satisfação, saiu do beco como se nada tivesse acontecido, deixando o corpo de Straits para apodrecer ao chão.

***

 “Isso é inútil”, Jonathan pensou consigo mesmo. “Ele não vai aparecer”. Já estava há quase uma hora no frio, andando por todos os perímetros possíveis do bairro, sempre voltando para a mesma viela onde encontrara aquele loiro misterioso. Suspirou. Sabia que as chances dos dois se esbarrarem outra vez eram mínimas, mas ainda tinha um pouco de esperança. Cansado, permaneceu sentado no velho banco de madeira próximo dali, remexendo o cubo mágico que trouxera de casa.

 Estava prestes a se levantar quando ouviu um pequeno passo ao longe. Não ousou olhar para trás; sabia que quem quer que fosse, não era a pessoa que ele queria. Em pouco tempo os passos foram se tornando mais próximos, até que a sombra de alguém desconhecido pairava sobre o moreno.

 - Então você voltou – sentiu um arrepio ao ouvir aquela voz grave e inconfundível. Era ele, o garoto que estava procurando.

- Você também – respondeu sem virar para trás. Sabia que se olhasse nos olhos daquele menino de novo não conseguiria se concentrar o suficiente nem sequer para formar palavras. Um breve momento de silêncio se alastrou por entre os dois. Pela sombra imóvel do jovem, ele não aparentava ter intenções de ir embora.

- Quero ficar sozinho – o loiro disse secamente depois de um tempo.

- Eu também.

- Então vá pra casa.

- Vá você. Aqui é um local público. – as palavras saíram de sua boca em um tom mais raivoso do que Jonathan havia intencionado. Mesmo assim, o garoto permanecia parado no mesmo local, friamente observando. Mesmo sem olhar para seu rosto, o moreno podia sentir aqueles olhos brilhantes o encarando.

 Repentinamente sentiu um toque gelado. O loiro apoiou as mãos nos dois ombros do garoto, abaixando-se e colocando seu rosto ao lado do de Jonathan, dando-lhe um pequeno susto.

- O que é isso? – perguntou olhando para o cubo que o moreno tinha em mãos.

- H-hã?! – o moreno sentiu seu rosto envolto em chamas; demorou alguns segundos para conseguir entender a pergunta que o jovem acabara de fazer. – Isso aqui? É um cubo mágico. – finalmente teve a coragem de olhar para o menino, cujos olhos borbulhavam de curiosidade.

- É um tipo de quebra-cabeça? – o menino perguntou. Jonathan não entendia o fascínio do garoto pelo cubo. De onde ele viera para nunca ter visto um cubo mágico na vida?

- Mais ou menos – respondeu. – Quer tentar? – disse timidamente estendendo o cubo ao loiro, que o olhou desconfiado. – Pode me devolver amanhã.

- Amanhã talvez eu não esteja mais aqui. – o loiro disse em visível descrença.

- Depois de amanhã então. Mas pegue.

 O garoto olhou para o cubo, depois para Jonathan, depois para o cubo novamente. Estendeu a mão incredulamente, como se estivesse esperando que o moreno puxasse o cubo de volta para si. Quando finalmente teve o objeto em suas mãos, começou a revira-lo de cima a baixo, tentando entender do que se tratava. Havia um misto de confusão e desvelo em seu olhar, como se realmente jamais tivesse posto as mãos em um brinquedo como aquele antes.

 - O que faço com ele? – perguntou.

- Você tem que virar os quadrados pra que cada lado tenha uma só cor – Jonathan disse – Tá vendo esse lado todo azul? Você tem que deixar todos os lados assim, cada um com uma cor.

 O loiro parecia intrigado. Começou a virar os lados um por um, vagarosamente, como se tivesse medo de quebra-lo. Suas mãos eram brancas e delgadas, quase da cor da neve de tão pálidas. Seu corpo, acobertado de uma simples blusa branca e uma calça preta justa, parecia quase reluzir na luz da lua e das lâmpadas da rua. Definitivamente não eram as roupas adequadas para um clima tão frio.

- Não está com frio? – o moreno perguntou, tentando chamar a atenção do garoto, que estava completamente centrado no cubo.

- Faz muito tempo que não sinto frio. – ele respondeu sem tirar os olhos do brinquedo.

 Uma brisa gelada passou por entre os dois, causando em Jonathan um leve arrepio. O jovem, porém, parecia totalmente indiferente ao tempo.

 Foi então, sob as luzes esquálidas da cidade, que o moreno percebeu que haviam pequenas cicatrizes nos pulsos do menino. De fato, haviam cicatrizes por toda a pele que suas roupas revelavam, mas as dos pulsos eram as mais proeminentes. Cortes sobrepostos uns sobre os outros, em diversas direções.

 Talvez a escuridão da noite o estivesse fazendo ver coisas, pensou. Curioso, aproximou-se do menino suavemente – este que por sua vez estava tão entretido com o cubo que nem notou. Ao ficar mais perto dele, percebeu que o garoto tinha um cheiro estranho. Um cheiro leve, quase imperceptível, mas que na curta distância entre os dois exalava fortemente.

 Cheiro de carne.

 De onde diabos aquele garoto tinha vindo? O que teria acontecido com ele para ficar tão machucado? Várias perguntas flutuavam pela cabeça do moreno, mas faltavam-lhe forças para dizê-las em voz alta. 

 As luzes dos postes mais próximos começaram a piscar, aos poucos se apagando uma por uma. Mais uma vez Jonathan havia perdido totalmente a noção do tempo. Imaginou com quanta raiva seu pai deveria estar por ter saído da festa sem dar explicações e ficar na rua até tão tarde da noite.

- Eu vou ter que ir agora – disse pegando no ombro do garoto de maneira amistosa, recebendo apenas um olhar de soslaio. – A gente se vê amanhã. – e rapidamente correu para casa, deixando o loiro sozinho.

 Enquanto corria, olhou para trás por alguns segundos. O menino continuava onde o havia deixado, remexendo o cubo mágico com ávida curiosidade. Tentou interpretar em sua cabeça o que aquele último olhar queria dizer. “Será que fui íntimo demais?”, pensou nervoso. Não queria de modo nenhum assustá-lo. Havia uma voz no fundo de sua mente que gritava, implorava por um toque daquele garoto; mas o moreno fizera questão de calá-la por hora. Apressou o passo, imaginando alguma desculpa que pudesse conter a fúria do pai.


Notas Finais


Obrigada pelos comentários e por acompanharem a fanfic até aqui. Minha vida tá uma bagunça, mas prometo que vou dar o meu melhor pra postar a história mais rápido. São vocês que me inspiram a continuar com essa bagaça (´∀`)♡


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