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História O Ceifador - De volta


Escrita por: amargo1918

Capítulo 1 - De volta


Fanfic / Fanfiction O Ceifador - De volta

A chuva caia torrencial.

Para alguns, era um bom presságio. Saint Luice devia ser a cidade francesa com o menor índice pluviométrico. A chuva era bem-vida.

Eu olhava pelo vidro do táxi, observando o mundo lá fora turvo. As ruas encharcadas, tudo sendo lavado pela água. Eu podia sentir a umidade dentro do carro, mesmo com o aquecedor ligado.

As duas meninas de cabelo negro e longos, brincavam de correr na rua. Uma delas escorregou, a outra se dobrou de rir mas ao ver a irmã chorar e o sangue escorrer do machucado dela, correu para coloca-la em pé.

Sorri comigo mesma. Até parece. Está de volta naquele lugar me traziam lembranças muito maiores do que apenas as brincadeiras com a minha irmã, agora morta. Fazia-me lembrar de todas as brigas com Ariana, e de todas as vezes em que ela chamava de egoísmo, o que eu preferia chamar de realização.

A questão é que eu nunca gostei do pouco. O pouco nunca me chamou atenção. Eu queria crescer e eu sabia que Saint Luce não tinha limites o suficiente para mim. E só parei quando consegui.

Morava em Nova Iorque, a cidade que nunca dorme. Era modelo fotografica de diversas marcas famosas e graças ao meu esforço sobre humano, tinha conseguido uma bolsa de estudos em uma das melhores escolas de lá. Namorava a quase dois anos, o homem da minha vida. Samuel Grey, um garoto adorável, filho de médicos, que eu conheci em uma das milhares de sessões de fotos.

Desde que fui embora a quase três anos, só havia voltado aqui uma vez. Briguei feio com meus irmãos e não senti nos meus pais o orgulho do qual eu sabia que era digna. Um mês depois, mandei via fax meu pedido de emancipação política. Que me foi devolvida assinada e sem nenhum questionamento.

Aprendi desde cedo, que meus sonhos são apenas meus. E que ninguém está disposta a correr atrás deles por mim. Fui independente desde sempre, capaz de escolher o que precisava, o que era certo e o que era errado.

A quase um ano, eu não recebia notícias sobre meus irmão. Ligava para os meus pais, uma vez a cada duas semanas e me restringia a saber como estavam, ou se precisavam de algo. A resposta sempre era negativa. O silêncio era devorador e eu não tinha outra opção, se não desligar. Me martirizava e perdia a vontade de manter contato. Mas teimava e ligava algumas semanas depois. E não tinha alterações.

A uma semana, uma ligação na madrugada me tirou do sono. Era meu pai. Eu atendi com o coração apertado. Em meio a lágrimas e gritos de negação, eu absorvi a notícia de que Ariana, minha irmã gêmea havia sofrido um acidente e não tinha sobrevivido.

Eles não precisavam falar nada. Eu tinha assimilado que eles queriam que eu voltasse. E depois de anos, somente uma tragédia me fez sentir de novo como se pertencesse a uma família.

O táxi parou na enorme casa de vidro. A mesma casa na árvore de anos atrás, jazia incerta na mangueira da entrada. O taxista tirou minhas malas e colocou na entrada, paguei a corrida e toquei a campainha.

O ding-dong estridente acarratou pela casa inteira e não demorou para que eu ouvisse o barulho da porta sendo destrancada. Os olhos azuis de minha irmã me encaravam.

Ninguém nunca entendeu isso. Mesmo eu e Ariana sendo gêmeas idênticas separadas por um minuto e meio, nossos olhos divergiam. Eu tinha os olhos de um cinza opaco, cor de carvão morno como Samuel sempre dizia. E Ariana tinha os olhos do meu pai. Azuis e doces. Como o do homem de meia idade que me olhava agora, de pé na porta de casa.

- Alison - ele deu passos para a frente e me envolveu em um abraço. Senti cheiro de charuto e do velho sabonete de erva-doce que ele ainda usava. Tinha cheiro de casa. Meus olhos marejaram, mas eu não quis chorar mesmo assim. - Como eu senti sua falta, meu amor.

- Eu também, papai - falei ainda abraçada a ele.

- Entra - ele me soltou e me ajudou a colocar as malas para dentro. Eu tirei o casaco e ele colocou em cima do sofá da mesa. Estendeu-me a mão e me levou para a cozinha.

Minha mãe, uma mulher miúda de cabelos loiros estava sentada a mesa com uma xícara de algo fumengante a frente. Seu olhar encontrou o meu e eles refletiam noites sem dormir. Estavam fundos e recheados de olheiras. Minha vontade era abraça-la e tentar confortá-la. Mas eu não era a mais indicada pra isso.

- Você veio - ela falou debochada.

- Preferia que eu não viesse? - coloquei as mãos no bolso e meu pai esfergou minha costas com carinho.

- Sua irmã foi enterrada a uma semana - ela continuou de olhos baixos.

- Nova Iorque não parava de chover, não haviam vôos - eu me expliquei. Mesmo que não acreditassem, eu adoraria poder ter estado no enterro dela. Um último adeus.

- Nova Iorque - ela riu. - Na sua vida perfeita.

- Marly - meu pai a calou. - Alison estava com dois anos que não vinha em casa, poderia fazer o papel de mãe, uma vez que fosse?

- Você sabe que eu estou certa - ela falou se levantando e indo até a janela da cozinha. Os ombros baixos, a figura da tristeza humana. - Só veio até aqui para poder restituir a consciência... Faziam três anos que ela não falava com Ariana, quando acontece o pior ela acha que pode voltar e fazer de conta que tem a família perfeita?

- Você são minha família. Perfeita ou não - eu não conseguia acreditar no que eu ouvia.

- Somos? - ela riu seca. - Pensou assim quando pediu sua emancipação?

- Fiz aquilo por vocês, não queria ser um peso morto.

- Ah, por favor - ela riu de novo. - Você queria apagar seu passado, a familia de caipiras nunca vai poder fazer partedo sucesso da modelo francesa e blablablá... Depois ligava humildemente pra saber se precisavamos de esmola.

- Nunca pensei assim... - as lágrimas enchiam meu olhos.

- Tá certo...

- MARLY - meu pai alterou o tom de voz -, Alison é nossa filha, sente a perda da irmã do jeito dela. Você não tem o direito de falar esse tipo de coisa, ela é da familia apesar da escolhas dela. E não cabe a você dizer o contrário - ele suspirou e eu vi o desespero dele. Toda a dor que ele tava carregando. Ajoelhou-se no chão da cozinha e colocou a cabeça entre as mãos, seu corpo tremia devido ao choro desenfreado. - Eu só quero paz - ele gritou. - Quero meus filhos bem aqui comigo. Quero que Ariana descanse em paz. E quero Alison aqui com a gente. Com a familia dela. Porque eu tive gêmeas. E quero o que sobrou delas aqui comigo...

Eu sentia as lágrimas cairem silenciosas, meu corpo estava estático. Queria abraçar minha mãe e sentir o cheiro de perfume barato que ela adorava. Queria abraçar meu pai e faze-lo parar de chorar. Queria olhar superior pra minha irmã, mesmo que fosse só pra esfergar na cara dela todo o sucesso que eu fazia, tendo exatamente o mesmo rosto que ela. Ou falar para o meu irmão o quanto ele era cafona, só pra ouvir sua voz porque ele só falava para responder meus insultos idiotas e desnecessários. E principalmente, queria voltar pra Nova Iorque. Eu lidava melhor com as coisas quando fugia delas.

Meu pai estava mais controlado, sentou-se na cadeira da cozinha e me olhou cheio de pena. Minhas pernas trêmulas, devem ter me entregado. E as lágrimas que pingavam desgovernadas, parecem ter demonstrado que também doía em mim.

- Papai? - falei colocando para fora as palavras presas na garganta. - Onde está meu irmão? Onde está Kiley? - ele ficou me olhando cheio de remorso.

- Seu irmão está em um hospital - minha mãe soltou ainda com veneno na voz.

- No hospital? - virei-me pra ela.

- Kiley tentou se matar.


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