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História O Céu Continua Azul - Capítulo 6


Escrita por: Every_DayWriter

Notas do Autor


Desculpa mesmo pelo capitulo gigante

Capítulo 6 - Capítulo 6


A cidade sob a luz do sol era algo a se lembrar, mas não por coisas boas.

Mendigos se escondiam em becos junto aos ratos, e a maior parte das ruas da parte baixa da cidade exalava o cheiro de bebida, prostituição e lascívia. Ali era a morada de ladrões e daqueles que viviam sob montes de lixo e chamavam aquilo de casa. Laura queria ir embora dali, mas se forçou a permanecer, continuando a caminhar com a cabeça baixa. “Você vai mudar tudo isso um dia, Laura” ela quase ouvia Jim sussurrando isso em seus pensamentos. Mesmo Laura concordando com o plano suicida de Jim de derrubar o governo, achava que ele exagerava na descrição das coisas. Pois se enganara. Não havia esperança ali. A parte alta era onde os mais abastados viviam, gozando de confortos e prazeres além da imaginação da população mais pobre. Ronnie vivia lá. Laura se perguntou o por quê da amiga querer ser parte dessa rebelião. Tudo o que ela conhecia iria acabar, sua família seria devorada pelas traças e tudo o que conquistou se desfaria em suas mãos. O pensamento a perturbou. Se falhassem, todos seriam mortos. Jim não teria sua liberdade, Ronnie seria privada de uma vida cheia de possibilidades, e Laura nunca mais veria sua irmã mais nova. Pensar em Jessie fez seu coração palpitar. Jessie estava sozinha naquele exato momento, conforme o tempo fluía nas duas Terras. Se Laura estivesse acompanhando o calendário da Terra Mãe corretamente, dali quatro semanas seria o aniversário de quinze anos da irmã. O primeiro que elas não comemoravam juntas. Laura esfregou os olhos para afastar as lágrimas, sentindo os empurrões dos pedestres esbarrando nela. Prometeu a si mesma que comemoraria o aniversário da irmã junto da mesma. Se tudo desse certo, Laura voltaria para casa, no exato momento em que deixou sua Terra. Nem mesmo um segundo teria se passado para Jessie, a irmã mais velha nunca teria desaparecido, e estariam juntas como sempre.

Voltando a levantar a cabeça, percebeu que saiu da avenida principal, entrando num beco sem saída. Olhou para os cortiços, com suas sombras se assomando sobre ela. Suspirou e deu meia volta, mas bateu o rosto no peito de alguém, se desequilibrando e caindo sobre as mãos. Apertou os olhos e ajeitou a mochila nos ombros, encarando a pessoa a sua frente. A pessoa se agachou, segurando o queixo de Laura com os dedos, e enquanto encostava o fio gelado de uma faca em seu pescoço.

– Grite e corto seu pescoço, garota – falou o agressor de modo arrastado. – Me entregue a mochila e todo o dinheiro que tiver. Será uma contribuição sua para o Ministério.

A visão de Laura focalizou e ela olhou dos pés a cabeça o assaltante. Alto e musculoso, tinha um cabelo de cor vermelho ferrugem. Usava o mesmo uniforme que Jim usava para ir ao trabalho, que era fabricado com um tecido vermelho muito maleável, mas também agia como uma armadura caso necessário, enrijecendo nas áreas de impacto de projéteis e lâminas. Feito para não atrapalhar quaisquer atividades físicas, que são vitais para o cumprimento do dever, mas tinha um toque de elegância. “Um Senhor do tempo!” ela pensou. Eles eram a polícia por ali, mas parecia que agentes corruptos eram algo universal em todas as Terras habitadas. Laura não obedeceu, e o Senhor do tempo aumentou a pressão da lâmina contra o seu pescoço.

– Não dificulte as coisas. Gosto que me obedeçam. Se fizer qualquer coisa suspeita, vou fazer muito mais do que apenas levar a mochila. – O agressor avisou, tirando a mão do queixo de Laura, pondo-a sobre a coxa dela, deslizando entre as pernas.

Laura sufocou o pânico. Respirou fundo e devagar, pondo os pensamentos em ordem. Não iria deixar que levassem a mochila, muito menos ser violada. Engoliu em seco e pensou em tudo o que aprendera nas últimas duas semanas. James era um excelente professor, combate era a sua vida, e era necessário ele repassar o que sabia a Laura. Para ele, socar era tão natural quanto respirar. Laura torceu para o Senhor do tempo corrupto não ser um mestiço ou um nascido da Terra Mãe, ou do contrário, não teria a mínima chance.

Quando a mão do agressor estava perto o suficiente para Laura não perder a pegada, ela atacou. Usando os braços, usou um braço para se impulsionar para frente, ficando de pé, enquanto agarrava o colarinho do uniforme com a outra mão. Utilizando-se do empurrão criado pela força extra que usara, Laura preparou um soco com toda a potência que conseguia juntar. O Senhor do tempo assustara-se com a investida repentina, tropeçando nos próprios pés. “Ótimo, agora é só encaixar um bom golpe”. Foi mais que um bom golpe. O punho de Laura aterrissou sem problemas no rosto do ruivo, e com a força acumulada, ela o mandou voando até o lado oposto da avenida, cobrindo quase 15 metros de distância. Por sorte, o soldado não atingiu nenhum pedestre, apenas um pobre carro novo estacionado, que fora amassado sem chance de recuperação. De olhos arregalados, assim como todas as pessoas presentes, Laura viu o Senhor do tempo desacordado, com múltiplos ossos quebrados e mal respirando, com cortes profundos e uma mandíbula destruída. Um aglomerado de pessoas agora entrava no beco, curiosos para saber o que havia ocorrido. O burburinho de vozes foi aumentando, dedos foram apontados para Laura. “Hora de ir embora” ela pensou. Olhou para cima, e se preparou. Agarrando as alças da mochila, saltou sem esforço para o telhado mais próximo dela. Pousou sem muitos problemas e esquadrinhou a paisagem à frente. Teria que dar mais alguns saltos para sair da área. Percebeu que estava segurando a respiração até aquele momento e exalou ar. Olhou para as próprias mãos, percebendo o que tinha acabado de fazer. Sentia-se bem, muito melhor do que se sentia em muitos anos. Deixou escapar uma risada, relaxou os músculos e começou a correr. Sentiu o sol em sua pele e fez outro salto, deixando o vento deslizar e bagunçar os cabelos loiros. Outro pouso realizado com sucesso. Sentiu um largo sorriso se formando em seus lábios. A cidade era grande, e ninguém, a não ser o tráfego aéreo, iria perceber uma garota pulando de telhado em telhado. Ainda havia muito tempo até o jantar.

...

O plano de Ronnie parecia bom.

Esse espião que ela queria infiltrar poderia ter acesso a coisas que um Van Whelm não teria. Posições dentro do ministério. Todo o plano começava a ter uma forma definitiva, e Jim gostava disso. E a idéia do espião ser alguém completamente de fora dos círculos sociais mais altos era excepcional. Pessoas que se acostumaram a ter poucas coisas, mas lutaram por cada uma delas, era algo valioso. Em Blacksteel, essas pessoas viam a podridão do Ministério, e seriam ótimas adições na luta contra o sistema. Em segundo plano, Jim conversou com Ronnie sobre alguém com esse mesmo perfil, juntando um exército dentro da cidade. Pessoas que estariam dispostas a serem livres. Isso lhe seria útil, com o direcionamento correto. Ela concordou com essa idéia. Teriam que dar algo para os grupos rebeldes, quando fossem negociar com eles. E o que melhor do que um exército treinado por um Senhor do tempo? De uma arma na mão de alguém disposto, e a pessoa atirará. Jim, Laura e Ronnie precisavam de mais do que dois exércitos. O terceiro seria o bastante. Nem mesmo o Ministério poderia bater de frente com três forças atacando de dentro da sua própria cidade.

Olhou para o relógio, já eram quase quatro horas. Laura já devia estar com Roy. Fazia meses desde que Jim viu Roy. Era um Senhor do tempo dispensado um pouco antes das rebeliões nortenhas, um dos sortudos, Jim dizia. Havia se especializado em armas, assim como compra e venda das mesmas. Tinham que armar seu exército de alguma forma, e Roy era a melhor opção de longe. Mas as coisas não andavam muito bem entre ele e Jim desde as rebeliões. Uma morte que afetara ambos. Em público, Jim aparentava já ter tido seu tempo de luto, mas ainda guardava suas lágrimas bem fundo em seu ser. Roy era outra história. Tinha virado um alcoólatra e quase não saia de casa. Volta e meia, Jim ia visitá-lo, mas na última vez, haviam se desentendido duma forma que talvez não houvesse reparação. Mandar Laura seria como ter um intermediário. E Jim precisava dessa ponte para tudo dar certo. Precisava do antigo amigo.

O som de bip soou nos dois ArcPads de Ronnie e Jim. Era um boletim de ocorrência, que dizia que um Senhor do tempo fora atacado em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Relatos contavam que a vítima havia sido agredida num beco perigoso da área, sendo aparentemente espancada, saindo voando em alta velocidade do beco e se chocando contra um carro, deixando a vitima a beira da morte. Testemunhas dizem que foi obra de ladrões, que tinham o objetivo de assaltar o Senhor do tempo, que saíram correndo logo após o ocorrido. Outras testemunhas dizem que fora obra de uma só pessoa, um mestiço, algumas investigações apontam. Logo após mandar o guarda voando, pulou para o topo do prédio mais próximo. “Isso não vai acabar bem para o louco que atacou um Senhor do tempo” Jim pensou. Atacar um Senhor do tempo, tinha como pena a sentença de morte, sem direito a um julgamento. Uma atualização da noticia apareceu, mostrando uma foto do possível atacante, tirada por umas das testemunhas. Ronnie, que estava à frente de Jim, gritou desesperada. A pessoa na foto era Laura.

...

Achar o lugar que Roy morava não havia sido difícil para Laura.

Viajar saltando de um telhado para o outro era divertido e poupava muito tempo. Ela poderia se acostumar com isso. Roy morava num apartamento no décimo quarto andar, numa área urbana e movimentada da cidade. Os prédios da Terra Mãe e da Terra Convergente não eram muito diferentes, apenas em sua arquitetura, então Laura não achou dificuldades de subir até o andar de Roy. Apertou o botão da campainha ao lado da porta e esperou. Nenhum som vinha de dentro do apartamento. Tentou outra vez e nada. Laura encostou o ouvido na porta para ouvir melhor lá dentro. Fechou os olhos e se concentrou. Fora uma lição muito útil de Jim para ela. “Se atente aos arredores, conheça seu campo de batalha” ela o escutou em seus pensamentos. Isso já estava assustando-a. Desde quando James Graham começara a ocupar seus pensamentos? Segurou a respiração e então escutou. Seus batimentos cardíacos, assim como a respiração baixa de alguém logo atrás da porta. Arreganhou os dentes e bateu com o punho fechado na porta.

– Escuta aqui! É melhor você abrir essa porta ou vou pô-la abaixo. Você escolhe! – Laura rosnou. Não tinha paciência para esse tipo de gente.

Passados três segundos, Laura se preparava para chutar a porta abaixo, mas a pessoa lá dentro girou a maçaneta. Era um homem loiro alguns anos mais velho que ela, olhos azuis, com uma barba por fazer e cheirava a bebida. Laura cobriu o nariz com a mão.

– Sabe, não é assim que você visita uma pessoa. – Ele falou coçando a barba. – Muito menos alguém que tem armas em casa. – Rapidamente ele sacou uma pistola das costas, apontando para o rosto de Laura.

Ela levantou as mãos, em sinal de rendição. O homem tinha razão. Ela não causara uma boa primeira impressão. Tentaria ir mais devagar agora.

– Quem diabos é você? – ele perguntou com a arma ainda apontada.

– Meu nome é Laura. Vim aqui querendo falar com o senhor – ela respondeu o mais cordialmente possível.

– E você acha que quero falar com você depois de você querer invadir minha casa?

– Venho também em nome de James Graham, além de mim própria e dos meus interesses – ela levantou ainda mais as mãos, um pouco desesperada. Não queria levar um tiro. Talvez mencionar Jim faria ele reconsiderar.

– O quê? Aquele pedaço de merda mandou você? – Não era a reação que Laura esperava.

– Ele não me mandou. Ele não manda em mim, nem em dois milhões de anos ele mandaria em mim. Estou aqui por que você pode me ajudar, e Jim apenas me recomendou você. – Laura agora encostava o dedo indicador no peito do homem, empurrando-o.

– E por que você acha que vou ajudá-la se está trabalhando junto ao Graham? Aquele moleque por acaso se lembra que eu ainda estou puto com ele? – O homem havia relaxado a postura. Laura se permitiu recuar e respirar fundo. Queria matar Jim por enganá-la e fazê-la ir remendar suas relações instáveis.

– Porque se eu não precisasse de armas, não me incomodaria em quebrar cada osso do corpo daquele garoto com minhas próprias mãos. E não estaria aqui, conversando com você. – Talvez ter uma raiva mútua por James Graham os fizesse chegar a um acordo.

O homem a olhou novamente da cabeça aos pés, estudando-a. Laura realmente não gostava dessa inspeção. Com a mão livre, esfregou a barba. Recolheu a arma, e guardou-a.

– Você teria que entrar na fila. Estou esperando a minha vez para quebrar a cara do James. – O homem estendeu a mão – Sou Roy.

– Eu sou Laura – ela respondeu apertando a mão dele.

– Entre e vamos ver o que posso fazer por você.

...

Ronnie apenas queria que o carro fosse mais rápido.

– Ei, cuidado nessa curva! – Jim gritou por cima do barulho do pneu cantando no asfalto. – Sabe, eu ficaria muito mais aliviado se você mudasse para a forma aérea. Chegaríamos mais rápido.

– Muito tráfego lá em cima. – Ronnie falou sem tirar os olhos da rua. – E desde quando você superou seus enjôos de viagens aéreas?

– Não superei... – ele respondeu fitando pela janela. – Só temos que chegar lá.

– Sabe, para quem quer se tornar um Deus da guerra, ter enjôo com uma coisa dessas é desconcertante – Ronnie comentou, tentando suavizar a situação. Os dois estavam preocupados com o que Roy faria com uma suspeita de crime. As palmas das mãos dela suavam segurando o volante. “Temos que chegar mais rápido, droga” ela praguejou em seus pensamentos.

– Apenas dirija, Whelm. – a voz de Jim saiu seca.

Quatro minutos depois, deram de cara com um bloqueio na rua, forçando-a a estacionar. O desespero subiu a garganta de Ronnie. Iriam demorar ainda mais a pé. Ao lado dela, Jim analisava a situação. Impaciente e frustrado, socou o painel do carro. O airbag abriu imediatamente, mas ele não deixou inflar, segurando-o com a mão. Ronnie poderia dar uma gritar com Jim, mas ela entendia e sentia o mesmo que o amigo.

– Já sei. Vamos – ele disse abrindo a porta do carro.

– Ei, aonde vamos? – Ronnie saiu e acompanhou Jim. – Vai demorar muito se formos caminhando, mesmo correndo!

– Não vamos pela rua, vamos por cima – ele disse apontando para o topo das construções.

A aristocrata recusou veementemente.

– É o único jeito, Ronnie – James esticou uma mão para ela.

– Vai ter força para levar a nós dois? – ela perguntou cruzando os braços.

– Talvez. Nunca tentei isso antes.

Ronnie bufou frustrada.

– Se morrermos, a culpa é toda sua. E veja se não vomita entre os saltos – Ronnie falou, enquanto Jim segurava suas pernas e tronco.

– Sim senhora, capitã – e com um forte impulso, eles saltaram.

Viajar saltando era bom. A sensação do ventos na pele e nos cabelos fazia a adrenalina fluir. Ronnie se agarrava mais a Jim em cada salto. Ela podia ouvir o ritmo acelerado do coração dele, bombeando sangue feito louco. Também podia ouvir quando ele engolia em seco, com medo de deixá-la cair. Pousaram numa esquina, a alguns metros do apartamento onde Roy morava. Alguns pedestres se assustaram com a aterrissagem súbita, correndo para todos os lados. Ronnie largou da pegada em Jim, observando os arredores. Ao seu lado, ele arfava, tentando sugar a maior quantidade de ar possível. Ele estava prestes a vomitar e não seria nada bonito.

– Vomite em outro canto, por favor – Ronnie pediu.

– Temos que achar Laura. Para de graça e vamos logo – ele falou exausto, caminhando para o prédio de Roy.

Jim realmente estava determinado a encontrar Laura.

...

Era amedrontador encarar aquela porta novamente.

Jim estralou o dedo indicador com o polegar e reuniu coragem. Ele e Roy não estavam no melhores dos termos. Olharia naqueles olhos azuis gélidos e colocaria um fim naquela desavença dos dois. De um jeito ou de outro. Ergueu o punho e bateu a porta. Whelm se posicionou ao lado dele, com uma face de coragem. Mas Jim sabia que ela se preocupava com Laura. Possivelmente também já bolava um plano se tudo descambasse. Ele também fazia sua parte, pensando em uma maneira de proteger Laura depois de saírem dali. Ela era suspeita de um crime. Não deixaria ela morrer. Mesmo que significasse colocar sua cabeça a prêmio.

– Quem é? – Ouviu a voz de Roy do outro lado da porta. Parecia cansada e irritadiça.

Jim respirou fundo.

– Alguém que você está louco pra matar – James respondeu, se preparando para o pior.

Momentos depois, a porta se abriu. Laura apareceu calmamente, balbuciando alguma coisa para Roy que estava um pouco mais atrás. Empurrando Jim para o lado, Whelm envolveu o pescoço de Laura num abraço desesperado, agradecendo por ela estar bem. Jim não pode deixar de sorrir aliviado. Seu coração pareceu bem mais leve. “Compostura, Graham!” ele se repreendeu. A visita ainda não tinha acabado.

– Roy, temos que conversar – Jim disse para o dono da casa.

– Sim, nós temos. A começar por vocês dois estarem ajudando nossa cara fugitiva aqui – ele atraiu a atenção das duas amigas que continuavam a se abraçar.

– Isso é uma longa história – Jim se encostou no batente da porta.

– Tenho a noite inteira, Graham – Jim não deixou se intimidar. – Loirinha, não se esqueça. Use a configuração apenas daqui à doze horas. É o tempo que leva para ela se ajustar ao seu padrão cerebral.

Laura assentiu, enquanto era puxada para fora por Whelm.

– Sente-se em algum lugar, quero saber de tudo.

...

Saltar distâncias enormes era a coisa mais excitante que Laura já tinha feito na vida.

Ronnie parecia já estar acostumada com a sensação, mas não a impediu de dar alguns gritos de animação. Ela era leve, e o calor do corpo dela contra o de Laura fazia parecer que os saltos eram mais suaves. Chegaram aonde estava o carro de Ronnie, e entraram nele em silêncio. Apesar da euforia dos saltos, a cabeça de Laura estava em outro assunto. O incidente de mais cedo fizera dela uma pessoa procurada. E esse mesmo pensamento rondava a cabeça da amiga.

– Eu entendo que, o que aconteceu, estava além do seu controle. Mas não precisava mandar o cara para a UTI – Ronnie ligou o carro, e ativou o modo aéreo.

– Ele ia me atacar, só o que pensei foi em revidar. Mas bem... – Laura deu uma risada fraca – ainda não sei controlar a força.

– Tá, eu entendi isso. Mas agora, você não pode mais ir para a seleção de Senhores do tempo. Vão te deter e te executar na hora – Ronnie apertou mais o volante.

Laura sabia o que era ser caçada. Grande parte da sua vida fora resumida a sobrevivência dela e da irmã. Tudo porque estava no lugar errado na hora errada. Mas sabia como resolver essa situação.

– Eu vou para essa seleção. Apenas não como Laura Barnes – ela coçou o antebraço, em volta dos pequenos triângulos pretos que agora faziam parte dela.

Ronnie a olhou curiosa.

– O que você tem em mente? – ela perguntou, voltando a olhar para o tráfego a sua frente, cheio de carros no céu.

– Precisamos de tinta de cabelo, um óculos, e novas identidades.

– Sabe, James e você vão me deixar pobre com o tanto de identidades que vão me fazer arrumar – Ronnie disse suspirando.

– Nós sabemos, e agradecemos por sua cooperação – Laura disse, dando um sorriso para a amiga.

Os dois primeiros itens da lista foram fáceis de conseguir. As identidades iriam ter que esperar. Enquanto as duas iam de um lado para o outro, comprando o que precisavam e o que não precisavam, porque simplesmente podiam, Laura estava se divertindo. Ela não tinha isso a muito tempo. Além das duas semanas naquele mundo novo, antes de ir parar ali, ela fora privada disso. Tudo se resumia a cuidar da irmã e manter a casa das duas. Ela não saia com os colegas de trabalho, volta e meia se metia numa briga, não tinha mais contatos dos amigos mais antigos. Laura não tinha tempo para isso. Mas ali estava ela, fazendo compras com Ronnie, se perguntando se as roupas expostas nas vitrines das lojas ficariam bem nela. Olhou para a garota ao seu lado e se perguntou se teriam esses momentos no mundo de onde Laura veio. Na volta para a casa de Jim, olhando pela janela, imaginou como seria viver o resto da vida naquele mundo, com Ronnie e Jim. Imaginou se sua irmã, Jessie, gostaria das coisas ali. Mas então lembrou do que viu mais cedo. Em cada canto e em cada esquina, não havia esperança, apenas a miséria. Olhava para a parte mais alta da cidade, onde lordes e senhores viviam, e via hipocrisia e luxúria. “Vamos acabar com tudo isso” ela pensou. Voltaria para a irmã. Talvez Ronnie viesse junto. A amiga não havia se decidido ainda. Jim com certeza viria. Laura não sabia se isso era bom ou ruim, e riu com a idéia dele sendo soterrado com as perguntas da irmã sobre o cabelo esbranquiçado.

 Ouviu o som de um dedo sendo estralado e olhou atrás de si, tentando ver se Jim estava lá. Olhou para as próprias mãos, e se surpreendeu ao ver o polegar sobre o indicador, um pouco dolorido agora. Sentiu as bochechas esquentarem. Desde quando James passara essa mania para ela, Laura se perguntou. Ronnie logo ao lado, deu um sorriso discreto.

– Preciso de todas as cores desse produto, quando voltar para o meu mundo! – Laura disse entusiasmada, enquanto segurava a caixa de tinta para cabelo.

– E o que você vai fazer com isso? Mudar a cor a cada mês? – Ronnie perguntou, passando a tinta no cabelo de Laura.

– Ronnie, você não tá me entendendo. Isso aqui tinge seu cabelo permanentemente! Mesmo que cresça, não vai voltar para a cor original do cabelo.

– E o que tem demais? Você fala como se tivéssemos descoberto a cura do câncer. Coisa que descobrimos faz uns setenta anos.

Laura se virou para Ronnie, incrédula.

– Como é que é? Vocês descobriram a cura do câncer?

– No seu mundo ainda não descobriram isso? – Ronnie segurou a cabeça de Laura com as duas mãos, forçando-a a ficar com as costas retas.

– Não! E por que diabos vocês não compartilharam isso com meu mundo? – Laura perguntou parecendo legitimamente decepcionada.

– Não podemos interferir com a linha do tempo de outros mundos, muito menos revelar coisas que eles ainda não sabem – com a mão livre, Ronnie coçou o topo da cabeça. – Vocês tem que descobrir as coisas por si mesmos. Assim como a existência do multiverso. Apenas pessoas do mais alto escalão do governo de cada mundo sabem que existe tudo isso. Os lados da Freqüência, multiverso, esse tipo de coisa.

– Isso ainda me deixa com dor de cabeça, Ronnie. – Laura disse abanando a cabeça.

– Eu sei.

...

Jim voltara para casa mais tarde do que pretendia.

Ao passar pela porta de entrada, sentiu um cheiro bom vindo da cozinha. Laura. Antes de ir ao seu encontro, tomou banho e colocou roupas limpas. Saltar era uma atividade que ele poderia se acostumar, mas achava muito cansativo e demandava muito de seu corpo. As vezes se sentia um velho.

Como não vira o carro de Ronnie estacionado, imaginou que ela tinha ido embora. Foi para a cozinha, seguindo o cheiro apetitoso de comida.

– Me desculpe, Laura. Eu havia dito que iria cozinhar hoje, mas Roy havia me prendido por mais tempo que eu queira – ele disse se sentando numa cadeira da mesa de jantar.

– Sem problemas. Eu imaginei que você estaria com fome, então fiz o jantar para nós dois – Laura desligou o fogo e levou uma panela para a mesa.

Então Jim olhou para Laura.

De inicio ele se assustou. Pensava estar vendo coisas. A pessoa a sua frente quase não tinha semelhança com Laura. Os cabelos eram castanhos escuros, usava óculos de armação quadrada preta. O óculos fazia a maior parte do trabalho, disfarçando o rosto dela. Seria preciso prestar muita atenção ao rosto para reconhecer Laura.

– James, você tá pálido – ela disse um pouco assustada.

– Você... tá bem diferente. Sabe disso, né? – ele perguntou, gesticulando para ela.

Ela riu alto.

– Bom, essa é a intenção. Não posso mais sair daqui, sem que queiram me matar. Então, precisei de uma nova identidade.

“Esperta” Jim pensou, enquanto um pequeno sorriso se formava em seus lábios.

– Como devo te chamar em público, então? – Jim disse pegando os pratos.

– Lisbeth Faraday. Foi o nome que dei para Ronnie, para ela arrumar os documentos novos – ela respondeu, enquanto pegava os copos.

– É um nome bem diferente, Lisbeth. Honrado em te conhecer – ele brincou.

– Para você, Graham, sempre vou ser Laura Barnes. Então sem graças. Ainda quero te matar por mais cedo. Não sou sua correspondente.

Jim coçou a nuca, desconcertado.

– Me desculpe por isso.

– Aceito suas desculpas – ela praticamente grunhiu a resposta.

Quando terminaram de comer, eles olharam um para o outro, satisfeitos. A troca de olhares os fez rir. Laura percorreu com o olhar todo o rosto de Jim, com curiosidade. Isso fez a cabeça de Jim imaginar todo tipo de piada de mau gosto e suja, mas manteve-os para si mesmo. Não queria acabar com o momento. Imaginou se seria uma boa hora dizer que a conversa com Roy rendeu frutos, apesar da animosidade entre os dois não ter diminuído tanto. Em troca da ajuda que ele ofereceria, Roy solicitou um serviço de Jim. Que conseguisse certos documentos da área mais bem guardada da sessão de arquivos do Ministério. Qualquer um que entrasse ali sem autorização seria passivo de uma punição, no mínimo, dolorosa, para não dizer fatal. E claro que Jim não tinha autorização para conseguir esses documentos. Teria que invadir. Mas decidiu não trazer a tona essa conversa.

– Pretende passar o resto da vida com o cabelo assim, Jim? – Laura perguntou.

Ele puxou alguns fios de cabelos, e riu.

– Não, apenas me esqueço de pintar. É uma droga quando a cada um mês e meio seus cabelos ficam assim, depois de viajar tanto pelo espaço tempo. Chega um momento que nem te incomoda mais.

Olhou para um canto, com os pensamentos indo para o que Roy havia lhe pedido. Com certeza aquilo tinha a ver com Riley, a filha que ele perdera na rebelião nortenha. Jim havia servido com ela. Conhecera-a bem. Sentia sua falta mais do que tudo. Estralou todos os dedos da mão direita um por um.

– Ei, o que houve? Tudo bem com você? – Laura perguntou.

Jim estava tão absorto em seus pensamentos, que não havia visto Laura se aproximar, agachando-se, pondo a costas da mão contra sua testa. Piscou e percebeu que lágrimas rolavam sobre seu rosto e caiam no chão. Ele fungou, e secou os olhos.

– Sim, estou bem – ele respondeu dando um sorriso. – Apenas me lembrei de alguém.

A mão de Laura deslizou da testa para a bochecha dele.

– Quer conversar sobre isso? – os olhos de Laura pareciam enxergar sua alma. Os rostos de Laura e James estavam a centímetros de encostar. Ele engoliu o bolo que estava se formando em sua garganta.

– Talvez outro dia. Acho melhor irmos dormir – Jim falou se levantando da cadeira.

– Sim... – ela concordou, enquanto observava Jim caminhar até o próprio quarto.

...

Ela abriu a porta do quarto de Jim quietamente.

O Senhor do tempo, ainda acordado, se virou para ver quem tinha entrado. Laura estava parada, do lado da cômoda de roupas dele, coçando o braço, se decidindo se era uma boa idéia ou não o que estava fazendo. Suspirando, caminhou para a cama dele.

– Mas o que... – Jim murmurou, enquanto Laura se deitava ao seu lado.

– Cala a boca. Juro pra você que se eu ouvir uma palavra sequer, essa cama vai virar um abatedouro. – ela avisou encarando os olhos dele. – Minha irmã vinha para a minha cama dormir quando estava triste. Mas como você é um cara crescido e muito orgulhoso para fazer uma coisa dessas, estou te quebrando esse galho. Então apenas cala a boca e aceite, porque nunca mais eu vou fazer uma coisa dessas, me ouviu? – ela virou o corpo dele para o outro lado, envolvendo-o com os braços.

Mesmo que sua mente gritasse para ele apartar aquilo, ele deixou as coisas como estavam.

– Ouvi, sim senhora – ele respondeu, deixando-se aquecer por Laura.

Sem dizer uma palavra, ela o apertou mais contra si, ouvindo o batimento do coração de James, que batia num ritmo calmo e suave, acompanhando sua respiração.

Ela achou que esse era o som mais bonito que ouvira em muito tempo.



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