História O Cheiro da Lua - Discussão

Quando acordei, senti um leve desconforto no meio das minhas pernas, mas nada que me incomodasse muito. Bom... agora sabia o que era ficar dolorida depois de um, digamos, sexo mais intenso.

Levantei e vi que as malas já estavam prontas - todas organizadas ao lado da cama - e notei que, da cozinha, vinha um cheiro delicioso de nozes com misto quente.

- Hmm... fazendo um lanche para agora ou para mais tarde? - abraço-o por trás e mordo seu ombro.

- Agora... mas se você quiser posso levar uns para mais tarde. - afirma enquanto desliga o fogo e se vira para me observar.

- Não precisa. - dou um sorriso.

Triton beija meus lábios e sorri.

- Vamos comer? - pergunta.

Concordo com a cabeça e nos sentamos a mesa, comemos devagar e silenciosamente, acho que nenhum de nós queria ir embora, mas sabíamos que não podíamos ficar mais tempo.

- Você já sabe onde vai querer trabalhar? - indaga com cuidado.

- Ainda não... mas eu vou resolver isso essa semana. - comento. - E você já vai voltar a trabalhar essa semana?

Torço para que ele diga não.

- Infelizmente, acho que vou. - suspira. - Mas eu não trabalho tanto assim. - dá um leve sorriso.

- Como assim? - tomo um gole da vitamina de abacate que ele mesmo fez.

- Bom... eu não preciso ficar o dia todo na empresa, também não tenho que chegar logo cedo. - afirma.

- Entendi... eu sempre achei que fosse um pouco mais puxado. 

- No começo é bem puxado, mas quando eles vêm que podem confiar em você, tudo fica muito melhor. - ele se levanta e começa a colocar a louça na pia.

Levanto e vou ao seu lado, começo a lavar a louça enquanto ele se afasta da pia para me abraçar. Rio e aproveito esse Triton super carinhoso, não que eu não goste dele de outro jeito.

- Kristine, posso te perguntar uma coisa? - indaga baixinho.

- Pode. - respondo já terminando a pouca louça que havia.

- O que você achou da Lorena grávida? - fala rapidamente.

Como assim o que eu achei? Coro de leve e me viro para olhá-lo, agora nossos rostos estão um pouco distantes, mas seu corpo ainda está colado ao meu, suas mãos estão apoiadas na pia.

- Bom.. eu achei muito legal... digo... ela estava super feliz e eu achei fofo que o Eric ficou meio corujão. - sorrio um pouco. - E ela deve estar muito animada, porque ela vai ser mãe!

Triton continua me fitando, mas dessa vez não consigo dizer o que ele está pensando.

- Por que a pergunta? - pergunto sem pensar.

Ele cora e tenta disfarçar.

- Eu não sei bem.. mas é que o Eric me falou umas coisas e eu fiquei com elas na cabeça. - afirma.

- Você não está pensando em...

- Não! Ainda não. - nega rapidamente. - Como eu já te disse, acho que somos inexperientes demais.

Assinto e ele me dá espaço para que possamos sair da cozinha, fomos até o quarto em silêncio, porém dentro de mim, uma pergunta ficava me "arranhando".

- O que foi que o Eric te disse? - murmuro baixinho.

Ou ele não ouviu, ou fingiu que não ouviu... entretanto, eu não queria encher o saco dele, então, respirei fundo e peguei uma roupa - que ele deixou pra mim em cima de uma cadeira - e comecei a me trocar.

Não sei se ele percebeu que eu estava um pouco magoada, ou se foi só um daqueles ataques de mimos do Triton. Mas quando terminei de me trocar, senti um abraço gostoso e cheio de amor dele.

- Eu te amo muito. - beijou meu pescoço.

- Eu também te amo demais. - afirmo com um sorriso, mesmo que ainda esteja bem curiosa e um pouco, digamos, ressentida.

*

Foi triste e ao mesmo tempo animador dar adeus para Marlottu, triste porque não estaríamos mais sozinhos sempre, e animador porque iríamos ser parte da alcateia como companheiros.

Eram novidades para mim e para ele, e pude ver como Triton estava empolgado em se mostrar como um macho dominante unido à companheira. Chega a ser hilário como alguns lobos se comportam para mostrar superioridade.

Sento no banco do trem - que por sorte não está lotado - e encosto a cabeça no ombro dele. Triton me faz um cafuné e sussura uma daquelas provocações inadequadas para a ocasião.

- Posso te amarrar na nossa cama quando chegarmos? 

- Não. - não contenho a risada. - Já disse que não entendo como vocês sentem prazer com isso.

- Eu nunca fiz isso antes. - ri. - Mas a gente anda fazendo tantas coisas exóticas que achei que podíamos tentar. 

- Você está falando sério? - fito-o e noto que ele está falando sério. - A gente pode tentar alguma outra coisa, não isso. - nego.

- Tudo bem. - ele me dá um beijo na boca. - Mas eu vou ainda te surpreender com algo. - sorri maliciosamente e vira o rosto para olhar pela janela.

Pego-me imaginando que não faço ideia do que ele poderia fazer, mas que tenho certeza que será algo muito bom.

Foi então que o meu celular fez um barulho, peguei e vi uma mensagem da Vivian:

De: Vivian
_____________________________________________________________
Me ligue assim que puder, por favor!
_____________________________________________________________

Triton dá uma espiada e sei que ele sabe como estou aflita quanto a isso, e o pior é saber que temos que ver isso o mais rápido possível.

- Kristine.... eu andei pensando sobre isso. - comenta.

Observo-o e espero que ele termine o que começou.

- Acho melhor a gente falar com o Fernando sobre isso. - afirma.

- Mas a gente não ía falar com a Lorena e depois decidir se iria falar com o Fernando? - indago já meio receosa.

- Não seria inteligente fazer isso. - suspira. - Além de que você não acha que a Lorena já está com problemas demais?

Concordo que a Lorena esteja bem lotada de afazeres, mas isso não quer dizer que temos que contar justo para o Fernando... consigo até imaginar aquele Giulia me acusando de causar toda essa confusão na alcateia.

- Tá, mas podemos contar pra outra pessoa.

- O Fernando. - diz com total certeza. - Melhor do que tentarmos resolver isso sozinho.

- Mas se ele quiser ir lá conversar com ela? - arregalo os olhos. - Ele não vai saber falar com ela e aí...

- Kristine, você tem que confiar nas decisões do alfa.. além de que a alcateia é sua nova casa, então nem seria saudável você voltar pra lá. - comenta.

Estou querendo matá-lo, mas guardo a minha raiva para mim porque quero acreditar que ele está fazendo isso pelo nosso bem.

- Tudo bem. - suspiro e me encosto novamente em seu ombro.

Fecho os olhos e ouço ele pedir um sinto muito bem baixinho. 

- Não se desculpe, eu meio que entendo. - digo para tranquilizá-lo. 

- Você é mesmo perfeita. - dá um beijo na minha cabeça.

E então, respiro fundo e faço de tudo para dormir, porém quanto mais queremos é quando menos conseguimos.

*

Como imaginei, eu não dormi  a viagem inteira enquanto Triton acabou caindo em um sono profundo com a cabeça no meu ombro.

Até lhe fiz um pouco de carinho e posso jurar que o ouvi ronronar, foi fofo e me fez esquecer, por um instante, o assunto da Vivian.

Contar para o Fernando, logo assim de cara, não estava nos meus planos, entretanto não vou conseguir convencer o Triton a aceitar o que estou querendo - conversar pessoalmente com a Vivian - ao invés de mandar o alfa com sua companheira malévola.

Só que não quero discutir com ele, porque aquela nossa última briga ainda me perturba. Eu sei que uma coisa não tem nada a ver com a outra, porém nós acabamos de nos unir e não quero que ele pense que sou mandona ou que mudei com a nossa união.

Queria ter alguém para compartilhar isso, mas não posso contar mais com a Vivian - ainda mais nessa situação - nem com a Amy, aliás, já fazia um tempo que eu não podia contar com ela.

Nem mesmo, agora que mais preciso, consigo lembrar de alguma frase sábia e otimista da Judely. Contudo, só o nome das duas já conseguem me fazer sorrir sozinha. 

O complicado é que sinto que lá no fundo eu quero voltar para Fortrest (pelo menos uma última vez) para conversar de verdade com a minha melhor amiga e ver se dou uma escapada até Trevarch para relembrar minha infância.

O trem dá um pequeno solavanco que foi o suficiente para me fazer voltar a realidade, dou um longo suspiro e Triton se remexe. Tenho medo de que ele acorde, pois sei que ele desconfiaria por eu ainda estar acordada - normalmente, eu durmo em qualquer tipo de viagem - e eu não saberia como me explicar.

Ele se remexe de novo para se aconchegar mais em mim, sorrio e fecho os olhos, talvez o cansaço e o cheiro caloroso do meu companheiro me ajudem a dormir.

*

Triton fungou o meu pescoço, um arrepio percorreu a minha espinha, faço um barulho (que nem eu reconheço) e abro os olhos. O trem está parado, as luzes estão acessas e várias pessoas estão em pé, cada uma pegando sua mala.

- Já chegamos?

- A nossa é a próxim parada. - diz suavemente.

- Tá bom. - bocejo e me espreguiço.

Assim que as luzes voltam a se apagar e o trem volta a andar, viro-me e fico o observando. A luz da lua o deixa mais charmoso, e a barba que está crescendo o deixa mais sexy. Rio dos meus próprios pensamentos.

- O que é engraçado? - Triton morde a minha bochecha.

- Nem te conto. - rio mais um pouco antes de beijá-lo.

Ele toma conta do beijo, deixando-o mais quente, sinto sua boca me devorar enquanto enlaço meus braços em seu pescoço. Separo-nos porque sei que vamos nos descontrolar.

- Esperta... por isso que eu te amo cada vez mais. - beija minha testa.

Lá dentro, algo me cutuca dizendo que é a hora de tocar naquele assunto de novo. Dessa vez, até mesmo Tia Ju me encoraja.

A sua geração é mais flexível do que a minha, e mesmo assim eu "chutava o pau da barraca" com os caras. Não estou te induzindo a ser uma barraqueira ou só criticar tudo... ouça, Kristine, você também deve ouvir, porém deve opinar, não seja tímida.

- A gente precisa conversar. - murmuro.

Triton me observa com cautela, respiro fundo e digo tudo de uma vez.

- Eu não acho que devemos contar ao Fernando, na verdade, acho que eu mesma tenho que ir lá conversar com a Vivian.

Já estava preparada para "jogar" mais argumentos quando ele bufou e mudou, totalmente, a sua expressão facial.

- Eu já disse o que nós iremos fazer e ponto final!

- Mas...

- Kristine, entenda uma coisa... agora você faz parte de uma alcateia e nós temos regras e um alfa do qual não podemos esconder situações de extrema importância como essa! - continua me encarando.

- E você quer que eu deixe uma humana inocente, que nunca soube de nada, sofrer nas mãos do alfa e da companheira dele? - minha voz se altera, ficando mais séria.

- Você fala como se ele fosse uma má pessoa. - resmunga.

- Não é isso! É só que a Vivian é tão delicada e algo me diz que o Fernando indo até lá não é uma boa ideia. - suavizo a voz.

- Kristine, quem decide se é uma boa ideia ou não, é ele. - começa a se acalmar. - E eu não acho que ele vá querer ir até lá.

Concordo com a cabeça e suspiro.

- Só não sei porque você mudou de ideia do nada. - murmuro.

- Não mudei de ideia.

- Mas você disse que íamos analisar a situação e depois tomar uma atitude. - comento enquanto observo como ele demonstra calma.

- Exato... eu analisei e já sei que atitude devemos tomar.

- Você analisou? Sozinho? Quando você analisou isso?

Sinto aquele raiva de traição, bem similar àquela que senti no dia em que o cheiro de pimenta da Melissa inpestiou a nossa casa.

- Na mesma noite em que a Vivian ligou, não consegui dormir direito e acabei chegando a uma conclusão. - responde.

- E agora você decide tudo sozinho? 

Estava tão irritada que teria brigada muito mais com ele, a sorte foi que o trem já estava parando. Levantei, peguei uma das malas e saí.

Ouvi Triton gritar o meu nome três vezes, depois não ouvi mais, já que corri para bem longe.