História O começo de tudo - Atravessando o lago

Ao sairmos do comboio, verifiquei que era mesmo noite cerrada e o frio fez-me tremer, ainda bem que tinha a capa de Ron. Um lampião brilhava perto dos vagões do comboio. Era o homem gigante que eu vira na Diagonal.

- Primeiro ano! Primeiro ano! É p`ra vir por aqui.

Eu segui a multidão de alunos do primeiro ano, mas mantendo-me um pouco distanciada dos estudantes que ainda sussurravam.

O caminho estreito desembocara subitamente na beira de um imenso lago. Sobre uma montanha, do outro lado, brilhavam, no céu estrelado, as janelas iluminadas de um enorme castelo cheio de torres e torreões.

- Não quero mais do que quatro em cada barco. – Avisou o homem gigante.

Eu entrei para um barco quase vazio onde só estavam um rapaz ruivo de olhos verdes e um rapaz de cabelo castanho escuro e olhos quase pretos como os de uma gazela que conversavam animadamente. Pareciam não ter reparado em mim, provavelmente porque eu passava despercebida com a capa preta.

A pequena frota de barcos movimentou-se rapidamente, deslizando pelo lago que era tão liso como gelo. Eu olhava maravilhada o grande castelo banhado pelo luar e pelas estrelas refletido no lago escuro, quando algo se moveu debaixo do barco. Algo muito grande. Só podia ser a lula gigante que estava mencionada em «Hogwarts: Uma história!». Eu debrucei-me sobre a berma do barco para tentar verificar se era mesmo a lula gigante, mas nesse momento, o barco inclinou-se um pouco para o lado onde eu estava debruçada e caí à água.

Descobri que o lago não só parecia liso como gelo mas também era frio como ele. Batia os braços desesperada tentando manter-me à tona, nunca soube nadar. Ouvia, entre goles de água, os rapazes que me acompanhavam a pedir por ajuda.

O meu chapinhar incessante voltou-me de barriga para baixo e eu já não conseguia respirar. Foi quando senti alguém puxar-me de novo para dentro do barco. Tinham sido o rapaz ruivo e o seu companheiro. Eu deixei-me ficar deitada, cuspindo água e arfando ofegante.

- Estás… – Começou o rapaz ruivo mas não terminou a frase.

- Eu estou bem! – Respondi à sua pergunta incompleta enquanto escorria o cabelo molhado que pingava. Envolvi mais a capa em volta do corpo, embora esta também estivesse molhada. – Obrigada por me salvares.

- De nada! – Respondeu o rapaz, meio envergonhado. – O meu nome é Robin. Robin Telma!

Estendeu a mão. Eu apertei-a com a minha mão molhada.

- Sou Viviane! Viviane Melmarine!

Ele olhou para mim espantado.

- Ouvi falar de ti! Não és aquela aluna que quase não conseguia entrar para a escola? Ouvi dizer que não conseguiste passar a plataforma e…

Eu baixei o olhar, ainda mais corada do que outrora ele estivera. Sentia-me triste por saber que aquele incidente faria toda a gente lembrar-se de mim como «a rapariga que não conseguiu passar a plataforma».

- Todos os meus tios são Muggles! Os meus pais tinham esperança de que eu fosse um feiticeiro como eles. Quando era pequenino, partia os jarros todos da casa quando me zangava. Por levitação…

Eu compreendi que ele estava a tentar ser mais simpático comigo e senti-me um pouco melhor.

- Eu não tenho ninguém feiticeiro na família. Eu costumo passear perto de um penhasco e há pouco tempo, o vento empurrou-me e caí de uma altura enorme. Na altura não percebi muito bem, mas descobri mais tarde que tinha planado já perto do chão e foi por isso que não me esborrachei completamente.

- Pelos vistos, esta não foi a primeira vez que te meteste em problemas.

- Cair é o meu forte! – Disse com um sorriso.

Estou contente por ter arranjado um amigo, embora não tenha gostado lá muito da maneira como Robin me olhava. Espero que ele não tenha ficado a gostar de mim um pouco demais.

O amigo do Robin também era bastante simpático mas um pouco mais atirado. Convidou-me de imediato para sair com ele no fim de semana seguinte. Eu recusei gentilmente a proposta, mas pareceu-me que Robin ficou com o amigo de ponta depois do convite inoportuno dele. 

Quando chegámos ao porto de atracagem, Robin ajudou-me a descer do barco.

- Vemo-nos na seleção! Espero ficar na mesma equipa que tu! – Despediu-se esperançoso.

Eu segui atrás dos outros. Até que o dia não estava a correr mal de todo. Apesar de muita gente me olhar meio de lado e dos sussurros que eu tinha a certeza de serem sobre mim, conheci muita gente simpática. Ron e a sua família, Harry, Hermione, Robin e o seu amigo.

Só que o pior ainda estava para vir. Já alguma vez ouviram falar de amor à primeira vista? E de ódio à primeira vista?

Não parecia possível que alguém pura e simplesmente me odiasse só por eu ser filha de Muggles. Mas eu descobri também naquele dia que não existia apenas distinção entre Muggles e feiticeiros mas também entre feiticeiros como eu e os feiticeiros puro-sangue. E que distinção! Maior do eu poderia supor!