História O começo de tudo - Sangue de lama e puro-sangue

A professora McGonagall, chefe da equipa dos Gryffindor, conduziu-nos até perto do salão e deu-nos alguns minutos para nos prepararmos. Esfreguei as mãos, tentando aquecer-me após aquela travessia pelo lago. A noite não estava agradável, havia demasiada humidade no ar. Olhei em volta, para os rostos nervosos. Alguns comentavam, com temor, sobre o que os esperaria. Se tinham que fazer algum teste. Eu, por mim, estou tranquilo. Já dei mostras à minha família do meu poder.

Pensei no ocorrido no comboio, na minha conversa com o Potter. Ele tinha desprezado a minha amizade para andar metido com os Weasley. Os Weasley! Vê-se mesmo que não sabe escolher o que é melhor para ele. Estava ainda bastante aborrecido com a situação. Ouvi, então, a determinada altura, sussurros ao meu lado. Duas raparigas cochichavam:

- É aquela ali de capuz! Não conseguiu passar a plataforma e há quem diga que quase não arranjou varinha. É filha de Muggles, pois claro!

- Tem boa razão para não querer dar nas vistas, se fosse eu não tirava aquele capuz o ano inteiro.  

Voltei-me na direcção em que as raparigas olhavam e vi uma figura baixa, envolta num manto preto de capuz, que escorria água. Por que estaria toda molhada? Provavelmente alguém ajuizado tentou atirá-la borda fora enquanto atravessávamos o lago. Uma pena que não foi bem sucedido na tentativa de homicídio.

E quem estava com ela? Só podiam ser o Potter e o idiota do Weasley.

Resolvi ir até lá, implicar um pouco com eles, já que não tinha mais nada para fazer. O meu pai sempre me disse que o melhor passatempo, na visão dele, é implicar com a escumalha inferior que nos rodeia. Disse que eu deveria experimentar, que ia gostar.

- Potter! – Chamei, quando já estava próximo dos três. – Só tu mesmo para arranjares pior companhia que os pobretões dos Weasley e o demente do tal Hagrid. Uma sangue de lama, que não sabe pegar numa varinha. Eu nunca vi alguém tão apto para arranjar piores companhias.

O Potter olhou para mim com frieza e o Weasley cerrou os punhos numa ameaça e lançou-me um olhar feroz. O olhar dele vacilou quando viu que Crabbe e Goyle estavam a poucos metros de distância.

- Vai-te embora Malfoy! – Ordenou o imbecil.

Eu ignorei-o e voltei-me para a rapariga encapuzada, que se encolheu e baixou mais a cabeça.

- É mesmo uma vergonha! Hogwarts pode ter sido grandiosa no passado mas parece que desceu ao mais baixo nível. Acolher pessoas como tu, da ralé, francamente. Olha, tu já alguma vez pensaste em como pegar numa varinha para lançar um só feitiço ou o teu cérebrozinho diminuto não chega para isso? Se calhar ficou ainda mais embaralhado quando te esborrachaste na parede da plataforma, não foi? Ou então encolheu quando te atiraram ao lago!  

- Já chega, Malfoy, não és bem-vindo, vai-te embora, vai ter com os teus amiguinhos. – Ordenou o Potter, antecipando-se ao Weasley que ia retrucar de novo com algo muito desagradável, decerto.

Mas eu nunca vou admitir que gente como eles mandem em mim. Deixei-me ficar por ali, com um sorriso um tanto quanto malicioso, desafiando-os, antes de recomeçar a falar com a sangue de lama.

- Por que não tiras esse capuz? É só vergonha de encarar pessoas de verdade, ou é para esconderes a feiúra que deves ter herdado dos teu paizinhos Muggles?

Ela levou as mãos ao capuz e abaixou-o, encarando-me finalmente.

Tenho que admitir que fiquei momentaneamente sem palavras. 

Nem adianta tentar descrevê-la, ia parecer que a elogiava. Pois defeitos não encontrava quaisquer uns, afinal ela não era nada feia. O cabelo era preto, longo e ainda estava brilhante por causa da água, a pele parecia macia à vista, tinha as maçãs do rosto rosáceas e, para rematar, uns olhos estranhos que não se costumam ver por aí. São dourados da cor do ouro, mais claros que caramelo mas mais escuros que os olhos de um gato. E tenho que admitir que apesar de estranhos, são magníficos. Ela era, em suma, de uma singular beleza exótica. No meu íntimo logo percebi... havia algo de muito errado com a sua aparência. Era demasiado deslumbrante, precisei de piscar os olhos umas quantas vezes para voltar a mim.

- Porque é que me odeias tanto? – Perguntou. Até a voz dela era simplesmente melodiosa.

O que me fez recuperar da minha surpresa foi, especialmente, o idiota do Weasley que me encarava com um sorriso trocista.

- Quero ver-te a chamá-la de feia, agora! 

Eu fiquei tentado a dizer-lhe que ela era horrorosa como todas as da sua espécie, mas convenhamos, eu sou um pouco mentiroso mas nem tanto! Eles iam entender que eu estaria a desculpar-me. Não podia atacá-la no corpo nem na feição. Não devia nem experimentar.

- Cala-te! – Ordenei firmemente. Voltei-me de novo para a rapariguinha e resolvi responder-lhe. – É mais por existires, se é que me entendes, sangue de lama!

E afastei-me, muito satisfeito com a cara dela que denotava que estava um pouco confusa e magoada. A coitada, provavelmente nem sabe do que a insultei.

Crabbe e Goyle, que tinham assistido à última parte do espectáculo, seguiram atrás de mim, rindo.