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História O Cristal de Zargon - Mudanças


Escrita por: DanielWillian

Notas do Autor


Neste capítulo voltamos no tempo, no exato ponto onde a história de Terenas e seu irmão Kodah sofre uma reviravolta, de fazendeiros a fugitivos. Espero que gostem. ;)

Capítulo 2 - Mudanças


Terenas dormiu até mais tarde naquela manhã. Abriu os olhos devagar, de maneira letárgica, e olhou para a cama ao lado onde Kodah, seu irmão, também dormia. Esse é um luxo que nunca tiveram. Desde que pode lembrar-se, seu pai, Lorde Dekkion os acordava para as atividades diárias, ensinando-os a cuidar de tudo e a serem responsáveis.

Ficou pensativo algum tempo, viajando em várias palavras, até que uma específica alojou-se em sua cabeça “doente... meu pai está doente?”. Num salto levantou-se da cama e foi acordar seu irmão. Kodah, sendo sacudido, abriu e cerrou os olhos. Os dois eram jovens, Terenas com 20 anos e Kodah com 17. Davam-se muito bem, pois Lorde Dekkion os ensinou a valorizar um ao outro como se fosse o bem de maior valor que poderiam ter.

“O que houve meu irmão?”, disse Kodah, sendo acordado freneticamente. “Nosso pai, algo está errado” explicou-se Terenas. Kodah também levantou apressado. Dividiam o mesmo aposento, onde havia duas camas, dois móveis altos onde guardavam suas roupas, um baú e uma escrivaninha de estudos com diversos livros sobre os assuntos mais variados. Aprenderam a ler ainda jovens e futuramente começariam a estudar comércio, geografia e outras línguas.

Caminharam juntos pelos corredores até chegar a porta do quarto de Lorde Dekkion. Era uma casa grande, com diversos cômodos bem arrumados e móveis confortáveis, que transmitia ser uma família com uma boa situação financeira, mas não ostentava luxo desnecessário. A casa situava-se numa fazenda, próximo à cidade de Glórienn, uma das maiores cidades do reino humano de Ragnar.

Glórienn possuía uma vasta área, sendo militarmente e comercialmente forte, onde se destacam muitos membros ricos e importantes. É onde também fica a Escola de Magia de Khalmyr, o mago mais influente de Ragnar, membro direto da corte do Rei Dheodor II.

A Escola de Magia de Khalmyr era conhecida por sua busca por poder, mas não poder político ou econômico. Poder no domínio da magia, chegando até alguns membros extrapolarem limites de bom senso ou caráter nessa busca. Porém, essa ganância permitiu o desenvolvimento de diversas novas magias, vindo magos de vários outros reinos e raças se candidatarem como aprendizes.

Kodah ainda esfregava o rosto de sono quando Terenas parou junto à porta do quarto de Lorde Dekkion e chamou por seu pai. Não teve resposta. Kodah bateu à porta, novamente sem resposta. Terenas, já aparentando impaciência, pegou a maçaneta e empurrou a porta devagar, que rangeu até atingir seu limite e parar. Entraram no aposento, a cama ainda desarrumada, mas sem a presença de seu pai. Entreolharam-se surpresos. “Nosso pai levantou e não nos chamou?”, disse Kodah por fim. Caminharam novamente pelos corredores até o escritório de Lorde Dekkion, imaginando que o velho sábio se envolvera em seus estudos a ponto de esquecer-se de despertar seus filhos.

Nova decepção, não o encontraram, estando o escritório vazio. Era um escritório amplo, com centenas de livros dispostos em estantes que ocupavam todas as paredes, tendo uma longa e larga mesa de estudos no centro, com uma cadeira confortável ao lado, onde diversos livros encontravam-se abertos em páginas marcadas. Era comum Dekkion pausar a leitura e deixar os livros para continuar depois. Estudava muito, mas nunca revelou nada a seus filhos. No canto de uma das estantes, Kodah viu o cajado de seu pai e o pegou por um instante. Olhando para Terenas disse “estranho, nosso pai sair sem seu cajado”.

“Onde ele terá ido?”, perguntou Kodah olhando pela janela do escritório. Terenas, vendo aleatoriamente os livros deixados na mesa respondeu, “Não sei, esse comportamento é novidade pra mim também, meu irmão”. Foi quando Terenas notou um velho bilhete manuscrito deixado sobre a mesa e ao pegá-lo para ler ouviram a argola da porta principal da casa sendo batida. Guardou o bilhete no bolso, sem ler. Alguém chamava à porta.

Apressados, Terenas e Kodah caminharam até a porta principal. Uma porta larga de madeira pesada e que dava acesso à sala principal, ampla e bem mobiliada. Ao abrir, reconheceram o emblema de um dos delegados da cidade de Glórienn, acompanhado de um Lorde e ao fundo diversos soldados.

“Bom dia! Sou o delegado Basgher e este é Dom Arkannis. Procuro por Lorde Dekkion.” disse o delegado à porta. “Nosso pai saiu cedo, não se encontra”, disse Terenas, “posso serví-lo?”.

“Tenho uma denúncia feita por Dom Arkannis de que seu pai foi assassinado esta noite. Dentro dessa denúncia, preciso fazer uma busca na casa”, completou Basgher. Essa frase causou espanto em Terenas, que de imediato olhou para Kodah, este já com a face assustada. “Não sabemos nada sobre isso senhor, nosso pai está bem!” afirmou Terenas franzindo a testa, incomodado com a afirmação.

Tomando a frente da conversa, Dom Arkannis deu um passo em direção aos dois irmãos disse “Ou falamos com Lorde Dekkion, ou faremos uma busca. Chamem-no ou saiam da porta.” Dom Arkannis era alto, bem constituído, rosto bem desenhado, mas sem carisma, sua seriedade e palavras pronunciadas transmitiam um tom de respeito, autoridade e indiferença.

“Deixe-os entrar Terenas, não há nada de errado aqui” disse Kodah apreensivo. Então Terenas afastou-se e deixou que entrassem. Basgher entrou seguido de Dom Arkannis e dez soldados armados com lanças e armaduras médias. Ao fechar a porta Terenas observou diversos outros soldados ainda do lado de fora, mas estes eram diferentes. As roupas eram pretas e não levava em seu peito o escudo da cidade de Glórienn, mas o emblema que Dom Arkannis ostentava em seu peito e seguravam espadas curtas e arcos bem trabalhados pendidos em suas costas.

Basgher entrou observando tudo e rapidamente os soldados se espalharam pelos cômodos, porém, ficando sempre dois juntos aos jovens irmãos. Dom Arkannis os olhou com desdém, como alguém que vê à sua frente algo que não necessite importância alguma, que vê uma erva daninha numa plantação e sabe que pode arrancá-la quando bem desejar. Passou pelos jovens irmãos e seguiu direto para o escritório de Lorde Dekkion, como quem já conhece os caminhos da casa. No escritório viu os livros espalhados à mesa, olhou-os curioso, mas nada de relevante encontrou. Abriu as gavetas, mas também nada que considerou importante. Olhou para as estantes e novamente nada. Por fim notou o cajado que Lorde Dekkion usa com bengala.

Após quase uma hora de buscas e sem encontrar nenhum sinal de Lorde Dekkion, Basgher reuniu os soldados na larga sala principal e dirigiu-se aos dois irmãos “Não há sinais de seu pai ou de qualquer crime”. Kodah, impaciente “Claro, dissemos que ele havia saído e que nada aconteceu de errado”. Terenas, percebendo a agitação de Kodah, o puxou pelo ombro “Acalme-se meu irmão”. “Senhores, sou um homem a serviço da lei, e meu papel é investigar todas as coisas e denúncias. Onde seu pai foi?” perguntou Basgher. “Não sabemos, ao acordar ele já não se encontrava” afirmou novamente Terenas. Caminhando em direção à porta e seguido por seus homens “Irei ao Centro Comercial procurar por ele. Voltarei no final da tarde, se tiverem notícias avisem-me com urgência”, despediu-se Basgher.

O Delegado Basgher era o segundo mais influente em Glórienn e já conhecia Lorde Dekkion e alguns de seus hábitos. Mas Dom Arkannis não se viu por satisfeito, e acompanhando-o do lado de fora da casa, exigiu “Delegado Basgher, enquanto reinar a suspeita de um crime, não recomendo-te deixar a casa sozinha. Leve seus homens mas deixarei os meus vigiando a casa em respeito a um Lorde” e virou-se olhando cerrado para os dois jovens à porta.

Neste momento Terenas sentiu um calafrio dobrar seu estômago. Algo havia de errado, algo estava acontecendo por trás de tudo aquilo. Algo que Dom Arkannis sabia, ou queria. Como um vento frio que arrepia o corpo, Terenas sentiu o medo invadir sua espinha, olhou para Kodah e temeu também por ele. Como se um aviso misterioso o alertasse de um mal que estava prestes a chegar.

Com um gesto de seu senhor, os homens de Dom Arkannis espalharam-se à volta da casa. Iriam vigiá-la, guardá-la para evitar que qualquer um entrasse ou saísse. Logo em seguida entrou na carruagem e seguiu para a cidade, acompanhado por Basgher e seus guardas.

“Há alguma coisa acontecendo, precisamos descobrir”, disse Terenas com a voz preocupada e virando-se para Kodah. “Mas o que? Estamos presos na nossa própria casa” questionou Kodah. “Não sei, o que temos até aqui? Nosso pai dormia, depois sumiu. Não levou seu cajado, apesar de não andar sem ele. Estamos presos em nossa própria casa e sendo acusados por um senhor que não conhecemos. Esse Arkannis sabe de algo”, raciocinou Terenas buscando ao listar os fatos a esperança de descobrir o que fazer. “Nosso pai foi seqüestrado”, gritou Kodah, “mas por que?”. “É o que precisamos descobrir” completou Terenas.

Dirigiram-se novamente ao escritório de Lorde Dekkion, esperavam ali encontrar alguma coisa que os ajudasse. Olharam livro por livro, abriram as gavetas, mas nada ajudou. Foi quando Terenas lembrou-se do bilhete guardado em sou bolso. Pegou-o para ler e frustrou-se novamente. Estava escrito em outra língua. Olhando para o bilhete, Kodah animou o irmão, enquanto corria para o seu quarto dizendo “espere, meu pai me deu ontem um livro dessa língua, pediu que eu estudasse”. Voltou segurando em sua mão o livro mencionado com o título “A Difícil língua dos Licantropos”.

Colocaram o bilhete na mesa e, ansiosos, começaram a traduzir as palavras encontradas. Por fim, traduziram a mensagem:

“Meu querido amigo Dekkion,

Envio-te este presente imaginando a utilidade que ele te servirá, não só em sua caminhada, que a idade já teima em dificultar, mas também pelos caminhos ocultos que procura.

Do seu eterno aliado,

Sir Strauss”


Do que falava Sir Strauss ao mandar esse recado? Que presente era esse? Quais caminhos ocultos seu pai procurava? Tinha ligação com os livros? A tradução do bilhete os confundiu ainda mais. Entreolhavam-se com a testa franzida, não sabiam sequer o que dizer uma ao outro. Precisavam encontrar essas respostas, mas tinham tempo para todas?

“Seria um livro?” perguntou Kodah. “Não, um livro ajudar a caminhada de um velho...” interrompeu Terenas a si mesmo enquanto respondia e abriu os olhos como num susto. “É isso, esse bilhete fala do cajado, que nosso pai usa para suas caminhadas. Por isso o bilhete diz útil para a caminhada que a idade dificulta”. Logo após dizer isso, Terenas foi até o canto do escritório onde pegou o cajado. Olhou-o para examiná-lo, mas não sabia o que fazer a partir daí.

“Caminhos ocultos que procura” disse Terenas pausadamente, palavra por palavra, “o que isso significa?”. Kodah aproximou-se do seu irmão “terá algum poder nesse cajado?”. “É possível, mas que tipo de poder?” indagou Terenas olhando para seu irmão. “Encontrar alguma passagem secreta” disse por fim Kodah. “Aqui, na nossa casa? Nós conhecemos tudo aqui” afirmou Terenas com a face demonstrando uma interrogação. “Lembro que nosso pai costumava se trancar aqui no escritório, passando muito tempo estudando. Ele dizia que se a porta estivesse trancada, não o devíamos importunar. Uma vez o vi entrando, mas acho que ele esqueceu a porta destrancada. Quando o vim procurar, o escritório estava vazio. Cheguei a pensar que ele saiu pela janela, mas ela estava trancada por dentro. Ele saiu sem que eu visse? Talvez, mas mais tarde o vi deixando o escritório” disse Kodah. “Então, se existe algo escondido em nossa casa, é provável que seja aqui” arriscou Terenas olhando à volta.

“Feche a janela e a porta”, disse Terenas ao irmão. Kodah, sentindo a adrenalina de uma aventura percorrer seu sangue, foi de imediato obedecer ao irmão. Terenas ergueu o cajado, sem saber direito o que fazer, mas nada aconteceu. Kodah o observava, mas também não sabia o que fazer, até que por fim sugeriu “por que não tenta apontando para algum lugar?”. Terenas olhou para o irmão, sem saber direito se isso ajudaria, mas resolveu arriscar. Virou-se para cada uma das paredes apontando o cajado, devagar, percorrendo-as de perto. De repente, em uma das paredes o cajado começou a vibrar, o que colocou os dois irmãos em estado de alerta.

Terenas caminhou lentamente e aproximou-se da parede, procurando o ponto onde o bastão ganhava mais intensidade ao vibrar. Até que localizaram o ponto mais intenso e se viram à frente de uma estante repleta de livros. Olharam os livros, seus títulos sobre ervas e suas aplicações. Kodah, olhando com mais atenção que Terenas, notou que um dos títulos era sobre minerais e questionou o irmão, “o que este título está fazendo numa estante de livros sobre ervas?”. Terenas fixou os olhos no livro e depois olhou para o irmão. Ergueu a mão sobre o livro e puxou-o lentamente. Ao fazer isso, a estante começou a se mover num ângulo de 90 graus revelando uma escadaria iluminada por tochas e que descia em espiral.

Terenas surpreso com a descoberta, respirou fundo e começou a descer o lance de escadas. Kodah, ainda mais tenso, seguiu-o sem pestanejar. Ao chegarem ao fim da escada, descobriram uma espécie de porão secreto, arrumado com diversas mesas grandes, onde vários livros e instrumentos encontravam dispostos. Lembrava muito algum tipo de laboratório. Havia algumas estantes onde livros e outros instrumentos encontravam-se guardados, mas nada que chamasse a atenção ou despertasse interesse.

Começaram a procurar aleatoriamente por quaisquer sinais de seu pai. Em uma das mesas existia uma gaveta. Ao abrir, Terenas encontrou um livro velho, com capa feita em couro e sem nenhuma identificação. Pegou-o e passou a folheá-lo, inicialmente com desdém, até que a leitura começou a prender cada vez mais sua atenção.

“Será que há mais alguma passagem escondida aqui embaixo?” perguntou Kodah, mas Terenas não respondeu, pois não percebeu a pergunta do irmão. Kodah resolveu assim pegar o cajado e começar uma busca por novas passagens secretas. Terenas prosseguiu na leitura do livro, que começou a revelar-se um diário escrito por seu pai.

“Ano 11 do Reinado de Dheodor I

Quinto dia de cerco
Os homens já estão acampados há cinco dias, aguardam as instruções para invadir o Convento onde escondem-se nossos inimigos. Sabemos que o tempo já não conta mais a nosso favor, mas precisamos aguardar a chegada de Sir Strauss, pois ele é o único que pode tirar o encantamento da neblina que cerca o Convento.

Sexto dia de cerco
A ansiedade é notória nos rostos que vejo à minha frente. Temo que os homens acabem por agir sem comando e tentem entrar, mesmo sabendo do encantamento. Duas Tranças prometeu que retornaria com Sir Strauss em sua montaria alada a tempo. Só posso pedir aos homens que mantenham as armas preparas.

Sétimo dia de cerco
Enfim boas notícias. Essa noite Duas Tranças retornou, e como havia prometido, com Sir Strauss ao seu lado. Passamos a madrugada criando a magia que quebrará o encanto lançado por Dom Arkannis na neblina. Os homens acordaram vibrantes e esperam atravessar o lago até o Convento e cumprir seu dever. A corda e a balsa para a travessia já estão prontas. Constituímos a secreta Liga dos Sete, formada por Sir Strauss - um ser mais poderoso do que sua aparência pode revelar e dominador de encantos, por Duas Tranças – um honrado cavaleiro que jurou usar sua vida para defender o reino de Ragnar, por Sarkanty – um clérigo da ordem de Dorin, por Flavian Nartus – membro real das minas de Mirmithaa no reino dos anões, por Voltymor – mago dominador dos quatro elementos, por Tibbs Kinierha – uma jovem elfa rastreadora e com suas habilidades e precisão quase divinas, e por mim Lorde Dekkion – alquimista e cavaleiro, e temos o dever jurado de impedir que homens ou quaisquer outros seres tragam terror e domínio sobre o reino humano de Ragnar.

Oitavo dia de cerco
O encantamento revelou-se mais difícil de ser quebrado do que prevíamos. Passamos o dia de ontem concentrando a magia para tal fim. Mas esta manhã fomos surpreendidos com um tipo de vortex se formando sobre o Convento. Imaginamos que Dom Arkannis resolveu antecipar seus planos por saber que estamos para chegar. Não podemos mais esperar ou será tarde demais para impedir que ele use o Cristal.”


“Ah, Terenas...” o grito longo cortou o laboratório e despertou Terenas do mundo que havia mergulhado lendo o diário. Num susto, imaginando o pior, olhou à volta procurando por Kodah. Quando o localizou na extremidade oposta à que tiveram acesso ao laboratório. Kodah estava eufórico, quase saltando de alegria. Havia encontrado uma nova passagem, que Terenas correu para ver. “O que você fez?” perguntou ao irmão caçula. “Continuei procurando com o cajado” respondeu Kodah satisfeito com a descoberta.

A nova passagem revelava uma câmara escondida na qual diversos itens encontravam-se dispostos, entre eles mantimentos, roupas, moedas de alto valor e até algumas armas penduradas com destaque. “Está tudo ficando muito estranho”, lamentou Kodah dominado por enigmas criados pela nova descoberta. “Precisamos sair daqui, segundo este diário, o tal Dom Arkannis é um inimigo antigo de nosso pai, precisamos encontrá-lo” anunciou Terenas. Terenas e Kodah começaram a observar as armas, algo nelas parecia especial. Havia um corrente de balanço enrolada em um suporte e que possuía em sua ponta um losango. Havia ainda um martelo de cabo dourado com inscrições em sua cabeça, uma armadura de peitoral com a face de um leão em relevo na frente e ombreiras com formas de garras e um anel destacado sozinho sobre uma pequena mesa redonda.

Kodah observou uma folha escrita à mão solta no chão da câmara e a pegou para ler. Enquanto lia, Terenas aproximou-se da corrente com interesse, sentia que precisava pegá-la, possuí-la, numa espécie de transe. Retirou-a da parede com cuidado e, de repente, a corrente começou em envolver-se em seu braço até a altura do cotovelo. “Não...” gritou Kodah, mas já era tarde. Na folha estava escrito para não tocar na corrente, pois era uma arma perigosa para seu possuidor. Terenas saiu do transe ao sentir uma dor horrível em seu braço direito, onde a corrente se enrolou e começou a apertar até que pequenos sangramentos puderam ser notados, escorrendo sangue por sobre a corrente. “Ah...” gemeu de dor. Tentou arrancá-la, mas foi em vão. Kodah não sabia o que fazer. Após alguns instantes a dor parou sozinha, e a corrente ficou imóvel, enrolada no braço de Terenas e com cerca de um metro até o losango, como uma arma de balanço.

Kodah pegou o martelo e o peitoral da armadura, vestiu-os e colocou mantimentos numa bolsa, algumas moedas no bolso lateral, o diário e o anel na parte principal e entregou a Terenas. Pegou uma mochila, colocou o restante do dinheiro, algumas roupas e mantimentos e disse “precisamos procurar nosso pai, dizer a ele o que está acontecendo”, disse por fim Kodah.

Resolveram voltar para a parte de cima da casa e selar a entrada do laboratório. Quando chegaram ao meio do lance de escadas, escutaram vozes vindas do escritório acima. Eram os guardas de Dom Arkannis. “Veja, eles acharam a passagem” disse um deles. “O nosso senhor ficará satisfeito, agora ele já pode matar aquele velho idiota” afirmou o segundo. “Então os dois já não são mais necessários, podemos matá-los e entregar suas cabeças ao nosso mestre, que irá nos recompensar”, disse novamente o primeiro. Logo em seguida ouviu-se som de espadas sendo equipadas e passos descendo os degraus.

Terenas sentiu um líquido frio descer por sua garganta, olhou para Kodah e temeu por suas vidas. “Eles estão com nosso pai, vamos matá-los” disse Kodah já dominado por sua raiva. “Não somos guerreiros, eles são muitos e poderosos. Precisamos procurar ajuda” falou Terenas enquanto puxava o irmão de volta para o laboratório. “O que vamos fazer aqui embaixo? Não há saídas e a única porta já está aberta lá em cima” contestou Kodah ao irmão. “Vou pensar em algo” afirmou Terenas apressado.

Não encontraram esconderijo ou saída alternativa. Enfim os dois soldados apareceram na entrada do laboratório e viram os dois jovens filhos de Lorde Dekkion. Sorriram ameaçadoramente enquanto Terenas se colocava à frente do seu irmão. “Já não precisamos mais de vocês inúteis, é hora de morrer e esperar por seu pai” disse um dos soldados. “Onde está nosso pai? Vocês serão presos por isso” disse Terenas tentando parecer confiante. “Aquele velho idiota está recebendo o que merece e logo encontrará com vocês no lugar para onde os mandaremos” disse o segundo soldado. “Seus desgraçados...” gritou Kodah, empurrando Terenas que, surpreendido, caiu por sobre uma mesa, e avançou correndo na direção dos dois soldados.

Enquanto se erguia, Terenas olhou desesperado para Kodah, que pulou sobre um dos soldados num golpe com o martelo, visando acertar a cabeça do soldado. Mas este o bloqueou, travando seu ataque enquanto o segundo soldado, movimentando-se para a direita, desferiu um fatal golpe com sua espada nas costelas de Kodah, logo abaixo do ombro, que caiu ao chão dando um gemido de um animal que acabou de ter sua carne rasgada por um predador.

“Não...” gritou Terenas, vendo o irmão estirado no chão, sentindo uma raiva que jamais sentiu antes, odiando aqueles dois soldados como se tivessem acabado de tirar o que ele tinha de mais valioso. Neste momento a corrente em seu braço novamente espremeu seu pulso, causando muita dor, e o losango da ponta ergueu-se como uma cobra que pretende dar seu bote. Enquanto corria em direção aos dois soldados que já se preparavam para o combate, a vista de Terenas foi tornando-se turva, até que se apagou completamente.

“Ter... Terenas... meu irmão... Terenas...” aos poucos Terenas foi recobrando a consciência, chamado pelo irmão, que falava com voz dolorida. Abriu os olhos e viu Kodah inclinado à sua frente, acordando-o. “Como você está?” perguntou Kodah. Terenas sentou-se no chão e abraçou o irmão apertado “você está bem, você está bem...” disse eufórico. “Esta armadura me protegeu, se não estivesse com ela teria sido meu fim” completou Kodah.

“Mas o que ouve com os guardas? Você fez isso?” perguntou Kodah. Só então Terenas lembrou-se dos guardas e levantou de súbito, procurando por eles. Estavam os dois caídos ao pé da escada, mas com seus corpos irreconhecíveis, perfurados em diversas partes e com suas cabeças tão machucadas que Terenas teve náuseas ao olhar para elas. Por um momento Terenas ficou assustado com tudo aquilo e olhou para a corrente em seu braço. A corrente estava novamente imóvel, mas totalmente banhada em sangue. “Precisamos sair daqui, precisamos de ajuda” disse por fim, ainda olhando para a corrente. “Podemos usar nossos cavalos para fugir, já é noite” sugeriu Kodah.

Subiram as escadas novamente e chegaram no escritório de seu pai. Fecharam a entrada do laboratório e levaram consigo as mochilas e armas encontradas. Os soldados cercavam toda a casa e logo iriam procurar pelos dois que foram mortos. Não tinham muito tempo. “Podemos entrar no sotão, subir ao telhado e de lá saltarmos para o estábulo” disse Terenas ao irmão.

Caminharam até o corredor principal da casa, onde um alsapão dava acesso ao sótão e de lá encontraram uma abertura no telhado. Saíram com cuidado e abaixaram-se. A noite estava escura e os camuflava, mas podiam ouvir soldados conversando em algum lugar ali perto. Olharam o telhado do estábulo. Era um salto arriscado, de quase cinco metros. “Você pula primeiro sem os equipamentos, eu os lanço para você e pulo em seguida” sussurrou Terenas. Kodah tirou a armadura e a mochila, levantou-se no telhado, procurou por soldados. Parecia um bom momento para saltar. Correu o mais que pôde e lançou-se no ar. Foi um bom salto e atingiu as palhas macias que formavam o telhado do estábulo. Em seguida Terenas lançou para ele as duas mochilas, a armadura e o martelo. Agora Terenas quem se preparou para o salto, correu como pôde e, como o irmão, jogou-se no ar em busca de abrigo no outro lado. Não foi um bom salto, atingiu o telhado muito na beirada e escorregou, agarrando-se como pode para não cair, quando estava para escorregar Kodah o segurou e puxou para cima.

Desceram cuidadosamente por uma abertura feita por eles no telhado. Havia apenas um cavalo no estábulo, mas era de montaria e poderia levar os dois, pensaram. Colocaram a sela e montaram. O medo se instalou e sentiram seus corações gelar. Era hora de abrir a porta do estábulo e galopar para longe o mais rápido que pudessem. A sorte os favoreu até ali, mas e agora? “Precisamos ir...” disse Terenas. Abriram a porta e agitaram o cavalo, que disparou. Porém o barulho alertou os soldados mais próximos que perceberam a fuga. Correram atrás deles com as espadas nas mãos até notarem que não os alcançariam, pois o cavalo já embalara.

“Conseguimos, conseguimos” disse Terenas controlando as rédias para que o cavalo não parasse. Neste momento ouviram o som de flechas cortando o ar próximo de seus corpos. Os soldados, já sem correr, equiparam-se com seus arcos e disparavam freneticamente, tentando impedir a fuga. “Argh...” gemeu Kodah, largando Terenas e caindo do cavalo. Fora atingido por uma flecha que perfurou seu ombro chegando a sair do outro lado. Parando o cavalo, Terenas olhou para trás, procurando seu irmão na escuridão. Quase uma dezena de soldados surgiu, alguns prendendo Kodah e outros equipando seus arcos na direção de Terenas. “Fuja... procure ajuda...” gritou Kodah antes de ser desacordado por um dos soldados.

Terenas, ainda assustado, agitou para que o cavalo disparasse novamente. Entrou no meio das árvores enquanto ouvia as flechas com seu som mortal cortando o ar. Até que sumiu completamente da visão dos soldados. Galopou para longe, sem rumo, só queria achar um lugar seguro. Galopou até não aguentar mais, até o cavalo não suportar seu peso. Parou próximo a um riacho, ajoelhou-se sobre a água e chorou, um choro triste, desesperado, dolorido. Um choro de solidão, um choro capaz de envergonhar os deuses por deixar um homem passar por tal dor. Mas é hora de encontrar um caminho para seguir...



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