O dia passou bem rápido.
Max me apresentou a Dra. Alexia, que era a médica responsável pelo estado de saúde do Nick. Ela iria aparecer de vez em quando para cuidar dele, então era necessário que eu soubesse quem ela era.
Apareci na jaula apenas para dar o lanche e o almoço do tigre. No resto do tempo eu apenas observei enquanto um treinador tentava trabalhar com ele. A preocupação de todos no zoológico era a mesma: o tigre não fazia nada. Ele passava o tempo todo encolhido na jaula desde o dia em que chegou, e ninguém conseguia fazê-lo sair de lá.
Estava preparando a última refeição do dia quando uma comitiva entrou no recinto. Olhei para todos, Dra. Alexia, minha tia, e o Sr. Vincent, que era o treinador.
-Olá, Merliah.- disse Dra. Alexia. –Alguma mudança? – perguntou apontando a cabeça na direção do tigre.
Balancei a cabeça em negativa.
-Ele só levanta na hora de comer. – falei mostrando a tigela com carne.
-Temos que dar um jeito nisso logo. – começou o Sr. Vincent. –Um tigre não pode ficar tanto tempo assim parado ou os músculos logo começarão a perder a força.
-Relaxe, vamos dar um jeito. – minha tia falou, colocando a mão no ombro dele, tentando conforta-lo. Notei que ele pareceu relaxar um pouco.
-Eu não entendo. O estado de saúde dele está impecável. – disse a doutora, balançando a cabeça, tentando imaginar um motivo para ele não querer se mexer. Eu não era nenhuma especialista em comportamento animal, mas tinha certeza que a tristeza demonstrada no olhar daquele tigre já era mais que suficiente para entender o que havia de errado com ele.
-De todo jeito, temos que ir. Merliah, já está pronta? – minha tia me perguntou.
-Não, ainda falta dar a janta dele.
-Certo, te encontro no estacionamento, tudo bem? – ela disse enquanto se encaminhava para a escada, junto com o Sr. Vincent e a Dra. Alexia.
Apenas assenti e apertei o botão azul que descia a grade. Parecia incrível que eu já estivesse fazendo aquilo com tanta naturalidade, mesmo que fosse meu primeiro dia ali. As coisas não eram tão horríveis como eu tinha imaginado.
Entrei no pequeno espaço e encarei o tigre, parecia que ele estava sempre atento a tudo que eu fazia.
-Você podia tentar se animar mais, né? – falei, me sentindo estranha por estar tentando animar um tigre. – Quer dizer, eu sei que deve ser um saco ficar toda hora nessa jaula, mas, só pra roubar uma frase de Harry Potter: “Você pode encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombrias, se lembrar de acender a luz”.
Ele me olhou, parecia confuso. Sorri, estava citando Harry Potter para um tigre.
-É mais poético quando eles falam. – dei de ombros, me desculpando. –Só quero dizer que talvez você encontre algo bom aqui.
O tigre me encarou, realmente parecia que ele estava entendendo o que eu dizia, e em seguida bufou e colocou a cabeça entre as enormes patas.
Soltei um suspiro.
-Pelo menos pense nisso. – falei enquanto saia e conferia as trancas da jaula.
Encontrei minha tia no estacionamento conversando com o Sr. Vincent. Não pude evitar o sorriso. Mesmo de longe, ainda era possível ver o quanto ele ficava sem graça falando com ela.
-Oh. Olá, Merliah. Tudo bem com o tigre? – perguntou o Sr. Vincent sorrindo.
-Sim. – falei, e depois completei. – Mas ele ainda continua no mesmo lugar.
-Claro. – ele falou balançando a cabeça. – Vamos tentar mudar isso, certo? – disse, piscando pra mim. Sorri.
-Vincent, tem certeza de que está tudo sob controle? Posso voltar aqui depois de levar a Liah pra casa. – tia Emma falou, abrindo a porta do Limãozinho.
-Não precisa se preocupar Emma, eu tomo conta de tudo. – ele assegurou enquanto eu entrava no Limãozinho e minha tia continuava protestando.
Enfim cansada de discutir ela se deu por vencida e entrou no carro.
-Se precisar de qualquer coisa é só me ligar. – ela disse, baixando a janela do carro, olhando para ele.
-Descanse, Emma. – Sr. Vincent disse. Talvez seja apenas impressão minha, mas passar um dia inteiro observando ele e minha tia juntos me fez ter a certeza de que ele gostava dela, embora eu soubesse que comentar qualquer coisa com ela resultaria em uma risada alta e um “Ah, Liah, você inventa cada coisa”.
Minha tia apena assentiu e ele se virou para mim.
-Tchau, Merliah.
-Até amanhã. – falei, sorrindo.
Minha tia ligou o carro, dando partida e acenando uma última vez para o Sr. Vincent. Ela entrou na avenida, seguindo o caminho rotineiro até a casa.
-Então... O Sr. Vincent é bem legal, né? – tentei achar um jeito de começar o assunto de forma cautelosa.
Felizmente ela não percebeu aonde eu queria chegar.
-Tem razão. Ele é um amigão. – ela falou de forma natural.
-Eu acho que ele gosta de você. – falei timidamente, digamos que o tópico "relacionamentos" não era muito bem abordado por mim.
Ela me olhou como se eu tivesse sugerido que ela atropelasse filhotinhos com o carro.
-E da onde você tirou uma ideia dessas? Quero dizer, é claro que ele gosta de mim, afinal trabalhamos juntos há quase cinco anos, só que não da forma como você está pensando. – a voz dela foi ficando cada vez mais fina conforme ela falava.
-Bem, o jeito que ele olha para você me diz o contrário. – rebati. Tia Emma era uma mulher muito bonita, apesar de parecer não ter muita sorte com relacionamentos. A verdade é que ela sempre investia nos caras errados, sendo que o homem perfeito para ela estava bem ao lado. O Sr. Vincent. Um dia ao lado dos dois foi o suficiente para perceber que eles poderiam dar certo juntos, eles se completavam, minha tia era agitada e faladeira enquanto Sr. Vincent era calmo e fechado, além do fato de que os dois amavam animais.
-E então, como está o Charlie?
Franzi as sobrancelhas diante da pergunta.
-Eu não sei, acho que bem, por quê?
-Por nada. – Tia Emma suspirou.
Cruzei os braços, demorei cerca de um minuto para enfim entender o que ela queria dizer. Bufei.
-Charlie é só o amigo de infância do Austin e do Luke. – falei ainda de braços cruzados. –Não tem nada entre nós, quantas vezes vou ter que repetir a mesma coisa?
Tia Emma deu de ombros, dando um sorrisinho cínico.
-O jeito que ele te olha me diz o contrário.
Revirei os olhos, não pude evitar. A questão era que eu tinha crescido com Charlie, já que ele era - e ainda é – o melhor amigo dos meus irmãos. Juntos, eles eram como a versão do mal dos três mosqueteiros, pois o passatempo preferido deles era me irritar – e ainda é, até hoje. Só que o real problema surgiu depois que crescemos, por que todos que viram a relação de ódio que tínhamos quando pequenos, diziam que no futuro, iríamos virar um casal. E a maior parte dessas pessoas ainda acreditava nisso, e uma delas era minha tia Emma.
Encarei-a, soltando um suspiro, enfim me rendendo.
-Que tal mudarmos de assunto?- perguntei, pois sabia que nessa guerra eu não sairia vencedora.
Ela apenas deu de ombros, mas vi pelo sorriso nos lábios dela que o assunto não tinha sido esquecido.
***
Acordei com o despertador do meu celular tocando na mesinha de cabeceira. Estiquei a mão para desliga-lo e levantei.
Eu era acostumada a acordar cedo, mas nas férias acabava me dando uma folga. Mais uma vez, não me dei o trabalho de escolher a roupa adequada, colocando apenas uma calça jeans simples e uma blusa preta de mangas curtas. Eu não costumava usar preto, já que o clima em Malibu era quente demais, então decidi que tinha de aproveitar minhas roupas escuras enquanto estava em Seattle.
Penteei os cabelos do melhor jeito que pude, já que na verdade eu não tinha grande paciência com o pente e escovas não serviam no meu cabelo. Acabou que desisti do pente, jogando ele dentro da minha bolsa de mão e finalizei o trabalho com os dedos. Já estava puxando o elástico de cabelo no meu pulso, quando hesitei. Minha tia costumava dizer que eu tinha um cabelo lindo e que era praticamente um crime deixa-lo preso a maior parte do tempo, mas ela só costumava me ver nas férias e como eu passava a maior parte do tempo surfando, manter o cabelo preso era a melhor opção.
Esqueci o elástico, decidindo deixar a cascata loira solta.
Talvez não seja uma boa ideia manter os cabelos soltos enquanto cuido de um tigre, pensei. Meus cabelos podem cobrir meus olhos, fazendo com que eu não enxergue na hora que ele pretender me atacar.
Então coloquei um arco preto com alguns brilhinhos nos cabelos e desci as escadas.
O café foi rápido e o caminho para o zoológico mais ainda, eu já tinha decorado todo o percurso e achava que não teria dificuldade se um dia precisasse voltar sozinha.
Passando pela porta de entrada, me separei da minha tia, indo por um caminho enquanto ela seguia pelo outro, em direção ao escritório.
Surpreendi-me ao chegar à sala do tigre e não vê-lo em seu habitual lugar, no canto da jaula.
-O Sr. Vincent está treinando com ele lá fora. – falou Max aparecendo no batente da porta.
Assenti, já me encaminhando para a escada, quando um detalhe naquela frase me chamou a atenção.
-Achei que o Nick não quisesse sair da jaula. – me assustei com a facilidade com a qual eu tinha me acostumado a chama-lo assim, já que só estive ali com ele por apenas um dia.
-É, mas ele saiu. – Max deu de ombros e virou as costas, como se isso fosse a coisa mais banal do mundo, e subiu as escadas. Segui-o.
Cheguei à grade que ficava em volta da área verde que fazia parte da verdadeira jaula do tigre. Era um espaço amplo e que fora decorado de modo a parecer seu hábitat natural, tinha pedras, pequenas árvores e arbustos, e até um pequeno córrego que levava a um “lago”.
Nick estava lá dentro, junto com o Sr. Vincent (que vestia aquelas roupas enormes de segurança para treinadores). O tigre tinha uma aparência bem melhor do que a do dia anterior, ao ar livre debaixo de um céu azul e um sol brilhante, era como se eu pudesse imagina-lo na natureza, correndo livre e feliz.
Quando o Sr. Vincent me viu, deu um grande sorriso e acenou. Sorri e acenei de volta.
Ele não foi o único a perceber minha presença ali, logo o tigre mexeu as orelhas, levantando a cabeça na minha direção e até eu me surpreendi com o quanto meu sorriso aumentou com aquilo.
Depois desse breve momento de distração, me apoiei na grade e observei enquanto o Sr. Vincent batia palmas e fazia de tudo para chamar a atenção do tigre, mas ele continuava a me encarar com aqueles olhos dourados e brilhantes. Por um momento me senti hipnotizada.
Demorou um tempo até o Sr. Vincent conseguir fazer Nick se concentrar novamente.
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