Os olhos verdes estavam arregalados pelo susto e pela preocupação que Yuichiro expressava.
As pálpebras dos olhos rosáceos se fecharam forte quando o corpo sentiu a dor agoniante percorrer cada nervo.
— Mikaela, você está bem? — Questionou, enquanto colocava o outro sentado no assoalho da própria banheira com as costas apoiadas na lateral desta.
Devido a toda a movimentação, a cadelinha acordou, começou a latir e arranhar a parte de fora da banheira, inquieta querendo saber o que ocorria ali.
— Está tudo bem, pequena. — Disse Mikaela a cachorrinha, sorrindo pesaroso.
— A última coisa que está é “tudo bem”. — Interveio Yuu massageando, embaixo da água, um joelho do loiro de cada vez. — É falta de sangue, não é? Você tomou hoje?
— Para com isso, Yuu, minha mão estava molhada, eu escorreg-
— Você tomou hoje?
— Eu já disse que escorreguei.
Yuichiro sabia que Mikaela estava mentindo, ele não havia escorregado por causa da mão molhada, na verdade, antes fosse pela mão molhada. O grisalho sabia que o parceiro não diria a verdade, então ele teria que apelar. Particularmente, não gostava de ter que fazer isso, mas Mikaela parecia pedir por isso às vezes.
Depois de terminar de massagear a região dos joelhos, Yuu se apoiou nas barras laterais presas a parede para sair da banheira, pegou a toalha, secou-se, vestiu o roupão e andou em direção a porta chamando Sekai para ficar junto de si.
— Eu já volto. Só… fiquei aí até eu voltar.
E Mikaela retirou o resto de xampu que residia em seus cabelos e aguardou pacientemente o retorno de Yuu, o qual foi indicado pelo barulho na maçaneta da porta. Em seguida, Yuichiro entrou deixando a cachorrinha do lado de fora do cômodo.
— Okay, Mika, você sabe que eu não queria estar tendo que fazer isso.
— Yu-chan… eu já disse...
— Mikaela. — Chamou Yuichiro ao se ajoelhar na tapete felpudo em frente a banheira e fazer o loiro olhar para seus olhos verdes quando puxou delicadamente o queixo dele em sua direção.
Assim, Yuichiro apoiou uma das mãos na borda da banheira e, com a outra, revirou o bolso do roupão. Ao encontrar o que procurava, puxou o objeto do bolso e arregaçou uma das mangas da sua peça de roupa.
Canivete.
Aos olhos de Mika, todas as cenas ocorreram tão rápido que ele não conseguiu impedir Yuichiro de levar o objeto cortante ao pulso fazer um pequeno rasgo na pele, apenas para fazer o sangue escorrer um pouco.
— Yu-chan… n-não precisava...
— Vamos, Mika, você precisa disso...
O loiro mordeu o lábio inferior, o qual foi cortado pelas presas quando estas aumentaram de tamanho; e Mikaela abraçou o próprio corpo na tentativa vã de parar com os tremores que tomavam seu ser. Os olhos rosáceos iam contra os comando de Mikaela para não olhar para o pulso de Yuu, entretanto eles continuavam direcionados para aquele líquido vermelho que escorria pela pele com as marcas do tempo. E, então, uma gota percorreu todo o pulso e caiu na água da banheira, na qual o vampiro permanecia. Imediatamente, Mikaela se afastou na direção contrária de onde o pingo havia caído.
Quando aquela gota vermelha com provável gosto de ferro se chocou contra a água, os olhos do loiro se arregalaram observando aquele resquício de símbolo da vida se desmanchar, tornando a água, antes incolor, vermelha na região que atingira. Yuichiro respirou fundo e, com a mão não ferida, aproximou-se de Mika aos pouquinhos e conseguiu a atenção dos olhos do outro para si assim que as pontas de seus dedos delinearam o queixo dele.
— Mika… por favor… ontem eu deixei passar, mas hoje você não tem como seguir assim, meu amor.
Uma das mão de Mikaela, ainda trêmula, foi até o pulso machucado de Yuu e tocou no corte com a ponta dos dedos. O loiro acabou por fazer uma careta de dor, como se aquilo ardesse em si mesmo. Yuichiro observava tudo com calma, ele conhecia esse lado teimoso de Mikaela e sabia que ele deveria ser tratado com cuidado, principalmente quando Mika decidia não beber seu sangue para sobreviver.
O loiro ainda parecia lutar internamente consigo entre aceitar a oferta do namorado e recusá-la por achar que aguentaria mais um dia. O problema era seu corpo ansiando por aquele líquido vermelho que escorria pelo pulso de Yuu, seus instintos gritavam dentro de si, a vontade não era mais um desejo, era uma necessidade. Antes de fazer qualquer coisa, Mikaela olhou fundo nos olhos de Yuichiro como se pedisse desculpas pelo que faria e pela sua birra de antes. O loiro sorriu pesaroso e Yuu fechou os olhos, acenou positivamente com a cabeça e disse que estava tudo bem quando o outro se apoiou em seus ombros e cravou os dentes em seu pescoço.
A primeira fisgada de dor sempre era ruim, mas com o tempo Yuu se acostumou a ela. A dor, agora, era sempre menorzinha, como um pequeno beliscão.
O grisalho afundou sua mão entre os cabelos loiros de Mika, acariciando o couro cabeludo delicadamente assim que sentiu as lágrimas de seu loirinho tocarem a sua pele idosa enquanto as mãos trêmulas do loiro ainda agarravam seus ombros e a boca sorvia o sangue de seu pescoço.
— Está tudo bem, meu anjo. — Disse em um sussurro assim que notou as lágrimas de Mika acabarem e o aperto das mãos do outro em seu ombro relaxar.
— Yuu… eu… Desculpa. — Disse baixinho contra a pele do outro.
— Shiii, não me peça desculpas, porque você não me deve isso, okay? — Esclareceu calmamente.
Ainda que relutante, Mikaela acenou positivamente para Yuichiro e saiu da banheira. Depois disso, o loiro tratou de secar o corpo e Yuichiro colocou um pouco de gaze na mordida que havia recebido de Mika e a fixou com esparadrapo. No pulso, optou apenas por um band-aid.
O jantar foi silencioso, apenas o barulho dos talheres preenchendo o ambiente. O casal lavou a louça suja sem dizer uma palavra. Na hora de dormir, os olhares nunca desviaram tanto, as bocas jamais ficaram tão caladas e o “boa noite” nunca foi tão murmurado quanto naquela noite. Inclusive, esqueceram o beijo, sempre dado antes de dormirem, em algum canto da casa já que o mesmo não foi dado na cama.
Eles haviam resolvido o problema de Mikaela, agora faltava dar fim ao silêncio esmagador que os banhava.
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