"Mesmo quando as nossas esperanças fogem da realidade, e nós finalmente temos que nos render a verdade, isso só significa que perdemos a batalha de hoje. E não a guerra de amanhã."
Sete anos, pra algumas pessoa isso significava mais experiência de vida. Para Paulo isso significava sete anos que estava apenas sobrevivendo e não vivendo. E a diferença disso é enorme, pois antes ele tinha tudo, uma família feliz, um bebê a caminho, o trabalho dos sonhos e todas essas coisas que as pessoas passam a vida tentando ter mas nunca conseguem.
Mas por causa de uma noite, uma mísera noite, tudo desmornou. Sua esposa morreu nos seus braços sem mais nem menos, e apesar de ela ter morrido, era como tivessem levado ele junto. Ele não tinha mais forças para continuar, por mais que tivesse prometido a ela, não tinha como.
- Paulo, levanta essa bunda da cama, pega o Matteo e vai pro abrigo. - disse Margarida, entrando no quarto do homem e começando a juntar a bagunça.
- Eu não vou pra aquele abrigo estúpido. - ele disse revirando na cama.
- Você quer morrer então?
- Talvez seja mais fácil não acha? Eu paro de travar sua vida, eu termino com a minha dor, a vida de todos irão melhorar. - disse ele, olhando para o nada.
- Cala a boca, Paulo. - disse Margarida enfiando o dedo na cara dele. - Eu só estou aqui, aguentando sua frescura, porque eu prometi para a Alicia que cuidaria de vocês dois caso alguma coisa acontecesse. E infelizmente... - ela deu uma pausa - aconteceu, e você precisa superar assim como eu e Marcelina superamos. - ela parou por alguns segundos, estava estática. Nunca havia explodido com ele dessa forma, mas tudo tem que ser superado e parecia que ele não entendia isso. Paulo apenas apontou para a porta como quem diz "some do meu quarto", e ela fez isso.
Paulo levantou e se olhou no espelho de seu banheiro. Em sete anos nunca tinha parado para se analizar e quando fez isso uma onda de decepção tomou conta de seu coração. Ele estava com alguns "pés de galinha" embaixo dos olhos, a barba por fazer, o cabelo grande e bagunçado. Ele não se reconhecia.
Rapidamente, pegou a lâmina de barbear e começou a tirar toda aquela barba feia do rosto. Para a maioria das pessoas isso é um ato rotineiro, mas para Paulo aquilo significava uma tentativa de continuar, de tentar seguir em frente. Depois, se enfiou em baixo do chuveiro e tomou um banho demorado e relaxante. Logo depois do banho, ele se olhou no espelho novamente e era incrível o que um bom banho poderia fazer. Ainda estava com a aparência cansada e triste, mas pelo menos estava limpinho e cheiroso.
- Paulo? - uma vozinha fina ecoou pelo quarto.
- Fala, Marce. - ele respondeu saindo do banheiro e surpreendendo a irmã.
- Você está lindo. - ela disse com os olhos brilhando.
- Esse já o nossa sétima purificação sem a Alicia.
- E como você se sente? - ela disse chegando mais perto e abraçando ele.
- Estranho. Mas vou me comportar, prometo. - ele disse apertando ela mais contra si.
- Bom mesmo, eu não quero mais passar estresse. - ela disse, repreendendo o irmão.
No quinta purificação depois da morte de Alicia, Paulo simplesmente pegou umas armas e saiu na rua, dizendo que iria ajudar alguém a se purificar. Todos pensaram que ele estava indo para ser morto, mas a real era que ele tinha ido com Jaime se purificar. Segundo o amigo - que já tinha passado pela mesma coisa - iria aliviar a dor, só que Paulo no primeiro tiro morreu de medo e Marcelina teve que ir com os outros amigos para a rua resgatar ele.
- Acho que você tem que falar com o Matteo, não acha? - Marcelina disse, fazendo o mais velho se lembrar que essa mudança não seria tão fácil.
- É, eu acho. Eu errei feio com ele, né? - ele perguntou, recebendo um aceno afirmativo.
- Tem alguns minutos para a tortura começar, vai até o quarto dele. E aproveita e tenta convercer ele de sair do quarto e ir pro abrigo.
Paulo saiu correndo de seu quarto e indo até o do filho.
- Matteo? - o mais velho perguntou batendo na porta e entrando.
- Nem tenta me convercer em ir para aquele abrigo estúpido.
Paulo nem escutou o que o filho disse, a última vez que tinha entrado ali, a decoração era de carrinhos e dinossauros. Agora, tinha alguns posters de bandas, algumas que Paulo até gostava, e uma bateria.
- Não vou. Poster do Queen? Que velho. - disse Paulo, apontando para um dos posters na parede.
- É uma boa banda. - o garoto disse, dando de ombros - Enfim, o que você quer?
- Conversar, talvez. - Paulo respondeu, sem graça.
- Olha, eu não converso com você desde os meus oito anos. Nem tenta. E saia do meu quarto. - Matteo disse abrindo a porta e mostrando a saída.
- Olha, eu estou pegando meu orgulho agora e espancando ele. Então, por favor, me escuta. - o mais velho disse, vendo o filho bufar e revirar os olhos - Eu peguei todo o meu tempo que eu poderia ter com você e joguei no lixo, você não tem noção de como isso me machuca.
- Sério mesmo? Você quer "recuperar o tempo perdido"? Se toca, no mesmo momento que você se trancou naquele quarto para chorar pela minha mãe, você já perdeu tempo. - Matteo falava com raiva na voz.
- Você me respeita garoto, porque eu posso não ser presente, mas eu continuo sendo seu pai. - Paulo tentou impor um respeito, mas Matteo era um garoto no auge da pré adolescência e ainda por cima rebelde.
- Pai? Meu pai é o Mário, o Cirilo, o Jorge, eles que fizeram esse papel enquanto você estava trabalhando compulsivamente. - Matteo já punha o dedo no rosto de Paulo, enquanto o mais velho apenas escutava tudo aquilo ser jogado na sua cara.
- Só por favor, me escuta. - disse Paulo em um sussurro - Naquela noite eu perdi tudo, Matteo. Eu perdi um filho, eu perdi minha sanidade, mas o mais importante, eu perdi o amor da minha vida. - ambos já tinham os olhos em lágrimas - Você só tem treze anos não deve saber o que é amor de verdade, a única coisa que eu posso te dizer sobre é que você só sabe o quanto aquela pessoa vale depois de perder ela.
- Não foi só você que perdeu algo naquela noite, pai. Eu perdi a minha mãe, a minha mãe. Eu perdi a pessoa que eu mais amava no mundo, eu passei a infância me escorando em outras pessoa por quê o meu pai não estava lá por mim. - Matteo gritava, ele estava pondo para fora a dor de anos.
- Me desculpa, filho. Me desculpa. - Paulo chorava - Eu perdi a linha, eu não soube como seguir em frente. Eu quis, eu juro, mas não dava.
- Só me responde uma coisa, por que você veio falar isso agora? Você não acha que é muito tarde?
- A Margarida explodiu alguns minutos atrás comigo, de uma forma que eu nunca tinha visto. Nessa hora eu percebi o quanto estava errado, e eu sei que demorou. Mas me dá uma chance de consertar o tempo perdido.
- Por que eu faria isso? Para mim não tem mais sentido.
- Faltam cinco minutos. Será que os dois podem ir rápido? Nós precisamos ir para o abrigo. - disse Marcelina entrando no quarto e fechando a porta.
- Nós já vamos, tia. - respondeu Matteo.
- Ok, o que está acontecendo aqui? - ela perguntou ignorando totalmente o garoto.
- Eu só estou tentando me redimir, Marce. - disse Paulo.
- Você é burro ou se faz, Paulo? - disse Marcelina, recebendo um olhar feio de Paulo e um riso de Matteo - Você não pode chegar aqui do nada e querer se redimir dele, sete anos não se resolvem em sete minutos. E você Matteo, seu pai está tentando se resolver nem que seja um pouco, dá um desconto para ele, foi muita coisa que aconteceu nesses últimos anos. - ela falou dando uma bronca rápida. - Vocês tem três minutos para descerem, ou se não eu mesma mato vocês.
Marcelina havia se transformado em uma pessoa extremamente estressada e nervosa. Acabou levando a casa nas costas depois do acontecimento, e isso acabou não deixando ela lidar bem com a dor e o medo que esse dia trazia.
- Eu não quero que a gente volte a se falar do nada, mas nós podiamos tentar nos mudar desse país, ir para um lugar que essa merda não aconteça. - disse Paulo, sem graça.
- Eu só quero recuperar minha vida. - disse Matteo, chorando
- Eu só quero o meu tempo com o meu filho de volta. - disse Paulo puxando o garoto para um abraço que demorou para ser correspondido. O momento acabou com um grito de Maria Joaquina dizendo que ou eles iam para o abrigo ou ela buscava eles pela orelha. Os dois logo obedeceram o pedido, um tanto emocionados.
Quando chegaram lá, a televisão logo ligou passando comunicado de iniciação da purificação, e depois a sirene ecoou pela cidade fazendo todos estremecerem.
- Eu sinto falta dela. - disse Marcelina
- Todos nós sentimos, Marce. - disse Carmem
- Ela foi incrível na vida de todo mundo, ela foi mãe, mulher, polícial, linda, guerreira e pessoa mais corajosa do mundo. Ela lutou por nós, pela família. E tenho orgulho de poder ter chamado ela de mãe. - disse Matteo, emocionando todos.
- Bom, que tal vermos o desastre que esta por aí? - disse Daniel, alguns minutos depois.
" Um pequeno grupo está fazendo um verdadeiro estrago na região leste de São Paulo." A frase da reporter ecoou na cabeça de todos fazendo todos se arrepiarem. Eram os mesmos caras mascarados que invadiram o antigo apartamento de Paulo.
Do nada o Guerra se levantou e começou a recolher armas e munição.
- Onde você vai, pai? - Matteo perguntou, o fazendi sorrir com essa palavra.
- Onde você gostaria de morar? - ele perguntou.
- Em Portugal, lá não tem essa merda de Expurgo.
- Então, nós vamos morar lá. Faça as malas, quando eu voltar nós vamos nos mudar. - Paulo dissse indo até a porta de saída.
- Onde você vai, Paulo? - perguntou Marcelina, desesperada.
- Eu vou vingar minha mulher.
Fim?
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