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História O Garoto do Portão - Capítulo Único


Escrita por: Juba22

Capítulo 1 - Capítulo Único


 

Era Terça-Feira e Julie estava no seu quarto penteando os cabelos castanhos e lisos. Estava em pé de frente ao espelho da porta de seu ármario. Vestia uma regata amarela, legging preta e sapatilha branca com detalhes pretos.

"Treat You Better" do Shawn Mendes tocava no celular da garota, no móvel de madeira ao lado de sua cama.  Era o primeiro dia na aula de Inglês na nova escola que havia sido inaugurada perto de sua casa.

Pegou a bolsa onde o material da aula estava, pegou o celular junto dos fones. Conectou os fones, os colocou no ouvido, enfiou o celular no bolso e foi até a sala. Pegou a chave que estava perto da TV e saiu de casa.

Seguiu o caminho que o pai ensinara quando foram fazer a prova para saber seu nível. Virou a esquerda com "Eduardo e Mônica" do Legião Urbana nos ouvidos. Começou a imaginar os dois. Totalmente opostos, idades diferentes… Isso não seria considerado pedofilia? Afinal, o garoto tinha dezesseis e a Mônica já cursava medicina.

Distraída com as especulações para Eduardo e Mônica e imaginando que na realidade, talvez os dois nunca dessem certo, Julie não percebeu que se aproximara do portão de um prédio cinza onde um garoto de cabelos bem escuros estava sentado e tomou um susto ao notar o menino, que a encarou da cabeça ao pés sem entender porque a menina estava parada na sua frente. Então, ela viu que ele não tinha um dos pés.

O garoto devia ter a mesma idade que ela, dezesseis. O que será que ele tinha que teve que amputar o pé? Ele podia ter amputado a perna, estava de calça jeans e não conseguia identificar se era uma perna ou prótese.

Saiu andando a longos passos, querendo evitar uma conversa com aquele garoto estranho. Ele tinha a pele clara demais, os cabelos escuros demais e seu olhar era tão… Triste e sombrio...

Julie chegou a aula de inglês, mas o garoto do portão não saiu dos seus pensamentos. O que será que ele tinha?

 A próxima aula de Inglês foi na quinta e Julie fez o mesmo caminho do primeiro dia. Alguma música tocava em seus ouvidos, mas ela não prestava atenção. Ela só conseguia pensar no garoto do portão. Não sabia se ia falar alguma coisa com ele, não sabia o que ia fazer, mas ela só conseguia pensar nas diversas respostas que ele poderia dar caso ela perguntasse o que ele tinha.

Finalmente, chegou no portão e mais uma vez o garoto estava lá sentado, olhando para o nada. Andou devagar em sua direção, descendo o morro. Olhou para o garoto que continuava ignorando-a, mas ela não conseguia tirar seus olhos dele. Observou que tinha algumas sardas e seus lábios eram finos. Era realmente bonito.

Distraída, a garota pisou numa pedra e tropeçou, caindo no chão. O garoto se assustou e a ajudou a se levantar.

-Obrigada. -disse, sorrindo e passou a mão na roupa, limpando-a.

-Está tudo bem? -o garoto perguntou e Julie concordou com a cabeça.

-Está sim. -e o garoto sentou-se novamente enquanto Julie continuava seu caminho, as bochechas coradas.

Na terça seguinte Julie fez o mesmo caminho e o garoto estava lá, mas estava em pé, as costas apoiadas no portão cinza. Ela queria falar alguma coisa e ele queria que ela parasse de ser tão estranha.

Respirou fundo e manteve o foco, ignorando o garoto que se surpreendeu. Julie queria dizer alguma coisa e tivera a ideia quando começara a descer aquela rua.

Quinta mais uma vez, Julie estava lá, o mesmo caminho de sempre, a blusa verde de mangas curtas o short jeans escuro, o all star branco e uma blusa de frio preta amarrada na cintura.

Chegou a rua onde o garoto ficava e afrouxou o nó da camisa amarrada na cintura antes de descer o morro. Se aproximou do portão cinza e a blusa caiu. Julie fingiu não ver e o garoto pegou seu pulso fazendo a garota se arrepiar.

-Você deixou cair. -e entregou a blusa.

Julie pode então ver. O garoto usava shorts e viu que a prótese ia até seu joelho esquerdo.

-Obrigada. -disse pegando a blusa- Érh…

-Rodrigo. -ela sorriu, mas o garoto continuava sem esboçar emoção.

-Julie. -ela disse antes de olhar o relógio de pulso- Estou atrasada!

Desceu correndo o morro, se controlando para não cair. Estava feliz. Objetivo completo com sucesso. Porém, era uma pena descobrir que por algum motivo, ele não tinha metade da perna esquerda e com isso a curiosidade da garota só aumentava.

Na quinta, Julie não sabia o que ia fazer quando encontrasse mais uma vez o garoto do portão, o qual, agora ela sabia o nome. Foi ouvindo música como sempre e ao chegar no morro do garoto, o coração perdeu o compasso e ela continuou descendo até o portão cinza. Andou devagar perto do portão, esperando que Rodrigo dissesse algo, mas ele apenas revirou os olhos e Julie foi para sua aula.

Já na outra Terça, Julie fez o mesmo, mas o garoto reagiu.

-Porque toda terça e quinta você passa aqui, me olha com essa cara de pidona, não diz nada e segue o caminho? -ele perguntou, frio- Você pode muito bem apenas passar, me ignorando. Isso é irritante.

-Desculpa. -ela disse parada em frente ao garoto, encarando seus olhos escuros.

-Você está com pena disso? -ele apontou para a prótese- Ou apenas curiosa? Porque se eu fosse “normal” tenho certeza que você me ignoraria.

-Estava curiosa, não vou negar. -ela disse colocando as mãos na cintura- E você podia me tratar bem. Eu não te fiz nada.

-Me obrigue. -ele disse olhando fixamente em seus olhos.

-Não sei porque pensei que talvez você fosse um cara legal, porém triste… -ela disse voltando a andar.

-Também não sei! E eu não preciso da sua pena! -ele gritou enquanto a garota descia morro abaixo- Garota esquisita.

Julie ficou mal. Não queria, mas ficou. Rodrigo tinha razão, aquilo era estranho. Porque mesmo ela queria se aproximar daquele garoto? Porque ela tinha que saber de tudo? Não aguentava apenas ir para o Inglês, ignorando-o? Ele era apenas mais um garoto qualquer.

Semanas se passaram, Julie passava na frente do garoto toda terça e quinta. Não falava nada, mal o encarava, apenas descia o morro a caminho da aula. Rodrigo achou que ela não faria isso. Achou que ela continuaria do mesmo jeito e os dois se enfrentariam de vez em quando, mas não. Ela passava na sua frente, ele a acompanhava com o olhar enquanto ela olhava para frente ou para o lado oposto.

-Julie. -ele disse, certo dia e a garota parou o encarando e tirando um dos fones.

-Disse algo? -ela perguntou aumentando o nervosismo do garoto.

-Não. -ele disse, frio e ela saiu andando. Perdera a coragem.

Julie ouviu perfeitamente quando o garoto a chamou. Ela sempre diminuía a música ao passar por aquela rua, esperando pelo dia que ele diria algo. E algo o fez perder a coragem. Ela nunca diria nada. Não daria mais o primeiro passo. Era a vez dele fazer alguma coisa.

Outra quinta, outra semana. Julie desceu a rua sem os fones e o garoto estranhou. Ela tinha o olhar triste, parecia ter chorado, e um hematoma no pulso.

-Julie? -ele chamou e ela o encarou- O que aconteceu?

-Está curioso? E por isso que me chamou?

-Julie… O que é esse hematoma no pulso?
-Não é da sua conta.

-Me conte.

-Me obrigue. -imitou o garoto e ele respirou fundo.

-Se você me contar, eu te conto sobre a minha perna. -ela se surpreendeu e olhou o relógio.

-Não posso… Tenho aula de inglês agora.

-E qual o problema de não ir?

-Meu pai…

-Vamos, sente-se aqui. -ele a interrompeu e apontou o espaço no degrau, ao seu lado.

A garota cedeu, não devia, mas sentou-se e olhou no fundo dos olhos escuros de Rodrigo.

-Você primeiro? -ele perguntou e ela negou com a cabeça.

Rodrigo respirou fundo olhando para a rua na frente dos dois que descia um carro de vez em quando e haviam pessoas subindo, indo embora do trabalho para pegar o ônibus.

-Eu tenho ou tinha, sei lá, uma doença forte que se eu dizer o nome você não vai saber. É rara e começou no meu pé. Se espalhou pela minha perna e eu tive que amputar para não se espalhar para o resto do corpo. Eu podia morrer.

-Nossa… Sinto muito por isso.

-Não, não sente. -ele disse, frio, mas a garota não respondeu- E agora eu tenho que ir na reabilitação e eu suspeito que a amputação não adiantou nada, mas ninguém me dá ouvidos. Agora, conte sobre você.

-Fui assaltada voltando da escola, hoje. Ele agarrou meu pulso, levou meu celular, meus fones e o troco do ônibus. -lágrimas se formaram seus olhos, mas ela as conteve.

-Eu ia dizer que sinto muito, mas convenhamos… Ninguém dessa sociedade sente muito de verdade. Ninguém se importa com os outros, apenas com suas próprias vidas. Sentem muito quando é alguém próximo, mas o resto é só educação e enquanto dizem que sentem muito, mesmo não sentindo, estão pensando nas próprias coisas, no próprio mundo.

-Mas você se importa, se não teria apenas me ignorado.

-Tem razão, acho que me importo. É bom ter alguém com quem me importar. A questão é… Você se importa ou é tudo falso?

-Acho que me importo, se não teria te ignorado desde o início.

-Isso foi apenas curiosidade, garota. Você não sente muito e também não se importa e sabe porquê? -ela negou com a cabeça- Porque você tem outras coisas para se importar e sentir.

-Então você também não se importa.

-Eu me importo, porque me trancam nessa casa e eu não tenho mais nada para me importar ou sentir.

-Você é estranho. -ela disse sorrindo um pouco- Se você acha que as pessoas não sentem muito, o que você quer que elas digam?

-Nada. Não precisam dizer nada, se tudo o que iam dizer é mentira.

-Mas… Isso seria falta de educação não?

-Não. Seria respeito. Você respeita a dor do outro e não diz nada. Não mente que se importa e também não mostra que não se importa, você apenas… Respeita.

-E quando a pessoa realmente se importa?

-Quando ela realmente se importa ela vai estar do seu lado, mesmo calada. Ela não vai querer te deixar sozinho e vai fazer de tudo para te ver bem.

-Então… Nós dois nos importamos um com o outro. Passo aqui toda terça e quinta, raramente trocamos algumas palavras. Então se ficamos calados é porque nos importamos.

-Não. É porque nós respeitamos a dor do outro.

-Mas hoje você falou comigo.

-Porque eu estava curioso. E acho que a gente gosta quando as pessoas perguntam o que a gente tá sentindo. Mesmo que apenas fingem que se importam.

-Isso é complicado.

-Talvez.

E os dois ficaram em silêncio. Apenas respeitando a dor do outro. Ou talvez se importando já que nenhum dos dois foi embora. Quer dizer, pelo menos até o pai de Rodrigo aparecer para levá-lo a reabilitação.

Mais semanas se passaram, Julie sorria quando chegava a rua de Rodrigo. Passou a sair mais cedo de casa para conversar um pouco com o garoto antes de ir para a aula. Ele lhe contou como estava ficando difícil para ele enquanto ninguém acreditava que a amputação não adiantara. Ele tinha medo, mas fingia que não.

Um dia, Rodrigo não estava mais no portão. 


Notas Finais


Espero que tenham gostado. :3


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