História O Garoto do Sonho - Quem sou eu?

É a última semana de julho, consequentemente minha última semana de férias. Acordo com o telefone tocando, não consigo atender, estou exausto, toda essa mudança de casa, de cidade, de clima... Não sei se estou triste, se estou feliz ou se tanto faz. Já estava acordado há aproximadamente uma hora, finalmente juntei todas as forças que tinha e decidi levantar, abri a janela do quarto e subitamente a fechei, o vento congelante que entrou me fez querer voltar a dormir, fui para o banheiro, estou com olheiras tão grandes que podem me confundir com um panda, entro embaixo do chuveiro e deixo a água fria levar os pensamentos ruins, minha pele queima mas é bom, nunca gostei de banho com água quente no frio, pode parecer coisa da minha cabeça mas ao sair fico com ainda mais frio.

       Vou pra cama novamente, ligo o celular e me surpreendo com a hora, já passavam das três da tarde, uma chamada perdida da minha mãe, nada no WhatsApp, nada no Facebook, nada no Twitter, nada no Instagram... Não posso me surpreender com isso, cheguei em São Paulo há dois dias.

       A propósito me chamo Miguel, morava com meus pais e meu irmão em Marília mas depois do acidente decidimos recomeçar, meus pais pediram transferência do trabalho e cá estamos nós: eu, mãe e pai.

       O acidente do João foi em abril, saindo da balada com os amigos, todos bêbados, João estava dirigindo avançou no semáforo fechado e bateu em um caminhão. Felícia, Antônio, Fernando, Isabela e João, todos mortos. Um acidente desse porte em uma cidade ligeiramente pequena não é esquecido tão facilmente, as pessoas falavam, apontavam, nos culpavam. Meus pais estão felizes com a mudança, e eu estou feliz por eles, não faço ideia de como minha vida vai ser daqui pra frente, não sei o que esperar, o que sonhar, São Paulo é uma cidade grande, é... pode ter sido uma boa ideia.

       Abro o Grindr, muitos perfis, muitas mensagens, muitas propostas, olho para a minha foto no perfil, abdômen definido, músculos de dar inveja, um sorriso matador, barba por fazer, não sou eu.

      Abro o Tinder, nada, nenhuma combinação ou mensagem. Olho para a minha foto do perfil, um garoto pálido, raquítico, algumas espinhas no rosto e um sorriso tímido para esconder o aparelho ortodôntico, esse sou eu.

       Fecho ambos os aplicativos e um sentimento nauseante me invade, fome, deve ser fome. Vou até a cozinha e avisto um bilhete da minha mãe em cima da mesa de jantar:

“Querido, papai e eu estaremos de plantão no hospital durante toda a noite, tem comida pronta na geladeira, estaremos em casa oito horas da manhã, beijos. P.S.: o filho da vizinha é lindo!”

       Dou um riso frouxo da piadinha, minha mãe realmente não entende como funciona o mundo gay... Ligo o celular numa playlist aleatória, começa a tocar Wake Up Alone da Amy Winehouse, esquento a comida no micro-ondas e sento na mesa olhando pro nada.

       Já são quase seis da tarde quando decido sair pra correr no bairro, assim posso me distrair, conhecer as redondezas, “ver gente”. Chamo o elevador, entro, e no momento em que ele ia fechar um rapaz coloca a mão entre as portas, ele é alto, cabelo castanho claro, uma boca carnuda, usa roupas de academia, ele deve malhar muito, afinal de contas ele é musculoso, não muito e nem tão pouco, é proporcional, uau ele é lindo! Moramos no décimo andar, um silêncio se instaura no elevador, consigo ouvir a respiração dele, encosto no espelho e fico me olhando.

“Ele tá olhando pra mim ou é coisa da minha cabeça? É sim! É coisa da minha cabeça.”

Estamos passando pelo sexto andar.

- Vizinho novo? – perguntou ele.

“Jesus... Que voz é essa? Não sei o que responder, na verdade sei sim, só respira e vai!”

- Sim. – sorri e voltei a olhar pro espelho.

- Legal, eu moro no 321. – ele devolve o sorriso.

       O 321 é na frente do nosso apartamento... A porta do elevador finalmente abre, parece que ficamos por quinze minutos dentro daquela caixa de metal, ele acena com a cabeça e sai correndo. E eu fico parado na frente do prédio me perguntando o que acabou de acontecer.

“Deixa de ser tolo Miguel, ele foi apenas simpático!”

       Coloco os fones de ouvido, eles começam a tocar The Greatest da Sia, amo essa música. Saio em disparado na rua imaginado como seria encontrar com ele correndo por aqui também, de repente lembro do bilhete da minha mãe.

“O filho da vizinha é lindo mesmo mãe.”