BETA.
Quando a porta se abriu Léo e eu nos levantamos num pulo, assustados com aquela súbita invasão e minhas pernas ficaram tão bambas que cambaleei e me apoiei no sofá ao ver a pessoa que entrou.
Mariza.
Seus olhos de gelo e os lábios exibiam o brilho de um triunfo cruel e planejado, seu terno de calça e blazer preto, sob medida, a fazia parecer uma emissária de más notícias. Léo deu um passo em sua direção e mais duas pessoas adentraram na sala.
Perdi todo o ar dos meus pulmões como se tivesse sido sugado, um frio percorreu meu corpo me regelando tanto que pensei que morreria ali mesmo, ou no mínimo teria um AVC.
Meu pai e minha mãe estavam ali na casa do meu professor, onde eu havia passado a noite com ele. E nesse momento me dei conta de que eu vestia apenas a camisa do Léo e ele estava só de calça e sem camisa.
- Pai... mãe...? – sussurrei quase sem voz. Eu devia estar muito pálida por que Léo se aproximou de mim com um olhar assustado.
- Então era tudo verdade? – a voz acusadora do meu pai ressoou pela sala.
O olhar dele era de reprovação e nojo. O olhar de minha mãe era de tristeza e decepção. Não suportei ver aquilo e baixei os olhos. Algo tinha se partido dentro dela e de mim.
- Eu tinha que por um fim nisso Léo... – Mariza falou calmamente, com os braços cruzados e uma expressão de superioridade. – Eles tinham o direito de saber o que você estava fazendo com a filha deles. – terminou com se estivesse realizando um ato heroico.
Léo a fuzilou com os olhos e voltou-se para meu pai.
- Senhor Urbano, eu posso explicar tudo... – começou. – Posso garantir que não é nada como a história que essa maluca deve ter contado para vocês. – fuzilou Mariza novamente com os olhos.
Deu um passo até meu pai, mas ele desferiu um soco no rosto de Leonardo.
- Não fale comigo canalha.
Léo não caiu, mas se curvou com o impacto, se ergueu e meu pai se preparou para socá-lo de novo, mas eu entrei na frente.
- Não papai, por favor...
Ele aproveitou a chance e me deu um violento tapa no rosto.
- Vagabunda. – gritou.
Eu gritei. Minha mãe gritou assustada, caí no chão com força e comecei a chorar, todo mundo viu que eu estava só de lingerie por baixo da camisa. Vi Mariza rir discretamente achando bom e engraçado. Aquela víbora maldita.
- Vá se vestir sua vadia. – meu pai cuspiu as palavras.
- O senhor não pode fazer isso na minha casa. – Léo disse com raiva, se controlando ao me ver chorando, me ajudou a levantar e me abraçou. –Não vou permitir nenhuma agressão física aqui dentro, e muito menos que o senhor bata nela.
Meu pai ficou incrédulo com o que estava ouvindo.
- Como é que tem coragem de proibir alguma coisa? –nos olhou com mais nojo. - Você é um professor e que exemplo está dando? Quantas alunas já trouxe aqui seu pervertido?
Passou a mão pela cabeça desorientado.
- Meu Deus enquanto estava vindo para cá, rezei para que ela... – apontou para Mariza. -... estivesse errada ao me mostrar isso.
Tirou uma foto dobrada e amassada do bolso e esfregou na minha cara e do Léo. Era uma foto de nós dois nos beijando na tarde de sábado quando cheguei à casa dele. Me lembrei imediatamente de ter percebido algo como um flash ou relâmpago, mas não dei importância. O pesar inundou os olhos dele cheios de culpa.
- Você estava nos vigiando? – perguntei a Mariza com a mão no rosto vermelho e ardendo pelo tapa.
Ela me lançou aquele sorriso presunçoso. Claramente se divertindo com os acontecimentos.
- Estavam tão ávidos para ficarem a sós que nem se deram conta não é?
- E como você entrou aqui? - Léo rosnou para ela.
- Com isso. – foi meu pai quem respondeu e atirou minha chave dourada no chão.
Olhei para ele sem acreditar.
- O senhor mexeu nas minhas coisas?
- Não. – a voz da minha mãe atraiu minha atenção. – Mariza me disse e eu procurei. – ela respirou fundo, o rosto cansado. Parecia carregar uma carga grande demais, pesada demais. – Era por isso que você dizia que ela era perigosa, por que ela sabia de tudo? Você não foi passar a noite com suas amigas. Fomos à casa da Rafaela e ela disse que mal te conhece. Você dizia que ia estudar com suas amigas, passar a tarde com elas e tudo mais, mas era tudo mentira Beta. Nunca houve amiga nenhuma, você mentia o tempo todo, para se enfiar aqui. Eu confiava em você e mentiu para mim traiu minha confiança. Por que fez isso? – seu olhar de uma tristeza profunda e desespero partiram minha alma e meu coração.
- Desculpe mamãe. – pedi sem conseguir conter o choro, soluçando.
E perguntei a mim mesma por que Léo e eu estávamos sendo julgados pelo nosso amor? Por que parecia que estávamos fazendo algo tão sujo e vergonhoso?
- Vocês não estão nos dando a chance de explicar nada. – disse Léo. – Apenas entraram na minha casa com acusações e agressões.
- Explicar o que seu canalha? – meu pai xingou com tanto ódio que seu rosto estava com um tom vermelho arroxeado. – Que você seduziu minha filha e a trouxe para a sua casa?
- Eu não fiz isso. – Léo negou mesmo sabendo que ele não acreditaria. – Eu amo a sua filha e a pedi em casamento hoje de manha.
Minha mãe ficou de boca aberta. Os olhos de Mariza pareciam que iriam saltar de dentro das órbitas como lascas de gelo e matar quem estivesse em sua frente.
- Você não fez isso fez? – seu rosto não queria acreditar nas palavras que tinha dito. Porem, ao ver a expressão séria de Leonardo ela olhou para minha mão e viu o anel. – Você fez. Como pode...? – gritou enlouquecida. – Você me ama como pode fazer isso?
- Você está louca. Nunca te amei. – Léo gritou em resposta.
Ela se encolheu e meu pai ficou furioso.
- Além de ser comprometido com essa aí, ainda usou minha filha? A enganando com promessas de casamento? Safado, depravado. Ela é menor de idade e eu vou te colocar na cadeia. Vou chamar a policia agora.
Sacou o celular antigo do bolso e começou a discar. Me agarrei nele.
- Por favor, pai, por favor, não faça isso. – implorei.
Ele me agarrou pelos cabelos e me jogou no chão de novo, senti uma fisgada na barriga, mas não me importei e levantei rápido. Léo me segurou, tentando me afastar dele com medo de que ele me batesse novamente, mas tudo que eu queria era pegar aquele telefone.
- Não, por favor. – gritei desesperada me debatendo nos braços de Leonardo.
- Seu Urbano vamos conversar... – pediu Léo. – Beta fica quieta.
Minha mãe estava mais que assustada com tudo aquilo saindo do controle. Então ouvimos um grito imperioso.
- Parem...
Olhamos e vimos Mariza com uma arma em punho, apontada... para quem de nós?
- Você não vai chamar ninguém. – disse.
Ouvimos o som de um disparo. Algo quente e viscose espirrou no meu rosto, cabelo e na camisa branca que eu vestia, e um pouco no peito de Leonardo que estava atrás de mim. Era sangue. Meu pai cambaleou como se tivesse recebido um golpe, seus olhos arregalados me fitaram e ele caiu para trás deixando o celular se espatifar no chão.
- Pai! – gritei me abaixando ao seu lado.
Leonardo avançou contra Mariza. Travou-se uma luta entre os dois onde ele tentava tomar a arma dela e tudo aconteceu numa fração de segundos. Mas foi como se estivesse em câmera lenta.
Mamãe correu até meu pai.
- Urbano?
Havia uma mancha vermelha que aumentava escorrendo do peito dele e formava uma possa de sangue no chão.
- Pai... papai... vai ficar tudo bem... – disse com as lágrimas pingando, mas todo aquele sangue me diziam o contrário. –chame uma ambulância. – pedi sem saber a quem.
Meu pai tentou dizer algo e bolhas de sangue tingiram seus lábios fazendo um som gorgolejante na garganta. Ele olhou para mim e minha mãe agonizante, ela chorava e de súbito os olhos dele ficaram parados e apagados. Seu peito parou. Seu corpo parou e eu me debrucei sobre ele me sujando mais de sangue e não ouvi nada.
- Pai... não... por favor... você não pode morrer, não faça isso...
Mas no olhar derrotado de minha mãe, eu vi a certeza do que eu não queria acreditar. Meu pai estava morto.
- Maldita! – ouvi Mariza gritar.
Virei a cabeça e a vi com a arma apontada para mim e atirar. Sem forças fechei os olhos para receber o impacto mortal, mas não senti nada. Os abri de novo e vi Leonardo caído no chão. Ele tinha me protegido com o próprio corpo.
****
BETA.
Um grito. Doloroso, apavorado, estridente.
Era o que eu estava ouvindo e levei alguns segundos para perceber que era eu mesma quem gritava.
- Léo...!
Fui até ele. Léo estava caído no chão sangrando com um tiro no peito do lado esquerdo, mas seu rosto contorcido de dor me aliviou por alguns segundos, por que se ele tivesse morrido não sentiria dor. Ele estava pressionando a mão sobre um ferimento um pouco acima do peito, o sangue corria pelo tapete e ele respirava descontrolado. Mais sangue. E eu não sabia o que fazer, não sabia que atitude tomar por que estava assustada demais com o sangue, assustada demais com a possibilidade de mais uma morte, com minha mãe encolhida no chão segurando a cabeça do meu pai morto.
Mariza parecia em choque, com os olhos esbugalhados, os lábios entreabertos e ainda segurando a arma em punho.
- Assassina! – gritei.
Ela piscou como se tivesse acordado, deixou cair a arma e correu para junto de Leonardo.
- Meu amor. – sua voz tremia. - Me perdoe, eu não queria atirar em você... – tentou tocar o rosto dele, mas recuou a mão.
Ele engoliu em seco, ofegante e sua voz saiu apertada entre os dentes.
- Beta... chame a polícia.
Mariza o fitou sem acreditar no que ouviu.
- Você não pode fazer isso... – e dessa vez ela tocou seu rosto.
Afastei sua mão com raiva.
- Não toque nele, assassina, você matou meu pai e tentou mata-lo. – me lancei pegando o celular de Leonardo que estava perto do abajur. – Você vai para a cadeia sua louca. – e comecei a discar.
Mariza avançou em mim me derrubando.
- Não. Maldita.
O celular deslizou para de baixo do sofá. Mariza se virou indo atrás da arma, avancei e puxei seu pé, ela caiu, mas continuou de gatinho, tentando alcançar a arma. Eu pulei em cima dela e puxei seus cabelos, mas ela se virou rápida e me acertou uma cotovelada no nariz meus olhos se encheram de lágrimas, a visão turvou-se e senti o gosto de sangue na língua, rolei para um lado e ela se levantou. Léo conseguiu se sentar, o sangue escorreu por seu peito, e se movimentando com a mão livre, deu um impulso para frente e acertou o tornozelo de Mariza com um chute, ela caiu de novo e começou a se arrastar em direção a arma. Léo não se importou com o ferimento e se esforçou para levantar com um grito de dor.
- Não. A arma... –gritou ele.
Avancei de gatinho mesmo até Mariza e nesse momento, minha mãe que estivera tão quieta e muda... tão distante, acertou Mariza na cabeça com um vaso de vidro. Ela soltou um gritou e arriou no chão desmaiada. Soltei e puxei a respiração em grandes haustos e abracei minha mãe.
- Mãe? Tudo bem? – minha voz quase hiperventilava.
Ela não respondeu e nem me abraçou, seus braços permaneceram caídos ao longo do corpo e havia algo em seus olhos, que me incomodou, a adrenalina correndo por meu corpo me deixou tremendo e evitei pensar no meu pai morto ali no chão, a ficha ainda não tinha caído. Evitei pensar em tudo e agi pensando no momento, no agora. Me aproximei de Leonardo, ele estava sentado no chão com a cabeça encostada no sofá, respirando ofegante.
- Léo? – segurei seu rosto com as mãos. Ele estava pálido e perdendo muito sangue.
Com esforço ele abriu os olhos.
- Tem que amarrá-la. – disse com dificuldade, se referindo a Mariza. – Chame a polícia... médico...
Balancei a cabeça afirmando que entendi. Arranquei a camisa que eu estava vestindo e fazendo uma compressa dela, pressionei o ferimento. Léo fez uma careta de dor, peguei sua mão suja de sangue e coloquei sobre a compressa improvisada.
- Consegue apertar assim meu amor?
Ele anuiu a cabeça. Eu fiquei apenas de calcinha e sutiã, olhei para minha mãe e ela nos observava. A intimidade com que tirei a roupa na frente de Leonardo, o toquei e o chamei de meu amor, a deixaram chocada e novamente apareceu aquela coisa em seu olhar que me incomodou, de um jeito bem mais forte. Não dei importância, passei a mão debaixo do sofá encontrando o telefone e o entreguei para ela.
- Chame a polícia mãe e uma ambulância.
Ela começou a discar os números. Apanhei a foto minha e de Léo caída no chão e vasculhei a bolsa de Mariza encontrando o negativo. Corri para o quarto de Leonardo, rasguei a foto freneticamente, joguei no vaso sanitário junto com o negativo e dei descarga até tudo ir embora. Vesti minha calça e a camiseta, calcei o tênis sem meia mesmo e em seguida peguei a calça de pijama na minha sacola, rasguei em tiras e voltando para sala, amarrei as mãos e os pés de Mariza. Meu lindo botão de rosa, me dado no momento mais perfeito e sublime da minha vida, estava caído no chão, destruído. Suas pétalas vermelhas, desfolhadas e pisadas faziam um funesto par com as manchas de sangue.
Eu estava no piloto automático, agindo com a adrenalina e o impulso do momento. Sem me dar a chance de chorar, de sentir meu corpo dolorido e exausto, a acidez no meu estômago ressentindo por tanto tempo querendo sair. Como eu disse a ficha ainda não tinha caído e eu estava no piloto automático.
Até tudo começar a desabar... horas depois.
LÉO.
Ela tentou matá-la. Tentou tira-la de mim. E isso eu não vou perdoar nunca. “Mariza, você vai passar o resto da sua vida na cadeia. Eu prometo...”.
Prometi antes de apagar.
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