História O homem da casa - Único

O homem da casa

Vivo numa casa de três mulheres.

Eu sei o que vocês estão a pensar. Deve ser uma maravilha, certo? Oh, o idílico sonho de ser o único ser masculino num apartamento habitado por delicadas criaturas, que cheiram a flores primaveris e a sabonete de lilás.

Só que não. Errado. Completamente errado.

Só existe sossego nesta casa quando elas saem porta fora para o trabalho. Nesse período de tempo posso bem fazer o que me dá na gana. Dormir no sofá, comer o que me apetece, e na quantidade que me apetece; esparramar-me na varanda, ao sol, tudo nu. Nuzinho. Como vim ao mundo.

Agora, quando elas estão dentro de casa, posso fazer alguma destas coisas? Poder posso. Mas com descanso? Não. Porque são gritos para cá, “ai agora o que vou vestir?” para lá, papéis em cima da mesa de jantar (que ai de mim tocar-lhes), e roupa interior toda espalhada sobre a cama de uma delas. Um pouco de decoro também ficava bem, não?

E depois, para piorar, cada uma não podia ser mais diferente da outra, tanto em personalidade como em aparência.

Primeiro, existe a Laura. A Laura foi a responsável por me enfiar dentro deste antro de mulheres. Tem a pele bronzeada e cabelos encaracolados e convenceu-me com a sua voz doce e num tom abebezado de que eu iria gostar da nova casa.

Oh, Camões, vai ser maravilhoso. Disse ela. Vais gostar do apartamento. É espaçoso. Tens uma varanda para os dias de verão e uma lareira para os dias de inverno. Bestial, não é? E a Kendall vem morar connosco. Tu lembras-te da Kendall, certo? A rapariga loira que já veio cá a casa? Gostas dela, não gostas?

Não. Não gosto.

Depois, para piorar, ainda mais, as coisas, existe precisamente isso: a Kendall.

A Kendall é uma mulher extremamente alta e loira. Pelas conversas que oiço cá em casa, parece que metade dos homens da cidade estão de olho nela. Só que eu não compreendo o porquê, porque o génio dela não é nem um bocadinho simpático.

Desde o início que a nossa relação não é um mar de rosas, então desde aquele dia em que eu, sem querer, lhe estraguei um sapato de salto alto, as coisas nunca mais foram as mesmas cá em casa.

Ela tem, pelo menos, vinte e quatro pares de sapatos no armário, mas só porque eu lhe estraguei uns, é logo o fim do mundo.

Nesse dia ela ficou louca e, se a Laura não tivesse intervindo, ela iria acertar-me com o sapato vermelho, de salto agulha, na cara. Os seus olhos azuis ficaram todos esbugalhados e os cabelos ficaram tão em pé que parecia um monstro.

Definitivamente, não sei o que os homens veem nela.

Ao menos é uma pessoa arrumada, e não deixa a lingerie toda espalhada pelo quarto, ao contrário de Laura.

Por fim, e porque nem tudo pode ser mau, existe a Rosaleen.

Rose, basicamente, é a razão pelo qual eu ainda não debandei desta casa. Ela tem olhos verdes, como os meus, e o cabelo meio alaranjado. É um amor de pessoa e usa sempre um perfume com um cheirinho sútil.

Não me chama de preguiçoso, como as outras duas, e limita-se a chamar-me pelo nome, que é assim que eu gosto de ser chamado. Laura trata-me por meu bebé, coisa fofa, ou, e isto apenas quando está chateada, poeta endiabrado. Já Kendall é o oposto. Pensa que o meu nome é Idiota e não Camões. Mas ela é loira e o trabalho anda a afetar-lhe o cérebro, então é compreensível.

Eu gosto de Rosaleen, como já devem ter percebido. Faço-lhe companhia quando ela se sente triste e oiço os seus desabafos, deitado na sua cama (ela não se importa).

Eles são mesmo uns idiotas, Camões. Não percebo, nunca mais encontro o homem certo. São uns idiotas, não são? São sim senhor. Sabia que me ias compreender. Queres mais um biscoitinho? Quero sim senhora.

E lá aceito o biscoitinho com sabor a atum de bom grado, acompanhado por uma festinha na cabeça.

E pronto. Os meus dias são passados assim, nesta casa de três mulheres. No meio de gritos de desespero, roupa interior espalhada pelos quartos, correrias de saltos altos para cá e lá, eu vou sobrevivendo. A única coisa que me mantém por cá é que a comida e um sítio para dormir são certinhos. Vá, a companhia também não é assim tão má. E há festas. Muitas festas. Principalmente atrás das orelhas.

Pensando bem, não é assim tão mau ser o único gato na vida de três mulheres.