História O mestre e a Serva - Respeito conserva os dentes

--- Parece que finalmente ela criou um pouco de juízo para ter uma conversa sensata. --- Ashtar me encarou enquanto eu continuava encarando meu copo de whisky.

         Aquilo deveras me irritou. Eu tinha vontade de dar uma grande surra nela para que ela aprendesse como deveria se dirigir a mim.

--- Você deve ter uma ideia muito errada de nós. Afinal, você escuta todas as histórias melancólicas do seu mestre. Sou tão inteligente como você, mulher. E só não parto para cima e quebro vocês, porque acho que o assunto deve ser no mínimo muito importante. Caso contrário estaríamos duelando, quem sabe assim eu não te ensino algumas boas maneiras.

--- Sempre arrogante. --- Ela olhou com os olhos cerrados .

--- Não é arrogância Ashtar, Cassandra é muito segura de si. Afinal de contas, eu sou seu mestre.

         Miguel ouviu as palavras de Lúcifer sem aprovar muito.

         E o salão estava cheio de lendas. Para muitos eram mitos e para aqueles que tinham fé eram bem mais que personalidades. Meu mestre era Lúcifer, o rei soberano do inferno, governante das almas condenadas.  E o outro São Miguel Arcanjo, o general das tropas celestiais.  

--- Podem desenrolar logo o que querem. --- Disse enquanto encarava Miguel nos olhos. --- Nosso tempo é valioso.

--- E já vou adiantando que não vamos voltar para lá, aqui é nossa casa agora, aqui temos muito mais diversão que lá e eu não quero e nem vou voltar.

         Para ser bem sincera as palavras de Lúcifer me machucou. Eu gostaria muito de poder voltar para casa. O inferno não era como todos costumavam descrever, era meu lar... Onde eu vivi minha vida toda praticamente e foi lá que eu aprendi tudo o que eu sei. Sair de lá e vir para esse mundo não estava em meus planos e se eu pudesse decidir alguma coisa jamais voltaria para cá. Não porque eu temo Miguel, mas sim porque esse mundo é tão entediante e eu sofri muito aqui já. Gostaria muito de poder voltar pra casa. Eu não tinha escolha, meu dever é seguir e obedecer meu mestre.

         Meus olhos melancólicos atingiram os azuis dele. Talvez ele não soubesse desse meu desejo, ou talvez ele soubesse, mas passava por cima... Ele era a personificação do egoísmo.

--- Vocês são como adolescentes inconsequentes. O lugar de vocês não é aqui. --- Ashtar disse rudemente para nós. --- Depois de resolvermos nosso problema em comum, vocês vão voltar para lá, nem que eu tenha que chutar a bunda de vocês dois pra lá.

         Ashtar não sabia com quem estava mexendo, ela me subestimava porque não acreditava nas habilidades de luta de Lúcifer. Sempre tão diplomata e manipulador, Ashtar não acreditava que ele pudesse ser um bom guerreiro. Mas ela estava prestes a descobrir que ele é tão bom guerreiro como é professor e me ensinou tudo o que sabe. Eu não era tão habilidosa quanto ele, mas eu tinha certeza que eu poderia dar uma grande surra nela.

         Ela estava olhando para mim com o cenho franzido e com a mão na espada, sabia que a qualquer movimento meu ela sacaria sua espada. A grande e musculosa mulher não era tão ágil como eu. Lentamente eu me aproximei dela, um passo por vez e pausado. Eu estava desarmada, minhas adagas estavam no meu quarto no andar de cima. Confesso que foi uma grande falha, mas por incrível que parece aquela foi a primeira noite que eu havia ido para a festa desarmada. Fiz isso depois de lúcifer me pedir inúmeras vezes, e justamente nessa noite eu precisaria delas.

         Cheguei perto o bastante para sentir a respiração quente dela em meu rosto. Nossos olhos ficaram muito perto um do outro e eu podia ver uma garotinha assustada querendo provar seu valor. Ashtar não era forte como fingia ser, no fundo ela tinha muito medo e muita responsabilidade nos ombros o que a deixava um pouco insegura. E era essa minha arma, achar uma fraqueza  e usar contra o oponente.

--- Ashtar você se cobra tanto, acha que Miguel vai te abandonar a qualquer momento.

--- Não seja tola! Ele é meu mestre.

--- São as servas que não abandonam os mestres e não ao contrário, linda. --- Sorri maliciosamente para ela e então vi seu olho desviando de mim, senti hesitação nela.

--- Você pode ser grande e bruta, musculosa e intimidadora, mas eu sei que na verdade você é só uma garotinha tentando mostrar seu valor para que seu mestre nunca a abandone, porque esse é o seu pesadelo.

         A mulher deu um passo para trás e eu acompanhei o passo para frente, não queria deixar uma distancia entre nós.

--- Admita, quando você fecha os olhos a noite a imagem de Miguel caminhando para longe te assombra e você faz de tudo para que isso não aconteça. Enquanto tiver medo em seus olhos você não será uma boa serva. --- Eu havia tocado fundo na ferida dela. Seus olhos estavam trêmulos e ela olhava para todo canto rapidamente.

         Aproveitei o descuido dela.

--- Isso é para você respeitar meu mestre.

         Fechei meu punho e dei um gancho de direita com muita força. Ela não conseguiu desviar, seu queixo apenas recebeu o impacto e isso vez com que eu a tirasse no chão e a lançasse para trás por três metros. Ela gemeu de dor e manchou meus dedos com sangue. Ao cair no chão, sua espada saiu e caiu próxima ao meu pé.

         Lentamente eu andei até ela e pisei na lamina, puxei para mim e joguei para trás onde lúcifer pisou em cima dela e a guardou com ele.

--- Você não pode...

--- Não seja estúpido Miguel, esse duelo é delas e só acaba quando elas quiserem que acabe. Se você quiser entrar no meio eu vou ter que te segurar... E você sabe que eu não tenho limites.

         Miguel se conteve e praguejou baixinho. A mulher ainda estava caída no chão tentando achar forças para ficar em pé.

--- Se eu quisesse eu já teria acabado com você, guerreira. --- Disse encarando os olhos entre abertos dela. Seu sangue escorria de sua boca.

         Ela estava assustada, não esperava que eu pudesse ser tão rápida e ágil daquela maneira. Ashtar e Miguel me subestimaram pela ultima vez.

--- Levante-se para que eu possa acabar meu serviço. Não vou te atacar enquanto estiver no chão me olhando com medo como está fazendo agora. Seja a guerreira que sempre disse que foi e venha me enfrentar! --- Gritei arrogantemente olhando para ela que desviou o olhar para seu mestre.

         O medo de falhar estava estampado no rosto dela. Era incrível como a inteligência podia vencer a força bruta.

--- Você me paga! --- Ela gritou e se levantou rapidamente. Na tentativa desesperada de me atingir, ela veio correndo com o punho armado, e eu que estava totalmente calma tive tempo o suficiente para pensar qual movimento seria melhor. Então, quando ela desferiu o soco eu o segurei com a mão direita, eu a puxei para perto de mim e dei um soco com a esquerda no estomago da mulher que urrou de dor novamente.

         Ela se ajoelhou e eu ainda estava segurando sua mão fechada. Seus olhos  ergueram e me encararam. Ela estava com ódio, e aquele tipo de ódio dela a deixava cega, não a motivava e nem a dava forças, muito pelo contrário, aquele tipo de ódio dela a deixava ainda mais lenta e desesperada. E isso era um prato cheio para mim. Eu havia conseguia desequilibrar sua mente e corpo.

--- O que fez comigo? --- Ela gritou com os olhos fixos nos meus. Eu com um leve sorriso malicioso no rosto a respondi serenamente.

--- Eu apenas mostrei o que havia em seu coração.

--- É o suficiente! --- Miguel gritou atrás de mim e veio caminhando com os passos duros em minha direção. Eu soltei a mão de Ashtar e me afastei dela.

--- Você é uma cópia dele. Sente prazer em torturar outros semelhantes. Não entendo como podem ter um coração tão frio e duro como esse.

--- Ela não deveria se dirigir a nós com tão pouco respeito. --- Rebati. --- Respeito faz bem para os dentes. --- Sorri enquanto ele a ajudava a levantar. Os olhos dele não saíam de mim.

--- Antes que eu perca  minha cabeça com vocês, o que querem? --- Lúcifer deu um passo a frente e tomou a frente da discussão. Minha curiosidade havia voltado e aumentado, agora eu estava pronta para ouvir o que eles tinham para falar.

--- Mephisto. --- Ahstar disse entre dentes.

--- O que tem ele? --- Meu mestre perguntou sorrindo.

--- Escapou do porão, e está vindo nos caçar. --- Miguel terminou a frase, e o sorriso de meu mestre se extinguiu.