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História O milagre de uma lágrima 8 ANOS DEPOIS - Trivialidades


Escrita por: NanyBecks

Notas do Autor


Quando a felicidade se apresenta devemos abrir-lhe todas as portas porque jamais foi considerada inoportuna.

Arthur Schopenhauer

Capítulo 2 - Trivialidades


  Clara está na sua enorme mesa de estudos lendo um de seus livros de medicina. No momento, está terminando de levantar alguns dados de uma pesquisa que participa com seu supervisor de internato em pediatria. Ela tem que entregar tudo checado até amanhã para que possam enviar para o Comitê de Ética e depois de aprovada, começar a pesquisa de campo. Clara sente-se muito feliz por estar terminando a faculdade que tanto sonhou mesmo que isso tenha acarretado alguns problemas em seu relacionamento com Victor. Eles terminaram quando ela estava no primeiro ano de faculdade. Muito dedicada aos estudos, quase não tinha tempo de vê-lo e ele acabou então rompendo o relacionamento. Clara ficou mal, terminar 3 anos de um namoro em que lutaram com todas as forças para permanecem juntos não foi fácil, mas ela não deixou se abater por isso. Tinha um objetivo na vida e foi nele em que se agarrou para superar toda a saudade do ex-namorado. Entre seus livros tem uma foto em que está com Angélica em uma de suas apresentações no Colóquio de Medicina quando ainda estavam no terceiro ano. Clara sempre gostou da área de pesquisa, já Angélica prefere a área mais prática, só apresentou seu trabalho por muita insistência de Álisson. Clara fica à olhar a foto alegre por tudo ter dado certo e as duas terem conseguido um amor fraternal que até então nunca existira. Cansada de tanto digitar no computador ela guarda novamente a foto, deita-se em sua cama e adormece. Logo mais é mais um dia duro de internato.

CASA DA FAMÍLIA GUIMARÃES DIÁZ

     Amanhece. É mais um dia de sol intenso no Rio de Janeiro. São 6 horas da manhã e o condomínio encontra-se movimentado. Muitos moradores estão saindo para trabalhar e estudar.O relógio de Clara desperta acordando-a. Ela até colocou uma música que gosta de ouvir para que esse momento fosse menos traumático mas não adiantou muito. Sempre que ele toca a sensação que sente é de arrependimento por ter ido dormir tarde na noite anterior.

CLARA: Ai este despertador me mata algum dia! -Reclamou sonolenta- 

Ao esticar sua mão para desligá-lo sobre seu criado, vê a irmã dormindo à seu lado. Clarisse sempre teve esse costume. Por ter muita ligação com Clara, é sempre pra cama dela que corre quando não consegue dormir à noite. Nessa noite teve uma premonição e assustada foi dormir ao lado da irmã.

 - Clarisse? O que essa menina faz aqui meu Deus? Cla? Cla? -Chamou-a- Bom dia princesa! -Disse ao vê-la acordar- Está na hora de acordar né? O quê veio fazer aqui?
CLARISSE: Agora que você vai casar e não vamos passar nos ver sempre. Eu quis aproveitar os poucos momentos que me restam e ficar todo o tempo com você. -Respondeu sonolenta-
CLARA: Ai Cla! Só você mesmo! -Riu- Levanta e vai se arrumar pra ir pro colégio. Rapidinho, rapidinho. 1, 2,3. -Apressou-a-
CLARISSE: Está bom! Estou indo! -Levantou-se da cama e saiu do quarto- 

     Clara dirigiu-se ao banheiro de seu quarto. Retirou sua camisola vermelha de seda, ligou seu pequeno rádio sobre a pia e começou a cantar a música Impossible. Desde a adolescência gosta de cantar, segundo sua percepção, o canto tem o poder de espantar as más energias e essa é uma prática que realiza todas as manhãs. O tempo da música é o tempo que ela leva para tomar seu banho que não pode passar de 5 minutos senão fica atrasada para a Climédia. Com seu roupão branco dirige-se à sua cômoda para procurar o que vestir. Ela sempre separa a roupa na noite anterior mas ontem chegara tão tarde que acabou esquecendo. Ao abrir uma de sua gavetas da cômoda encontra uma caixa, é a aliança de compromisso que Victor lhe deu quando começaram a namorar. Imediatamente, olhou para sua mão direita e viu sua aliança de noivado. Com seu semblante alegre guardou o anel novamente na caixa, vestiu-se e desceu até a cozinha onde seus pais estão tomando café.

CLARA: Bom dia! -Cumprimentou-os com um beijo-
CARLOS: Bom dia filha!
CLARA: Estou morrendo de sono. Fiquei estudando até tarde. -Sentou-se à mesa começando à servir-se-
CARLOS: Você está muito abatida Clara, precisa conciliar melhor o seu horário de estudo. Esse negócio de ficar estudando até tarde da noite está acabando com você. -Preocupou-se-
CLARA: Eu só tenho a madrugada pra estudar pai.
ÉRIKA: Pede para o Ventura te liberar algum dia da Climédia aí você estuda. Senão sua saúde vai embora. Se seu corpo estiver cansado nada rende.
CLARA: Vou falar com ele, mas acho que dá pra levar até o final do semestre sem problemas e também, logo eu vou me casar e tirar 7 dias de folga.
CARLOS: Está animada hein.
CLARA: Muito pai! Muito! -Alegrou-se-
ÉRIKA: Você conversou com o Victor sobre o que conversamos ontem?
CLARA: Nem lembrei mãe. Quando estou com o Victor eu me esqueço do mundo. 

     Carlos que toma seu café com tranquilidade fica sem entender o diálogo entre Érika e Clara.

CARLOS: Conversou o quê gente?
ÉRIKA: Clara disse que está insegura em relação ao casamento.
CARLOS: Ahh sim! Sua mãe me falou ontem. Não tem que se sentir insegura filha. Você ama o Victor e eu, seu pai, te garanto que serão muito felizes.
CLARA: Pai, você é um amor! -Sorriu- Sabe quem estava dormindo comigo hoje? A Clarisse.
ÉRIKA: A Clarisse? -Espantou-se-
CLARA: É. Acordei e ela estava lá. Disse que agora que vou casar ela não vai mais ter tempo de me ver todos os dias e quer aproveitar ao máximo. Não quer que eu me case. Disse que se sente só. Cuidado mãe, dê atenção à ela. Esqueça um pouco o trabalho. -Alertou-

     Clara tem medo de que assim que casar Clarisse fique sem a atenção de seus pais como ela ficou por conta da dedicação de Érika ao trabalho.

ÉRIKA: Esquecer como Clara? Eu até tento mas aquele hospital gira em torno das minhas decisões. A Clarisse também tem que entender que eu trabalho. -Defendeu-se com um tom irritado-
CLARA: Tudo bem mãe. Eu entendo.

     Clara não queria criar uma discussão desnecessária no único momento em que pode desfrutar com a família mas não se conforma por Érika ainda se dedicar de corpo e alma ao trabalho. Ao que parece, não aprendeu nada à respeito disso em 8 anos. Érika continua:

ÉRIKA: Ela vai sofrer quando se casar.
CARLOS: Foram criadas grudadas.

 Clarisse entra na cozinha. Já tomou seu banho e colocou seu uniforme de escola.

CLARISSE: Bom dia! -Cumprimentou-
CARLOS: Bom dia princesinha! -Beijou-a- Dormiu com a Clara hoje.
CLARISSE: Quero aproveitar o tempo pra ficar com ela já que vai se casar e não a verei mais. -Sentou-se ao lado de Clara-
CLARA: Claro que me verá. Só que não todos os dias.
CLARISSE: Sonhei com você e seu casamento.
CLARA: Sonhou? E aí?
CLARISSE: Você vai ser feliz Clara. O Victor é o homem da sua vida! -Disse feliz-
CLARA: Ufa! -Alívio- Se você diz eu acredito.

Clarisse desde que nasceu tem premonições. Sonhar com coisas que vão acontecer é corriqueiro em sua vida mas ela até hoje não se acostumou. Sonhar com coisas boas não a afeta tanto quanto sonhar com coisas ruins. Todas as notícias sejam boas ou ruins chegam primeiro para ela e depois repassa para o restante da família. Érika nunca deu o valor necessário à toda essa situação que muitas vezes traz sofrimento à filha. Cética como é, tudo isso não passa de uma coincidência.

CLARISSE: Se você vai ser feliz eu não me importo de sofrer. -Triste-
CLARA: Mas eu me importo sim! Que isso! Deixar minha irmãzinha sofrer? -Olhou-a- De jeito nenhum! Me diz o que eu posso fazer pra você não sofrer com o meu casamento?
CLARISSE: O que eu quero você não vai fazer que é não se casar.
CLARA: Nisso eu não vou poder realmente te atender. Até porque não tem mais como voltar atrás. Já enviamos os convites, escolhemos os padrinhos.
CLARISSE: Tudo bem! Se você vai ser feliz... Só toma cuidado com a Júlia.
CLARA: Por quê?
CLARISSE: Ela não quer que se case e vai tentar atrapalhar seu casamento. Não acredita em nada que ela te falar Clara. Em nada. -Alertou-
CLARA: Você sonhou isso? -Assustou-se-
CLARISSE: Sonhei e no sonho ela dizia coisas feias à você sobre o Victor e você acreditava. Não acredita porque é mentira!
CLARA: Não vou acreditar. Não se preocupe! -Sorriu-

     Clara com sua filosofia espirita, apesar de não saber como lidar com essa situação, sempre consegue confortar a irmã nos momentos em que se mostra desesperada com seus sonhos. Érika que não gosta desse tipo de assunto finaliza olhando em seu relógio de pulso.

ÉRIKA: Estou indo gente. Estou atrasada  -Levantou-se-
CLARA: Mãe eu vou com você!
ÉRIKA: Então vamos.
CLARA: Estou indo. -Levantou-se apressada-
ÉRIKA: Cla, seu pai te deixa na escola hoje.
CLARISSE: Tá legal!
CARLOS: Tchau filha. -Beijou Clara-
CLARISSE: Bom trabalho.

     Clara saiu da cozinha com Érika enquanto Clarisse ficou a tomar seu café conversando com seu pai.
                 São 7 horas de um dia ensolarado de sexta-feira. As horas passam rapidamente. Ventura e Sônia estão tomando café e conversando na mesa da sala. Cíntia está a colocar as guloseimas para que ambos se sirvam. O café da manhã em família é um ritual diário apreciado por Ventura por ser o único momento em que consegue ficar todos unidos mesmo que por pouco tempo.

CASA DA FAMÍLIA MERCANTELLY ALVES

     Angélica termina de pentear seus cabelos em frente ao espelho com seu mau humor matinal de sempre. Como detesta acordar cedo ainda mais fazendo uso de medicação para dormir por conta de sua insônia crônica desde que era adolescente. Para ela o dia só deveria começar após o meio dia. Seus plantões de 12 horas no hospital começavam à partir do meio dia e iam até a meia noite mas Ventura cismou que ela e Clara deveriam acompanhá-lo em seus atendimentos na Climédia para aprendizado e também para valer como horas de internato. Angélica obviamente, odiou a ideia ainda mais por não ter qualquer apreço por ambulatório. Após pentear seus cabelos, dirige-se à cozinha.

ANGÉLICA: Boa madrugada à todos! -Cumprimentou rude- 
VENTURA: Deus te abençoe coração!
ANGÉLICA: Estou morta de sono! Quase que não acordo hoje. -Reclamou sentando-se à mesa-
VENTURA: Eu falei. Fica chegando tarde.
ANGÉLICA: Fiquei estudando até tarde. -Serviu-se-
CÍNTIA: Geli, tem pão quente que você gosta. -Disse aproximando-se da mesa com uma bandeja de pão- 
ANGÉLICA: Pão engorda Cíntia.
VENTURA: Que engorda Angélica! Come esse pão.

     Se antes Angélica não tinha qualquer questão com o corpo, 8 anos depois ela vive entrando em dietas aleatórias para não engordar. Com seus 1,70 e 60 quilos sente que precisa perder peso mesmo que todos lhe digam o contrário. Não adepta à nenhuma atividade física, ela prefere manter uma dieta à base de salada do que correr 10 quilômetros como sua mãe faz todas as manhãs. Ventura, claro, não concorda com nada disso, mas prefere não se envolver nos hábitos alimentares da filha. Sônia preocupada com as poucas horas de sono que a filha tem desde que começou o internato comenta:

SÔNIA: Não tem que estudar até tarde filha. Acaba com a saúde e você sabe.
ANGÉLICA: Eu sei mãe, mas você sabe que eu sempre quero tirar boas notas.
VENTURA: Você é inteligente.Não precisa disso. -Retrucou-
ANGÉLICA: Pai, estou na clínica, na iniciação cientifica, no internato. Preciso me dedicar.
VENTURA: Fico feliz que seja aplicada, mas acho que não precisa fazer da medicina uma competição. Você quer ser sempre a melhor em tudo.
ANGÉLICA: Filhas de médico têm sempre que dar o exemplo.
VENTURA: Isso foi você quem colocou na cabeça. Quero que vocês sejam boas médicas, mas não que se matem para serem as melhores. Não coloque essa responsabilidade em cima de mim. Você deveria era pensar nisso em outros momentos não apenas para nota.
ANGÉLICA: Quais momentos?
VENTURA: Quando você arruma tumulto com o Teixeira. Quando você não vai a alguma aula e por aí vai.
ANGÉLICA: Ahh pai! O Teixeira é um escroto, No mais, eu compenso tudo isso sendo boa aluna.
VENTURA: Sei. Quando te convém né?
ANGÉLICA: Você é pior que o Teixeira.
VENTURA: Exijo das minhas filhas aquilo que elas podem me dar. Vocês sempre foram estudiosas, sempre tiraram notas boas tanto no colégio quanto na faculdade. Conhecimento vocês tem de sobra.
SÔNIA: O Tura como professor deve tocar o terror como vocês dizem.
VENTURA: Sou o mais querido dos professores. 
ANGÉLICA: E o mais modesto também.
VENTURA: Eu confio nos meus alunos.
ANGÉLICA: Filha de médico tem que dar o exemplo.
VENTURA: Você de novo com isso! Já são exemplo estando na faculdade de medicina.
ANGÉLICA: Pode ser.
VENTURA: Come menina senão chegaremos atrasados. -Apressou-a-
ANGÉLICA: A Clara vai com a gente?
VENTURA: Não. Hoje ela vai com a mãe dela.
ANGÉLICA: Logo isso vai acabar.
VENTURA: Então vamos. Te espero no carro filha -Levantou-se-
ANGÉLICA: Está bom. Não vou demorar. -Apressou-se-

     Ventura saiu da cozinha enquanto Angélica e Sônia continuaram à tomar seu café.

    O Colégio Vicente Marques ou C.V.M, localiza-se nas proximidades da Lagoa. Por ser um colégio que tem uma inspiração montessoriana com alguns diferenciais metodológicos, seus alunos mesmo tendo séries, estudam ao invés de matérias separadas, módulos educacionais formados por interesses em comum. Dirigido por Camille, uma psicóloga doutora na área de educação que baseou todas suas pesquisas no método Montessoriano e inspirada nas universidades americanas, ousou pensar em um colégio sem muros e bastante diferenciado, assim é o C.V.M. Com uma proposta totalmente humanizada e inovadora, tem como ideologia o ensino livre, isso significa que nenhum aluno é obrigado à frequentar os módulos educacionais seriais de interesses comuns (aulas) se não quiser. Sua estrutura foi minunciosamente pensada para contemplar o ensino mesmo quando o aluno não está em sala. A única exigência colocada por Camille é o cumprimento do horário estabelecido por cada módulo, sendo assim, o aluno não precisa estar na sala, mas precisa estar na escola. Ele estará aprendendo assim mesmo junto com uma equipe de profissionais altamente capacitados e treinados para essa perspectiva educacional. Pintado em verde, suas salas de aulas são extremamente amplas e bastante coloridas. Contam com inúmeros armários, vários puffs sobre o chão branco, algumas mesas redondas para a execução das atividades, computadores e um pequeno quadro branco pendurado à parede. A sala de jogos com vídeo-game, jogos de tabuleiros, totó, sinuca se confunde mais com uma área de lazer de shopping do que com uma escola, porém, todos esses atrativos fazem parte da didática de ensino. A única semelhança com os colégios tradicionais particulares é a cantina, a piscina e a quadra de esportes para a prática de atividades físicas. Uma horta, um belo jardim em seu interior e um pequeno vidro transparente colocado unicamente para a segurança dos alunos é o que delimita o C.V.M dos outros espaços onde está localizado. Rogério dá aulas de matemática para diversas turmas desde o ensino fundamental até o ensino médio e curso pré-vestibular. Por ter vindo de um conhecimento educacional tradicional teve muita dificuldade ao ser treinado no novo modelo proposto por Camille. Quem sempre o ajudou a entender o modo de funcionamento do CVM foram suas próprias filhas, Anabela e Mariane. 

COLÉGIO VICENTE MARQUES (C.V.M)

     A entrada do colégio mostra-se movimentada por ser de manhã e os alunos estão indo para suas aulas. Alguns alunos conversam no enorme jardim de entrada, outros, preferem a cantina por ser um lugar mais silencioso. Por ser um colégio humanizado, crianças e adolescentes acabam por dividirem o mesmo espaço. Enquanto alguns adolescentes realizam suas atividades rotineiras de mexer no celular, estudar ou conversar com amigos até o horário das aulas, algumas crianças correm pelo jardim fazendo a maior gritaria. 
     Daniel pára o carro com Marlene e Filipi na calçada do CVM. Filipi sai do carro puxando sua mochila com rodinhas e segurando sua pasta de atividades.

FILIPI: Tchau pai! Tchau mãe! -Deu-lhe um beijo-
MARLENE: Tchau filho! Estuda direitinho. -Beijou-o-
FILIPI: Está bom! Tenham um bom trabalho. -Dirigiu-se à entrada do colégio onde está Firmino-
FIRMINO: Entre pequena criatura. -Cumprimentou-o- 

    Firmino é porteiro do CVM desde que Clara e Angélica estudavam lá. 8 anos depois ele envelhecera bastante. Camille queria aposentá-lo mas ele recusou-se a abandonar suas "crianças" já que trabalha no colégio à quase 20 anos. Firmino tem muito trato em lidar com crianças e Camille o admira por isso.

FILIPI: Firmino a Clarisse já chegou?
FIRMINO: Já. Está conversando com os amiguinhos ali -Apontou-

     Filipi olhou para Clarisse que está conversando agitada com alguns colegas de turma no jardim externo.

FILIPI: Obrigado. -Agradeceu-

    Entrou indo em direção à Clarisse. Está feliz por encontrar a melhor amiga. 

Oi! -Cumprimentou-
CLARISSE: Oi Lipi! Não veio na van hoje?

    Filipi mora em um condomínio de Classe Média Alta na Lagoa próximo ao bairro de Clarisse e por isso eles sempre vão na mesma van e como chegou cedo estranhou.

FILIPI: Meus pais me trouxeram hoje.
TIAGO: Os pais da Clarisse nunca trazem ela. -Provocou-
CLARISSE: Eles trabalham e não tem tempo, mas quando peço e se eles puderem eles sempre trazem. Hoje foi meu pai quem me trouxe seu bobão.
TIAGO: Nunca vi eles aqui.
CLARISSE: Minha irmã me traz sempre que ela pode tá? -Irritou-se-
TIAGO: Só ela. Vai ver quando ela casar como vai te deixar. -Provocou-
CLARISSE: É mentira! Não acredito em você! -Gritou-

     Clarisse já estava disposta a arrumar mais uma briga. Tiago é filho de dois jornalistas muito conceituados no Rio, a mãe dele trabalha em um canal televisivo de uma emissora muito conhecida fazendo o jornal da madrugada. Com sua característica de menino provocador, vive implicando com Clarisse por não ter a presença dos pais. Como já passara mal várias vezes na escola por causa de suas premonições, isso também se tornou motivo de zombaria por parte do colega. Érika já não tem mais disposição para ir à escola conversar com Camille à respeito do comportamento brigão de Clarisse. Já sofrera muito com as brigas que Angélica arrumava com Clara e não quer mesmo passar por isso de novo.
     Tiago ao ver Camille entrar pela portaria junto com Rogério e sua filha Analise silencia-se. Não quer ir novamente para a direção e ter um de seus pais novamente na escola.

CAMILLE: Oi crianças! -Saudou-as-
CLARISSE: Oi tia Camille! Oi tio Rogério! -Sorriu com alegria-
CAMILLE: Oi Clarisse! -Retribuiu- Analise, mamãe vai trabalhar. Estuda direitinho. -Deu-lhe um beijo-
ROGÉRIO: Vou falar com a Anabela e já volto. Tchau filha! Tchau crianças! -Despediu-se-
ANALISE: Olha o que eu trouxe de lanche hoje.  -Sentou-se no banco abrindo a lancheira-

    Rogério e Camille entram pela recepção do colégio. Ao entrarem no enorme corredor, Camille dirige à sua sala enquanto Rogério segue para o jardim interno onde localiza-se a cantina, o salão de jogos e a quadra. Thaíssa, estudante do terceiro ano e do pré-vestibular passa por ele apressada. Ela é irmã de Eduardo, namorado de Angélica e por residir em Niterói sempre tem problemas com o ônibus. Como já havia fracassado em todos os colégios pelos quais estudou por problemas de indisciplina, Laisa, sua mãe, optou por tentar um ensino diferente e ao ouvir falar do CVM resolveu matriculá-la no ensino médio. Até o momento ela vem se comportado bem. Ofegante, ela se dirige aos amigos que estão sentados à mesa da cantina conversando.

THAÍSSA: Quase que não chego hoje. O ônibus demorou. -Sentou-se-
ANABELA: A gente também. A Bianca demorou pra descer hoje.
BIANCA: A Júlia ficou encrencando comigo. Não faz nada da vida e enche o saco de quem faz.
ROGÉRIO: Bom dia! -Cumprimentou ao aproximar-se- Oi filha! Vim te lembrar do nosso jantar hoje. Se quiser convidar o Lucas não tem problema.
ANABELA: Não vou esquecer.
ROGÉRIO: É só isso. Não esquece de chamar sua irmã.
ANABELA: Eu chamo. Tchau pai. -Despediu-se-

     Rogério saiu. Na mesa um pouco próxima, Lucas, Maicon e Henrique ficam à olhar algumas anotações nas folhas de seus cadernos. Eles tem módulo de exatas e Maicon como sempre, não fizera o trabalho de casa. Cecília, estudante do primeiro ano e melhor amiga de Anabela estranhou o convite de Rogério à respeito de Lucas e perguntou curiosa:

CECÍLIA: Você e o Lucas estão namorando Ana?
ANABELA: Não. Ele me tem como amiga Cecília. -Respondeu triste- 

    Anabela olhou para a mesa de Lucas. Como são amigos desde os 7 anos ela acabou apaixonando-se por ele, mas nunca teve coragem de contar por medo de receber uma negativa do melhor amigo. Estragar sua amizade com ele é o que ela menos quer.

BIANCA: Eu acho que ele gosta muito de você! -Comentou ao ver Lucas dar uma olhada discreta para Anabela-
THAÍSSA: Ele já percebeu que vocês são mais que amigos.
CECÍLIA: Falta só um empurrãozinho né gente?
BIANCA: É. Deixa com a gente Ana. Até o fim desse ano esse namoro sai.
ANABELA: Cuidado com o que vão fazer. -Desconfiou-
BIANCA: Somos excelentes cupidos né. -Riram-

     Anabela não tem qualquer esperança de que possa se relacionar com o amigo de uma forma mais íntima. Já tiveram várias oportunidades de ficarem mas nunca conseguiram aproximar-se um do outro. Se fosse uma menina atirada já teria dado-lhe um beijo mas como herdou todas as características de sua mãe, acha isso de se declarar à um homem o cúmulo. O homem é que tem que mostrar interesse e se aproximar.  Maicon é da mesma turma de Bianca e Thaíssa enquanto Lucas e Henrique estudam na mesma turma que Anabela e Cecília mas por estarem no Ensino Médio, fazem o módulo de exatas juntos. Maicon é tão desleixado que seu irmão Henrique estuda junto com ele e ele nem sequer pensou em fazer as atividades juntos na noite anterior. Enquanto copia apressadamente os exercícios do caderno conversa com seus amigos. 

MAICON: Lucas vai ter o campeonato de futebol. Vai se inscrever?
LUCAS: Não sei. Depois eu vejo. -Respondeu olhando o seu whatsapp-
HENRIQUE: Aproveita e chama a Ana.

     Henrique, melhor amigo de Lucas, sabe do interesse do amigo pela melhor amiga desde que tinha 13 anos e assim como Anabela, Lucas nunca teve coragem de falar nada à respeito por medo de acabar com uma amizade de anos. Ele não sabe se Anabela sente por ele a mesma atração que ele sente por ela.

LUCAS: E desde quando mulheres gostam de futebol? -Continuou-
HENRIQUE: De futebol não, mas de você. Faz o convite. Diz que vai adorar que vá vê-lo jogar.
LUCAS: Deixa eu ter certeza de que vou jogar né? -Desconversou-
MAICON: Bobo. Deveria ter aproveitado. -Disse sem tirar os olhos das folhas em que copia os exercícios-

    Lucas ficou pensativo, talvez essa fosse uma boa oportunidade de saber o que Anabela sente por ele de verdade. Já perguntou várias vezes se gostava de alguém mas ela nunca disse quem era. "Um garoto aí" era sua resposta sempre que o assunto era esse. Se fosse um menino atirado como seus amigos, já teria resolvido esse lance à muito tempo, mas não tem talento para chegar em qualquer menina sem saber qual é claramente a dela. Soa o sinal das 8 horas e todos precisam dirigir-se às suas respectivas salas.

THAÍSSA: Estou indo nessa! -Levantou-se-
POLIANA: Que vontade de estudar.
THAÍSSA: É ano de vestibular e eu tenho que fazer igual ao meu irmão. Passar pra UFTS.
ANABELA: Vi seu irmão e a Geli no La Porte sábado.
THAÍSSA: Ele vive com a Angélica, nem vai nos ver mais. Fui gente. -Saiu-
BIANCA: Também vou! Thaíssa espera! -Levantou-se seguindo a companheira-
ANABELA: Eu ainda estou no primeiro ano.
POLIANA: Faltam só 2 anos gente.
CECÍLIA: Vamos que já deu o sinal. -Levantaram-se dirigindo à entrada do corredor que leva ás salas de aula- 

O Escritório dos Marins Diáz localiza-se em um prédio comercial no centro do Rio. Lavinha trabalhou como secretária durante toda a faculdade para manter seu padrão de vida junto com Cléris em um bairro de Classe Média Alta. Ela nunca se importou em diminuir seu padrão mas Cléris sempre fôra mais enjoado e não queria abrir mão dos seus luxos para terem uma vida mais simples e por isso ela teve que trabalhar com seus pais, coisa que sempre abominou. Já tivera problemas demais com a família para passar um dia todo com eles e no escritório que era deles, mas aguentou sem pestanejar, afinal, ela precisava desse dinheiro. Assim que se formou começou à trabalhar em um escritório de advocacia em outro prédio comercial perto dali. Paula achou sua decisão tola, com um escritório disponível para a filha não fazia sentido ir trabalhar com outro advogado que nem sequer conhecia, mas Lavinha preferiu isso à trabalhar junto com seus pais. Paula com muito custo conseguiu convencê-la à associar-se à eles e ela aceitou após fazer diversas exigências, uma delas foi ter sua sala própria já que Mariano e Paula dividem o mesmo escritório.

ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MARINS DIÁZ

     Aline, secretária do escritório está ao telefone quando Paula entra na recepção. Ela acabara de resolver um assunto de um cliente no Fórum e com isso atrasou-se em quase 2 horas.

PAULA: Bom dia Aline! -Cumprimentou- A Lavinha chegou?
ALINE: Acabou de chegar. Tem telefonemas pra ela. -Entregou-lhe alguns papéis com telefonemas pregados por um clips-
PAULA: Eu entrego. Obrigada! -Agradeceu-

     Ao sair da recepção dirigiu-se ao minúsculo corredor e bateu na porta do escritório de sua filha. Lavinha que está ao telefone com um cliente pausa sua fala para responder ao chamado na porta. Bater antes de entrar foi outra condição colocada por Lavinha para limitar o jeito invasivo de sua mãe.

LAVINHA: Um momento -Disse ao telefone para seu cliente- Entra! -Gritou-

    Paula entrou.

PAULA: Telefonemas pra você. -Colocou sobre à mesa os papéis que Aline havia lhe entregado-
LAVINHA: Eu ligo assim que tiver notícias. -Continuou sua fala ao telefone- Tchau! -Desligou- Oi mãe. -Cumprimentou-

     Agora sim Lavinha pode dar atenção aos papéis que sua mãe trouxera.

PAULA: Telefonemas pra você. -Repetiu já que Lavinha nem olhou os papéis que deixara sobre à mesa-
LAVINHA: Mãe, tem uns processos seus aqui. A Aline deve ter guardado aqui por engano -Virou-se para uma escrivaninha às suas costas pegando os papéis e entregando à sua mãe. 

     Mariano ao bater, abre a porta do escritório de Lavinha à sua procura.

MARIANO: Lavinha? Preciso do processo do Roberto que deixei aí ontem.
LAVINHA: Está aqui pai. Toma -Pegou ao lado de sua mesa mais alguns papéis entregando-lhe-
ALINE: Lavinha? -Abriu a porta- Seu cliente na linha 3. Disse que é urgente.
LAVINHA: É. -Suspirou- Hoje o dia parece ser tumultuado. Obrigada Aline! -Aline fechou a porta- Bom senhores, com licença que eu vou trabalhar. Vejo vocês na hora do almoço. -Levantou-se para atender o telefone na recepção-
PAULA: Tchau filha.
MARIANO: Até depois!

     Lavinha retira-se de seu escritório enquanto Paula e Mariano ficam à conferir os papéis que a filha os entregara.
             Aproxima-se o horário de almoço. A Climédia é uma Clínica Médica particular com diversas especialidades. Ventura e Daniel resolveram montá-la assim que saíram da faculdade. Os dois começaram com algo pequeno, Clínica Médica e Obstetrícia em uma sala alugada de um prédio comercial perto dali mas com o empenho e especialização de ambos ela foi ganhando espaço, e mais profissionais. Com isso, foram obrigados à mudar para um lugar mais amplo. Hoje, além de contar com diversas especialidades médicas, conta também com Fisioterapia, Fonoaudiologia e Psicologia. Clara e Angélica cumprem algumas horas de estágio junto à Ventura desde que começaram no internato. Clara sempre muito pacifica adorou a ideia de poder aprender mais com o pai mesmo que neurologia não seja sua área de atuação. Já Angélica, não deixa de reclamar um dia sequer do compromisso que fôra quase que obrigada à aceitar. Além de ter que levantar cedo todos os dias uma vez que Ventura acordou que seus dias de atendimento seriam no período da manhã por conta de seus compromissos com a UFTS, ela nunca aspirou ser médica de consultório mas sim, paramédica ou médica de emergência. Ventura na verdade nunca obrigou as filhas à fazerem qualquer coisa sequer, menos ainda, serem seu rabo de saia nos atendimentos que faz mas Angélica acredita que seu pedido é uma ordem e possessiva e cimenta como é, não deixará que Clara compartilhe mais momentos junto à ele do que ela. 

CLIMÉDIA – CLÍNICA MÉDICA INTEGRADA E ASSOCIADA

Ventura, Leonardo, Daniel e Érika estão conversando já que aproxima-se o horário do almoço e todos já estão finalizando seus respectivos trabalhos. Leonardo é o psiquiatra de Angélica, ele foi chamado para cuidar do caso desde que ela foi internada na Reviver com alucinações e tentativas de suicídio. Ele e Ventura trabalham junto com Mérces no projeto que Ventura desenvolve dentro da Reviver com adolescentes que ouve vozes. Daniel continua se dedicando à Ginecologia e Obstetrícia, por gostar muito de criança tem Clara como sua fiel colaboradora. Clara já aprendera muito com ele no tempo em que acompanha seus atendimentos. Érika, apelidada pelos companheiros de Miss Work, parece ter conseguido um período livre após ter verificado fatura por fatura da clínica, administrá-la muitas vezes é mais dífícil que administrar o Vitte, lá ela conta com Marlene.
           Na copa, Ventura toma seu chá encostado na mesa ao lado de Érika, ele aboliu o café da sua vida desde que teve uma aceleração no coração quando estava concluindo seu doutorado em psiquiatria. Foi uma troca bastante dura já que o café o mantinha acordado, porém, o chá lhe trouxe uma noite mais agradável. Érika que está um pouco próxima da cafeteira onde Valter, copeiro da Climédia, termina de passar o café, come alguns biscoitos de água e sal que estão sobre à mesa enquanto Daniel abre a geladeira à procura de água. A conversa em meio à risadas dos casos engraçados que Daniel fica à contar é interrompido pelo grito de Angélica que adentra à cozinha.

ANGÉLICA: Ai não acredito! -Sentou-se à mesa-

     Ventura que tomava tranquilamente seu chá quase engasgou-se ao ouvir seu grito. Se ele se assustou imagina os pacientes que aguardam na recepção? Ele então a repreende:

VENTURA: Que isso menina! Entra gritando desse jeito na cozinha.
ANGÉLICA: Acabaram os pacientes do meu pai. Agora eu vou dormir um pouquinho.
DANIEL: Estudando muito Angélica?
ANGÉLICA: Muito é pouco Daniel. Ontem eu estudei até o sol nascer. Não dormi nada. Estou morta de sono.
VENTURA: Aí depois dorme na aula né doutora?
ANGÉLICA: Mentira. A única aula que eu durmo é a do Amorim.
RONALDO: Valter tem cafezinho fresco pra mim? -Entrou na cozinha-
VALTER: Acabei de fazer doutor.
ANGÉLICA: Ronaldo. -Levantou-se da mesa e abraçou Ronaldo- Você que é meu psicólogo de longa data, explica para o meu pai que essa vida de médica está me deixando muito estressada e acabando com meu emocional.

     Ronaldo é psicólogo de Angélica à 8 anos. Atuante na linha cognitivo comportamental, ele vem sendo de grande suporte no trabalho com ela que tem em sua personalidade características como a impulsividade e manipulação que sempre à colocam em situações desagradáveis. Com esse longo trabalho terapêutico ele conhece sua paciente perfeitamente bem para cair em suas manipulações emocionais e responde com veemência:

RONALDO: Para mim o seu emocional está ótimo! -Discordou pegando a xícara de café que Valter lhe deu- 
ANGÉLICA: Ronaldo! Não dá pra contar com você mesmo. -Reclamou e afastou-se dele irritada sentando novamente à mesa-
ELVIRA: Daniel? -Chamou-o da porta- Chegou uma paciente sua que diz estar com ameaça de aborto.
DANIEL: Pede pra Rosi arrumar a sala pra mim.
ELVIRA: Já pedi doutor.
DANIEL: Já vou Elvira. Obrigado!
ELVIRA: Com licença. -Retirou-se-
DANIEL: Angélica? Você vai me ajudar.
ANGÉLICA: Eu? -Assustou-se- 

Angélica mais do que ninguém acha a área obstétrica um verdadeiro martírio. Ficar olhando ultrassons nunca fôra seu forte. Geralmente essa função fica sob responsabilidade de sua irmã, mas Clara fôra resolver algumas pendências no cartório à 1 hora. Na tentativa de que Daniel desista ela prossegue:

- Pô Daniel! Estou morrendo de sono.
DANIEL: Vamos garota! Ânimo! -Insistiu- Te aguardo na ultrassom. -Saiu da cozinha-
ANGÉLICA:  Saco! -Resmungou saindo em seguida-
LEONARDO: Vida sofrida dessas meninas.
VENTURA: Elas escolheram essa profissão o quê eu posso fazer?
ÉRIKA: Você adorou que elas tenham escolhido a medicina. 
VENTURA: Fiquei feliz sim. Não vou negar, mas se tivessem escolhido outra profissão eu também iria ficar feliz. A felicidade das minhas filhas é a minha. O que eu quero é que elas sejam felizes e realizadas.
ÉRIKA: A Clara falava desde pequena que queria ser médica.
VENTURA: A Geli falava que queria ser oceanógrafa.
LEONARDO: O importante é que as duas amam o que fazem. -Concluiu- Gente estou indo! Meu paciente deve ter chegado -Saiu-
RONALDO: E eu deixei um paciente na sala de espera e vim tomar um café rápido. -Colocou a xícara sobre à mesa-
ÉRIKA: Tchau Ronaldo! -Despediu-se-

Ventura ao ver Ronaldo sair da cozinha aproxima-se de Érika que continua à comer biscoitos enquanto Valter fica á lavar os copos deixados sobre à pia.

VENTURA: E você? Não esqueceu nenhum paciente na administração não? -Brincou-
ÉRIKA: Não. Terminei meu trabalho. Vou almoçar e ir pro Vitte.
VENTURA: Então almoçamos juntos. Vou avisar as meninas para nos encontrar no Vero.
ÉRIKA: Vou pegar a bolsa e te espero na recepção.
VENTURA: Tudo bem!

Érika saiu da cozinha deixando Ventura à tomar seu chá enquanto Valter continua à lavar os copos e ajeitar a cozinha após a bagunça deixada por eles.

Na zona oeste do Rio de Janeiro, Mariane e mais 3 colegas de faculdade, Gabriela, Selma e Flávia montaram à 3 anos um estúdio de decoração. Durante todo o ensino médio, Mariane se viu na dúvida se cursaria Arquitetura com ênfase em urbanismo ou Design de interiores. Rogério sempre quisera que ela optasse por algum curso que fosse à nível de graduação, para ele, cursos tecnólogos nunca fôra uma boa opção para quem investiu caro em um colégio como o CVM. Mariane havia durante o período de pré-vestibular analisado a grade curricular do curso de Arquitetura e achou uma perda de tempo investir em uma faculdade de 4 anos apenas para ter 3 matérias que englobassem aquilo que ela realmente gostava. Mesmo com a negativa de seu pai, optou por Design de interiores e fez o vestibular na UFTS. Ele acreditou que ela estava estudando para Arquitetura e só soube da sua verdadeira escolha após ter realizado a matricula. Rogério sentiu-se traído e ficou sem falar com a filha por quase 3 meses até que se convenceu que um curso tecnólogo não seria tão ruim assim. Ela não podia ter feito melhor escolha, trabalhar nessa área é algo que à faz muito feliz. A Decormet não é um estúdio grande, com três mesas de trabalho, duas paredes em vidros que dá para um belo jardim de inverno, dois sofás e uma mesa de centro fazem dele um cantinho especial e aconchegante.

DECORMET AMBIENTES E DECORAÇÕES

Mariane está falando entusiasmada ao telefone sentada à mesa de seu escritório. É um possível cliente à procura de seus serviços. Gabriela e Flávia ficam à observar o entusiasmo da colega sentadas cada uma em um dos sofás espalhados pelo estúdio enquanto Selma fica à responder suas mensagens no whatsapp sentada em sua mesa. Aproxima-se a hora do almoço e elas estão decidindo quem vai almoçar primeiro já que o estúdio não pode ser fechado para horário de almoço já que é nessa brecha que muitos clientes as procuram. 

MARIANE: Eu ligo sim. Está bom. Tchau! - Desligou o telefone sorridente-

     Gabriela que prestava atenção na conversa da amiga ao telefone diz do sofá um pouco mais à frente onde folheia uma revista de decoração junto com Flávia.

GABRIELA: Telefonema bom pelo visto.
MARIANE: Cliente à procura de nossos serviços -Levantou-se e sentou-se ao lado das amigas-
SELMA: Espero que seja um cliente que queira um projeto gigantesco. -Comentou de sua mesa-
MARIANE: Ao que parece é sim. É dono de um chalé de praia que aluga. Um só chalé não, vários. Quer que decoremos. Disse que foi numa exposição de nossos trabalhos e se apaixonou. Disse que dinheiro não é problema pra ele, o que quer é uma super decoração. Disse que liga mais tarde para marcar uma visita.
GABRIELA: Será que ele é solteiro? Empolgou-se-
MARIANE: Não sei, pela voz tem cara de já ser de idade. Quarentão.
GABRIELA: É assim mesmo que eu procuro.
MARIANE: Tinha uma voz muito bonita, sensual. -Brincou-
FLÁVIA: Mariane! Você tem noivo. -Alertou-
MARIANE: Gente, eu são estou elogiando a voz do homem.
SELMA: Ele deve ligar novamente.
GABRIELA: Deixa que eu atendo o telefone.
FLÁVIA: E se ele for casado?
GABRIELA: Querida não tem problema porque eu não ciumenta.
MARIANE: Olha isso! Que absurdo!
GABRIELA: Se ele aluga chalés é cheio da grana.
MARIANE: Pode ser. Imagina se esse projeto der certo?
GABRIELA: A gente não fecha o ano no vermelho. Já sabem, o telefone, eu atendo.
FLÁVIA: Tudo bem Gabriela, os telefonemas você atende.
GABRIELA: Quem sabe eu também não termino o ano no vermelho?
SELMA: Você está terrível hoje.

Toca o telefone e Mariane levanta-se do sofá dirigindo à uma das mesa para atender.

MARIANE: Decormet Mariane bom dia? -Atendeu-

São exatamente 12:00. Uma van adentra o condomínio, é a van que busca e leva Clarisse para a escola. Quando Clara era mais nova Carla era quem fazia esse trabalho, o colégio era perto e elas podiam vir à pé conversando. Como 8 anos se passaram, Carla não tem a mesma mobilidade para realizar essas atividades e por Clarisse ser mais geniosa e desobediente Érika e Carlos optaram por pagar alguém que pudesse levá-la e deixá-la em casa com segurança. Clarisse e Filipi vão e voltam na mesma van por serem vizinhos de bairro. Marlene se mudara para um condomínio de classe média alta na Lagoa desde que se casou com Daniel. Clarisse sempre é a primeira à ser entregue, alegre, ela se despede de seus companheiros de van ao chegar na porta de casa. Com 8 anos de idade e uma agitação incontrolável, Clarisse tem uma agenda cheia. Ao longo da semana estuda no período da manhã e suas tardes são divididas com inúmeras atividades até ás 17 horas da tarde. Ás segundas ela faz aula de inglês e natação, nas terças, ginástica artística, pintura e música, nas quartas, tem aula de dança e interpretação, nas quintas, natação e italiano e hoje, sexta, dança e inglês novamente. Érika optou por encher a filha de atividades porque desde que Clara passou para a faculdade, Carla vem se queixando de não conseguir dar conta da agitação de Clarisse que vivia fugindo para a praça ou aprontando todas dentro de casa mesmo com os horários rígidos elaborado por Érika. Carlos e nem Ventura concordam com a rotina pesada que Clarisse tem aos 8 anos, eles sabem que tudo isso é por conta dela ser a única criança da família e muitas vezes não ter com quem brincar. Diferente da época em que Clara era uma adolescente, o condomínio hoje tem mais crianças do sexo masculino e Érika não permite que Clarisse tenha amizade com meninos por conta de seu jeito atirado. Ela já havia dado de brincadeira um beijo na boca de seu colega de condomínio Betinho de 10 anos, filho de Lívia e Bruno, que gerou uma situação bem constrangedora com Elisa, avó do garoto e Érika. Por conta disso os dois só podem brincar sob supervisão de um adulto. Melhor amiga de Filipi, também não pode brincar sempre com ele pois mesmo morando em bairros próximos, assim como ela, Filipi também tem uma agenda de atividades cheia durante à semana e eles só conseguem se ver na escola ou nos churrascos que Érika promove em sua casa todo domingo. Assim, Clarisse é uma menina solitária tendo para conversar Carla e sua cachorrinha Cindy que muita vezes alega ouvi-la. Nesse ambiente solitário ela vai vivendo e aprontando.

CASA DA FAMÍLIA GUIMARÃES DIÁZ

Clarisse entra pela sala que se mostra silenciosa após chegar da escola. Coloca sua mochila no sofá e se dirige à cozinha onde Carla está terminando de ajeitar o almoço

CLARISSE: Carla? Carla? Cheguei! -Gritou-
CARLA: Oi Cla! Como foi no colégio? -Beijou-a-
CLARISSE: Muito bem! O tio Rogério disse que eu sou uma ótima aluna em matemática.
CARLA: Que bom! Vai lavar as mãos pra almoçar. Tem pastel de queijo só pra você.
CLARISSE: Eu já lavei assim que saí da escola.
CARLA: Espero que não esteja falando mentira mocinha senão seu nariz vai ficar do tamanho do Pinóquio.
CLARISSE: Eu não tenho porquê mentir. Eu mais do que ninguém sei dos perigos que é comer antes de lavar as mãos. Posso pegar várias doenças entre elas a gastroenterite ou uma verminose qualquer que pode me trazer danos. Eu não quero ficar com dor de barriga, diarreia e vomitando.  -Sentou-se-
CARLA: Aonde você aprendeu isso tudo? Foi na escola? -Assustou-se-
CLARISSE: Claro que não! Minha escola tem um ensino muito raso para qualquer coisa. Aprendi na internet e nos livros de medicina da minha irmã.

     Clarisse desde muito nova sempre mostrou uma inteligencia acima da sua idade, aos 2 anos ela já sabia escrever seu nome e lia algumas palavras curtas. Nunca ninguém a ensinou, ela aprendeu vendo a irmã estudar. Curiosa desde criança, aprendeu muitas coisas vendo vídeos no Youtube ou lendo sobre alguma coisa de seu interesse em sites da internet. Na escola, é uma criança que sempre está à frente de sua turma, Érika inclusive chegou a sugerir à Camille que a pulasse de ano porque Clarisse sentia-se desmotivada. Com toda sua inteligência ela poderia cursar sem problemas o sexto ano do ensino fundamental mas Camille com seu grande conhecimento em educação não achou prudente que Clarisse estudasse com crianças 4 anos à sua frente. Ela era sim muito inteligente mas não tinha ainda a maturidade emocional para lidar com as questões cotidianas que as crianças de 11 e 12 estão vivenciando. Isso poderia prejudicar seu crescimento emocional e pensando nisso, Clarisse cursa o segundo ano do ensino fundamental com as crianças de sua idade mas tem um currículo especialmente adaptado para sua capacidade intelectual para que não se sinta desmotivada e nem arrogante por saber mais que seu companheiros. Ela vem se dando bem, às vezes. Carla continua o diálogo:

CARLA: Toma. Come tudo. -Colocou o prato cheio de pastéis, arroz feijão e algumas folhas de alface que Clarisse recusa-se sempre à comer-
CLARISSE: Eu sou a única menina que os pais não almoçam comigo. Fico o dia inteiro sozinha. Será que eles não percebem que eu sinto a falta deles? Só os vejo de manhã e às vezes à noite.
CARLA: Parece que estou ouvindo a Clara quando era mais nova falar. Ela também se queixava das mesmas coisas. -Sentou-se à seu lado-
CLARISSE: Meus amigos falam que meus pais não gostam de mim porque nunca vão em nenhum evento do colégio. Acha que fico feliz em ouvir isso? -Reclamou-
CARLA: Não tem que dar ouvidos à seus amigos. Seus pais gostam muito de você. Se não estão presentes em sua vida é porque trabalham muito, mas não significa que não te amem.
CLARISSE: Até a Clara depois que inventou essa história de casamento não liga mais pra mim. É assim, vou viver sempre sozinha. -Lamentou-

     Assim como Clara um dia queixou-se, Clarisse queixa-se da mesma coisa. Parece que Érika não tem qualquer tato para cuidar das filhas. Por trabalhar demais seu tempo com Clarisse torna-se raro principalmente porque ela e a filha tem graves problemas de relacionamento. Clara era uma menina mais serena e mais compreensiva, já Clarisse, é questionadora, abusada e respondona. É ela quem sempre fala as verdades que Érika não quer ouvir. Clarisse é filha que veio sob medida para confrontá-la com todos os seus fantasmas que sempre fingiu não existir durante toda à vida.

CARLA: Come senão esfria. Eu te faço companhia. Eu e a Cindy, né Cindy? -Olhou para a cachorrinha poodle que está à seu lado-

  O Vero é um restaurante extremamente requintado situado próximo à Climédia, Ventura frequenta-o com regularidade desde que começou à trabalhar na clínica. Com duas partes, interna e externa, uma iluminação à luz de velas e uma decoração bem romântica dão o toque final para propiciar um ambiente apaixonante e bem familiar. Já são meio dia e o restaurante está bastante movimentado já que é a melhor opção naquela proximidade. 

RESTAURANTE VERO

Ventura e Érika estão sentados em uma das mesas externas do restaurante, está calor e mesmo com o ar condicionado ligado na parte interna, eles preferiram o local externo para conversar e observar a vista que dá direto para à Lagoa. Em um papo bem desenvolto, Érika consegue dar algumas risadas dos casos engraçados que Ventura conta de sua experiência no Eldorado. Ambos ainda se amam muito, mas não como antes. A relação extra-conjugal que tiveram à 8 anos que desencadeou uma série de problemas os alertaram de que o que hoje sentem um pelo outro não é mais um amor carnal, mas um amor como Ventura define: Espiritual. Eles estão felizes apenas por estarem próximos sem precisar qualquer palavra ou toque. Érika entendeu que por mais que queira não vai conseguir deixar que Ventura mexa com seus sentidos e ela agora aceita todo o seu amor e carinho de uma forma que não atinja a relação tão bem equilibrada que mantém com suas famílias. Érika dá uma garfada e comenta:

ÉRIKA: Sabia que eu venho aqui à anos e nunca comi caviar? -Experimentou-
VENTURA: A Soninha adora caviar.
ÉRIKA: Não sabia que era tão bom assim. -Riu-

     A risada sem motivo aparente de Érika chama atenção de Ventura que pergunta curioso:

VENTURA: O que foi? Por quê ri?
ÉRIKA: Uma vez a Marlene disse como dois ex-noivos conseguem manter uma amizade depois de terminarem 7 anos de namoro e não rolar nada. Eu não acho tão impossível.
VENTURA: O término de um noivado não indica o término de uma amizade.
ÉRIKA: Eu errei muito com você, com a Clara, com o Carlos e principalmente com a Angélica. -Culpou-se-

     Érika por um momento foi tomada por todo aquele sentimento de culpa que carregara desde que tudo aconteceu. Muitas vezes se perguntou se tivesse ficado calada não teria evitado maiores problemas como o problema de Angélica, a raiva que Clara e Carlos nutriram por ela durante meses e todos os olhares julgadores de familiares e colegas. Hoje tudo se reconfigurou de uma forma positiva, mas Angélica ainda traz em sua memória lembranças amargas daquele fatídico dia e ela não deixa de se culpar por isso. 

VENTURA: Não sei como você pôde pensar que te deixaria na mão grávida de mim.
ÉRIKA: No desespero a gente pensa um monte de coisa. Ia acabar com seu mestrado.
VENTURA: Poderia começar mais tarde. Eu jamais te abandonaria. Sabia que eu sempre quis ter uma filha com você? A gente vivia falando que se tivéssemos uma menina se chamaria...    

Érika responde antes que Ventura possa concluir sua fala.

ÉRIKA: Angélica.
VENTURA: Angélica, isso. Clara era para se chamar Angélica se você não tivesse me ocultado a verdade, mas também, se não tivesse me casado com a Soninha não teria tido uma filha tão maravilhosa quanto a Geli. Temos uma amizade linda que não devemos deixar se apagar por erros passados, principalmente, porque temos um laço que nos une eternamente, nossa filha Clara e a nossa fiel amizade. Esqueça tudo que passou. -Acariciou seu rosto-
ÉRIKA: Eu tento à cada dia Ventura. Clara, Carlos, Sônia parecem ter se recuperado de tudo mas Angélica... Angélica colhe até hoje os frutos de tudo que aconteceu.
VENTURA: Meu amor você não tem culpa sobre o que aconteceu com a Angélica. Se existe alguém responsável por tudo esse alguém sou eu. Hoje eu entendo o quanto eu falhei na minha relação com a Geli. Ser pai sempre foi meu sonho. Quando a Sônia me contou da gravidez eu fiquei radiante e tinha certeza que seria uma menina, então eu amei a Angélica de uma forma que ela passou a ser minha razão de viver. Hoje me dói saber o que eu mesmo causei à minha filha.
ERIKA: A gente não erra por amar demais um filho Ventura.
VENTURA: Erramos sim Érika. Eu com todas as minhas questões emocionais, minha dificuldade em lidar com a morte prematura dos meus pais, do seu término repentino acabei fazendo da Geli a minha vida. Eu fiz com que ela participasse do meu mundo para me fazer companhia sem dar à ela qualquer ferramenta de fazer diferente. Ela não teve nem a chance de optar por ser diferente daquilo que eu sempre quis que ela fosse porque o nosso amor era tão simbiótico que ela não conseguiu se diferenciar. Então eu entrei para o doutorado e me afastei dela. Sem ferramentas emocionais para lidar com o abandono aconteceu tudo que você sabe. Ela não tinha com quem compartilhar suas coisas e não sabia reconhecer no mundo à sua volta outras formas de viver além daquela que eu ensinei à ela. Eu com todo meu amor acabei alienando a Angélica e ela com todo seu jeito introspectivo acabou idealizando a minha forma de viver como a correta. Se existe alguém que é responsável pela psicose da Angélica esse alguém sou eu. Claro que eu e ela hoje depois de muitos anos de terapia tentamos às duras penas nos diferenciar um do outro. Ela consegue fazer isso melhor do que eu, já para mim, Angélica ainda continua sendo o meu ursinho que eu abraço para dormir. Não se culpe daquilo que não tem culpa. -Deu um beijo em sua mão-

Clara e Angélica entram pela porta interna do Vero ficando à procurar Ventura e Érika já que o restaurante encontra-se cheio. Angélica aponta para a mesa onde está seu pai e Érika e ambas dirigem-se à eles.

CLARA: Oi!- Sentou-se- Fugindo da gente.
ANGÉLICA: Fofocando Clara. Não sabe como são esses dois?
VENTURA: Sentem aí que o garçom vem vindo- Disse ao ver a aproximação do garçom-
GARÇOM: Boa tarde! Alguma coisa para as doutoras?
ANGÉLICA: Me recomenda algum prato?
GARÇOM: Esse é muito bom. -Mostrou no cardápio um prato com arroz, feijão, batata frita e carne- Vai gostar.
ANGÉLICA: Esse cheio de carne e calorias? -Indagou- Estou fora! Quero arroz e salada. -Jogou o cardápio sobre à mesa-
VENTURA: Você deve estar cansado de nos ver por aqui. A Geli então, vem aqui todo dia e toda à noite.
GARÇOM: Ela eu vejo sempre. A Clara eu vi com o noivo esses dias.
CLARA: Tem dias que o coelhinho sai da toca. -Brincou olhando o cardápio que Angélica jogara na mesa-
ANGÉLICA: Já escolheu Clara?
CLARA: Já. Vou arriscar este prato aqui. -Mostrou à irmã uma macarronada-
ANGÉLICA: Nossa! Engordo só de olhar. Deus me livre!
GARÇOM: Vai gostar. Todos gostam. Já trago. -Pegou o cardápio das mãos de Clara anotando o pedido no celular- Alguma bebida?
ANGÉLICA: Dois sucos de laranja. O meu natural e o da Clara com açúcar. -Respondeu com contundência-

    Angélica desde que descobriu ser irmã de Clara participa ativamente de sua vida. As duas conseguiram em muito pouco tempo passar por cima de todo o ressentimento que tinham uma pela outra desde a adolescência. Angélica continua uma menina rebelde, invasiva, reclamona e petulante mas Clara desenvolveu habilidades de lidar com esse jeito da irmã sem que a relação ficasse insustentável. Ventura também nunca permitiu que elas passassem dos limites uma com a outra mesmo que às vezes entrem em discussões acaloradas necessitando de uma intervenção mais invasiva por parte dele. No geral, Clara vem se dando bem e Angélica tenta sempre agrada-lá mostrando como sabe de seus gostos como fez agora.

GARÇOM: Com licença. Fiquem à vontade -Retirou-se-
VENTURA: Viu o apartamento ontem filha?
CLARA: Vi pai. É um sonho! -Deslumbrou-se- O Vi amou! É o condomínio onde a Lavi mora. Só que eu pretendo morar no sexto andar e ela mora no quarto.
ANGÉLICA: Quero só ver limpar um duplex.
CLARA: Eu queria um apartamento pequeno mas o Victor quis um grande. Ele que vai se virar pra arrumar aquele apartamento.
ANGÉLICA: O apartamento do Edu é lindo! Pequenininho, por falar nele, vou ligar pra ele, estou com saudade do meu benzinho! -Retirou o celular no bolso ligando para Eduardo- Oi bem! Está ocupado? Eu também. Estou no horário de almoço. Verdade? -Exclamou chamando a atenção de Clara que está sentada à seu lado-
GARÇOM: O suco das doutoras. -Colocou o suco sobre a mesa- O almoço de vocês já vem. -Retirou-se-

O diálogo segue paralelo ao de Angélica que continua à falar ao telefone.

VENTURA: Já escolheram os móveis?
CLARA: Estamos em dúvida, mas até o fim de semana a gente decide.

     Angélica desligou o celular encantada.

ANGÉLICA: O Edu fez um passeio maravilhoso hoje. Foi para uma ilha paradisíaca.

     Eduardo coordena a filial de uma empresa de passeios marítimos no Rio de Janeiro que é de seus pais. Quando morava em Niterói, Braga, seu pai, era quem se responsabilizava pela coordenação. Agora com seu filho morando no Rio pediu que ele lhe desse uma ajuda de uma forma que não atrapalhasse sua faculdade. e assim ele faz. Quando tem algum tempo livre, realiza alguns passeios marítimos.

CLARA: O passeio dos seus sonhos né Geli? -Continuou-
ANGÉLICA: O Edu me prometeu um passeio assim desde que a gente namora. Isso à 4 anos atrás e até agora nada.
ÉRIKA: Vai ver ele está esperando a lua de mel. -Brincou-
ANGÉLICA: Vai ficar na espera. Não quero me casar. É problema na certa e de problemas e responsabilidades já bastam os meus.
CLARA: O Edu é doido para casar com você Geli. Coitado!
ANGÉLICA: Coitada de mim que vou ter que catar roupa de marido espalhada pelo quarto. Secar banheiro que ele molhou tudo. Se na minha casa eu tenho mordomia, roupinha lavada, cama arrumada, comidinha feita, casar pra quê? Pra eu perder tudo isso? Chegar da faculdade e ter que ainda cuidar da casa cansada? De jeito nenhum! Sou nem doida! Casamento não! -Finalizou irritadiça- 

O Garçom chega com os pratos de Angélica e Clara.

GARÇOM: O prato das doutoras. -Colocou sobre à mesa e retirou-se-
CLARA: Está com uma cara ótima. -Disse ao olhar seu prato repleto de salada e leguminosas.

Uma tarde acalorada aproxima-se. Lavinha parece não sentir todo esse calor como as pessoas que transitam às ruas do Rio de Janeiro estão sentindo. Ela tem uma sala com um ar condicionado super potente no Fórum onde trabalha e divide com mais duas colegas de trabalho, Míriam e Stefânia. Míriam é promotora pública e Stefânia assistente social. Elas já ocupavam esse cargo antes que Lavinha entrasse e em pouco tempo construíram uma relação de amizade. 

FÓRUM

Lavinha está sentada em sua mesa separando alguns processos e colocando ao lado de sua mesa enquanto Stefânia,  redige um texto no computador na mesa à sua frente.

LAVINHA: Processo penal. Penal. Penal. Penal -Míriam entra na sala-
MÍRIAM: O que foi? Muitos processos? -Indagou ao ver Lavinha empilhando sobre sua mesa alguns papéis-
LAVINHA: Menina, trabalhei com processo penal o dia todo! Esse povo adora um rolo. Ainda bem né? Senão o que seria de nós advogados?
MÍRIAM: E de defesa ainda.
STEFÂNIA: Um cliente te ligou mas como não estava pedi pra ligar para o seu escritório. Procurei o número do seu celular mas não achei.
LAVINHA: Ele me ligou. Esse sim se enfiou em um rolo daqueles.
MÌRIAM: O que não é problema para a Doutora Lavínia Ferreira.
LAVINHA: Mas esse processo eu estou com um pé atrás. Estou mesmo sabia.
MÌRIAM: Não tem que se preocupar com isso.
LAVINHA: Se fosse assim...
MÍRIAM: Não é o primeiro que você enfrenta deste tipo.
LAVINHA: Esse é mais complicado. Roubo, calúnia, coerção, suborno. Quer mais?
MÍRIAM: Correndo atrás de testemunhas?
LAVINHA: Com certeza! Mas tenho uma carta na manga que vai destruir qualquer acusação - Fez suspense deixando as colegas curiosas-  mas ainda é segredo de justiça.
MÍRIAM: Pelo que estou vendo, você vai fazer aquele tribunal ferver novamente -Sentou-se em uma cadeira na frente da mesa onde Lavinha está-
LAVINHA: Míriam, ou você é muito minha amiga ou está querendo me animar.
MÍRIAM: Falo o que todos falam.
LAVINHA:  Ainda bem que falam isso.
MÍRIAM: Querida amiga! Você é novata, recém saída da faculdade mas põe medo em qualquer advogado profissional. Filha dos Marins Diáz.
LAVINHA: Já pensou você e eu em lados opostos do mesmo caso?
MÍRIAM: Não nasci pra perder Lavinha.
LAVINHA: Muito menos eu.
ESTEVAN: Cafezinho! Hora do lanche. Quem quer? -Entrou com uma bandeja de café colocando sobre à mesa-

Estevan é um advogado colega de trabalho de Lavinha. Ele se dedica à cuidar de casos relacionado à infância e a adolescência. 

LAVINHA: Hoje eu estou sem tempo até para tomar um simples café Estevan. Tenho mil processos para estudar.
MÍRIAM: Eu aceito Estevan.

Estevan, gentil como sempre com todas as colegas coloca em um guardanapo alguns biscoitos e prepara um copo de café entregando à Míriam.

ROMERO: Até que enfim te achei Lavínia! -Entrou na sala meio irritado- Estou te procurando à mais de 1 hora. Preciso do processo 742 pra examinar. 

Romero é um outro colega de trabalho de Lavinha, ele também é da área criminal e dividem alguns casos. Lavinha não tem muita paciência com o jeito mandão de Romero com quem já teve inúmeras brigas. Ao pegar o processo em sua gaveta de processos reponde em um sorriso irônico:

LAVINHA: Está aqui Romero -Entregou-lhe-
ROMERO: Até que enfim! -Respondeu com aspereza pegando o processo de suas mãos saindo da sala-

Stefânia tenta quebrar o clima pesado deixado sempre que Romero adentra à sala.

STEFÂNIA: Já que vocês não vão comer, eu vou -Virou-se para a bandeja com café e cheia de biscoitos deixada gentilmente por Estevan-
MÍRIAM: Eu também. 
LAVINHA: Comam e bebam por mim! -Continuou à separar os processos enquanto seus companheiros tomam alegremente seu café-

Localizado na zona norte, o Hospital Universitário Eldorado conhecido como HUE ou Eldorado é um hospital escola do Rio de Janeiro. É nele que Clara e Angélica fazem internato. Clara optou por pediatria, ela tinha uma sala tranquila no terceiro andar do prédio onde está localizada a internação pediátrica mas fôra solicitada para cobrir a Emergência por não ter pediatras prontamente disponíveis. Com toda sua boa vontade em trabalhar, Clara aceitou sem pestanejar, afinal, independente do lugar, estará cuidando de crianças. Já Angélica optou por emergência, opção esta que causou espanto em todos que a conhecem. A medicina de emergência é uma das áreas mais complexas de todo o curso em que se encontra de tudo. Angélica sempre demonstrou desde que era adolescente medo de hospitais, não podia ver ninguém vomitar, nem sangue e nem qualquer pessoa passando mal que já era motivo para que ela desmaiasse ou saísse correndo, por isso, a opção pela medicina de emergência realmente foi uma surpresa. Ela vem se saindo bem, só não a mande examinar cadáver, esse medo ela ainda não superou. O Eldorado é constituído por 10 andares. No térreo localiza-se o setor de pronto atendimento, a emergência e as enfermarias femininas e masculinas. Os demais andares são destinados à internações, pediatria, ortopedia, CTI, cirurgia e as demais práticas médicas. Ventura fica no quarto andar onde é a área da Neurologia. Ele não atua diretamente na emergência mas sempre está por lá para atender um caso ou outro que precise de um apoio médico. 

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ELDORADO (HUE)

Entra pelo corredor da emergência vários paramédicos empurrando uma maca com um acidentado. Eneida, enfermeira chefe do setor já sabia do caso e comunicou a equipe de emergência para que ficassem em alerta. Ao vê-los entrar imediatamente Álisson junto com Cézar e Helen internos da Emergência dirigem-se pelo enorme corredor procurando alguma sala disponível onde irão fazer o primeiro atendimento. Angélica caminha pelo mesmo corredor que liga a emergência as enfermarias. Ela acabara de descartar um infarto de um paciente que estava na sala de repouso à pedido de seu supervisor. Como está concentrada terminando de fazer suas anotações no prontuário que carrega, não percebe a maca vindo em sua direção.

PARAMÉDICO: Acidente de carro, pressão 8 por 7. Perda de consciência no local -Passou por Angélica que quase foi atropelada.-

Ao ver a maca passar pelo corredor, Garcia, Leonor e Valéria que se encontravam na recepção da emergência os seguem para uma enorme sala chamada de Emergência 1. O HUE possui 5 salas ao total para esse tipo de atendimento.

ANGÉLICA: Ihh! Este hospital está agitado hoje! -Exclamou ao ver a maca passar por ela-

Calmamente, Angélica segue pelo corredor das enfermarias até chegar na cama onde seu paciente está dormindo. Álisson pediu que assim que terminasse de descartar o infarto desse uma olhada em um idoso que deu entrada à dois dias atrás com falta de ar e taquicardia. Apesar de Angélica não ter apreço no atendimento à idosos, aproximou-se dele com uma ternura no olhar pois trouxe a lembrança de seu avô já falecido que ela só conhecera por foto. Começou então a verificar seus sinais vitais e a ouvir os batimentos cardíacos com um aparelho próprio para isso. A movimentação do estetoscópio pelo tórax do paciente acaba por acordá-lo.

PACIENTE: Você é minha filha? -Perguntou sem orientação pois acabara de acordar-
ANGÉLICA: Não. Sou interna da emergência. Sente alguma dor? 
PACIENTE: Não! Não sinto nada! -Desmaiou-

Angélica preocupou-se. O paciente vinha estável desde que internara e não havia qualquer motivo para seu súbito desmaio.

ANGÉLICA: Ei! Psiu! -Chamou-o preocupada- 

O monitor cardíaco começa a fazer barulho indicando uma assistolia. Angélica olha-o preocupada e aflita.

- Ai meu Deus! -Sua aflição a levou em direção a porta que dá para o corredor que encontra-se milagrosamente vazio- Preciso de ajuda aqui! -Chamou aflita não conseguindo encontrar ninguém-

Em desespero caminha um pouco pelo corredor à procura de alguém quando encontra vindo em direção oposta e um tanto quanto apressado, Carlito, diretor do hospital.

- Carlito? -Chamou-o segurando pelo braço-
CARLITO: Não posso agora Angélica! Estou indo para uma reunião do comitê de ética -Seguiu apressado até o final do corredor deixando Angélica sem saber como proceder-
ANGÉLICA: Ai socorro! -Disse apavorada e com certa insegurança-

 O turbilhão de emoções  e sua dificuldade de agir sobre pressão, a impede que pense com racionalidade em como conduzir a situação. Com uma mistura de tensão e medo no olhar, retira seu Beep do bolso na tentativa de chamar Álisson para ajudá-la. Ela sabe que seu paciente necessita de uma ressuscitação mas não se sente segura o suficiente para realizar o procedimento sem supervisão, nunca havia feito isso sozinha. O HUE aderiu ao Beep desde à década de 90 como uma forma de se comunicar mais rapidamente com a equipe do que pelo anúncio em um rádio que podia ser ouvido por todo o hospital e que acabava incomodando vários pacientes. O uso do Beep foi tão eficiente que o hospital utiliza-se dele até hoje em pleno século XXI. Cada profissional tem o seu e só recebe chamadas dos profissionais do hospital quando estão em trabalho. Quando acaba o plantão, cada um devem deixar o Beep em um lugar específico para que seja usado por outro e assim sucessivamente. A utilização do Beep ainda é motivo de reclamações por parte dos profissionais já que hoje existem outros meios de comunicação mais modernos do que um aparelho de 1990 mas a gestão reluta em abrir mão, principalmente, porque seu uso vem diminuído significativamente o uso do celular em horário de trabalho. Angélica continua a olhar seu Beep, Álisson possivelmente está com alguma emergência e não pode atendê-la. Sem resposta e sabendo que não pode esperar mais por ajuda decide por si mesma realizar o procedimento.

-O que eu faço? -Olhou para um carrinho de parada à sua frente como se estivesse ali providencialmente, apenas aguardando que ela o encontrasse-  É Angélica! Vai tu mesma! 

CONTINUA...


Notas Finais


A maior insegurança não é ter medo dos outros e sim sentir o medo de nós mesmos.

Mestre Arievlis


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