História Ya Ma Da - Acha que só você tem problemas Yamada?

  A primeira vez que sangrei, desde que me lembro, foi aos três anos. Meus pais eram super cuidadosos então até esse tempo eu não fazia a mínima idéia de como era meu sangue.

   Eu até que estranhei um pouco mas não me assustei nem nada assim, eu já tinha visto a mamãe sangrar uma vez então achava que era normal. Achava. Isso foi até o dia em que, na pré escola, eu caí do balanço e sangrei um pouco.

    As professoras e os alunos se assustaram bastante e me chamaram de aberração. Desde aquele dia eu não gosto muito de escolas, se é que você me entende.

    Seguinte:

    Há alguns séculos, a sociedade era dividida entre os humanos e as "Filhas da floresta".

   As Filhas da Floresta são um tipo de humanos misturados com animais, cada uma tem uma espécie de habilidade, e o sangue que corre em suas veias é verde. Mas tem um porém: são todas mulheres. Eu sou um milagre da natureza. Que felicidade.

  Aí teve toda uma guerra e tal, e os humanos acabam com quase todas as Filhas da floresta.

   Dois terços delas foram mortas. Mas ainda existem algumas. Inclusive eu, Megumi e minha mãe. O problema de ser uma filha da floresta é que sua verdadeira identidade se revela quando você está em perigo, com raiva ou se você quiser, se for bem treinado.

   Por isso sempre fui um cara muito pacífico, um passo em falso e eu me transformo.

  Acordo com o barulho de correntes tinindo. Abri os olhos e olhei para frente, eu estava deitado num sofá de couro.

  Tentei me soltar mas minhas mãos estavam algemadas. Eu estava usando uma bandana verde e roupas brancas parecidas com trajes de servos reais.

   Estava sozinho numa sala de paredes de cor vinho, me sentei e percebi que as algemas não estavam apertadas. Senti um pouco de sangue que ainda molhava meus dentes. Odeio fazer isso mas usei minha força para romper as algemas.

    Pus a mão na cabeça, ela latejava e ardia ao mesmo tempo. Comecei a andar pela sala e vi uma janela num dos cantos, eu estava no andar mais alto do prédio. Se eu pudesse pular e cair no prédio do lado...

     Meu pensamento foi interrompido pelo barulho da porta abrindo. Viro minha cabeça rapidamente e o que vejo me deixa com a boca aberta. Yumi Yamamoto. Ela me encarava com as mãos na cintura.

     Seu cabelo ainda era o mesmo, ruivo e comprido, seus olhos eram verdes como os meus e ela era baixinha, MUITO, MUITO BAIXINHA.

-Fecha essa boca Yamada

-Yumi- faço um movimento com a cabeça, mas queria abraçá-la.

-Demorou muito pra me achar, tive que cuidar das coisas eu mesma.

-Parece que você sabe se cuidar sozinha.

-Claro que eu sei. Eu sou filha de Akemi Yamamoto!

-Então porque me fez ir atrás de você?

Ela deu de ombros e começou a mexer nas unhas

-Treinamento especial.

-Mas fazem dois anos!

-Treinamento especial extensivo.

-Você me deixou preocupado.

-Hum- ela fechou os olhos e abriu um sorriso- Fiquei sabendo que arrumou uma namorada! Finalmente desencalhou?

-Antes fosse. A garota me forçou em troca do silêncio dela. Da pra acreditar que alguém faria isso com um rostinho bonito desses?- aponto para mim mesmo.

-Ok, ok já vi que sua vida está bem agitada não?

-Papai perdeu o emprego.

Ela começou a fazer uma careta e seus olhos marejaram.

-Ma-mas eu e a Megumi estamos tentando dar um jeito!- acrescentei rapidamente antes que ela começasse a chorar.

-A Megumi-senpai está bem?

   Bufei. Ela ama a Megumi, fica atrás dela sempre que nos encontramos. Haruhi e eu já nos acostumamos com esse tratamento especial. Mas a Megumi nem liga.

-Elá está trabalhando agora.

-Já? Megumi-senpai é tão prestativa!- ela soltou um suspiro- Eu quero ser como ela!

-Vai sonhando- murmurei

-Cala boca Yamada, temos coisas pra resolver.

-Ah claro, pode me explicar o que é isso?- apontei para as algemas quebradas, agora no chão.

-Hum- ela bufou- foi preciso! Você não parava quieto!

-Deve ser porque você me sequestrou

-Não seja burro. Não fui eu quem te sequestrou, eu só ordenei, quem fez isso deve ter sido o Parker.

-Agora também existem homens além de mim?

-Claro que não! Isso seria um desastre. Eles são apenas empregados.

-Claro que não, desastre!- resmunguei com uma viz fina.

-Ah que saco! Esqueci o quanto você é irritante.

-Olha, podemos focar no meu problema?- ergui a manga da camisa e mostrei meu braço preto e verde escuro. Ela não pareceu surpresa.

-Por que mesmo eu tenho que te ajudar?

-Porque eu passei dois anos te procurando.

-Ah claro, negócios.

-Então... Está acontecendo de novo. Os ataques estão mais frequentes e eu estou me transformando de novo, faz muito tempo que isso não acontece, por que logo agora?

-Você deve estar na fase de mudança, normalmente os seios crescem mas...- ela chegou perto de mim e colocou a mão no meu peito- parece que isso não acontece com homens. Que imaturo.

    Me afasto e dou um tapa em sua cabeça.

-Isso não é normal. Eu não sou normal. Quero ser normal.

-Por que? Ser humano você diz? É chato! Não pode saltar de prédios nem falar com animais, que vida chata essa que você quer...

-QUE SEJA! NÃO PEDI PARA SER ASSIM!- comecei a explodir de novo, como eu amo minha vida.

-Relaxa Yamada.

-Ok, ok.

-Seguinte: todas nós estamos com problemas em nossas transformações. Sabe como é, época.

-Sim. Mas, voltando ao ponto. Como eu faço pra ser normal?

-Você é muito estranho, nunca na história ninguém quis ser um humano. Acho que você é um caso duplamente especial.

-Como eu faço?

-Acho que isso não é possível.

Cheguei mais perto dela, eu estava desesperado e ela devia sentir isso. Porque isso logo comigo? Porque justo eu não posso ter uma vida normal? Porque não Haruhi? Porque não Sana?

-Por favor Yumi- sussurrei em um tom de desespero.

  Esperei que ela ficasse nervosa ou algo assim mas a única coisa que fez foi virar de costas pra mim. Eu podia ver algumas lágrimas descenso pelo seu rosto quando ela brandou:

-Você acha que só você quer ser normal Yamada?

   Não consegui responder, imaginei que ela fosse me bater ou me dar uma bronca como sempre faz. Nunca parei pra pensar que as outras podem iam querer ser normais, afinal, são todas mulheres, unidas.

-Yumi...

-Sabe como é ser rejeitada por seu próprio pai e ter que viver na sombra da minha mãe desde que nasceu?

-Eu sei como é difícil...

-Não você não sabe! E ainda tenho que esperar por dois anos por um cara, ter que manipular os sonhos dele para ele se lembrar de mim e  ele aparece só depois que eu cuido de tudo e ainda fica falando baboseiras!

-Mas Yumi...

-Eu achei que com você comigo poderia me encaixar melhor! Achei que podia tentar ter uma vida! Mas você... Você é um idiota Yamada!

  Ela saiu correndo da sala e me deixou sozinho. Não, eu não fui atrás dela. Desculpe se é isso que você quer ver mas cada um tem seus problemas, fui até a janela e me apoiei. Estava chovendo forte, mais do que o normal dessa época do ano. Bufei. Eu ia ter que falar com a Yumi antes de ir embora.

    Saí da sala e percorri um corredor largo, as paredes eram brancas e o piso era de madeira, era até que bem cuidado.

    Continuei andando até ouvir um barulho por trás de uma das portas. Coloquei a cabeça pra dentro dela e  perguntei:

-Yumi?

  Levei um susto quando vi que um garotinho era quem estava na porta, ele tinha os cabelos brancos e olhos azuis. Usava um óculos vermelho e logo entendi essas cores que todos usavam.

   Verde são as Filhas da Floresta, vermelho são os humanos. E eu, sou uma Filha da Floresta. Uau.

-Ah, desculpe...

-De quem você pegou essa bandana?

-É... Estava na minha cabeça quando acordei...

-Haha! Não me faça rir! Todo mundo sabe que homens não podem ser Filhas da Floresta.

-É, eu meio que sou um milagre da natureza, meu nome é Kenji Yamada.

-Yamada-kun? Ah! A Yumi-senpai falou de você!

-Falou?- fiz uma expressão de surpresa.

-Claro! Ela disse que você e ela.... Bem não importa, ela disse que você tem sangue verde também.

-Eu e ela?

-Ela me disse que são namorados.

-O QUÊ?

-Então são mesmo?

-C-CLARO QUE NÃO!

-SÃO SIMMM...

-Tá, tá, só cale a boca.

  Eu fiquei meio verde, o que significa que corei um pouco e dei um tapa na cabeça do menino.

   Nessa mesma hora aparece um ser, verde dos pés à cabeça, era Yumi. Provavelmente ela veio ver o garoto e ouviu nossa conversa.

-Y-Yumi!

- Yumi-senpai!

-OLHA NÃO É... O QUE VOCÊ FALOU PRA ESSE MOLEQUE?

  Yumi logo perdeu o esverdeado de sua pele e começou a gritar também.

-EU NÃO FALEI NADA! E O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?

-EU ESTAVA....te procurando. Queria pedir desculpas.

   O garoto se pôs entre nós e abriu um sorriso malicioso.

-Ela terminou com você ou você foi muito abusado?

   Já estava ficando cheio dele, então fiz o que qualquer um faria, peguei o garoto pela mão e pulei um andar, deixei ele lá e voltei.

-Continuando...

-Pode ir embora Yamada. Desculpe por explodir com você.

-A culpa foi minha. Desculpa. Olha, se você ainda quiser pode ir estudar na minha escola...

-Olha, eu até gostaria, mas eu não tenho um lugar pra ficar. Minha mãe disse que essa empresa não é um lugar pra mim.

-Não tem como ela te pagar um hotel?

-Ela é poderosa, mas não esbanja dinheiro por aí.

-Então... Você pode ficar lá em casa. A Megumi deve ter um colchão sobrando e...

-FECHADO!

   Sorri, sabia que se mencionasse Megumi, a Yumi ia aceitar de primeira.

   Falamos um pouco sobre horários e decidimos que ela vai vir amanhã e começar a frequentar as aulas.

    Voltei para casa correndo, já passava das meia noite. Entrei no quarto pela janela, na esperança de que ninguém tivesse notado minha ausência, mas dei de cara com Megumi.

   E lá estava ela, com os braços cruzados, seu cabelo curto preto e seus olhos azuis revelavam irritação.

-Ela te encontrou né?

Tentei ficar surpreso, mas Megumi sempre sabe o que acontece.

-Sim.- bufei-  A Yumi vai passar o período letivo com a gente, pode ser? Eu prometi pra ela...

-Desde quando você promete coisas Yamada? Rolou alguma coisa entre vocês?

-DEFINITIVAMENTE NÃO! EU SÓ QUERO AJUDAR!

-Ok então. Pra mim não tem problema, que bom que superou essa ideia de ser normal.

   Ia argumentar mas sabia que isso só iria chatear mais Megumi. Assenti e ela saiu do quarto.

   Me joguei na cama e caí no sono.
Amanhã, tudo vai estar diferente, esse pensamento me perturbava o bastante para talvez me fazer pensar que um dia, eu possa ser normal. Talvez.