Na televisão soava a voz rouca de Neil John, apresentador do jornal das dez:
- Um incêndio assolou grande parte da área rural de San Francisco há não menos de uma hora. De acordo com o corpo de bombeiros, houve uma explosão no local onde haveria um galpão de despejos, com muito produto inflamável. O incêndio se alastrou até a igreja local, onde também haveria indícios de gasolina. O tenente-coronel Alex Battle informou que apenas uma pessoa fora ferida gravemente e encaminhada para o hospital. Um dos moradores da capela está desaparecido, o que sugere que o incêndio tenha sido criminoso. A área foi isolada para evitar contaminação de fumaça tóxica. O fogo foi controlado por volta das dez e meia.
Sentado em frente a televisão do bar, Kirk parecia eufórico e risonho, mentalmente orgulhoso pelo feito. Estavam lá há menos de dez minutos, pediram uma bebida e James resolveu ir até o banheiro, deixando-o sozinho, de frente para a televisão e o barman, que lavava os copos no balcão.
- Está viajando para algum lugar? – pergunta o barman, apontando para as malas na cadeira.
- Estou sim. – responde Kirk, educado.
- Queria ter a mesma sorte. San Francisco não é mais a mesma.
Kirk sorriu simpaticamente para o comentário do homem. Não tinha mais a mesma paciência que terá com pessoas conservadoras, mas agora tudo havia mudado. Estava em outros ares, dentro de um bar, bebendo um drinque de frutas extremamente refrescante, aliviando-se do estresse que havia passado ainda pouco.
James, enfim, apareceu, sentando-se ao seu lado.
- Estava ouvindo a televisão, - diz ele. – é muito irônico uma igreja pegar fogo com tanta facilidade.
- Disseram que foi um incêndio criminoso. – responde o barman, prestativo. – E de qualquer forma, achei certo o que fizeram.
- Por que acha isso? – pergunta Kirk, interessado.
- A pessoa que fez isso deve ter um bom motivo para querer aquele lugar em chamas. Certo fez ela.
James e Kirk sorriram, balançando a cabeça, concordando com o homem que, se soubesse com quem estavam conversando, seria mais franco que o normal.
- Pelo jeito a viagem de vocês será longa. – comenta o barman, observando as outras malas ao lado do balcão.
- Será uma viagem pelo país, - responde James, bebendo do copo. – passaremos por todos os estados até chegarmos a Florida, então, daremos meia-volta e retornaremos a San Francisco.
- Ah... a Flórida... um verdadeiro paraíso! – diz o homem, esperançoso. – Não tem como passar por lá sem ter vontade de ficar.
- Absolutamente, mas a Califórnia sempre será o nosso lar.
- Bem, nisso eu concordo. Posso reclamar com unhas e dentes deste estado despedaçado, assolado pelos liberais, mas não deixaria isso aqui por nada.
O homem era muito conversador, além de interessado na história daqueles dois homens a sua frente. O bar pequeno, a pouca movimentação, o livramento das responsabilidades, aquele clima era totalmente interessante para a nova mente aberta de Kirk, que adorava seus primeiros segundos livres das grades mentais.
Um homem passou bruscamente pela porta, chocando-se com o balcão, sentando-se logo em seguida.
- Ouviram a televisão? Há incendiários em San Francisco! – dizia o homem, demonstrando estar aterrorizado, além de bêbado.
- Ouvimos, Steven, mas não há o que se preocupar...
- Como não há o que se preocupar? Se um louco teve tamanha coragem de atear fogo contra a casa do Senhor, o que será de nós?
James e Kirk se deliciavam mentalmente com a cena. O homem de pele parda e de semblante trabalhador parecia estar assolado com a noticia.
- O que você acha disso? – pergunta James, sorrindo.
- Disso o que? – pergunta o homem.
- Do incêndio na igreja, o que acha?
- Que incêndio?
Kirk e James começaram a rir da resposta do homem. O barman riu junto, e o homem, sem entender nada, gargalhou também.
- Não liguem para o Steven, - advertiu o barman, murmurando. – ele é mais louco que todos nós juntos.
- Então pague uma rodada para o louco divertido! – disse James, animado.
O barman serviu um whisky médio para Steven, que agradeceu, saindo rapidamente pela porta do bar com o copo na mão.
- Por onde começarão a viagem? – pergunta o barman, enfim.
- Pelo Arizona, e depois Nevada. – responde James, finalizando o copo.
- Será mais fácil pegarem a interestadual e cruzarem o Oregon, para chegarem em Washington e seguirem viagem pelo Idaho.
- É uma boa ideia, o Idaho não fica muito longe de Nevada. – comenta Kirk, tomando voz.
- Está bem, mudaremos a rota.
- Já cruzei muito esse país de caminhão... – continua o barman, demonstrando nostalgia na voz. – São terras maravilhosas a sua frente.
- Não iremos de caminhão, iremos de moto. – diz Kirk.
- Cruzar o país? De moto? – repete o homem, impressionado. – Como?
- É uma forma mais rápida e interessante de curtimos os lugares que passarmos.
- Vocês são loucos! – faz uma breve pausa. – Gosto disso. É esse tipo de loucura que falta hoje em dia.
E então um silencio repentino tomou conta do bar tecnicamente abandonado.
A televisão permanecia ligada, e todos puderam ouvir as últimas palavras de Neil John antes do jornal das dez se encerrar:
- Estamos recebendo novas informações sobre o incêndio na área agrícola de San Francisco. Novos indícios apontam que realmente o ocorrido na capela de Saint Grace foi criminoso. Um galão com material combustível foi achado no local. O caso será investigado pelos detetives, com ajuda do corpo de bombeiros. A direção do departamento vai instaurar sindicância para apurar as circunstâncias do ataque. Uma boa noite e até amanhã.
Isso foi o tudo o que ouviram na televisão, até o barman soltar seus comentários previsíveis.
- Como vão descobrir quem foi o cara? – pergunta o barman, irônico.
- E quem garante que foi apenas uma pessoa? – comenta James, mais irônico ainda.
- Exatamente, quem garante? – redige o homem, sem entender a ironia.
James se levantou da mesa rapidamente, Kirk também.
- Foi bom conversar com o senhor, mas temos uma estrada pela frente até o nosso destino. – diz Kirk, sincero.
- Com certeza. Obrigada pela boa conversa e boa sorte a vocês, irmãos de longa data.
- Irmãos?
- Ora, pensei que fossem irmãos.
- Não somos irmãos, somos namorados. – declara James, com pureza no tom.
O homem arregala os olhos profundamente, franzindo o cenho. Não disse nada, a voz que lhe sobrava escapou. James tirou uma nota de vinte do bolso, murmurando:
- Pode ficar com o troco.
Deixaram o lugar ovacionados pelo olhar fuzilador do barman, assustado com tamanha ousadia de ambos. “O que? Um casal?” pensou o homem, fitando o dinheiro e entrando na cozinha.
James e Kirk puseram as malas na garupa da moto. James sentou-se na frente, e Kirk atrás, podendo assim, abraçar o loiro pelas costas, apertado. O loiro ligou o motor, acelerando instantaneamente.
Sentiram que haveria muita estrada pela frente, e que o melhor a se fazer eram aproveitar... um ao lado do outro...
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