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História O Paraíso que Espere - O Messias Leproso


Escrita por: vixen

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 4 - O Messias Leproso


Fanfic / Fanfiction O Paraíso que Espere - O Messias Leproso

Naquele mesmo dia.

Do outro lado da cidade, na agitada e conturbada São Francisco, James Hetfield encontrava-se em seu apartamento. Era acostumado a viver no subúrbio, mas, dada às suas boas condições, se obrigou a viver em um lugar mais aconchegante, que suprimisse seus anseios de rockstar. Vive hoje em uma parte classe média da cidade, não muito rica, e nem muito pobre. Dividia o prédio com muitas pessoas comuns, que levavam a vida com dignidade, como qualquer americano. Não queria viver num lugar onde se sentisse descolado pela classe alta - nunca se sentiu da classe alta.

Há anos economizava seu precioso dinheiro com a banda que administrava sendo o frontman. Tudo o que ganhava era valioso, nada ia para o ralo. Porém, tudo havia mudado quando sua irmã disse que queria casar e que o dinheiro que economizava durante os meses não cobria o orçamento. James se sensibilizou com a situação de sua querida caçula e prometeu que arcaria com todas as despesas da cerimonia. Deanna não se apressou ao dizer onde seria o casório: numa fazenda, há alguns quilômetros longe de onde morava. Aquilo assustou o loiro profundamente. James tinha o suficiente para alugar um palácio digno de Hollywood para fazer com que o casamento se realizasse no luxo absoluto – Deanna recusou. A humildade da mulher era inimaginável. Queria se casar num lugar simples e bonito, para nunca mais esquecer.

Deitado em sua cama, James fitava a janela do outro lado. Não havia cortinas nela, e não havia necessidade de haver. Olhou o relógio e viu que estava atrasado para o ensaio de casamento de Deanna. “Ela vai me matar” pensou, “ou não”. Será que valia a pena ir? Com certeza não. O trânsito na Golden Gate era um inferno durante o horário de almoço, e corria o risco do ensaio ter acabado e todos que estavam presentes almoçando.

Saiu da cama com dores de cabeça e um incomodo dolorido no pescoço, devido ao mau jeito que havia dormido. Ontem foi um dia especial, James e sua banda tocaram em Los Angeles para uma casa de shows lotada no lado de dentro e fora. Esses shows eram comemorados com grande intensidade no camarim, onde tinha todo o divertimento merecido após uma grande performance. Tinha drogas, bebidas, conversas e garotas por toda a parte. James só optava pela bebida e, as vezes, nas conversas. Cansado da companhia feminina que aqueles shows proporcionavam, também nunca fora fã de usar drogas, achava aquilo algo desnecessário em uma banda do seu nível. Gostava de conversar e de beber para aproveitar o dia – neste caso, a noite.

Foi até o banheiro e tomou algum remédio que pudesse amenizar sua dor de cabeça. Prometeu noite passada que não beberia além da conta – descumpriu a promessa em menos de vinte minutos, e não se culpava por isso. Na verdade, ainda estava com a mesma adrenalina de ontem correndo nas veias. Queria uma parte dois da festa, mas lembrou que devia limitar-se durante algumas horas.

Após o banho, saiu de toalha até o seu quarto, afim de procurar algo para vestir. Deu alguns passos até o espelho do guarda-roupas e viu um pequeno bilhete colado, escrito: “Quinta-feira, despedida de solteiro”. Virou-se para o lado e viu no calendário que hoje era dia dezoito, quinta-feira, o dia da despedida de solteiro. Se animou com facilidade, hoje era o dia que todos os seus anseios seriam recobrados. A vontade de beber como ontem estava fervendo sua cabeça, não o suficiente para faze-lo desistir da despedida de solteiro de seu cunhado Andrew.

Enquanto vestia-se, lembrou de como Deanna havia conhecido aquele sujeito engraçado. Andrew era roadie da banda. Deanna ajudava ele na contabilidade, pois sempre fora um ás na matemática desde o primário. James se lembra que deixou os dois sozinhos por alguns minutos antes do show, para que ambos chegassem à uma conclusão precisa de quais equipamentos usar e se sairia caro demais para usa-los; Não demorou muito para Andrew estar perdidamente apaixonada pela irmã de seu patrão. James achava aquilo engraçado. Ninguém imaginaria que aquele gordinho desengonçado chegaria a namorar a irmã dele – mas conseguiu. Em menos de quarto anos juntos, Andrew pediu Deanna em casamento poucos minutos antes do show da banda, fazendo com que a data se eternizasse. Noivaram durante alguns meses e, por fim, decidiram quando e onde aconteceria o casamento, graças à boa vontade do irmão mais velho em ajuda-los com as despesas.

“Um digno conto de fadas” pensou James.

Um conto de fadas que nunca fora a sua praia. O loiro não dava a mínima com esse tipo de união, pois sua vida estava repleta de casamentos desfeitos ou acabados pelos desejos egoístas dos homens em questão. Seus pais nunca foram um exemplo de amor para com a família – Deanna era, e ela seria um exemplo para o seu irmão em como resolver penitencias com o amor.

Falando em penitencias, James se pegou lembrando naquele filipino tímido que ajudou-o nos preparativos do casamento no dia de ontem. Lembrou que havia prometido deixa-lo ir ao casamento. Que mal havia convida-lo, afinal? Parecia ser uma boa pessoa. Além disso, ele é Padre, quem não confia em padres? “Crianças” pensou James, rindo sozinho enquanto vestia suas calças.

Aquele garoto era interessante, parecia ser muito inteligente se não fosse aquela roupa preta estupida que havia lhe fugido o nome. “Paletó é coisa de pastor, o que será que padres usam?” indagou. Não se importava com a resposta, só sabia que devia ser humilhante usar aquilo. Pensou que devia fazer mais perguntas à aquele garoto. Há anos não entrava numa igreja, não conversava com um padre ou participava de um casamento. Mesmo sua família sendo rígida, esqueceu como era a vida religiosa antes da vida fora de casa.

Teve tempo suficiente para olhar nos olhos daquele moreno para saber como era sua alma. O menino era uma peça rara, como julgou, era alguém que, provavelmente, estava no lugar errado e na hora errada, servindo ao errado. Poderia estar fazendo algo útil, como ser médico, engenheiro ou escritor, mas estava lá, dando suas digníssimas horas para o bem que ele indagava ser “maior”. James sentia-se desanimado ao lembrar que naqueles olhos, nada surgia. Não era o olhar de alguém contente, alguém animado ou alguém satisfeito. Era o olhar de alguém preso à algo que não conseguia sair – como a si mesmo.

Já foi assim antes, e era decepcionante ver que havia alguém sendo também.

A verdade é que, pela primeira vez na vida, James pode olhar nos olhos de alguém e se ver, nem que por um breve relance. Conseguiu ver a alma de alguém completamente nua, algo que nunca havia feito na vida. Por que aquele garoto foi a primeira pessoa que conseguiu despertar este interesse nele? Essa era uma pergunta muito curiosa. Não entendia o que havia visto, só sabia que era para mantê-lo por perto. “Fiz certo em convida-lo para o casamento” pensou James, amarrando os tênis. Se ele fez certo ao convidar, ninguém sabe, mas sabemos que isso fez alguém feliz – que não era o filipino.

Que sentimento estranho.

Aquilo que crescia não era só amizade. James entendia isso. A bissexualidade clamava por debaixo daquela casca grossa –  sem ninguém desconfiar.

“Mas o que que é isso?” pensou, “mal conheço o garoto, ele é menor de idade, e além do mais, está no convento. O que eu posso fazer sobre? Absolutamente nada!” indagou mentalmente, ao levantar-se e fitar o reflexo no espelho. O que ele estava fazendo era triplamente serio. Além de homossexualidade, blasfema e, de certa forma, pedófila: três fardos para carregar – e quem se importava? O gênio da matemática era Deanna, não ele.

Já havia tido pequenos casos amorosos com diversas pessoas entre vinte e trinta anos durante toda a sua vida, e queria que dessa vez fosse igual.

Não era igual.

Estamos falando de um garoto, não de um adulto. Estamos falando de um jovem padre, cuja devoção para com Jesus Cristo era maior que o pecado da carne. Mas de que adianta viver para o amor de Cristo e esquecer do amor próprio? Quando a passagem “ame ao próximo como a ti mesmo” entra?

Parou de pensar no garoto como um padre e começou a imagina-lo como um homem formado, como James devia vê-lo sempre. Então indagou que, se por algum motivo, razão ou circunstancia, o menino também esteja interessado nele, o que faria?. Esse “o que faria?” ecoou na cabeça no James de frente ao espelho, pairando no ar como uma questão física. “O que eu faria, mesmo?” pensava. “Diria sim, ou diria não?”. Infelizmente, James não tinha para quem contar o tal segredo. Absolutamente ninguém sabia sobre sua sexualidade reprimida e, de forma alguma, deviam saber. Quem levaria a serio um frontman do metal tradicional gay? Ninguém. Neste ponto, o metal era como a igreja.

Os problemas eram tão fundos que simplesmente um “para quem eu vou contar?”. Sua cabeça ainda estava na primeira pergunta “o que eu faria?”. Seria vergonhoso se Deanna soubesse que ele está mantendo um relacionamento com o pequeno padre que ajudou a consumar seu casamento. Seria tido como depravação se a banda soubesse que ele trocou as groupies por um celibato.

Tudo conspirava para “diria não”, e só ele sabia como queria dizer sim.

Seria melhor se começasse a investir nas suas próximas aventuras desde já, correto? Mas ele ainda estava se massacrando em frente ao espelho, pensando no que fazer e no que dizer. Nada ao seu redor importava, ficaria ali horas à fio se deixassem, pensando em algo verdadeiramente lógico para este embaraço. Tudo seria mais fácil se aquele garoto fosse uma garota, afinal, namorar uma freira seria aceito pelos seus amigos. Ele seria conhecido pelo cara que ‘desvirtuou uma freira’, já que as feiras sempre foram tidas como uma fantasia sexual de alguns homens pelo mundo. Mas Kirk não era uma fantasia sexual, muito menos uma mulher. Era um garoto, de carne e osso, estudante para padre e extremamente tímido, o que torna a situação delicada.

Seu cachorro, Joe, entrou no quarto fazendo muito barulho com os seus latidos ensurdecedores, tirando automaticamente James do transe. Balançou a cabeça levemente e pegou o animal no colo, fazendo carinho nele para acalma-lo. Joe poderia ser o único amigo fiel que James contaria seus segredos – poderia. Aquele cachorro da raça Pug era, na maior parte do tempo, a única companhia que o loiro poderia ter. Lembra até hoje como se conheceram, pois caia um temporal e o animal havia fugido de casa quando filhote. Como era um animal caro, tinha um dono. Mas não tinha. O cachorro estava jogado na rua pela a sua própria sorte. Nunca gostou de cachorros pequenos, sempre fora fã de animais brutos e ferozes mas, de alguma forma, Joe lembrava sua alma interior – simples e singular.

Foi até a cozinha com o animal no colo, despejando ração em seu potinho. Tinha medo que o senhoril reclamasse dos latidos infernais do animal durante o dia, principalmente durante o almoço. Abriu as janelas do apartamento, esperando tirar aquele cheiro de mofo no ar. Há meses não chamava alguém para dar uma faxina na casa, provavelmente já estava na hora. Olhou o relógio e viu que era quase meio-dia, havia acordado muito tarde. Foi até a cozinha, pegou uma tigela, pôs cereal e despejou leite, indo para a sala com uma colher. Sabia como era um desastre na cozinha, e criar um incêndio no prédio estava fora de seus planos. Sentou-se no sofá, ligando a TV em seguida. Nada passava naqueles canais, absolutamente nada. Ontem ele perdeu o jogo da sua liga favorita de basebol por causa da festa, sem conseguir achar um lugar que pudesse reprisar.

Ao contrario do que diziam, ele não era alguém incomum. Levava uma vida tranquila, sem quaisquer problemas ao acaso. Gostava das mesmas coisas que muita gente e também odiava muita coisa que ninguém suportava, mas essa é outra história.

Desistiu de achar algum canal que prestasse na TV enquanto comia. Desligou o aparelho, pôs a tigela no braço do sofá e se inclinou para pegar o telefone. Discou alguns números e esperou que alguém atendesse.

 

- Alo?

- Audrey? – pergunta James.

- Bom dia, James.

 

Audrey, a irmã mais nova de Andrew, responsável pelo buffet. James não entendia porque estava ligando para ela, mas o tédio conseguia ser contagiante.

 

- Bom dia. – disse ele. – Sabe me dizer que horas será a festa de hoje?

- Está se referindo à despedida de solteiro?

- Sim.

- Chegaremos ai às sete da tarde e vamos sair às oito.

- E onde será?

- Num casino na Van Ness Ave. Porque?

- Eu tinha me esquecido...

- É normal que se esqueça. Temos muita coisa pra planejar.

- Onde está agora?

- No galpão onde será a cerimonia, atrás da igreja. Você tem que ver, as coisas aqui não estão podres ou nojentas como estavam antes de chegarmos.

 

James sentiu um breve gelo na espinha. Lembrou-se que havia limpado o enorme galpão onde seria a festa com o filipino que tirou todos os seus pensamentos esta manhã. Ele devia estar lá ajudando ela, mas não está. Droga!

 

- Audrey, sabe qual é o telefone dai?

- Sei sim, é... 556-356-753.

 

James se apressou para anotar o telefone, enquanto batalhava para encontrar alguma caneta pela casa. Por fim, quando achou um lápis, tornou a dizer:

 

- Pode repetir?

- 556-356-753.

 

Telefone fácil de decorar. Afinal, porque ele precisava deste telefone mesmo?

 

- A Deanna ainda está ai?

- Não. Acabou o ensaio e eles foram embora. – Audrey começou a cochichar com alguém antes de retornar. – James, vou ter que desligar agora, estamos com muitos problemas com a parte de entrada do buffet.

- Quer que eu ajude?

- Não, não, temos gente suficiente, obrigada. Até de noite.

 

Ambos desligaram o telefone juntos. Fitando o pedaço de papel que havia escrito o número da igreja, James se segurava para não ligar, parecendo ser impossível. Com o aparelho em mãos, a única coisa que tinha a fazer era discar aqueles nove números e esperar. Discou-os e pôs no ouvido, respirando fundo.

 

- Alo?

- É da Igreja Saint Grace?

- Sim. Aqui é o Padre Joseph.

 

James reconheceu quem era sem muito esforço.

 

- Bom dia, padre. O senhor poderia passar o telefone para o Kirk?

- Quem gostaria?

- James, o irmão da noiva que irá se casar amanhã.

- Tudo bem.

 

O loiro esperou algo que pareceu ser uma eternidade. Sentiu que o garoto estava ocupado, e que não ia poder atender. Essa seria uma boa hora para desligar o telefone e esquece-lo, até ouvir alguém atendendo.

 

- Alo?

- Kirk?

- Sim.

- Sou eu, James.

 

Houve uma pausa na fala de ambos, como se o garoto estivesse pensando no que dizer.

 

- James? Quem?

- O irmão da noiva, lembra? Arrumamos o galpão para a festa de casamento amanhã.

 

Kirk estremeceu. Não podia acreditar que ele estava ligando. Também não acreditava que não lembrava o nome dele. James. Um nome tão fácil de lembrar. James, o primeiro apóstolo a beber do cálice de Cristo*. (*Saint James, mais conhecido no Brasil como São Tiago, martirizado em 44 da nossa era, foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo.)

 

- Oh, oi James... – disse o garoto, demonstrando ser mais tímido do que era. – Aconteceu alguma coisa?

- Não, não aconteceu nada. – responde o loiro, fazendo uma pausa. – Sabe, hoje é a despedida de solteiro do Andrew, e pensei em te chamar para ir.

 

Kirk corou. James também. Aquele convite estava mesmo sendo feito via telefone?

 

- Despedida de solteiro? – repetiu Kirk. – Eu adoraria ir, James, mas... não sei...

- Vai ser divertido! Com certeza você vai gostar.

 

Um padre gostar de algo fora da igreja? Com certeza não, e este foi o erro imperceptível de James.

 

- Eu não sei... que horas vai ser?

- Sairemos às oito.

 

Oito horas. Hora em que o Padre Superior estará na arquidiocese do centro da cidade, fora da área rural. É uma boa hora, se não fosse pelo medo repentino do garoto que aflorou de repente.

 

- É que eu não sei dirigir...

- Eu te busco. – respondeu James, elétrico.

 

Kirk ficou quieto por longos segundos, como se tivesse desligado o telefone.

 

- Kirk?

- Sim.

- Aceita?

- Aceito.

- Eu pego você as sete, tudo bem?

- Tudo bem.

 

Desligaram o telefone simultaneamente. Este era mais um pecado que Kirk teria que pregar. Esta era mais uma encruzilhada na vida de James. Por dentro, James estava tão alegre que pensou em ir se arrumar logo, sem ver as horas passar. Do outro lado da cidade, na área rural, Kirk estava mais nervoso que o comum. Não sabia se devia ligar para ele de volta e desmarcar, ou se devia mentir para os padres, sair do convento e ir até a tal despedida de solteiro com aquele homem. Só de pensar em James ao seu lado no carro novamente, um sorriso brotava no rosto pálido daquele jovem, que havia tido o seu dia arruinado com a briga que teve com David, o ruivo maldito.

Não fazia nem dez minutos que brigou com o garoto e ter recebido a punição do Padre Joseph, então, que fez o Padre deixar ele falar no telefone? “Esqueceu” pensou, “o Padre Superior sempre esquece do que promete”.

 

- O que ele queria? – perguntou o padre entrando no seu quarto e pegando o telefone.

- Queria... hã... saber o endereço aqui.

- Ele sabe onde fica aqui.

- Ele se esqueceu.

- Como sabe?

- Porque... eu conheço ele.

 

Padre Joseph encarou o garoto.

 

- Não mentiria pra mim, certo?

- Certo.

- Cada vez que você mente, nasce uma lepra no corpo de Cristo.

 

Palavras brutalmente severas que, de alguma forma, fez Kirk sorrir. Jesus Cristo, o messias leproso, carregando suas mentiras na pele. Irônico!


Notas Finais


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