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História O Paraíso que Espere - O Inferno Não é um Lugar Ruim Para se Estar PARTE II


Escrita por: vixen

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 6 - O Inferno Não é um Lugar Ruim Para se Estar PARTE II


Fanfic / Fanfiction O Paraíso que Espere - O Inferno Não é um Lugar Ruim Para se Estar PARTE II

...se levantou, pegou uma das garrafas de vinho que estava na mesa, segurou a mão de Audrey e ambos seguiram até um lugar reservado, sendo ovacionados pelos urros dos amigos, orgulhosos.

Kirk, mais tremulo do que antes, queria ver o olhar de James, mas não pode. Provavelmente estava querendo que ele fizesse isso. James via-o como um amigo, não o amante que queria que fosse.

No pequeno trajeto até onde Audrey iria leva-lo, evitou olha-la. Subiu as escadas com um pouco de dificuldade, graças as luzes de neon azul e roxa no corrimão. Ficava cada vez mais confuso e lento, um efeito interessante que o baseado de Cliff havia lhe deixado.

De tudo que passava pela sua cabeça juvenil, excitação era a última coisa. Não estava se sentindo excitado, mesmo o fio-dental vermelho de Audrey estar aparecendo por debaixo de sua camisa listrada. Já havia dito que ela era atraente, mas não excitante. Não queria decepcionar, e chegou a conclusão que terá de fazê-lo. A hora era essa.

Ainda segurando sua mão, ele começou a dizer.

 

- Audrey, eu...

 

Sem ouvir nada, a mulher prensou-o contra a parede e beijou-o com força. Um beijo realmente bom e molhado, que Kirk não pode se desvencilhar. Nunca havia beijado alguém de língua. Na verdade, os beijos que já deu na vida foram em primas, algo sem muito interesse. Audrey tinha uma pegada que deixaria qualquer um com desejos pairando pela mente, pena ter escolhido a pessoa errada na hora errada.

Sem cessar o beijo, a mulher começou a puxa-lo para dentro do quarto. Chegando ao quarto, fechou a porta com força. Estava tudo escuro e Kirk não conseguiu ver nada, nem mesmo os móveis.

Finalmente ela cessou o beijo, acendendo as luzes.

 

- Gosto de fazer com as luzes acesas. – comentou.

 

Começou a despir-se lentamente para o filipino, que via tudo com um desconforto incomum.

 

- Audrey, eu tenho que te contar uma coisa. – diz, evitando olha-la.

- Que você é virgem? Isso eu sei.

- Não é isso, é que...

- Há muitas camisinhas aqui...

 

Audrey, tirando a calça e em seguida a camisa, foi até uma estante ao lado da enorme cama de casal com uma pequena cortina em volta. Abriu uma gaveta, tirou algo que parecia ser um preservativo, dizendo:

 

- Sente ai.

 

Naquele momento, Kirk sentia-se subordinado. Se sentou na cama, tremendo por dentro e tremendo por fora.

Tirando o sutiã, e em seguida a calcinha, Audrey parecia apreciar a situação com deleite, afinal, era a dona. Observando melhor o corpo dela, Kirk viu uma tatuagem incomum em sua costela direita. Era o rosto de uma criança, em preto e cinza, muito bem feita. Percebendo que a atenção dele estava sendo tomada, Audrey comentou.

 

- Evita olhar pra ela, não faz bem.

- É sua filha?

- Minha prima.

- Por que tatuaria sua prima nas costelas?

 

Audrey não respondeu.

O filipino, descendo os olhos gradativamente pelo corpo dela, chegou a parte que muitos diriam ser interessante, mas para ele era assustadora. A vagina dela era normal, mas como nunca havia visto uma antes, sentia-se desconfortável. Quando se é acostumado a ver as pessoas vestidas, observar a nudez torna-se um obstáculo mental.

Audrey abriu as pernas do moreno, agachando-se entre elas e murmurando.

 

- Relaxe.

 

A mulher massageava as partes dele por cima da calça, tornando tudo extremamente embaraçante.

 

- Audrey, por favor...

- Por que está com medo, Kirk?

- Não estou com medo, é que...

- Eu já lidei com pessoas assim antes, sei o que se passa quando...

- Eu gosto do James.

 

A revelação da noite. Seu maior segredo estava agora nos ouvidos de uma maníaca desconhecida. O que é pior: saber que o homem que você está tentando deixar excitado é virgem ou que é gay? Audrey digeria isso da melhor forma possível. Nunca ouviu isso sair da boca de alguém. Na verdade, o pior de tudo é saber que ele não apenas é gay, como gosta do seu melhor amigo.

A mulher se levantou, perplexa com a noticia, levando sua mão direita a testa.

 

- Tá brincando? – perguntou.

- Se eu dissesse “sou gay” soaria melhor.

- Com certeza.

 

Audrey continuou a andar lentamente pelo quarto, desacreditada no que acabou de ouvir.

 

- Desde quando?

- Desde que ele apareceu na igreja.

- Meu Deus, Kirk... – o susto pela noticia tornou algo mais familiar, uma preocupação de irmã para irmão, que ela demonstrava. – Você deve estar sofrendo tanto...

- Eu não disse à ele.

- Por isso. Está reprimindo um desejo, e isso é inadmissível.

- Eu sou padre, sou reprimido por natureza.

 

Isso soou mais melancólico que a confissão. A moça estava perplexa e com pena daquela pobre alma. Se Audrey soubesse o que se passava pela cabeça de James neste exato momento, não estaria tão preocupada.

 

- James é o homem mais macho que eu conheço. – comentou, como se dissesse para si mesma.

- Eu percebi isso.

- Mas você consegue conquistar ele.

- Consigo?

- Nada é impossível. Conheci alguns psiquiatras que diziam que todos nós somos bissexuais e abertos para novas aventuras e... droga...

- Eu não vou conseguir.

- Eu não sei. – diz, sentando-se ao seu lado. – Merda, Kirk... porque foi se apaixonar por ele.

 

Kirk abaixou a cabeça, cruzando os braços. Estava exatamente sentido por aquelas palavras pessimistas. Audrey não sabia o que dizer, mas sabia o que sentir. A pena foi tão profunda que fez ela chegar mais perto do garoto e abraça-lo, ignorando o fato de ainda estar nua.

 

- O que eu faço, Audrey? – pergunta ele, sentindo uma lágrima surgir em seu olho esquerdo.

- O melhor a se fazer é ter confiança. – respondeu ela. – Não tenha medo de dizer o que sente. James pode parecer casca-grossa, mas ele não tem preconceitos. – Audrey fez uma breve pausa, então soltou o abraço, limpou os olhos dele e disse. – Melhor eu me vestir. – foi até a porta, pegou suas roupas, vestiu-se rapidamente e continuou. – Ficaremos aqui por mais algum tempo e fingir que ficamos juntos, tudo bem?

- Tudo bem. – Kirk observou a moça se vestir. Ela parecia mais bonita sendo gentil do que sendo culta, como demonstrou antes. – Audrey, você gostou de mim?

- Achei você interessante.

- Por isso me trouxe aqui?

- Pois é, meu irmão diz que não tenho pudor. Mas quem liga pra pudor? Este é um país livre!

- Você não teve medo de dizer o que queria comigo.

- Estranho, não? Sou assim desde a adolescência. – respondeu ela, pondo a calça.

- Como consegue?

- Consigo o que?

- Não ter medo.

- Bem... quando era criança, costumava ficar envergonhada quando conversava com algum garoto, o que me entristecia. Minha avó, vendo minha tristeza, repetia pra mim: não importa o que digam, se gosta de alguém, bote a cara pra fora, pois o ‘não’ você já tem.

 

“O ‘não’ você já tem”, era o que ele precisava ouvir.

 

- Sua avó parecia ser sábia.

- Que nada! A Dona Therese era muito chata. Já conheceu uma avó que não cozinhasse bem? Pois então.

 

Kirk sorriu. O bom humor dela era, deveras, contagiante.

 

- De qualquer forma, - conclui Audrey.- é muito difícil digerir quando alguém assume ser gay.

 

O moreno franziu o cenho. Sempre que ouvia a palavra ‘gay’ imaginava aqueles homens fortes e peludos desfilando nas avenidas de San Francisco em fevereiro, como de costume. Ele não fazia parte daquilo.

 

- Eu não sou gay.

- Você gosta de um homem, automaticamente isso te torna gay.

- Eu não gosto de ‘homens’, eu gosto de um homem só.

- Que diferença faz? Se nada der certo, acha que vai conseguir gostar de mulher novamente?

 

Kirk refletiu essa pergunta com desdém. Chegou a conclusão de que nunca chegou a gostar de uma mulher.

 

- Também acho que é louvável a sua atitude.

- Que atitude?

 

Audrey fez uma pausa, enquanto calçava seus sapatos. Ao calça-los, deu alguns passos para ajeita-los direito na sola do pé.

 

- Você está estudando pra ser padre, certo? Convive com homens de todas as idades, sejam eles velhos, adultos ou da sua idade. Raramente vê uma mulher, e quando vê, ela está vestida com aquelas roupas gigantes de freira que eu nunca sei o nome. Aposto que dorme com os outros garotos, almoça com eles, conversa com eles, e até mesmo, toma banho com eles.

- E dai?

- E dai é que no meio de tantos garotos, você teve a oportunidade de se descobrir com um desconhecido, como se nada disso tivesse sentido antes do James aparecer. Você provavelmente tinha certos desejos quando estava com eles, mas reprimia-os com seriedade. Então, quando um homem de aparência estranha e de boa conversa surge, você se descobre e percebe o que realmente é. Bastou ele aparecer para tudo isso acontecer.

- Não tinha visto por esse lado...

 

Era verdade, jamais viu a situação dessa forma. Achou incrível como uma desconhecida conhecia tanto os seus sentimentos, como ela tinha tanta facilidade?

 

- Claro que você nunca viu por esse lado, é reprimido desde que nasceu.

 

“Reprimido”. Palavra forte.

 

- Há quanto tempo estamos aqui, você lembra? – pergunta ela, com as mãos na cintura.

- Acho que uns dez minutos.

- Pouco tempo pra uma transa.

- Você vai me dizer por que tatuou sua prima nas costelas? – pergunta Kirk, descruzando os braços.

- Porque eu prometi pra ela quando era mais nova. Ela tem o meu rosto na costela dela, só que na esquerda.

- É bem diferente.

- Sabe, Kirk, quando vi você pela primeira vez sabia que não era alguém como os outros. Não é só pelo fato de você ser um estudante da Arquidiocese ou por ter aceito o convite do James de vir a uma festa, mesmo sabendo do que se tratava.

- Acha que eu sou diferente.

- Você tem cara de ser alguém sortudo. Você foi privado de coisas que eu cresci ouvindo, vendo e fazendo, está começando a descobrir coisas óbvias aos dezessete anos. Deve ser uma sensação maravilhosa.

- Não. Eu não sei como lidar com certas coisas.

- E isso faz alguma diferença? Muita gente aos dezessete não é virgem, e percebi que quando tirei a roupa, vi você com mais medo que o diabo quando vê a cruz. Desculpe usar esse linguajar.

- Tudo bem, a gente também fala isso.

- O que vai fazer quando sairmos desse quarto?

- Acho que vou beber mais pra tentar digerir tudo isso.

- Eu acho que essa é a melhor coisa que você poderá fazer esta noite.

 

Audrey sorriu, fazendo surgir um breve sorriso no rosto pálido do moreno, que ainda aflito, permanecia sentado naquela cama, esperando o tempo “da transa” acabar.

 

                                                                                                     [...]

 

Ficar alguns minutos com Audrey no quarto fez bem para a sua alto-confiança. Além de sair de lá com um sorriso falso, como se tivesse tido algo com a mulher, saiu com a autoestima perfeita para tomar a decisão certa perante a sua paixão. Descendo as escadas íngremes do clube e sentido a musica alta invadir seus ouvidos sem pedir licença, sua mente pairava no ar. Audrey, fazendo uma cena, desceu as escadas segurando sua mão, como se fossem um casal. Piscava toda hora para ele, mostrando que aquele será um segredo que ambos terão que guardar.

Quando puseram os pés no chão do clube, foram assustados pelo grande reboliço que estava acontecendo na pista de dança. Kirk franziu o cenho vendo um verdadeiro ringue dentro da boate, que estava fervendo de gente. Lars, o dinamarquês estupido, discutia alto com um homem do outro lado da danceteria, com raiva na fala. Ele não parecia ser daqueles caras esquentados, e acabou demonstrando o contrário.

 

- O que está acontecendo aqui? – perguntou Audrey, chegando próxima a mesa onde se encontravam.

- Lars e Mark estão discutindo com aquele cara sobre a pista. – respondeu Cliff, não dando a mínima para a situação.

- Discutindo sobre a pista?

- AQUELE IDIOTA ACHA QUE É DONO DA BOATE – exclamou Mark, irritado. – SE CONTINUAR ASSIM EU VOU MOSTRAR PRA ELE QUEM MANDA AQUI.

 

Kirk amedrontou-se. Olhava a todo instante as mãos do homem que discutia com ambos, e sempre que sentia-se intimidado, colocava uma garrafa de vinho entre os dedos, como um animal esperando a hora certa de dar o bote. Aquilo não ia prestar.

 

- Como tudo aconteceu? – pergunta Audrey, sentando-se e puxando uma cadeira para Kirk sentar-se.

- Aquele cara começou a gritar com o Lars depois que ele foi para a pista. – respondeu Andrew, com a voz mais arrastada possível. Estava tão bêbado que mal conseguia apoiar a sua cabeça na palma da mão. – É um merda.

- QUEM ME CHAMOU DE MERDA? – pergunta o cara, irritadíssimo com o que havia ouvido.

 

Todos naquele estabelecimento ficaram apreensivos. A voz do homem era terrivelmente assustadora e repreensiva, impossível de ser notada. Infelizmente ele não estava sozinho, havia outros três caras com ele numa mesa, além de duas moças completamente bêbadas. Kirk percebeu que também se tratava de uma despedida de solteiro, e pela aparência, julgou não ser a dele.

 

- FUI EU. – gritou Mark, se levantando bruscamente, derrubando a mesa com a coxa.

 

A tensão estava instalada. O homem, segurando a mesma garrafa de vinho entre os dedos, andou rapidamente na direção dos amigos, encarando Mark de cima a baixo, como se estivesse pronto para empurra-lo a qualquer instante.

 

- REPETE DE NOVO SE FOR HOMEM. – diz o cara, vermelho como nunca, aparentando estar alto.

- Mark, vamos embora, por favor. – pedia Audrey, apreensiva.

- NÃO VOU LEVAR DESAFORO DESSE BABACA. – respondeu Mark, cruzando os braços.

 

Kirk, que via toda aquela situação com medo, cerrava o punho, esperando que ambos se acertassem de forma civilizada. Não gostava de brigas, – mesmo participando de algumas durante a vida – sabia que aumentar as tensões de forma precoce era uma arma terrível contra si próprio. Mark tinha que se controlar e esperar que aquele homem desistisse de achar o que estava procurando. Olhava nos olhos castanho-esverdeado do cara e viu que ele era daquele tipo de pessoa que saia de casa com o intuito de arranjar uma briga. Também tinha cara de nunca ter pedido uma, como era de se esperar.

James, que estava no banheiro neste exato momento, lavava as mãos com sabão, enquanto respirava firme. Não bebeu nenhuma gota de álcool desde que o garoto havia se metido no quarto com a Audrey, e pelo que sabia daquela mulher, seria o suficiente. Não estava tão apreensivo, pois até ele teve um caso com ela – quem nunca teve?. Quando se conheceram, Audrey era o tipo de mulher que dava mole para qualquer um - e negros, de preferencia - como se tivesse um imã dentro de si que atraísse certas companhias. Incrivelmente, desde que dormiram juntos dentro da minivan da banda após um show regado a bebidas e falatório, Audrey abriu-se para todo o tipo de homem, sendo negro, branco, asiático ou azul.

Ficou fitando o seu reflexo perante o espelho e viu que não estava com as mesmas olheiras profundas da noite passada. Seu rosto não estava pálido, pelo contrario, estava mais vivo que nunca – apenas por fora. Por dentro sentia os efeitos do álcool que consumiu e jurou que não iria ingerir muito - precisava ser o único sóbrio entre a turma.

Repassou o que aconteceu depois que o garoto subiu pro quarto com a irmã do seu cunhado no jogo de Verdade ou Consequência. Lars, que tinha girado a garrafa após o filipino, decidiu se escolheria verdade ou consequência para Cliff, e optou por ‘consequência’, afinal, não iria se sujeitar as mesmas perguntas que haviam feito nas rodadas passadas. Cliff, que foi muito generoso com a consequência, disse para ele tentar conseguir o telefone de uma das mulheres que sentaram em uma mesa do outro lado da pista, juntas de quatro homens. Uma das moças vestia camisa verde, tinha cabelos loiros e a franja jogada para o seu lado esquerdo, com muita classe. Era branca, olhos castanhos e uma boca fina, como se fosse da terra do dinamarquês. A outra garota tinha pele parda, como uma latino-americana. Vestia uma camisa vermelha com detalhes em branco, um sapato que imaginou não ser tão apropriado para o lugar e seus cabelos negros amarrados com uma fita azul. Lars mirou na segunda opção.

 

- Boa noite, doçuras. – disse ele, tentando não mostrar que estava bêbado. A palavra ‘doçuras’ soava muito engraçada com aquele sotaque estupido, como se fosse charme. As garotas sorriram, enquanto os homens franziam o cenho. – O meu telefone quebrou, posso saber qual é o de vocês?

 

Essa era a cantada mais estupida que havia dito em vinte e três anos de existência. Os amigos, observando e ouvindo tudo com dificuldade, - graças a musica alta - se divertiam com tamanha coragem daquele garoto.

 

- Caso não tenha percebido, elas estão acompanhadas. – redige um dos homens, cruzando os braços.

- Não vejo problema algum. Alias, não sou ciumento.

 

As garotas seguravam o riso – em vão. Estavam prestes a soltar a maior gargalhada por causa da cantada sem graça daquele magricelo estrangeiro.

 

- Bem, nós duas... – começou a garota loira.

- Fiquem quietas! – cortou outro homem, irritado com a situação. – Volte para o seu lugar, rapaz!

- Senhor, caso não tenha visto, estou conversando com as damas. – comentou Lars, sorrindo com cortesia e ironia.

- Não sei quem você pensa que é, - diz o mesmo homem, levantando-se bruscamente da cadeira. – mas se não calar essa boca, der meia volta e sentar no seu lugar, juro que vou estourar os seus dentes.

- Fique calmo, só estou tentando descolar alguns telefones.

- Telefones de mulheres casadas.

- É proibido conversar, agora?

 

Lars estava usando toda a perspicácia possível para conseguir vencer essa consequência imposta por Cliff. Podia sair de lá com um olho roxo, mas não com o seu orgulho ferido. Estava lá para vencer e mostrar que pode com qualquer um que ousar ir contra.

 

- Qual seu nome? – perguntou Lars, apontando para a morena de pele bronzeada, ignorando o homem a sua frente.

- Jennifer. – respondeu a moça, sorrindo.

 

O homem, mais irritado do que nunca, empurrou Lars para trás com a palma das mãos em seu peito, fazendo-o desequilibrar-se rapidamente.

 

- Volte pra sua mesa, ouviu? – disse ele, vermelho.

 

Lars, percebendo o perigo, olhou por cima do ombro esquerdo do homem, piscou duas vezes para a garota morena, fez um sinal com os olhos apontando para o outro lado, deu os ombros e virou-se sem dizer uma palavra. Deu passos largos até sua mesa, sendo fuzilado pelas criticas dos amigos.

 

- O que ele disse? – perguntou Mark, impressionado.

- Você não concluiu a consequência. – diz Cliff, ascendendo um cigarro.

- Não conclui AINDA. Vou conseguir o telefone daquela mulher de uma forma ou outra.

 

Ainda em frente ao espelho, James riu ao lembrar que Lars realmente conseguiu o telefone daquela mulher que, escondida do marido, escreveu-o num guardanapo e deixou no espelho do banheiro masculino, escrito: “Jennifer 555-256-789, me ligue antes das oito”. O dinamarquês veio se vangloriando para a mesa com o guardanapo na mão, como se tivesse descoberto um mapa do tesouro.

O jogo já havia terminado ai, mas os olhares fuzilantes daquele homem, que teve a sua moral destruída por um garoto que ousou pisar no gramado de sua esposa, estavam penetrantes.

James lavou o rosto, esperando que a água estivesse gelada o suficiente para deixa-lo acordado. Abriu a porta de saída do banheiro e viu o filipino sentado em sua cadeira, ao lado de Audrey, com uma expressão engraçada no rosto. Andou alguns passos e viu que todos os seus amigos estavam na pista de dança, separando Lars e Mark das costas do homem que havia ameaçado Lars ainda pouco.

Viu seguranças correrem até lá para tentar separa-los, mas Mark não queria soltar o mata-leão que entrelaçou no pescoço do homem. James correu até lá, tentando fazer o mesmo. A situação estava tão critica que a musica cessou, as dançarinas pararam e as lâmpadas fluorescente ligaram-se de imediato, revelando o lugar por trás do escuro.

Conseguiram separar o homem de Mark e Lars. Nenhum dos amigos do moço interviram na briga, na verdade, fingiam que nada acontecia.

 

- O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – pergunta James, assustado com a situação.

- Senhores, vou pedir que se retirem. – diz um dos seguranças, cerrando os punhos e encarando os seus rapazes.

 

Lars, que estava com os olhos vidrados, pegou sua jaqueta na cadeira cambaleando, e andou até a porta de saída.

 

- Vamos. – disse Audrey cutucando o irmão, deitado sobre a mesa, bêbado como uma morsa.

 

Os oito amigos saíram juntos para fora do local. Ouviram os seguranças dizendo que estavam proibidos de entrarem naquele estabelecimento a partir de hoje. Mas por que não disseram o mesmo para o idiota que atacou os dois? Ora, quem se importa, afinal? O que podemos destacar nessa empreitada é que o dinamarquês saiu com o telefone da esposa daquele estupido, e que faria questão de ligar para ela assim que ficar sóbrio.

Andaram cambaleando pelas calçadas largas do centro. Lars e Mark estavam um com a mão entre o pescoço do outro, como se fossem campeões. Cliff, com os olhos cansados e, mesmo assim, fumando o baseado. Andrew era carregado por Audrey, pois mal se aguentava em pé. Seth, que havia se dado muito bem durante as primeiras horas, permaneceu na boate junto da dançarina, fazendo uma pequena festa particular entre as salas reservadas. Só restaram James e Kirk, livres do efeito do álcool, após o baque da briga ter lhes acordado.

James, atrás do garoto, observava-o por longos minutos. O filipino dava passos leves, como se estivesse prestes a escorregar a qualquer momento. Estava mole como nunca esteve, provavelmente por causa da noitada que teve com Audrey.

Kirk, que andava lentamente pela calçada, vendo seus novos amigos sendo carregados após a expulsão, sentia o cansaço martelando a sua mente como nunca. O efeito do álcool e das drogas passava, e a realidade voltava a tona.

Firmando o passo para atravessar a rua, andava de cabeça baixa, querendo que o álcool não fosse embora tão cedo para não voltar ao mundo real. Torcia para conseguir mais uma dose, só pra aproveitar melhor a situação.

 

- Quer ir pra casa? – perguntou James, apressando o passo para alcançar o garoto. – Você pode dormir lá, tem espaço pra todo mundo.

 

Kirk deu os ombros e sorriu, estava feliz com o convite e feliz por não ter que voltar a dormir naquele quarto frio e sombrio no convento. Cruzou os braços com frio. O outono de San Francisco castigava qualquer um que andasse a noite desprotegido. Levantou a cabeça por um momento e percebeu que os amigos estavam tomando uma rota diferente da que eles haviam feito para a casa de James. Chegou a pensar que iam a um lugar diferente, e logo avistou a última avenida, que dava para o apartamento dele, há poucas quadras afrente.

Levantou a cabeça, vendo os carros passando ao seu lado. James continuava andando próximo a ele, sem acelerar ou diminuir a velocidade, como se fosse seu guarda-costas. Olhava para os olhos azuis do loiro, que abriu uma garrafa de whisky no meio do caminho e começou a beberica-la. Dentro daqueles olhos havia algo que nunca tinha percebido: duvida. Parecia ser culto sem ser. James era transparente até demais. “Que duvida cercava aqueles olhos?”, Kirk se perguntava. James sabia muito bem que duvida era essa, e escondia a sete chaves, pronto para que a pessoa certa abrisse.

Observando a estrada ao seu lado, o transito de San Francisco estava lento. Não havia mais trabalhadores voltando para as suas casas, como como de tarde, só passava taxis, ônibus ou qualquer veiculo de transporte, como caminhões e motos, nada de carros comuns.

Ao parar na esquina da quadra com o intuito de atravessar, os amigos ficaram um ao lado do outro, esperando o sinal dos carros fechar. Algo que lhe chamou a atenção. Era um ônibus, um ônibus conhecido, o mesmo ônibus amarelo que a igreja tinha, até os mesmos amassados na frente eram parecidos como os que o Bispo Carl fez ao bater em frente a Arquidiocese Central, há meses atrás, por motivos que nem mesmo o Padre Superior compreendia.

Não podia ser. Impossível. Tantas ruas para o ônibus da igreja passar, e passavam exatamente quando estava saindo da noite mais louca de sua vida! Cerrou o punho e esperou o ônibus ir embora, mas ele não foi. O farol avermelhou-se, dando espaço pros amigos atravessarem; O ônibus permaneceu em frente a faixa de pedestres onde eles atravessaram.

 

Padre Joseph, parado, com o ônibus da igreja em frente ao farol da sexta avenida, impaciente e cansado, esperava poder chegar na capela em segurança. Não dirigia, na verdade, não sabia pilotar. Quem dirigia era o bispo Rudolph, que decidiu assumir a direção do veículo desde que o Bispo Carl amassou o para-choque da frente ao estacionar na Arquidiocese.

Observou os pedestres atravessando a rua e viu que havia oito pessoas na faixa, parcialmente bêbadas. Um daqueles era carregado por uma garota, um cambaleavam, outros dois estavam andando normalmente e havia mais dois atrás dos seis, um ao lado do outro, no mesmo passo. Fitou aqueles dois. Loiro e alto, sentiu que já havia visto-o em algum lugar, mas ignorou. Já viu tantas pessoas indo e voltando da igreja que guardar os rostos era uma tarefa árdua...

Mas será possível? Não pode ser!

O moreno ao lado do loiro... não, não pode!

Vendo os oito subindo a calçada do outro lado da rua, continuou observa-los. Virou-se para a parte de trás do ônibus, onde os pequenos alunos permaneciam sentados durante toda a viagem. Deu alguns passos e começou a contar: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze... onze? Só onze? Contou novamente e o número permaneceu o mesmo.

Faltava alguém.

Ele sabia quem.

O ônibus começou a andar e Padre Joseph perdeu-o de vista.

 

Kirk andava pela calçada ao lado de James, quieto por fora e inquieto por dentro. Pediu um gole da garrafa que estava na mão do loiro e bebeu-o com gosto, ignorando o fato da bebida ter descido queimando.

Andaram mais algumas quadras e lá estava o velho apartamento de James, parcialmente abandonado, se não fosse pelos carros que permaneciam estacionados no estacionamento abaixo da construção de tijolos. Entraram no lugar, subiram o mesmo ramo de escadas com dificuldade e finalmente estavam em casa.

 

                                                                                                           [...]

 

Madrugada.

O apartamento estava quieto e escuro, todos haviam ido dormir, menos duas pessoas...

Lars e Mark, os mais afetados pelos males da festa, dormiam na cama de James juntos, pois não sobraram outras cama sem ser esta. Audrey e Andrew dormiam nas poltronas no quarto de James, próximos a cama onde Lars e Mark descansavam. Cliff decidiu dormir em um colchão próximo da janela da sala, e Kirk e James dormiam nos sofás. James optou pelo sofá encostado na parede, e Kirk ficou com o ao lado da porta.

Nenhum dos dois pegou no sono.

Ambos digeriam a festa com desdém - de jeitos diferentes.

Kirk, sabendo que o loiro estava acordado, pensou na melhor forma de quebrar esse silencio incomodo. Perguntou.

 

- Sabe, você disse que essa seria a despedida de solteiro do Andrew, então, onde está a Deanna? – pergunta com timidez na voz.

- Mulheres não vão a despedidas de solteiro...

 

“Então por que a Audrey foi?” indagou mentalmente.

 

-...e mesmo se fossem, não faria sentido algum Andrew comemorar o seu último dia solteiro ao lado da esposa.

 

Kirk sentiu indiferença. A resposta foi curta da maneira que ele esperava. James se sentiu culpado pela forma com que havia respondido.

 

- Desculpe, cara. – disse. – As vezes eu sou grosso sem perceber.

- Você não foi grosso.

- De qualquer forma...

 

Quando James ia concluir a sua sala, ouviu-se o som da maçaneta da porta sendo aberta lentamente, como se alguém abrisse tentando não fazer barulho. James sentou-se no sofá e fitou a porta, cerrando o punho. A porta se abriu e revelou que quem tentava abri-la: era Seth, um dos sortudos da noite.

 

- Você me assustou. – indaga James, irradiando irritação.

- Desculpe. – responde Seth, fechando a porta tranquilamente e trancando-a a seguir. – Onde eu vou dormir?

- Tenta dividir o colchão com o Cliff.

 

James voltou a se deitar, dessa vez uma posição diferente. Agora ele encontrava-se deitado de frente para Kirk, conseguindo olha-lo melhor.

Observando Seth pegando um travesseiro e se deitando no mesmo colchão que Cliff, lembrou da parte que mais atrasou a sua festa: quando Kirk subiu com Audrey para as salas particular. Observava o moreno enquanto o mesmo era feito consigo. Os olhos negros dele eram impossíveis de serem vistos em pleno escuro, e a janela da sala não refletia absolutamente nada. Olhava o garoto de forma diferente. Agora ele não era mais um garoto, afinal, tinha tido sua primeira noite com uma mulher. Não era só mais um virgem de dezessete anos, era uma pessoa adulta.

Seria suficientemente adulto, levando em conta as circunstancias em que Kirk vivia?

 

- Como foi a noite? – pergunta James, cruzando levemente os braços contra o corpo.

- Foi boa. – respondeu Kirk, percebendo o ponto que o loiro queria leva-lo.

- Deu tudo certo com a Audrey?

- Foi... Ela é uma boa pessoa...

 

Kirk suava frio dizendo tais palavras. Mentir nunca fora o seu forte. Omitir verdades era o seu maior dom, mas contraria-las era difícil.

 

- Não teve nenhum problema? – insistiu James. No fundo, queria saber dos detalhes.

- Não, ela foi atenciosa... até demais. – murmurou a última frase.

- A primeira vez nunca é boa.

- Foi interessante.

- Chegou lá?

 

“Chegou lá?”? Que pergunta é essa? Kirk corou profundamente. Não espetava o interrogatório.

 

- Sim. Acho que sim...

- Acha? – repetiu James, sorrindo. – Esqueça a pergunta, isso não é da minha conta.

 

“Tem razão”.

 

- Acha que aquele padre mal-humorado está procurando você agora?

- Eu acho que ele não percebeu nada...

- Isso é bom.

- ...e mesmo se percebesse, ficaria uma fera, depois esqueceria. Acho que ele tá ficando velho demais...

 

James sorriu. Parecia ser tão fácil arranjar um sorriso daquele rosto pálido. Kirk fez o mesmo.

 

- Espero estarmos inteiros amanhã. – comentou James, se cobrindo.

- Eu não estou com sono.

- Nem eu. Essa é a minha preocupação.

- Quem precisa estar inteiro pra amanhã é o noivo.

- O Andrew? Ele é acostumado a acordar quebrado, e eu também.

- Você acha que a noiva vai gostar de saber o que aconteceu na festa?

- A minha irmã é muito cabeça aberta.

 

Kirk ficou quieto. Um comentário bateu em sua cabeça e ele pensou que fosse melhor deixa-lo em paz, mas não fez isso.

 

- Eu posso comentar algo sobre a noite? – perguntou Kirk, tímido.

- A vontade.

- Quando estávamos jogando Verdade ou Consequência, você perguntou pro Andrew se ele já traiu a sua irmã. Essa pergunta soou bem intima pra situação...

- Eu sempre quis perguntar isso à ele. Tive a oportunidade na hora do jogo e consegui, mas não tive a resposta que eu queria.

- Que resposta você queria?

 

James ficou em silencio por poucos segundos. Respirou fundo e se afundou no sofá, começando:

 

- Como eu disse, Deanna tem a cabeça muito aberta, e isso é um problema. É um problema porque já pisaram muito nela. Pode não parecer, mas eu e ele não somos tão íntimos quanto eu queria. Eles estão juntos há anos e não me sinto confortável em imaginar que minha irmã possa estar perdendo tempo. – fez uma pausa. – Não quero vê-la sofrendo.

 

Profundo e fraternal, um lado que não imaginava que ele tivesse. Kirk sorriu abertamente.

 

- Que foi? – perguntou James.

- Isso foi bonito.

- Isso soou estranho. – comentou ele, irônico. – Melhor irmos dormir, não quero ver a minha irmã no altar com ressaca.

 

Ele adormeceu com facilidade, dando espaço para o filipino observa-lo melhor.

“Obrigado, James, pela melhor noite da minha vida”. Foi o último pensamento da noite.


Notas Finais


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