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História O Pecado de Anúbis - 1 - Ot luranaio bae qeme lom kadrio


Escrita por: CaioHSF

Capítulo 2 - 1 - Ot luranaio bae qeme lom kadrio


Fanfic / Fanfiction O Pecado de Anúbis - 1 - Ot luranaio bae qeme lom kadrio

– Você é a Morte – o Corvo disse, sempre com aquele assustador ar de sabedoria e os olhos como gárgulas eternas, sem vida na alma ou amor no coração. – Nunca terá amigos, jamais será amada ou desejada. – Nina sabia que agora era a Morte, mas nunca pensou em que isso seria uma tarefa sombria e solitária. Talvez a mais solitária de todas. – é da natureza humana ter medo do desconhecido, do escuro. E não há nada mais desconhecido que a Morte.

Anúbis cresceu entre os chacais. Azor e Saharet foram como seus pais, e lhe ensinaram tudo o que sabiam. O sepat dos chacais ficava na parte leste do Deserto, a oeste do Nilo, perto dos outros sepats animais, todos no Deserto e perto do grande rio que se estendia como uma gigantesca serpente pela areia, longa e azul escura, indo para o norte e para o sul, até desaparecer nos horizontes, continuando mais além, como Nut pelo céu.

      Como era o único homem entre os chacais, uma das primeiras coisas que aprendeu foi que era diferente, único, estranho, sozinho. Todo chacal tinha apenas uma fêmea pelo resto da vida, e viviam em pequeníssimos grupos. Este era formado apenas por Azor, Saharet, Calduin, Nae e Lunt. Mas Anúbis não era um chacal e não tinha um par. Saharet e Lunt eram irmãos, filhos dos já falecidos alpha Mwet e alpha Neli. Azor e Calduin também eram irmãos, mais velhos, filhos do alpha Newq com a alpha Neli, antes de Mwet se tornar o alpha após a morte do irmão Newq. Nae era a única sobrevivente de uma outra aldeia do sepat, que havia sido completamente destruída pelos gatos de Kozox.

      Mas a solidão não foi uma inimiga, mas apenas uma estranha amiga, que levou o jovem para a transcendência dos limites da imaginação, onde os pensamentos navegam infinitos pelas águas nos rios da criatividade.

      Sim, o pensamento. Foi lá dentro onde ele direcionou seus olhos. Estranha concentração. Contemplação do absoluto interior escuro, foi lá onde encontrou o sonho que teria por toda a sua vida.

      O Deserto era um lugar muito perigoso, mas não deixava de ser lindo. Habitado por toda a sorte de seres como os escaravelhos do Vale Desespero, golens de areia das Montanhas Negras, os blemmyae, os homens hiena bebedores de sangue, os escorpiões das Areias Vermelhas, as temidas serpentes aladas cuspidoras de fogo, e, é claro, as aldeias e grupos de aldeias mais próximas do Nilo, lar dos violentos gatos, os espertos coiotes, os mortais crocodilos, os poderosos hipopótamos e os humildes chacais.

      Os chacais eram o menor dos povos, e tinham um espírito solidário e de união. Traços sombrios, delicados e grosseiros, vagando pelos cemitérios nas noites com suas patas negras em busca do pouco alimento que precisavam. Eram seres inocentes e amigos uns dos outros, com mais sabedoria e magia do que aparentavam.

      Diferente dos lobos, cujas fêmeas brigavam entre si mais que os machos, os chacais deixavam que o casal alpha fosse o único a acasalar, e todos respeitavam isso. Mais nascimentos eram comuns apesar disso, e com a permissão dos alphas, os filhotes viviam. Não se importavam se eram machos ou fêmeas, pois os chacais não gostavam de brigar.

      Alpha Qeq e alpha Fei eram os atuais alpha do sepat, liderando sobre o grupo de Azor e Saharet e mais outros seis clãs. Azor era o beta, então tinha direitos sobre alpha Fei e deveria assumir o comando após a velhice de Qeq. Mas os alphas sempre eram escolhidos a partir não do mais forte, mas sim do que fosse mais capaz de proteger o sepat.

      A princípio, houve uma resistência quanto a Anúbis. Os chacais já viram humanos, mas Anúbis era diferente. Um bebê abandonado na noite de inverno, como uma estrela abandonada por Nut. Esquecido pelos deuses, mas acolhido pelas trevas da noite. E aqueles seus olhos tão escuros como a morte. Era isso o que todos viam nele, a morte.

      Mas Saharet nunca se importou com isso. Apenas criou seu filho com todo o seu amor e a ajuda de Azor. Quando cresceu, se tornou uma criança linda com redondo rosto angelical e um bom coração. Os chacais começaram a gostar dele. Até Calduin, que outrora ameaçou sua vida, gostava de brincar com o menino, e lhe ensinar os jeitos dos chacais.  Os boatos sobre um humano crescendo com os chacais se espalharam pelas terras do reino de Osíris.

      As noites e dias foram passando. O escaravelho cruzando o sol pelo céu e Anúbis cruzando o tempo. Crescendo de corpo e mente, até que os chacais começaram a perceber fatos muito estranhos sobre o jovem Anúbis.

      No coração do Deserto ficava o Arenjer, o grande palácio do deus que reinava no Deserto, Seth, com sua esposa Néftis. O irmão de Seth e sumo faraó era o amado Osíris, reinando em seus domínios brilhantes nas alturas. Claro que Seth detestava o irmão e faria de tudo para tomar seu trono. Os deuses da corte de Osíris não tinham qualquer afeto pelo deserto ou seus habitantes, criaturas asquerosas que moravam no inferno que era casa de Seth, o deus mal da vingança, destruição, violência, inveja, ódio... tudo o que há de ruim no universo pertence a Seth, o maldito. Mesmo que fosse um governante importante e poderoso de um reino gigantesco, era claramente odiado e desprezado por todos os deuses, e seu deserto era visto com grande nojo da parte deles.

      Anúbis era diferente como os chacais. Diferente dos diferentes. O mais estranho. Apreciava passar incontáveis tempos nos cemitérios, e encontrava prazer e bem estar nas coisas sombrias e esquecidas. Mesmo que gostassem dele, quando os chacais olhavam em seus olhos viam algo que não sabiam se encontravam paixão ou dor. Anúbis era melancólico, sombrio, seu coração era de emoções fortes e sentimentos depressivos. Era mais amigo dos mortos que dos vivos, e das palavras escritas do que das palavras ditas.

      Ele tinha uma estranha conexão com a morte, e nunca conseguiu matar nenhuma presa. Comia apenas plantas ou os animais já mortos. Ele dizia que falava com os antigos alphas, e dormia em seus túmulos para que eles lhe respondessem em sonhos. Ela até era capaz de contar a alguém sobre como seria o momento de sua morte.

      Quando criança, houve uma noite em que acordou chorando. Saharet o consolava acariciando seu pescoço com a cabeça. Ele contou que sonhara com gatos e Iitae. Sua mãe disse que os gatos não faria nada, e que ele não precisava ter medo deles. Mas não era dos gatos que Anúbis tinha medo.

      Quando viu Iitae, a abraçou e disse para não ir caçar naquela noite. Mas ela foi. E quando os gatos a mataram, o poder de Anúbis foi revelado. Como é natural temer o escuro, o desconhecido, Anúbis deixou de ser tão amado, e as flores passaram a murchar e morrer em sua presença.

      Mas a vida do pequeno Anúbis não seria de completa solidão. Ele tinha uma amiga. Bast, uma jovem de aparência humana, e pele tão negra quanto a de Anúbis e seus olhos tinham um brilho divino. Suas mãos eram pequenas e delicadas como de gato, com os dedos arredondados, palmas rosadas e a pele macia. Mas ele sabia que aquelas mãozinhas podiam ser furiosas como as garras de uma leoa do Sahel ou até mesmo de um tigre. Porque Anúbis sabia que ela não era humana apesar de assim parecer. Ela era uma deusa. Uma deusa verdadeira da corte de Osíris. E ela gostava dele. Foi a primeira amiga de Anúbis, e também seria a última.

      Bast era uma princesa, e também seria a futura rainha dos gatos, não apenas das tribos de Kozox que há anos vinham causando morte e destruição pelos nomos, mas de todos os gatos. Mesmo assim, ela não gostava de seu treinamento e de estar recebendo a educação dos deuses. Para qualquer um, um deus seria o maior poder do mundo, mas Anúbis sabia que a morte era mais poderosa, pois até os deuses da Terra Preta morrem. Para Bast, uma vida simples, sem os padrões dos deuses e cheia de aventuras pelos reinos era o ideal. Os dois eram estranhos entre suas famílias e diferentes em seus mundos. Era uma compatibilidade triste, mas que foi responsável por criar laços entre os dois que os tornaram verdadeiros amigos. Anúbis ficou surpreso em como era possível um único coração guardar tanta emoção.

      Bast estava sempre mostrando um sorriso muito branco e brilhante. E corria e saltava e dançava. Era curiosa e se embrenhava entre a natureza em busca de encontrar alguma criatura mágica. Enquanto Anúbis passava horas sem abrir a boca, apenas contemplando a complexidade do infinito em uma gosta de sangue na carcaça do boi, Bast falava sobre rebeldia e com a voz engraçada em enigmas femininos. Ás vezes, quando aprendia alguma magia, ela mostrava para Anúbis seu poder.

      Um dia, ela lhe deu um pingente com o formato de duas serpente se entrelaçando, com uma devorando a causa da outra em um ciclo infinito. Quando ela estivesse usando a dela e ele a sua, poderiam se comunicar através de suas mentes. Agora, enquanto Anúbis estava sobre uma montanha, olhando o movimento das nuvens e buscando uma epifania espiritual no segredo de suas formas, a doce e enérgica voz de sua amiga aparecia dentro de sua mente, reclamando de como as aulas de Toth eram chatas, e que era difícil decorar os sete mil símbolos da escrita. Anúbis conseguia ouvir um reflexo em sua mente, uma voz fina e firme dizendo “Bast, está aqui para estudar ou para ter conversas telepáticas?”. Anúbis sentiu o medo na mente de sua amiga. “Como você...” ela começou, mas foi interrompida. “Eu sou Toth, eu sei de tudo. Me entregue este amuleto. Ptah o receberá de mim”. Então Anúbis parou de ouvir. Nunca mais ouviu os pensamentos dela, nem pode passar dias e noites inteiras na companhia interior de Bast. Mas ele guardou o amuleto.

      Eles não podiam ficar muito tempo juntos. Os deuses proibiram Bast de ficar indo sempre ao Deserto de Seth e brincando com o menino-chacal. Mas para Bast, quebrar regras era mais fácil que quebrar ovos. Anúbis amava isso nela.

      Mesmo com poderes macabros, Saharet e Azor o amavam, e queriam que ele, não saísse de suas vidas, mas sim tivesse uma outra vida. Mais adequada a um ser humano tão distinto e de talentos lindos.

      Mal sabiam eles como que a vida do menino-chacal mudaria para sempre naquele dia em que cavalos com pintas de leopardo e olhos de fogo apareceram puxando uma carruagem gigante de formato semelhante ao de um barco e que brilhava mais que o sol. A mulher que estava lá dentro era muito alta e sua pele brilhava. Todos os chacais do sepat estavam olhando para a deusa com grande terror nos olhos.

      Néftis tinha olhos verdes escuros que eram como relâmpagos. Seu sorriso era malicioso, cruel.

– Venha, pequeno chacal. – ela disse, estendendo a mão de dedos vermelhos e cheios de anéis dourados e de pedras preciosas para Anúbis. Sua voz era como o canto de um pássaro e as palavras eram como o som de labaredas de fogo queimando a madeira em uma noite fria no Deserto. Mas Anúbis conseguia entender. Era a mesma língua que Bast falava. A língua dos deuses.

Ele olhou para sua mãe e seu pai, que se colocaram na frente dele como se fossem protege-lo,  e todos os clãns do sepat, o casal alpha e depois olhou para si mesmo. Apertou a cruz em seu peito, que nunca se separou desde o nascimento. Estava fria.

Quando o sol se pôs no Deserto, Anúbis já estava com Néftis no palácio de Seth.



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