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História O que não foi dito - O sol sumiu


Escrita por: Cookiezin

Capítulo 3 - O sol sumiu


Ao olhar pelas grades da janela observei um céu azul. Algumas poucas gaivotas voavam acima do mar calmo; estava quente.
    Apoiei minha cabeça na parede cinzenta da minha cela e suspirei. O que não faria para ter aquele calor tocando a minha pele... Se estendesse a mão pelas grades, talvez, eu pudesse sentir alguma coisa confortável como o sol.
    A minha cela era fria. O chão, empoeirado, gelado; a parede, riscada, os meus dias infernais ali marcados, era gelada.
    Ri, desdenhoso: o meu coração era gelado.
    Um tosse me acometeu de súbito. Estava ficando velho, é claro. Meu corpo já me deixava na mão. Chacoalhei a cabeça com força em negação, ofegante. Cuspi no chão, me levantando com dificuldade, tal era a dor que eu sentia nas minhas pernas.
    Ah, eu faria de tudo para sair dessa cela fria e ir me estender na areia quente logo ali.
    Um sorriso me escapou ao lembrar de como era a textura da areia e o cheiro do mar. Ele e eu costumávamos caminhar pela orla, pondo os planos em voz alta.
    Tossi novamente, tropeçando nas minhas vestes sujas. Cai no meu cuspe.
    "Velho, vá com calma, oh, meu velho! HAHAHAHA, vá com calma, meu velho, olha como dói!", gritou a minha vizinha, uma louca.
    Ah, todos eram loucos. Olhei-a por cima do ombro, a sua cela menor que a minha, mais bagunçada que a minha; seus riscos na parede tinham parado há alguns anos. Ficara caduca. Eles tinham tirado tudo dela.
    Ninguém ali vivia por muito tempo. Pelo menos não sã. Eu me considerava um homem de sorte; ainda pensava direito. Ou talvez eu fosse maluco que não sabia.
    Não importava. Não a essa altura da minha vida.
    Limpei a bochecha com a costas enrugada da minha mão e voltei a me sentar como estivera antes. Olhei pela janela de novo, observando o sol. Era tão quente. Quando meus olhos arderam os desviei para o céu. Me irritava toda aquela beleza.
    "Gerardo! Oh, Gerardo! Ainda aqui?" gritou a voz da maluca, cujo nome nunca descobrira, tomada de uma repentina sanidade. Olhei-a pelo canto dos olhos: sentara-se sobre os joelhos, as mãos agarradas firmemente nas grades de sua cela.
    "Não morri ainda, se é o que quer saber" resmunguei.
    "Eu também não! Há quanto tempo eu 'to aqui?"
    Bufei e observei a parede. Vinte anos.
    "Vinte"
    "Quê? Só isso? E você, meu caro?"
    Senti a minha garganta apertar. Voltei a olhar para a parede. Quantos anos... quantos anos eu estava sentado ali, na mesma cela? Há quantos anos eu vi pela última vez uma árvore? Há quanto tempo não como carne? Faz quantos anos que não uso um travesseiro? Quantas horas fiquei preso aqui, depois que fui traído?
    "Cinquenta"
    "Já é quase metade da sua vida, seu velho!" gritou esganiçada a minha vizinha. Depois, irritado, observei seus olhos saírem de foco. "Mãe! O cachorro me mordeu de novo!"
    Suspirei baixinho. Cinquenta.
    Faz muito tempo, é verdade. E lembro-me bem do dia que fui jogado nessa cela, o sangue ainda escorrendo da minha testa. Eu era jovem, podia sentir direito os dedos do meu pé.
    E, mesmo que há cinquenta anos eu esteja preso nesse inferno, me lembro muito bem, como se fosse ontem, quando o vi pela última vez.
    Sorri fraco ao lembrar-me bem da fúria em seus olhos quando sacou sua varinha e a apontou para mim, no campo de batalha. Ele tinha a boca apertada, as mãos tensas; conseguia ver sua mente trabalhando freneticamente, talvez numa busca incansável de uma solução para aquilo: uma solução para não me enfrentar.
    Eu sabia que ele não queria, podia ver em seus olhos a hesitação: o medo. E sabia, assim que coloquei os meus pés naquela grama amarela, que eu ia perder. Com orgulho, hoje me lembro que ele foi o único a conseguir me derrotar.
    Eu queria lutar com ele. Queria provar que eu era melhor que ele, que ele era fraco por desistir tão facilmente do poder que se encontrava logo ali, na esquina...
    Mas eu nunca fui mais forte do que ele. Eu sabia que aquele homem tinha alguma coisa especial. Ele podia ver coisas que ninguém mais podia.
    E eu o odiei. Odiei, talvez, na mesma proporção que ele me amou. Amor! Vivia falando do amor!
    Com raiva, gritei esmurrando a parede, os meus dedos ficando vermelhos.
    "Que droga! Eu quero sair daqui, eu quero sair daqui, eu quero! Me tire daqui, Al, por favor, me tire daqui, me deixe morrer num lugar bonito, por favor, Al, por..."
    Eu o odiei com cada partícula do meu ser.
    "Fraco!" gritou a velha bruxa "HAHAHAHAHA, meu marido sempre foi um fraco, Joy, eu dizia a ele para largar a carreira e ficar em casa cuidando dos doze, mas ele me ouvia? HAHAHAHA não, o canalha! Eu sempre dominei melhor a varinha do que ele, aquele metade aborto! HAHAHAHA Joy, você iria rir tanto ao ver os olhos dele espremidos em raiva no dia em que eu cortei a garganta do oitavo!"
    Ofegante, deitei minha cabeça no chão gelado, deixando uma rara lágrima escorrer pelo canto do olho. Fraco.
    Eu o odiei tanto.
    Olhei o que dava para ver do céu. Ele estava lá, na casa dele. Talvez tão velho quanto eu, mas tão elegante como só ele; e os olhos azuis estariam mirando agora um livro, como costumava fazer na nossa biblioteca. E, curiosamente, ele levantaria as sobrancelhas e ajeitaria os seus óculos.
    "É claro que sim, por que não..." diria ele.
    "É claro que sim" murmurei. "É claro que sim"
    Suspirei de novo, fechando meus olhos. A velha agora cantarolava uma música. Deixei-me levar pela melodia conhecida. Estava tão frio. O que eu não faria para alcançar o sol?

 



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