Ao encostar minha cabeça em seu ombro, Kentin apoiou seu queixo sobre ela.
-Se alguém estiver te chateando e eu descobrir quem é, vou colocar em prática o que aprendi na escola militar. -Seu comentário, que parecia ser sério, me fez rir baixo.
-Eu falo sério, idiota! -Kentin deu um peteleco em minha testa.
-Ai! E o jeito carinhoso de agora pouco? Sumiu? -Devolvi o peteleco.
-Sumiu! -Kentin mostrou a língua.
-Parece uma criança!
-Não sou eu que quando frustrado fica fazendo biquinho.
-O que você está insinuando?
-Exatamente o que você ouviu.
-Você é muito chato!
-E mesmo assim gosta da minha companhia!
-Além de chato, é convencido.
Percebi que ainda estávamos de mãos dadas, olhei por um tempo, isso é estranho, não costumamos ficar assim.
-O que foi, idiota? -Kentin aproximou seu rosto do meu, o que me fez corar.
-Não é nada! -Afastei um pouco. -O sinal já vai bater, vamos! -Soltei sua mão e levantei.
Arrastei Kentin até os corredores, andava apressada.
-O que você está fazendo? -Perguntou confuso.
-Quero que avise o pessoal que vou sair mais cedo.
-O quê?
-Vou pedir autorização pra diretora, falar que estou passando mal ou algo do tipo.
-Por que quer sair mais cedo?
-Tenho umas coisas pra resolver, relaxa, não é nada demais!
-Não sei não...
Kentin lançou um olhar desconfiado sobre mim.
-Ah, por favor, Ken! -Fiz uma cara fofa.
-Okay, você pode ir, e não me chama de Ken! Tenho cara de viado ou de namorado da Barbie?
-Não, não tem, tem cara de uma pessoa maravilhosa que eu amo muito! -O abracei.
-Já devia ter me acostumado com esse seu jeito... -Kentin suspira e me abraça de volta.
-Que jeito?
-De interesseira.
-Aish! Você é muito chato!
-Sou mesmo!
-Ei, casal do ano! -Leo foi até nós.
-O que você quer, praga?
-O sinal já bateu se vocês não ouviram, estavam muito ocupados sendo um casal.
-Vai se ferrar, Leo. -Kentin riu.
-Não pense que eu não vi você com a Rosa! -Provoquei Leo. -Bye bye!
-Onde você pensa que vai?
-Pra sala da diretora, praga. -Saí andando pelo corredor, deixando os dois sozinhos.
Não foi difícil conseguir a autorização da diretora, acho que ela gosta de mim.
Fui direto para casa, assim que cheguei, conferi se a mãe estava. Nem sinal dela, ainda está no trabalho então. Entrei no quarto da minha mãe e não demorou para eu conseguir achar o endereço do lugar onde o pai está. Peguei uma mochila e coloquei tudo que irei precisar nela.
Chegando no ponto de ônibus, não esperei muito e já peguei um. Sentei em um banco aleatório e suspirei. Com certeza minha mãe vai brigar comigo pelo o que eu estou fazendo, mas preciso ter uma conversa séria com o meu pai, quero entender o que está acontecendo, mesmo que doa, tenho que saber a verdade.
❄
De frente ao apartamento em que meu pai está. De frente ao lugar que irá esclarecer tudo. Depois de alguns minutos, tomei coragem e toquei a campainha. De novo. De novo. E de novo. Nenhuma resposta. Suspirei.
-Mas que merda. -Olhei em volta.
Se ele não está, tenho que entrar de outra forma. Não tenho a chave.
Andei de lá para cá, pensando em uma forma de entrar, quando avistei um vaso perto da porta. Isso! Revirei um pouco a terra do vaso e achei a chave. Pelo menos nisso meu pai não havia mudado.
Limpei minha mão na roupa e abri a porta. Ao entrar, senti que os meus passos pareciam cada vez mais pesados, assim como o clima daquele lugar. O cheiro de bebida e cigarro era forte, não conseguia respirar direito. Parecia um pesadelo. Tudo estava bagunçado.
Ouvi um barulho de chuveiro, fui até onde acredito ser o banheiro e encostei o ouvido na porta. Tocava uma música irritante e uma voz feminina, mais irritante ainda, cantava junto da música.
Abri a porta do banheiro, fazendo um estrondo. Uma mulher me olhou confusa, mas depois esboçou um sorriso falso. Parei a música que ela ouvia e a encarei.
-Sabia que é falta de educação entrar sem bater? -Ela se envolveu em uma toalha. -Não sabia que Carlos também gosta de garotinhas. Você é o que? Do tipo santinha, menos na hora da transa?
-O quê? Quem é você? -Disse irritada. -Por que está no apartamento do meu pai?
-Não é óbvio o porque de eu estar aqui, fofa?
-Quer saber? Foda-se! -Perdi a paciência. -Cadê o meu pai?
-Ele foi comprar camisinha. -A morena sorriu. -Não é, amor?
Paralisei ao sentir uma respiração vindo de trás. Sentia o cheiro de álcool.
-O que você está fazendo aqui? -Uma voz masculina e rouca perguntou.
Virei e dei de cara com o meu pai. O encarei por um tempo. Estava totalmente desleixado, muito diferente da imagem que antes tinha dele.
-Realmente, então tudo que me contaram é verdade. Como você teve coragem de fazer tudo que fez pra minha mãe? Como conseguiu mudar pra pior dessa forma? -Perguntei em um tom de reprovação.
Estava envolvida em um turbilhão de sentimentos, estava triste e ao mesmo tempo, com ódio.
-Não acho que isso seja da sua conta. Agora volte pra casa da sua mãe.
-Não, não vou pra casa antes de ter essa conversa com você.
-Eu sou seu pai, tem que me obedecer. -Cruzou os braços, demonstrando irritação.
-Não, você não é meu pai, é um estranho. Meu pai era um homem gentil, trabalhador, honesto e que se preocupava com a família. Agora o que você é? Um bêbado, viciado, que passa noites com mulheres vulgares, um homem que teve coragem de agredir a própria mulher, de traí-la. Saiba que eu vou apoiar minha mãe com toda a minha força, para que esse divórcio saia legalmente.
Meu pai arregalou os olhos.
-As acusações que você fez sobre mim são muito sérias. Não pode me acusar de tais coisas sem ter uma prova.
-Olha pra você, olha pra esse lugar, acho que apenas o estado de ambos já é uma grande prova. Chego a me sentir aliviada da minha mãe ter pedido o divórcio, uma pessoa assim não merece a presença e o carinho da minha família.
-O que não te contam é que a sua mãe também me causava problemas. Sempre me sufocando, cobrando. Ela sempre foi um saco.
Olho nos olhos do meu pai, o olhar dele era distante, parecia que não havia nenhum resquício de sentimento.
-Eu tenho pena de você, olhe para o que você se tornou. -Disse e fui embora daquele apartamento nojento.
❄
Fui direto para a casa do Kentin. Eu preciso falar com ele. Toquei a campainha e Kentin abriu a porta, usava apenas uma calça de moletom, parecia que havia acabado de sair do banho. Ao olhá-lo, simplesmente desabei, deixei sair tudo que havia segurado. Comecei a chorar e não parava mais. Era um choro misturado de tristeza e ódio.
-Lizie? O que foi? -Me olhou preocupado e me puxou para dentro da casa, logo em seguida, fechando a porta.
Por impulso, o abracei e continuei chorando. Kentin me abraçou de volta e com uma das mãos, acariciou meu cabelo.
-M-meu pai. -Gaguejei palavras em um tom de voz baixo.
Kentin me levou até o sofá, sentamos e contei tudo que havia acontecido, das coisas que soube e da minha visita ao apartamento do meu pai.
-P-por que tudo isso está acontecendo? Ele mudou completamente durante o meu intercâmbio! T-talvez se eu não tivesse ido, n-nada disso aconteceria! É minha culpa! -Gaguejei de forma desesperada.
-Lizie, calma a culpa não é sua. -Kentin colocou uma das mãos em minha bochecha, a acariciando.
-É sim! Essa mudança ocorreu durante o meu intercâmbio! Pense bem! E se eu não tivesse ido? Talvez ainda fôssemos uma família unida e feliz, como costumava ser antes!
-Escute bem, Lizie. Isso não é sua culpa, se seu pai resolveu seguir esse caminho, não existe alguém capaz de fazê-lo mudar de ideia. Se você não tivesse ido ao intercâmbio, só iria sofrer mais ao ver a mudança de perto, aos poucos abandonando a família.
O encarei, vendo sua expressão séria, levei minhas mãos ao rosto, o cobrindo e voltei a chorar.
Senti Kentin tirar minhas mãos do meu rosto e as segurou. Ainda com uma das mãos em minha bochecha, Kentin aproximou cada vez mais o seu rosto do meu. Não afastei, apenas continuei chorando, até o momento em que senti nossos lábios se tocarem.
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