História O Segundo Anjo (Crônicas de Antuerpéria) - Parte 2 Tão sedutor quanto seduzível

Parte 2  Tão sedutor quanto seduzível

Era um quarto rústico, porém arejado.

Perfeito para outra noite quente de Antuerpéria.

Os fundos do quarto daquela estalagem encerravam um pequeno e descuidado jardim.

E por sua vez, até o cavalo descansava na cocheira próxima às dependências da hospedaria.

Por horas seguiram silenciosos e Shou que estava sentado na entrada que dava para vislumbrar o pequeno jardim, não poderia estar mais taciturno. Em verdade, estremeceu quando Jang sentou-se ao seu lado e foi desamarrando o cordão de couro da blusa que estava em seu corpo.

Olhou aturdido, quase a protestar, mas desistiu quando viu que no colo de Jang havia um pequeno pote de bálsamo.

__Não precisa ficar na defensiva.__ Jang retorquiu sem sorrir, estava descalço e apenas trajava a calça e um colete cavado nos ombros.__ Só quero tratar da ferida no seu ombro.

__Eu estou bem... Onde conseguiu isso?

__Foi com Bertrand, hoje cedo.

__Ele parece ser um bom amigo para você.

Jang estava concentrado em desfazer a trança do couro na blusa e Shou podia olhar livremente para seu rosto, atento a sua expressão compenetrada.

__Bertrand trabalha como ferreiro e forja as armas da Aldeia dos Contrários... Sempre posso contar com ele.__ Jang contou agora puxando a blusa aberta, de modo a deixar o ombro de Shou a mostra.

__É mais do que isso, não é? Enquanto Sae trançava meu cabelo, disse que Bertrand e você foram criados como irmãos...

Jang estava fitando a ferida quase cicatrizada, sério em demasia.

__Sae fala demais...__ Ele refilou mergulhando a ponta dos dedos no bálsamo.

__Em contrapartida... Kim não disse uma palavra se quer. Só ficou a nos observar...

__Kim evita falar porque não tem parte da língua.__ Jang tocou a pele lesionada e Shou se encolheu ligeiramente porque o bálsamo estava frio em contraste com o calor de sua pele.

__Jang... Sae também me disse que você foi proibido de pisar no interior da aldeia, que só pode ir até a casa de Bertrand.

A mão de Jang parou ali sobre o ombro de Shou.

__Que mais aquela tagarela disse?__ Jang inqueriu tendo a voz gelada.

__Não muito mais do que isso... Ela lamentou por essa proibição, disse que era muito injusto... Que você é gentil e bom.

__Mas, você mesmo não acredita nisso.__ Jang ironizou fitando Shou pela primeira vez desde que sentou-se ao seu lado.__ Quando matei um daqueles saqueadores com meu punhal, aquele que estava prestes a atacar suas costas... Você me lançou um olhar de viva repulsa.

__Não!__ Shou tocou-lhe a beira da face, tão passional.__ A repulsa que senti... Foi pelo sentimento que pairava em mim... Eu podia tê-lo assutado, ferido talvez... Mas, eu também matei um dos saqueadores.

A visão de Shou turvou-se e seu íntimo se encheu de um confuso pudor.

__Ainda se martirizando por isso?__ Um pequeno desdém encobria a voz de Jang.__ Se você escolheu vir comigo, vai encarar situações como a de hoje com frequência... Sua lâmina vai estar sempre manchada de sangue.

Shou tornou-se cabisbaixo.

Esse seria o único caminho a ser trilhado em sua busca pelo anjo caído? O único ser em Antuerpéria que devia ter as respostas que precisava.

Primeiro a perda de Zessiel no Tabernáculo de Antares, mais dois estranhos mortos no caminho percorrido com Jang... Quantos mais morreriam em sua busca pela chance de retorno ao Plano Etéreo?

Nem sabia mais se seria aceito por Deus.

E havia Jang Hae.

Dono daqueles olhos verdes que passavam a ideia de uma suposta frieza, que Shou no fundo sabia que não era de toda. Tinha ganas de saber mais sobre ele e no entanto, não tinha nenhum direito de perguntar.

Não tinha, pois não estava disposto a revelar as nuances sobre si mesmo.

Compreendia que se mostrasse sua faceta de anjo correria vários riscos, poderia não ser aceito por Jang e até mesmo poderia colocá-lo em perigo.

Entre energéticas divagações, a mão quente, aqueles dedos compridos e fortes acariciaram seu ombro e Shou ergueu por impulso sua face.

Não podiam admirar as luas da onde estavam e nem sabia se Jang era do tipo que gostava de contemplar a noite, em todo caso, dali se estendia uma visão limitada do céu noturno.

Por isso, restava um vislumbrar ao outro, a outra mão de Jang soltou o cabelo de Shou e o seus dedos desfizeram as voltas daquela trança desgrenhada.

__Shou... E você acha que eu queria me apegar a um estranho que resgatei na beira de um rio? Não foi somente você que se comprometeu com algo que parece difícil de realizar.

__Eu sou um fardo para você?

__Não... Mas, compreenda que ao dizer meu nome a você... Acrescentei sua existência a minha vida.

__Do que você tem medo?__ Shou o fitava com afável compreensão fosse me seu toque, em sua face ou olhar.__ É importante criar laços... Como os laços que você tem com Bertrand e aquelas duas crianças.

__Não é a mesma coisa...

Fosse a noite acalorada, ou a proximidade de suas peles estando sentados naquela soleira, da voz de Jang também exalava um calor pouco comum.

Incomum e convidativo.

Que fez com que Shou esquadrinhasse sua tez com indiscrição infantil e justamente a ausência de malícia em seus gestos é que o tornava tão suavemente tentador.

A brisa noturna fazia o cabelo ruivo dançar em torno da face de Jang, as linhas de seu rosto e principalmente a que delineava seu queixo eram marcantes e carregavam a destreza tanto quanto a gentileza que tinha e por muitas vezes preferia ocultar.

Shou saiu de seu transe momentâneo quando percebeu que a mão de Jang descia a blusa desamarrada por seu braço, a gestualidade lânguida e denodada do toque fez a pele clara do anjo se arrepiar.

__Jang... Não...

Sua voz saiu baixa e segurou aturdido a blusa, antes que a parte se cima de seu corpo ficasse nua.

__Quero te olhar... Não posso?

__É diferente de quando tirou minha roupa molhada...__ Shou hesitou algo embaraçado, segurando firmemente a blusa.__ Eu estava desacordado.

__Prefere então que eu dispa seu corpo quando estiver dormindo?

Quando ouviu a pergunta vinda num sussurro quente e ameaçador os olhos azuis do anjo arregalaram-se e seus olhares discutiram por um breve momento, tão silenciosos em meio aquela noite morna.

A provocação na voz de Jang não deixava nenhuma dúvida do que ele era capaz.

Ele o faria mais tarde se Shou não permitisse no presente instante.

Por conta disso, Shou desviou seu olhar resignado e permitiu que Jang terminasse de tirar a blusa em tom de bege...