História O Segundo Anjo (Crônicas de Antuerpéria) - Parte 2 E assim eu te sigo dentro da escuridão

Parte 2 E assim eu te sigo dentro da escuridão

Não foram muito longe após terem aquela manhã perturbada pela trivial menção do nome de Saejin.

Em verdade, Jang quase não se pronunciou, nem exigiu muito do cavalo. Apesar de não percorrerem uma grande distância, cavalgaram sem resquício de pressa.

E por sua vez, Shou respeitou o silêncio do rapaz ruivo e se resignou a ocupar a sela atrás dele, sentindo o trepidar o cavalo, os sons dos cascos ressoando em seu estômago.

Alqueires de campo cultivados constituíam a paisagem.

Pararam em Ceres, um lugarejo habitado por agricultores, no meio da tarde.

Assim que uma chuva torrencial desabou.

Jang tinha certo conhecimento no local, alguns por ali até sabiam seu nome e o tratavam com visível respeito, bem diferente do que acontecia na Aldeia dos Contrários onde ele tinha crescido com Bertrand.

Conseguiram guarida dentro de um paiol que pertencia a um casal de aldeões daquela região.

Não havia muito dentro do paiol além de algumas sacolas repletas de algodão, considerando que ainda faltava algumas semanas até a lua da colheita.

Tinham conseguido mudas de roupas secas, algo para comerem, tinham o abrigo garantido por uma noite.

O resto era vasta incerteza.

Jang entrou no paiol após ter saído da morada principal do casal que havia acolhido ambos por um noite, ainda estava ensopado e trazia um balaio de frutas consigo e uma colcha de retalhos para usarem ao anoitecer.

Encontrou Shou parado de fronte a uma das janelas, a única que estava aberta. Havia trocado de roupa, a blusa cinza clara de decote canoa escorregava por seu ombro e ele mesmo havia prendido seu longo cabelo azulado numa espécie de coque ligeiramente desgrenhado, algumas mechas ainda caíam soltas e úmidas pelas laterais de seu rosto.

Seu olhar estava distante enquanto fitava a chuva encharcando o solo.

__Você parece mais calmo, Shou... Depois do que houve hoje mais cedo naquela gruta.

Jang fechou a porta do paiol e Shou desviou-se da visão da janela aberta, mirando-se algo ansioso nele.

__Já você nem tanto, Jang... Ficou esse tempo todo calado porque não conseguiu parar de pensar no que houve.

Não disse nada em resposta, somente se aproximou colocando o balaio no parapeito da janela a retirar uma pequena fruta vermelha, trocaram olhares num curto momento apenas agraciado pelo som do temporal e os dedos de Jang empurraram a frutinha pelos lábios de Shou.

__Pode ser que você que não tenha se dado conta do que houve, Shou... Desde que Saejin cometeu atrocidades contra o povo contrário, ele se tornou a minha presa.__ Jang contou tendo os olhos de Shou pregados em sua tez.__O que sucedeu hoje, quando ele apareceu para você naquela gruta, não passou de um recado indireto para mim.

__Recado... Indireto?__ Shou repetiu sem compreender.

__Nós dois estávamos indo para as Ruínas de Ankh, o local habitado por ele... Mas, não é lá que Saejin está. Todo esse tempo ele que está no meu rastro... Eu sou a presa e não o predador.

O gosto azedinho da fruta vigorava em sua boca, as palavras de Jang vigoravam em seu espírito trazendo-lhe uma crescente aflição.

__Isso quer dizer, Shou... Que você vai voltar para o lugar de onde veio e esquecer dessa jornada estúpida.

__Eu não posso voltar! Nem sei o caminho de volta... Não vou te deixar!

Shou protestou feito menino que apenas sente que precisa fazer o que é certo.

E Jang segurou outra fruta entre os dedos, portando um meio sorriso cáustico na face.

__Saejin é um assunto meu... Foi por minha culpa que ele se infiltrou na aldeia e causou tantas mortes.

__Por isso você não pode passar dos limites da morada de Bertrand...__ Shou divagou também empurrando uma frutinha dentro do balaio com o dedo.__ Os Contrários têm medo que Saejin siga você e torne este o ensejo para fazer o mau.

__Eu devo ficar sozinho...__ Jang detrminou demasiado sério, deslizando outra frutinha entre os lábios de Shou.__ Se não sabe o caminho de casa, volte para a Aldeia de Hanja... Seu cabelo cheira como aquela aldeia, tem o aroma dos hibiscos-de-fogo.

__É porque meu corpo físico foi me dado através dos hibiscos... Foi desse jeito que "nasci" em Antuerpéria.

O comentário de Shou causou sorrisos em Jang... Sorrisos discretos em verdade.

__À sério?__ E a voz de Jang assumiu a suavidade de uma pétala.__ Achei que somente fadas nascessem de flores.

Shou não sabia disso, então seria por essa razão que volta e meia era confundido com uma fada?

Também sorriu timidamente e baixou o olhar enquanto engolia a fruta levemente mastigada.

Seu corpo estremeceu quando sentiu a mão de Jang deslizar pela beira de seu rosto descendo sutil por seu pescoço.

__E você?__ Shou indagou, erguendo o olhar temperado pela sensação do toque de Jang em sua pele.__ Vai voltar para a casa de Bertrand?

__Embora Bertrand seja o único amigo em que eu confie, o único amigo em vários anos... É melhor que eu vá sozinho às ruínas de Ankh.

Não, isso não.

O que Jang pretendia? Se fosse encontrar com Saejin... Sozinho.

Seria sua morte.

O voz de Saejin dentro daquela gruta escura avisara Shou.

Por isso, naquele instante em que estava sendo tocado pela mão fria de Jang, com o balaio de frutas separando seus corpos naquele parapeito, Shou desistiu de sua busca pela retorno ao Plano Etéreo.

Estava abdicando em seu coração de sua posição de Anjo das Virtudes.

Por se sentir culpado pela morte de Zessiel, pela morte de um bandido por suas próprias mãos e pela vida de Jang que ele desejava preservar.

Do que adiantava voltar ao Plano Etéreo se teria três mortes em sua consciência?

O espaço em seu peito se tornava diminuto e apertado por várias razões.

A saudade que sentia de Etzel, o desejo incorruptível de proteger Jang.

Indo sem mais contra os planos que Deus tinha para sua existência de anjo.