História O Segundo Anjo (Crônicas de Antuerpéria) - Parte 2 A utopia amorosa de um matador de lobos

Parte 2  A utopia amorosa de um matador de lobos

Desistir de matar Saejin.

Nunca tinha passado tal pensamento pela mente de Jang.

Isso, até meados daquela noite dentro do paiol, em Ceres.

Naquela altura do anoitecer, iluminados pela chama que consumia o azeite dentro da lamparina, tinha Shou adormecido e recostado com doçura em parte de seu peito que se entrevia pelo colete, a única peça que vestia.

Ouvindo o resquício da chuva pingando, caindo agora mansa e quase extinta pelas beiras.

Fazia tempo que Jang não se dava aos prazeres do sexo, não tanto tempo visto que ainda era jovem. Mas, considerando o tempo que passava sozinho com seus próprios pensamentos e sua destreza frígida de caçador.

Encostou devagar seus lábios na testa de Shou, estar com ele atrelado ao seu corpo, aspirando o cheiro de sua pele, o odor levemente acre do sexo consumado pairando no interior do paiol preenchia Jang de uma intensa e desconcertante ternura.

A verdade é que não se importaria de ter Shou ao seu lado por uma vintena de anos, seu braço que o envolvia ainda o apertou um pouco mais e sonolento Shou se moveu um pouquinho, se alinhando num suspiro enquanto espalmava sua mão pouco abaixo de sua clavícula.

Podia se imaginar trabalhando de ferreiro com Bertrand, ou mesmo morando em Ceres. Talvez pudesse trabalhar no campo por algum tempo até conseguir uma morada onde pudesse viver com Shou.

Apesar de se sentir absolutamente tolo por cogitar tudo isso.

"Eu fico com você, Jang... Se me prometer desistir de caçar aquele ser alado."

Eram estas as palavras de Shou que tinham lhe dado a possibilidade de sonhar o improvável.

Sabendo que poderia tentar esquecer parcialmente de Saejin, contudo... Não tinha garantia alguma de que Saejin não tentaria entrar mais uma vez em sua vida.

Talvez pudesse ir para longe... Para muito longe com Shou.

Esse acabou sendo seu último pensamento antes de adormecer junto de Shou sob a colcha de retalhos.

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Shou voltou a dormir depois de chorar meramente em seu íntimo, em meados da madrugada.

E quando tornou a abrir os olhos, foi por ter sido despertado pelas vozes apreensivas dos aldeões.

Nem bem se deu conta de onde estava naquela manhã, percebeu que algo havia acontecido. Olhou ainda tendo a visão embaciada e não encontrou Jang ao seu lado, dormindo sobre a sacola repleta de algodão. Passou seu olhar em torno do paiol e descobriu que estava completamente sozinho!

Isso bastou para encher-se de temor.

Abandonou o aconchego da colcha de retalhos completamente desnudo e foi catando as peças de roupa, vestindo de qualquer jeito, ajeitando as sandálias nos calcanhares com os dedos nervosos.

Quando saiu abrupto do paiol, foi ter com alguns moradores e descobriu que um pouco mais cedo um grande lobo de pelagem cinza pálida atacara alguns animais em umas das estrebarias e que Jang tinha saído no encalço do grande animal.

Ainda atordoado com os acontecimentos da manhã, Shou recusou gentilmente o desjejum oferecido por uma das aldeãs e tal como se precisasse despertar por completo, lavou depressa o rosto com a água armazenada dentro de um barril e foi pela direção apontado pelos agricultores que moravam por lá.

Olhou para trás e quando percebeu que ninguém o seguia, evocou suas asas e subiu ao céu.

Assim avistaria Jang o quanto antes.

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Não era novidade.

Matar.

Matar animais na floresta ou bosques distantes para se alimentar ou mesmo se defender.

Jang matava quem merecia morrer, tais como os saqueadores de corpos nas estradas de Antuerpéria.

Esse deveria ser apenas mais um lobo a matar, embora fosse o maior lobo que já tivesse cruzado seu caminho.

Mas, algo o intrigava.

Não era um lobo qualquer e antes mesmo que saíssem das plantações e subissem um oiteiro, Jang se deu conta que estava sendo atraído, era como se o animal preparasse uma cilada.

Esse era o problema, era esperto demais para ser apenas um simples lobo.

Ao contrário do efeito que esse pensamento poderia surtir, Jang não se sentia intimidado em continuar.

Estava de fato atraído pelo desafio, seduzido pela ideia de caçar aquele animal que aparentemente tinha toda intenção de "virar a mesa" ao seu favor. Atacar os animais na estrebaria tinha sido tão somente um chamariz, tinha certeza.

Não era comum lobos cinzentos agirem ao amanhecer, normalmente são sorrateiros e discretos até para matar.

Esse pelo visto queria chamar toda atenção para si.

Quando chegaram ao topo do oiteiro, onde havia poucos pinheiros ladeando a área, Jang e o lobo se viram frente-a-frente.