História O Segundo Anjo (Crônicas de Antuerpéria) - O Aprendiz do Mago Etzel

 O aprendiz do Mago Etzel

Não.

Havia mais de um olhar sobre Shou.

__Não vai nos apresentar seu amigo?__ Um dos magos presentes sibilou.

Quem dera houvesse tempo, num passe de mágica a maga se pôs atrás de Shou e puxou para trás o capuz revelando sua face, seu longo cabelo azulado em perfeita harmonia com seu par de olhos cristalinos feito uma lagoa.

__O que pensa que estão fazendo?__ Etzel de opôs de imediato.__ Deixem meu assistente em paz!

__Uhhh... Mas, que belo assistente você arrumou!__ A maga sorriu felina a segurar uma parte do cabelo de Shou em sua mão.__ Quando você faz uso dele? Trancado em seus aposentos?

Shou puxou seu próprio cabelo depressa jogando-o sobre seu ombro, sentia-se acuado, não sabia o que dizer, se era conveniente dizer algo. Por sorte, Etzel logo interveio ao seu favor.

__Sua fétida cabeça de ogro! Evidente que ele me ajudará no preparo de poções... Sabe que minhas poções do amor são um sucesso absoluto na aldeia de Hanja!

__Não venha se vangloriar...__ O mago mais velho foi retrucando.__ É a única poção descente que você sabe fazer, Etzel. Me admira ter conseguido um assistente, com certeza nem sabe no que está se metendo vindo trabalhar com você.

Shou não conseguia erguer seu olhar, tinha ganas de dar no pé daquele lugar e ao mesmo tempo, não queria ir embora sem Etzel. No instante seguinte, um terror intenso se apossou de seu espírito quando percebeu que uma serpente se enroscava em sua perna esquerda... Não gritou, mas achou que fosse sufocar no instante que sentiu sua respiração paralisar enquanto o réptil lentamente serpenteava em torno de sua perna, exercendo uma tenebrosa pressão.

__Hum... Viu? Ela gostou de você.__ A maga cochichou maliciosa em seu ouvido e esticou-se até que a serpente pudesse subir em seu braço.

Shou somente conseguiu se mover quando não havia mais nenhuma escama em contato com seu corpo ou suas roupas. Não pode evitar de abandonar de modo abrupto a banqueta que ocupava enquanto Etzel largava algumas moedas acobreadas e douradas sobre o balcão feito com casca de árvore.

__Venha, Shou... É melhor dar o fora daqui.

Etzel saiu na frente e Shou recolocou o capuz sobre a cabeça, saindo logo atrás... Por um momento que lhe pareceu quase longo, ouviu as vozes dos outros magos que zombavam de Etzel e sentiu uma raiva atordoante, seus pés queimavam dentro das botas encardidas em tom de terra, sentia seu coração pulsar na sola dos pés trocando passos tão rápidos quanto pesados.

Cortaram mais uma vez o centro da vila, Etzel comprou frutas em forma de estrelas e um pouco mais calmos, vieram juntos comendo-as pelo caminho, subindo a ladeira sinuosa de volta a casa ao pé da montanha Damion.

                                                                           ***************

Shou não falou muito por horas depois.

A noite caiu, mas a inquietude ainda pairava em todo seu ser.

Ocupava o quarto que Etzel havia lhe cedido e despira-se da blusa, trajava apenas a calça azul escura. Viu seu próprio reflexo nos vasos de prata e suas asas tornaram a se projetar de suas costas junto de um suspiro de insustentável leveza.

__Posso entrar?

Ouviu a voz abafada de Etzel por trás da pesada porta.

__Entre, Etzel...

A porta se abriu, ambos trocaram olhares e Shou não conseguiria mais ficar calado.

Por mais que quisesse.

Etzel ainda não podia ler o olhar de Shou, talvez jamais pudesse.

Contudo, em seu gestual era possível ler sua ausência absoluta de paz de espírito.

__Calma lá, Shou... Está bravo comigo?

__Bravo?... Eu fiquei bravo mais cedo...__ Shou admitiu portando alguma melancolia na voz.__ Por que deixou que aqueles outros magos zombassem de você?

__Para que se zangar por isso, Shou?__ Etzel sorriu fechando a porta atrás de si sem deixar de fitar o anjo.__ Os magos de modo geral são invejosos... Sobretudo os magos dessa aldeia.

__Por que eles acharam que eu fosse uma fada?

__Isso também te aborreceu? O que eu posso dizer... Talvez, tenham pensado que fossem uma fada, porque magos e fadas são rivais há séculos... Mas, para mim você é mil vezes mais bonito que qualquer fada.

As asas não estavam totalmente abertas, estavam parcialmente recolhidas. Shou mordiscou o próprio lábio a negar o olhar para Etzel que deu a volta e sentou-se na beira da cama a observar Shou pelas costas.

__Shou... Será que é mais fácil se abrir comigo, se não precisar olhar para mim?

__É que...__ Shou tornou a suspirar.__ São terríveis esses sentimentos... O medo, a raiva, a insegurança que me faz segurar em seu braço como se eu fosse um infante... As estranhas necessidades desse corpo... Tão embaraçosas... Eu me sinto... Tão cansado.

__Claro que se sente cansado...__ Etzel replicou afável.__ Você não parou para dormir desde que surgiu dos hibiscos do meu quintal, seu corpo precisa de descanso agora.

Shou acabou sentando na cama ao lado de Etzel e o anjo e o mago tornaram a se contemplar.

__Ter um corpo tem o seu lado bom, sabia? Através dele você pode se sentir bem... Como quando comeu aquelas frutas hoje de tarde... Você mesmo disse que o gosto era bom.

__Eu sei...__ Shou assentiu encostando-se em Etzel.__ Mas, não deixe mais que zombem de você daquele jeito... Isso me magoua.

Fazia tempo que alguém não se doía por Etzel e perceber a sinceridade na voz de Shou o preenchia de ternura, aproveitando-se de que ele estivesse recostado contra si, acariciou o peitoral despido do anjo e subiu a mão numa lenta carícia... Sem desfazer os contato profundo de seus olhares.

__Vê? Através da pele se pode sentir o calor de outro ser... Permite que eu te agradeça por se doer tão gentilmente por mim?

Shou não disse nada, apenas olhava para Etzel sentindo sua existência pesar pelo cansaço. Naturalmente, não soube o que pensar quando os lábios de Etzel se colocaram com doçura sobre os seus, em dado momento perdeu o contato com aquela carícia que se alongava assim como o afago contínuo em seu corpo e acabou adormecendo em meio ao beijo.

Ambos se deixaram cair na cama enquanto seus lábios estavam selados no beijo e quando Etzel abriu seus olhos percebeu Shou adormecido, as asas não haviam se desmaterializado, talvez ele não tivesse controle sobre elas durante o sono.

De qualquer modo, ter Shou entregue a possíveis sonhos em sua cama era uma bonita visão.

Não tinha vontade de sair do lado dele, podia sentir como nunca o odor único de sua pele e toda a calidez de sua existência contaminando a sua.

Não conseguiu frear a si mesmo ao deslizar primeiro a ponta de seu nariz pela pele, depois sua boca subindo pelo pescoço níveo, fazendo o anjo respirar com mais intensidade ainda que entregue ao sono...