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História O Terceiro Filho - A Noite em Questão (Parte 1)


Escrita por: martellfake

Capítulo 6 - A Noite em Questão (Parte 1)


"Everyone is a potential murderer, in everyone there arises from time to time the wish to kill, though not the will to kill."

Agatha Christie

LUKE

É simplesmente impossível diferenciar um Armani de um terno normal. Que me desculpem os grandes especialistas em moda e  os entendedores deste tipo de assunto, mas para mim, é simplesmente a mesma coisa. 

 

Ainda assim, Matthew insistira que eu usasse o terno caro, assim como insistira em pagar pela despesa.

A famosa mania irritante de querer bancar tudo!

Sempre que Matt agia desse jeito, por melhores que fossem suas intenções, era como se ele me rebaixasse diante a seu status de garoto rico.

— O motorista deve estar chegando — disse, olhando para a tela do celular, provavelmente verificando as horas.

Eu fitava meu reflexo no espelho da porta do guarda-roupas e enrolava os cachos de cabelo com os dedos, na esperança de dar um jeito nos fios que simplesmente se recusavam a parar no lugar. 

Sempre existiria uma necessidade de impressionar a família de Matthew e manter uma boa aparência era importante. Para comprovar, bastava passar alguns minutos ouvindo os comentários deles após os eventos.

Os discursos motivadores repetidos por aí dizem: "Você não precisa agradar ninguém", "seja você mesmo", mas na prática são poucos os níveis da vida que funcionam assim, infelizmente.

Eu, da mesma forma que boa parte do mundo, cresci em uma sociedade onde os bens materiais e a aparência representam importância. Minha família não tinha grandes posses, passei a infância em um subúrbio violento, sem muitas expectativas, e por mais que meus ideais utópicos de uma sociedade embasada na igualdade fossem bem fundados, os resquícios culturais de alguém que passou a vida em um meio injusto existiam e se manifestavam na forma de insegurança perante a imponente família de Matthew.

Os Romano, bem como o ciclo social que os cercava, pareciam existir em um mundo próprio, onde as ações e as consequências se distanciavam em centenas de milhas. Estavam, em sua maioria, preocupados mais com os lucros do que com questões profundas, preferiam uma suposta elegância natural, flutuavam no ar e exalavam importância em seus atos, ao contrário da minha figura, que ainda remetia a um jovem universitário que não entendia muito desse meio de luxos e grandes empresas.

Ao menos, pelas conversas que tínhamos, Matthew se mostrava um pouco diferente daqueles que o cercavam: era ciente de seus privilégios sociais e crítico quanto a isso. Este detalhe simples, mantinha nossa convivência sustentável, ainda que por vezes ele tratasse de alguns assuntos com ingenuidade, o que certamente era um resquício de toda a proteção que recebera durante a infância.

— Você está lindo! — ele disse, me acordando dos devaneios.

Matthew se aproximou e passou seus braços ao meu redor, me apertando contra seu peito. Pensei em afasta-lo, continuar com minha tarefa de Sísifo, mas não o fiz, pois talvez seu abraço, conseguisse levar um pouco da ansiedade constante que me perseguiria pelo resto da noite.

— Estou nervoso — confessei.

 Observava nossas figuras no espelho. Era quase cômica a forma como Matthew, na ponta dos pés, tentava escorar o queixo em meu ombro. 

— Como devo me apresentar as pessoas?

— Você se aproxima, aperta a mão delas e diz seu nome — Matt tentou descontrair, mas como resultado, meus ombros se tornaram ainda mais tensos.

— Não é isso!

Revirei os olhos, afastei-me do abraço e saí da frente do espelho. Me sentei aos pés da cama, e encarei Matthew, enquanto procurava um jeito de explicar o que se passava pela minha cabeça... resumir todas as inseguranças, fazer com que ele compreendesse.

— Todo mundo sabe, Luke, ninguém vai perguntar nada.

 Sentou-se ao meu lado com toda sua tranquilidade natural, tomou minha mão direita entre as suas e a pressionou no refúgio momentâneo.  

 — Fique tranquilo — suas palavras soavam praticamente como sussurros. 

— Eu só não quero o silêncio constrangedor e os sorrisos falsos das pessoas que reprovam e não podem dizer nada — eu disse um tanto desconcertado.

As intenções de Matt sem dúvida eram incríveis, admirava sua coragem em chegar na frente de um bando de empresários e assumir quem ele era, porém, eu ainda via toda a situação como algo complicado.

Infelizmente os seres humanos são criaturas estranhas com valores distorcidos. Não era confortável para mim ser alvo daqueles holofotes todos, eu não cresci indo a festas formais, eu não estava ambientado àquele tipo de situação e a opinião, bem como as ações dos outros, me afetavam mais do que eu gostaria de admitir.

E só de pensar em Stanley... Qualquer senso de segurança partia para longe.

— Luke, eu quero você do meu lado, porque estamos juntos e é seu direito estar lá, porque você é parte da minha família... Mas não é sua obrigação, eu posso dizer que você teve um mal-estar... Se está tão desconfortável assim...

Considerei a proposta, de verdade, por um momento, inclusive, cheguei a criar planos para minha noite sozinho: sofá, fones de ouvido, talvez adiantar alguma coisa para as aulas da semana que vem, mas... Parte de mim, a com senso social, dizia que eu deveria ir, que eu precisava ir, por nós, pois se eu me escondesse daquele tipo de ocasião me afastaria, não só dos Romano, como também recuaria vários passos e me veria de novo diante as mentiras que eu contava para minha mãe durante os anos de adolescência.

Todos levariam seus cônjuges e suas famílias, não comparecer me soava como uma forma de tirar do nosso relacionamento a relevância que certamente possuía.

— Eu quero ir! — disse munindo minha voz de toda segurança possível no momento.

Matt beijou meu rosto e abriu um sorriso empolgado. Provavelmente isso tudo era bobagem. No fim das contas, pensei tentando me motivar, seria como na festa de gala do ano passado, eu ficaria nervoso antes, mas durante o evento tudo ocorreria bem.

— Hey... — ele colocou a mão em meu queixo e direcionou meu rosto, pedindo para que eu o encarasse diretamente — eu ainda estou devendo aquele sábado inteiro na cama e pensei: Amanhã é um domingo, podemos mudar um pouco a tradição, eu sei que você tem as suas coisas, mas podemos tirar a manhã de folga, sem nenhum relatório para mim e sem nenhuma correção de trabalhos para você.

Matthew ainda se culpava por ter passado as últimas semanas focado no trabalho. Podia ser frustrante, mas eu não demonstrara nenhum sinal de irritação em relação a isso, afinal, ele estava começando, as tarefas e a adaptação certamente o ocupavam. Da minha parte havia compreensão, mas ao que parecia ele não se dava ao luxo de esquecer.

Eu sorri para Matthew e concordei com a cabeça, precisávamos de um momento só nosso, uma pausa na rotina corrida. Desde nossa mudança mal conversávamos durante as noites, sempre o cansaço e o sono, sempre o stress, parecíamos não conseguir encontrar mais tempo um para o outro.

— Desculpa — Matt falou mais baixo, como se fosse capaz de ler meus pensamentos.

A culpa não era inteiramente dele, mas já se tornara uma rotina ouvi-lo proferir retratações aleatoriamente durante a semana.

 — Você está se dispondo a viver essa vida comigo e eu... As vezes sinto que estou sendo injusto.  — seu suspiro pesado me deixou preocupado.

— Faz pelo menos quatro anos que discutimos isso e eu concordei em viver assim, concordei em sair de Chester, vir para a Filadélfia... Concordei em viver perto da sua família. — respondi.

— Mas na época da faculdade, tudo isso era uma grande teoria, nós sabemos que a prática é diferente — ele rebateu.

Matt escorou a cabeça em meu ombro, eu voltei meu olhar para seu rosto e trouxe nossas mãos para meu colo. 

—  E você está arrependido? — perguntei um tanto inseguro.

— Não, e você? — ele respondeu rápido.

— Não, Matt, não estou, ainda é ótimo chegar em casa e ver você, aliás, este apartamento se tornou a minha casa muito rápido, eu gosto, temos nossos problemas, mas isso é normal, nem tudo é rosas.

Se eu pudesse, agora, estaria abraçando Matthew com força, deitado junto a ele na cama, com roupas confortáveis, conversando e rindo das piadas sem graça que ele costumava fazer, aproveitando dos momentos onde só existia nós dois, sem toda a pompa, distante das preocupações.

Eu só esperava nunca perder isso, nunca perder estes momentos, pois eles faziam valer a pena e lembravam os motivos para eu estar ali.

Encarei Matthew mais uma vez e beijei seu rosto, sentindo a barba curta arranhar meus lábios, ele riu de forma breve, como se tentasse mandar para longe toda a tensão que nascera durante a conversa. Adotei a ideia, aproximei a boca do ouvido dele e propus em tom de voz ameno que deixássemos tudo de lado e focássemos em nos divertir durante o evento.

— Vai ser a festa chata mais divertida de todos os tempos, meu amor! — completei.



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