História O Vestido, o Baile e a Seleção - A criada

       Dois anos depois.

       Arrastei o saco de lixo vagarosamente da cozinha para o quintal. Minhas costas protestaram pelo esforço depois de um dia cansativo e minha visão escureceu, como sempre acontecia quando eu deixava de respirar por um tempo.

       Suspirei. Vamos lá, Lílian Donnelly, você consegue.

       Arrastei o saco até a lixeira e o joguei lá dentro. Morar em Angeles não me dava mais nenhuma alegria como antes, porque agora eu era uma...

       “CRIADA! VENHA ME VESTIR!” Marjorie gritou por mim do seu quarto no segundo andar.

       Suspirei de novo e refleti minha nova condição enquanto subia as escadas.

       Desde que meu pai morreu, comecei a ser tratada como uma criada pela minha madrasta e minhas irmãs e agora não era mais considerada da família. Só uma servente. Fui rebaixada ao ponto de o sótão se tornar meu quarto e os animais minha única companhia constante. Não reclamaria de nada, não fosse a forma como era tratada. Elas praticamente me humilhavam cada vez que me pediam para fazer algo. Principalmente Drica.

       Entrei no cômodo que antes havia sido meu quarto e me deparei com Marjorie e Maysa com penteados elaborados, vestidas em espartilhos e tentando enfiar-se em dois extravagantes vestidos de baile exatamente iguais, mas de cores diferentes: um roxo e outro amarelo.

       Quase vomitei ao ver o último.

       “Vamos logo! Não estou conseguindo fechar! Você errou ao dizer as medidas para a costureira de propósito, não foi? Você sabia que ia ficar difícil para respirar, criaturinha odiosa e insignificante?!” Maysa reclamou enquanto tentava subir o zíper.

       Fui até ela e fechei o zíper do seu vestido amarelo rapidamente. Não havia sido eu a errar nas medidas, ela é que não havia se segurado e comido uma caixa de chocolates inteira, no dia anterior, sendo que já havia posto medidas abaixo das suas próprias. Mas não iria dizer isso, de qualquer forma.

       Depois de prensar os seios fartos da menina, abaixei-me e calcei seus sapatos pretos, que tinham tiras até a panturrilha, nos pés dela. Duvidava que ela conseguisse sequer respirar sem ameaçar as costuras daquela roupa apertada, que dirá curvar-se.

       “Agora eu! você não vai conseguir nos fazer perder só por apertar os vestidos!” Marjorie estrilou virando-se de costas para mim.

       Ignorei as acusações e fui até ela, ainda calada, repetindo o que tinha feito com sua irmã.

       “Como nós estamos?” Maysa se pôs ao lado da irmã mais velha e sorriu sarcasticamente.

       Observei suas vestes ridículas e quase disse a verdade na cara delas, mas percebi que aqueles vestidos eram melhores que qualquer coisa que eu viesse a vestir pelo resto da minha vida. Não podia falar nada assim, pois elas rebateriam.

       “Execráveis.” falei por fim, sabendo que não compreenderiam a palavra pouco conhecida.

       “Ah! O príncipe certamente vai nos escolher!” elas estrilaram uma para a outra, certamente interpretando “execráveis” como um elogio.

       Há um mês o príncipe havia enviado cartas convidando todas as moças de Illéa entre dezesseis e vinte anos para os cinco bailes onde escolheria sete delas a cada noite para sua Seleção, cada uma de uma província. Desde que li o documento, soube que Drica não me deixaria ir para o da nossa região – o último –, mesmo que eu implorasse de todas as formas.

       Observei enquanto minhas irmãs postiças passavam maquiagem e pensei em Viktor. Também um mês antes ele tinha oferecido um lugar na sua casa para mim. Ele viu como eu estava sendo tratada e se apiedou. Mas eu recusei, não queria deixar a casa onde vivi os melhores anos da minha vida, embora os piores também.

       Saí do quarto e encontrei Drica no corredor, toda produzida e vestida tão espalhafatosamente quanto suas filhas. Mordi o interior dos lábios para não rir, quando ouvi o som de batidas na porta.

       “O que faz aí?” minha madrasta perguntou. “Vá logo atender à porta!”

       Desci as escadas rapidamente e abri a porta quase ofegante. Não estava exatamente com pressa, mas o olhar que Drica me lançara foi mais que suficiente para fazer a pressa brotar em mim.

       Quando abri a porta, tive uma surpresa: Viktor me abraçando e girando no ar antes de sequer dizer um “oi”.

       Ri como uma criança e abracei o pescoço dele.

       “Oi pra você também!”

      “Eu trago uma surpresa comigo!” ele sorriu.

       “E o que é?” indaguei curiosa, embora também temerosa. Drica não podia ver os presentes, mesmo que pequenos, que Viktor me dava, se não os roubava de mim.

       “Venha comigo até o carro. Não queremos que certa pessoa ouça nada.” Ele sussurrou em meu ouvido.

       Segui-o sorridente até seu carro e ele abriu o porta-malas, mostrando uma caixa. Abri-a e tirei dela uma verdadeira obra-prima: o vestido mais lindo que eu já havia visto: era curto, preto todo rendado e um pouco rodadinho.

       “Nossa, Vick, é lindo!” disse admirada. “De quem é?”

       “Seu!”

       “Oi?!” exclamei sem entender.

       “Isso mesmo, é seu. Você vai ao baile com minha irmã, meu pai disse que ela só poderá ir se for acompanhada de outra “dama”.” Viktor revirou os olhos.

       “Obrigada por me considerar uma “dama”!” disse sarcasticamente enquanto devolvia o vestido à caixa.

       “Oh, eu não considero, meu pai sim. Na verdade, até eu sou mais “dama” que você!”

       Isso rendeu umas tapas no ombro dele, que apenas riu com diversão.

       “Tudo bem, então, só resta Drica deixar!” revirei os olhos, mas no fundo desejava que isso fosse possível.

       “Certo, certo. Você vai para minha casa comigo agora, ela não pode te impedir se eu disser que são exigências do meu pai!”

       “Tudo bem, mas se ela me vir no baile certamente fará algo para me envergonhar ou sei lá.”

       “Não se você ficar irreconhecível...”

       “Como assim?”

       “Você já pensou em... Pintar o cabelo?”

       Ai. Meu. Deus.