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História Odete - Capítulo VII


Escrita por: FlorVazMeier

Capítulo 7 - Capítulo VII


— Como estão os pestinhas?

Olhei incrédula para Sra. A. ela nunca formulava frases inteiras, na verdade houveram raríssimas vezes em que isso acontecera, e em todas essas ocasiões eu tinha tido uma péssima noite me lembrando de William, sempre também em consequência do comportamento da minha mãe, deveria ser doloroso ao extremo o que ela sentia pelas mentiras e traições dele, talvez por isso ela enganasse a todos e a si mesma dizendo que era tudo um mal entendido, eu já tinha me fixado nessa teoria. E nessas ocasiões em que não tinha nem mesmo ânimo para falar das crianças, Sra. A. me perguntava, e eu como sempre, sentia os olhos rasos d’água por saber que ela realmente estava ali, e saber que como todos que conhecia Sra. A. devia ter uma história triste, que explicasse sua rabugice, por isso não a julgava, nem ficava magoada, eu respondia a ela, começando mais uma vez minha ladainha diária.

Quando por fim estava no colégio não podia mais ignorar a ânsia que me corroía, será que o pai de Ray finalmente me delatara a Sra. Pumps? Será que quando a visse hoje, ela estaria com a expressão carregada de seriedade e o irrefutável anúncio de demissão? Não podia evitar de qualquer forma, mas talvez pudesse me dar ao luxo de uma última aula. E por providencia ela seria com a sala de Ray. Agora aquele corredor cheio de armários coloridos, as portas de madeira polida com suas janelinhas de vidro decoradas por mim, a agitação das crianças, os risos e conversas altas, a correria, tudo se passava em câmera lenta diante de mim, me sentia nostálgica como nunca, mais até do que quando ouvia algo dos Beatles, acho que era isso, minha última aula, então tudo ia bem antes para mim, e mais uma vez ouvia na minha cabeça um dos ditados que regiam a minha vida, “nada é tão ruim que não possa piorar”.

— Ah, bom dia Srta. Évora como está? - O gentil Rudolf, ele era amável comigo desde sempre, até de uma forma exagerada, mas eu gostava dele, só não me sentia muito a vontade em sua presença, ele não era nenhum velhinho, era jovem e bonito, por isso o desconforto, eu não podia evitar.

— Bom dia Rudolf, como está? - Eu não trocava muitas palavras com ele, então ele com certeza não notaria meu estado de espírito.

— Muito bem Srta. Évora, está uma manhã tão linda não é? Uma manhã de início de outono, a estação que a senhorita adora, deve estar contente apreciando as suas árvores coloridas não é? –Então ele sabia também das minhas arvores coloridas. - Tome, apanhei essa manhã, pensei em você quando a vi, ainda coleciona folhas de cores exóticas?  - Ele me entregou uma linda folha amarelada com rajadas laranjas.

— Bem, sim.

— Então guarde-a, é quase que uma relíquia, imagino que não encontre outra igual, na verdade a ouvi dizendo para as crianças no outono passado que as árvores são únicas, que cada uma possui suas linhas, contornos, suas folhas tem forma própria, o próprio toque, suas próprias digitais como em uma pessoa, nunca existirá nenhuma idêntica a outra, cada qual especial, as nervuras de cada uma dita os seus estados de ânimo, foi isso o que disse não? As crianças caíram na risada assim como eu. Folhas com humor!  Foram exatamente essas as palavras que usou. Eu me lembro, ainda está fresco na minha mente porque poucas vezes vi alguém tão apaixonada e tão paciente em explicar a vida e as coisas simples a uma criança, você as entende como ninguém, é uma ótima professora.

Eu com certeza sentiria falta dele, e ele dissera tudo o que precisava ouvir.

— Rudolf, obrigada por isso, e sabe, me chame Odete, eu nunca lhe dei permissão antes e me envergonho já que você sempre foi um bom amigo.

— Não se preocupe, eu adoro monologar, por isso me tornei professor de pré-adolescentes. – Ele me disse e piscou pra mim com todo seu bom humor emanando dele. - A propósito, esta adorável esta manhã Odete, o outono realmente lhe cai bem, e ontem também estava, e para dizer a verdade na primavera também... Uma musa das estações.

— Por favor, Rudolf! Não, não me faça ficar como um pimentão. Eu...eu-  Gaguejei, não sei se por vergonha ou um tanto de temor, mas como dizer a ele que sua excessiva amabilidade não me agradava muito, que não me evocava boas lembranças? Ele parecia inofensivo mas ainda assim... -Bom, é um apelido ridículo.

— Eu sei, muito piegas, mas combina comigo não? - Ele tinha a expressão tristonha, eu não queria feri-lo mas era instintivo, minha reação de defesa - Au revoir ma chérie. – Ele piscou novamente, fez uma mesura teatral e seguiu para sua aula.  E eu também amava a língua francesa. E ele? Sabia. Era um bom amigo, eu sentiria falta de sua conversa fácil, de ouvi-lo e me sentir querida por ele com seu jeito doce e galante, mesmo que às vezes me incomodasse essa sua característica galante, era meu problema, era involuntário e infundamentado eu sabia, só não podia evitar. Culpa minha, culpa daquele verme.

 - Odete? - Me virei e lá estava Adam, não podia nem imaginar como seria não vê-lo. Ao menos nós ainda éramos amigos e nos veríamos fora da escola.

— Oi querido. - Ele notaria minha expressão, eu sabia, mas não podia enganá-lo.

— Algo errado? – Seus olhinhos compreensivos e ternos brilharam pra mim.

— Tudo está bem Adam, você já viu a Ray hoje?- Não podia preocupá-lo, apesar de sua maturidade, ele era uma criança.

— Sim, ela foi para a sala, chegou com um homem sisudo e de terno, acho que talvez seja pai dela, eles se parecem pelo menos.

— Obrigada querido e não se preocupe comigo, tenha um bom dia hoje, se comporte, tudo bem? - Dei um beijo no topo da cabeça dele. - Ah! E parabéns pelo sisudo.

Sentia meu coração martelar dentro do peito. Abri a porta pronta talvez a me deparar com a Sra. Pumps ali mesmo, ou com o pai de Ray, ou...meu Deus! Talvez outra professora já me substituísse. Mas tudo o que encontrei foram alguns rostinhos conhecidos, sorridentes e sonolentos, alguns ainda não estavam ali, mas Ray, ela estava. Ali, sentada na minha sala. Deixei meus materiais na mesa e queria muito falar com ela, saber se aquele anjinho estava bem, mas mais ainda eu queria aproveitar os meus prováveis últimos momentos com meus pequenos.

— Bom dia meus amores, já estão todos aqui não é? Então acho que eu posso fechar a porta porque ninguém está faltando. – Fui andando devagar até a porta e eu e todos na sala sabíamos quem estava faltando, Dimitri, o meu valente mas também muito sapeca. – Bem, se eu fechar a porta ninguém mais entra, e ninguém mais vai poder participar da aula das ideias corporais, e nem ganhar um pirulito premiado, é uma pena que o Dimitri não tenha vindo, vocês não acham?

— Siiiiimm.

— Olha pessoal que curioso, o nosso vaso de palmeiras está se movendo, venham ver, venham. - E todas aquelas criaturinhas correram até a porta para participar da brincadeira- Minha nossa, eu devia deixar o vaso aqui dentro não acham? Ele é raro, se move! Alguém pode tentar roubá-lo, mas espera, as folhas não são verdes? Tem algo loiro se movendo, o que é aquilo? Aaaahh! Corram, é um alien, o Bicho da Palmeira, corram, salvem os pirulitos, vamos. - Eles correram para dentro da sala, e eu também, todos fingindo desespero e gritando.

— Não, por favor, Proffi, eu quero pirulito também, espera, não sou Bicho não.

— Dimitri? Querido? Você viu aquela coisa se movendo ali atrás da nossa palmeira?- Eu perguntei a ele que tinha uma expressão culpada, de cabeça baixa.

— Era eu Proffi, me desculpa.

— Você Dimitri? Não queria participar da minha aula?- Eu me abaixei até seu nível de altura, e fiquei de joelhos porque imaginava o que tinha acontecido, e ele precisava de uma amiga.

— É que... sabe, meu irmão me disse que eu, eu pareço um maricas. - Ele tinha o rostinho vermelho e envergonhado. – Porque eu não brigo, não mato aula, e nem bato no Gustav. – Eu já imaginava, porque o irmão mais velho de Dimitri era um valentão, um garoto lindo e com um coração azul eu tinha certeza, mas que não deixava ninguém se aproximar. Me levantei e fui até a porta.

 - Meus amores vocês podem entrar agora, peguem o livro de ideias, e escrevam aquelas que vocês estão sentindo dançar na cabecinha, depois nós vamos discutir a apresentação, é muito importante, se empenhem tudo bem?

Eles entraram e eu olhei novamente para Dimitri, me abaixei e peguei seu rostinho macio entre as mãos para dizer tudo o que ele precisava ouvir, com todo o amor que eu tinha.

— E você querido? Acha que é um maricas?

— Não.

— Meu amor, você nunca deve ter vergonha de sentir medo, se você não sentir medo de nada, nunca poderá demonstrar coragem, porque ser corajoso é superar o medo, vencê-lo. Isso é ser um maricas, alguém que tem muito medo, eu tenho muitos medos, então acho que eu sou uma maricas. - Ele olhou pra mim e riu, o som dos anjos- Me diga Dimitri, você acha que se parece com uma menina?

— Não- Ele me olhou confuso.

— Isso também é ser maricas, efeminado, mas me diga também, as meninas são legais não são? A Emily sempre é doce e gentil com todos, e a Kate sempre te ajuda com os trabalhos, e a Ray ela tem olhos lindões lembra? A Fay é sua melhor amiga não é? E também é muito corajosa não acha?

— Ela é muito. – Ele disse com os olhinhos brilhando.

— Você acha que teria algo de errado em parecer um pouquinho com elas? Não na aparência porque você é um garotinho lindo, mas ser gentil como a Emily, bondosa como a Kate, inteligente como a Ray, e valente como a Fay, não seria bom isso?

— Muito. - O sorrisão estava de volta.

— Então meu amor, seu irmão é um bobo— disse sussurrando. —Porque ele não sabe quem é o irmãozinho que ele tem. Você é corajoso, bondoso, inteligente, um grande homem Dimitri, nunca deixe ninguém duvidar e não duvide nem um minuto também, eu sou uma adulta, eu entendo dessas coisas - disse com expressão solene, e ele riu com uma lágrima caindo de seu olhinho, que eu limpei com carinho- Dimitri, o Gustav é pequeno e não é tão forte, talvez ele tenha medo de colocar sua coragem para fora, então você está fazendo certo, defendendo ele para que ele tenha tempo de demonstrar sua valentia quando estiver pronto. Parabéns meu herói. Você me dá um abraço?

— Você é meu anjo Professora Oddy. – E então ele me deu um abraço tão apertado, e cheio de amor inocente que meus olhos se inundaram.

— Agora vai para dentro, eu vou te dar pirulito hoje, mas nada de burlar mais aula, tudo bem? - Eu estendi o dedo mindinho demonstrando um trato.

— Nunca mais, eu não queria mesmo perder sua aula é uma das melhores horas do dia. – Ele ia entrar mas antes se voltou pra mim, e disse as palavras que fizeram meu coração se afundar no peito. - Eu não vou vigiar o Gustav para dar tempo para ele, eu vou ser o melhor amigo dele, e vou ajudar, que nem você Proffi.

Tristeza. Eu não podia perder tudo aquilo, era o que estava sentindo agora. Tristeza.

Me levantei e fui até a sala, não sem antes olhar para trás e ter a sensação de que havia alguém me observando.

 


Notas Finais


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