1. Spirit Fanfics >
  2. Okay >
  3. Prólogo - Oliver

História Okay - Prólogo - Oliver


Escrita por: GSilva

Notas do Autor


Sejam bem-vindos à minha mais nova história, OKAY!

Essa fic é um pouco mais adulta do que os meus outros trabalhos, com cenas perturbadoras e repletas de conteúdos para maiores de idade. Aviso desde já que, se você insistir em ler, será por sua própria conta e risco. Além disso, o objetivo dessa história NÃO é, em NENHUMA hipótese, romantizar relações abusivas, como estupro ou assédio sexual; o conteúdo aqui escrito serve justamente para o contrário: mostrar como tais relacionamentos são doentios.

Obs: Essa história é contada em formato de entrevista, com algumas colocações do entrevistador (em negrito) e resposta do entrevistado.

Bom, é isso. Espero que gostem! :)

Os capítulos serão adicionados semanalmente.

Capítulo 1 - Prólogo - Oliver


Fanfic / Fanfiction Okay - Prólogo - Oliver

— Sr. Colton, nós agradecemos que tenha aceitado dar esse depoimento. Estamos muito gratos com sua colaboração e esperamos que isso nos dê um esclarecimento de toda a história.

         ...

— Poderia nos contar exatamente o que aconteceu com vocês, naquela casa? Sabemos que foi e ainda é muito chocante, mas queremos os mínimos detalhes para investigar o caso. Por favor.

 

PRÓLOGO – OLIVER

 

            As pessoas andavam de um lado para o outro, na calçada, algumas checando seus telefones e outras sorrindo. Eu mantive minha cabeça erguida, olhando para frente todo o tempo. Esperava encontrar algum sinal de segurança, de confiança. Queria que algum amigo meu, ou amiga, me encorajasse a entrar naquele prédio.

            O carro atrás de mim acelerava com uma força constante e eu temi ser atropelado sem aviso. Mas, é claro, George nunca faria isso. Eu olhei para trás, com um sorriso no rosto, e deixei meu reflexo tomar conta do vidro do carro. Pude me ver pela reflexão, um garoto numa mistura de medo e ansiedade. George sorria do outro lado, apertando os dedos em volta do volante. Ele abaixou o vidro repentinamente, quebrando o meu reflexo, e colocou a cabeça para fora da janela.

            — Qual é Oliver, você vai ou não? — Disse ele, com um sorriso desafiador, olhando na direção do prédio.

            Eu estreitei os olhos para ele e recolhi ar para poder responder.

            — Claro que vou, não seja idiotia. — Eu disse. — Não vim até aqui para subitamente desistir.

         — Então vá! — Gritou Amy, do banco de trás, claramente contente com meu nervosismo. Eu olhei para onde supus que ela estava e sorri debochadamente.

            — Não é tão fácil, ok? — Rebati.

            De fato, eles não entendiam pelo quê eu estava passando. Cheguei tão longe, cumpri tantos desafios, venci concursos e desbanquei adversários... Mas aquilo era diferente. O que aconteceria dentro daquele prédio poderia decidir meu futuro e mudar meu passado.

            — Ah, cara, você consegue. — George disse. — Ninguém é melhor do que você.

            Eu abaixei a visão para ele.

            — Tenho quase certeza que há uma lista de 500 caras 1000 vezes melhores do que eu. — Respondi.

            Ele pareceu pensativo por um momento, desviando o olhar e estreitando as sobrancelhas.

            — Tá bom. Você tem certeza. — Disse ele. — Mas só porque você nunca fez nem um comercial, não significa que não vai conseguir.

            — Eu nunca disse que não vou. — Interrompi, com um último sorriso deboche.

            Sem avisar, virei-me para trás, olhando novamente o prédio. As pessoas ainda andavam pela calçada, passando por debaixo das árvores em volta do prédio. Eu queria estar ali. O Sol quente tinha esgotado toda a minha energia, me deixando mais exausto e com os braços molhados de suor. Gotas de suor também ameaçavam cair por minhas têmporas, mas eu as espantava assim que sentia suas presenças. Meu cabelo já não estava muito bom, então não precisava do suor para atrapalhar tudo ainda mais.

            Engolindo em seco, avancei. Os pequenos conjuntos de prédios que cercavam o local pareciam adoráveis, com seus tijolos expostos e janelas acesas. Não pela última vez, desejei estar em algum lugar calmo, talvez uma praia ou um campo. Mas não. Eu precisava fazer aquilo. Precisava entrar no prédio e terminar mais um desafio.

            Nunca fui de me estressar muito, ou de ficar ansioso, mas senti minhas mãos suando quando cheguei na frente do prédio. Atribuí isso ao calor, não querendo imaginar o que aconteceria se eu tivesse uma crise de ansiedade durante o teste. Afastei as imagens horrorosas da minha mente, mas ainda assim dei um sorrisinho imaginando as cenas.

            Na verdade, eu estava no meu máximo. Eu sempre quis estar ali, mas, quando recebi a carta avisando que meu teste seria em um mês, quase desmaiei de tanta felicidade. O Instituto de Artes de Los Angeles não era para qualquer um.

            Inaugurado em menos de um ano, o Instituto de Artes se tornou o maior centro de qualquer tipo de artes em toda a Califórnia. Todos se admiravam com suas exposições e suas obras. Então, imagine a minha felicidade quando recebi uma carta dizendo que estava sendo convocado para o teste de Jovens Atores. Foi o momento mais feliz da minha vida, mas também significava que eu precisava ser forte.

            Minha família me apoiou por um tempo, mas meus pais nunca acreditaram realmente na minha carreira de ator. Pelo contrário, eles já tentaram mudar meus desejos, dizendo que ser advogado era mais a minha cara. George e Amy, meus únicos verdadeiros amigos, foram os únicos que realmente ficaram do meu lado. Eles me encorajaram e até aceitaram a me levar até o Instituto no dia do teste.

            Eu treinei durante dias, fazendo caretas na frente do espelho, encenando monólogos, participando de desafios e concursos. E, é claro, todos à minha volta diziam que eu era impecável. Acreditei, obviamente, mas a dúvida ainda permanecia na minha mente. E se eu não conseguisse passar?

 

            Deu um passo à frente, subindo no pequeno degrau de entrada ao Instituto. Não olhei para trás, porque sabia que quereria voltar se o fizesse. Mantive meus olhos centrados na grandiosa porta giratória de entrada. Notei os detalhes.

 

            As pessoas que saíam, ou as que entravam, usavam roupas incrivelmente chiques, de aparência cara. Mulheres com saias que passavam dos joelhos, blazers e coques bem alinhados. Homens de ternos e maletas misteriosas. Nenhuma pessoa olhou para mim, parado na entrada, com meus jeans velhos e meus sapatos desamarrados. O vento agitava meus cabelos e eu presumi que não poderia entrar e ir direto para o banheiro, a fim de ajeitar a bagunça. Respirei fundo. Era melhor não ficar pensando em todos esses assuntos de beleza. Algumas pessoas já tinham dito que eu era bonito demais para um garoto de dezoito anos, mas nunca confiei muito na minha aparência.

            Com mais um passo à frente, empurrei a porta giratória. O vidro gélido me deu arrepios. O ar dentro do prédio era agradavelmente mais gelado do que o ar de fora, com certeza sem toda aquela poluição da cidade ou o mormaço. Tive que piscar algumas vezes e olhar em volta freneticamente para poder ver onde havia entrado. Eu nunca tinha estado lá, e aquele foi um choque.

            O Instituto era impecável. A porta me deixou num salão enorme, adornado por mármore no chão, e grandes paredes tingidas de marrom. A luz do sol entrava por uma claraboia no teto, bem acima do chão, e preenchia todo o local com uma matiz dourada que dava a tudo um tom de ouro. Tudo lá dentro parecia incrivelmente caro e cuidadoso, como se tudo fosse feito de ouro ou bronze.

            Quando dei meu primeiro passo lá dentro, notei as minhas chances. Eu era só um garoto, contra todo aquele mar de pessoas. Apenas mais um. Com certeza centenas de garotos como eu já tinham sido expulsos dali por demissões ou inadmissões. Rezei para que o mesmo não acontecesse comigo, mas percebi que minha derrota era quase inevitável. Aquele era o Instituto, com suas paredes douradas e pessoas bem-vestidas, e eu era apenas um garoto.

            Engolindo em seco, olhei em volta. O salão se abria para três lados, sendo que um deles estava uma exposição de quadros. Soube que aquele não era o meu caminho. Dois corredores abriam-se simetricamente nos dois lados do salão e eu olhei para eles. No que seguia para a direita, vi uma pequena placa.

            “Jovens Atores. Audições e testes aqui.”

            Virei-me na direção certa e comecei a andar novamente. As pessoas passavam ao meu redor e, cada vez mais, senti o peso por estar tão deslocado naquele local. Sinceramente, eu parecia um filhote fora do ninho.

            Quando me aproximei da entrada do corredor, vi uma pequena bancada com alguns atendentes, todos cuidadosamente vestidos e disciplinados. Eu soube que era por ali, principalmente porque um dos atendentes se virou para mim e sorriu.

            — Está aqui para o teste? — Disse ele. Eu confirmei com a cabeça, engolindo em seco. — Nervoso?

            — Um pouco. — Respondi. O sorriso dele se alargou, mas suas sobrancelhas se franziram.

            — Não precisa ficar ansioso. É só um teste. Tome, assine aqui.

            Por cima do balcão, ele me passou uma prancheta com uma única folha que continha inúmeros nomes, todos masculinos. Eu senti uma aversão por aquilo, não sei exatamente porque, mas percebi que eu teria que competir com mais ou menos vinte e cinco garotos. Se eu saísse vitorioso, iria praticamente estar destruindo o sonho deles; se algum deles saísse vitorioso, meu sonho seria destruído.

            O atendente jogou uma caneta na minha direção, que veio rolando pelo balcão até eu estender a mão para pegá-la. Meu nome estava quase no final da lista, um dos poucos atores que tinham “O” como inicial. Um espaço vazio ao lado me indicava onde fazer a assinatura. Porém, por algum motivo, eu não pude.

            Simplesmente não quis colocar a caneta no papel e rubricar o meu nome, inexplicavelmente.

            — Ei. — Disse o atendente. — Posso te contar um segredo?

            Eu olhei para ele, despertando do devaneio.

            — Claro.

            — Está vendo todos esses nomes aí? — Ele respondeu, olhando para a prancheta. — Eles dizem que vão escolher apenas um de vocês, mas não é verdade. Os dez melhores serão contratados.

            — Dez?

            Ele assentiu, com um sorrisinho.

            — Sim. Isso significa que você tem mais chances de passar. — Ele respondeu. — Vamos, assine isso, entre lá e dê o seu melhor.

            Desviei o olhar do dele, por um breve segundo, apenas para rabiscar o meu nome ao lado do meu lugar na lista. Motivado pelas palavras dele, eu sorri e deixei a prancheta em cima do balcão, me virando para entrar no corredor.

 

            O caminho descia em níveis até uma sala inferior, como escadas prolongadas. Ao longo das paredes, luminárias de aparência caríssima iluminavam todo o corredor, fazendo-me piscar cada vez que passava por um foco de luz. Conforme fui me aproximando da sala dos testes, o som de conversas e risos foi se intensificando. É claro que eles estariam rindo.

            Quando a sala se abriu para mim – um cubo perfeito, com paredes cor de creme e colunas que sustentavam o teto, sem janelas ou falhas nos adornos –, eu tive a certeza de que aquilo seria mais difícil do que pensava. Todos riam e conversavam porque todos estudavam artes cênicas em conjunto. Eu era o intruso, o garoto que tinha se mudado para Los Angeles e estava tentando conseguir uma vida melhor. Todos se conheciam, provavelmente há anos, e isso apenas aumentava a rivalidade. Ninguém quer receber algo grandioso, sabendo que seus amigos ficariam magoados por isso. E, obviamente, eu não tinha nem um amigo ali.

            Grupos de pessoas se espalhavam pelo salão, todos conversando. Eu entrei e imediatamente senti os olhares deles sobre mim, o clima da sala mudando. Por que eu chamava tanta atenção assim? Se eu já estava praticamente recusado, por que queriam olhar para mim? Talvez eu fosse um motivo de piada, de distração, enquanto eles se preparavam.

            Não fui muito para o interior da sala, de modo que nem vi o set montado apenas para o teste. Ao invés disso, olhei rapidamente para o lado e percebi que aquele lado do salão estava quase vazio. Sem captar mais o olhar de ninguém, encostei-me à parede da sala e fiquei esperando.

            A pior parte foi a espera. A ansiedade também veio, como um formigamento no meu estômago. Minhas mãos suavam e eu estava começando a ficar um pouco tonto.

            Não tinham me dado algum texto, ou alguma fala para decorar. Tudo o que eu sabia era que tinha que fazer um teste. Fiquei pensando em como faria isso, como chegaria à frente da mesa dos jurados e interpretaria algo completamente improvisado. Eu nunca fui bom em improvisar, algo que a atuação não leva muito em conta. Eu fui treinado para interpretar personagens existentes, em enredos existentes, e não a improvisar ou criar algo.

            Os nomes estavam sendo chamados na ordem alfabética, então, obviamente, o meu estava quase no final. Cada pessoa que se apresentava, saía da sala; algumas passavam sorrindo ao meu lado, outras pareciam mais tensas do que eu. Num momento, vi um garoto com uma aparência um pouco esverdeada e imediatamente pensei em como eu estava parecendo. Será que eu estava nervoso? Será que eu parecia despreparado? Será que...

            — Oliver Colton!

            Meu nome percorreu todo o salão, ecoando. Vi algumas pessoas olhando para mim, como se soubessem que meu nome era Oliver.

            — Oliver Colton! Está aí?

            A voz perguntou novamente, sem dar muito tempo entre as chamadas. Eu limpei a garganta e dei um passo à frente.

            — Estou aqui! — Elevei a voz, também a fazendo ecoar pelo salão.

            Imediatamente, como um impulso nervoso, os garotos que estavam ao meu redor formaram um círculo quase perfeito, todos olhando para mim como se eu estivesse prestes a desmaiar. Eu dei mais um passo à frente e o círculo se abriu mais, formando um corredor. Mirei o outro lado da sala e comecei a andar.

            De mais perto, pude ver o set completo. Não era bem um cenário, pois não continha materiais artificiais e nem mesmo alguma foto no fundo. Era só um pano branco, uma câmera na frente e uma bancada de jurados. Nada demais. Era só um teste. Engoli em seco e me aproximei.

            — Estou aqui. — Repeti, consciente de que minha cabeça estava um pouco abaixada.

            — Você é Oliver Colton? — Perguntou o jurado do meio.

            Eram três jurados, dois homens e uma mulher. Um dos homens usava um longo sobretudo, cachecol de lã (apesar do calor sufocante) e parecia estar usando lápis de olho. A mulher parecia gentil, com a pele bronzeada e os cabelos caindo em cachos cuidadosamente penteados. Ela sorria para mim. Mas, realmente, o jurado do meio, o segundo homem, foi o que mais me preocupou. Ele não parecia nada amigável, com sobrancelhas desenhadas em formato rude, o rosto em uma carranca, usando roupas pretas de um funeral.

            — Sim. — Respondi, exclusivamente para ele.

            — Pois bem. Achei quer era só mais um cachorrinho abandonado. Vamos, levante essa cabeça, garoto! — Ordenou ele.

            Por um momento, eu contive o impulso de olhá-lo com a cara fechada e cerrei os olhos. Ele estava certo, eu devia estar parecendo um cachorrinho abandonado. Inflando os pulmões, ergui a cabeça.

            — Garoto. — Disse o homem de cachecol. — Queremos que você interprete um caso.

            Eu olhei para ele. Dos três jurados, ele foi o que mais me chamou atenção, o que mais tive proximidade. Sua voz parecia mais afeminada do que do outro homem, e seus gestos indicavam algo a mais. Ele continuou.

            — Você não é mais o Oliver. Agora você um garoto que acabou de terminar um namoro sério com seu namorado, mas voltou atrás e está tentando ter uma conversa séria com o homem que você ama.

            Engoli em seco, olhando-o seriamente. Então era isso, eu deveria ter ensaiado mais. Eles exigiram a única habilidade de ator que eu não tinha: improviso. Porém, não foi isso que me deixou boquiaberto. Como ele descobriu que eu era gay? Não podia ser apenas uma suposição.

            — Sério? — A mulher perguntou, elevando a voz uma oitava acima. — Mais um dos seus casos de gay?

            Ela olhou para o jurado de cachecol.

            — O que é? — Disse ele. — Representatividade importa.

            — Vamos, Oliver, faça logo isso. — O jurado do meio ordenou.

            Eu olhei para ele por um tempo e depois abaixei a cabeça.

 

            O que eu precisava fazer? Como precisava interpretar um papel completamente novo e improvisado? Além de que, infelizmente (ou felizmente), eu nunca tinha namorado alguém e depois terminado com tal garoto. Eu não tinha experiência naquilo, não sabia como uma pessoa naquela posição poderia agir... Pense, Oliver. Pense.

            A primeira coisa que formulei na minha cabeça foi o cenário. Imaginei-me num parque, onde o céu estava nublado e o vento forte. Um garoto repousava na minha frente, sentado num banco da praça. Ele parecia lindo, conforme meu cérebro montava seu rosto fictício. Depois, formulei as falas e, finalmente, me preparei para começar.

            Eu sempre odiei monólogos, porque é estritamente proibida qualquer interação do ator (ou atriz) com outra pessoa – nem um olhar para a plateia. Mas, quando abri os olhos, não estava mais no Instituto de Arte.

            Eu estava no parque.

            A cena se materializou à minha frente e a única coisa que eu consegui fazer foi agir como se realmente estivesse lá, com uma decepção amorosa e um ex-namorado magoado.

            — Não pense assim... — Eu disse, em tom triste, olhando para o garoto à minha frente. — Não pense que eu não te amo.

            — Mas você não me ama. — O garoto respondeu, elevando a voz. Vi que seus olhos estavam vermelhos.

            — É claro que eu te amo. Sempre vou te amar. É só que... — Continuei. — É só que eu não estou pronto. Ainda não.

            — Como pode dizer que me ama e logo depois dizer que não está pronto para ficar comigo? Isso é desumano.

            — Eu sei que te magoei, várias e várias vezes. E é justamente por isso que não podemos ficar juntos. — Respondi, com uma inquietação surgindo em meu corpo. Senti um calafrio atravessando minha espinha, e um enjoo sem motivos. De repente, lágrimas falsas apareceram em meus olhos. Não me dispus a pensar se estava de fato chorando ou se aquilo era só mais uma alucinação do monólogo. — Eu quero muito, muito, muito mesmo ficar com você. Mas somos destrutíveis.

            — Nós não somos.

            — Somos, sim. Eu te destruí. Eu te amei e te destruí por causa disso.

            Respirei fundo, enquanto as lágrimas caíam pelo meu rosto. Senti meus olhos queimando e minha mente girava num furacão de sentimentos.

            Foi quase como um sexto sentido ou algo do tipo. Eu vi a cena. Tudo parecia tão real: o parque, o garoto, as lágrimas, as decepções. Foi como se eu tivesse herdado toda a dor de alguém que nunca vi. Justo eu, que nunca soube criar algo ou improvisar numa cena.

            E, quando abri os olhos novamente, percebi que tinha dado certo.

 

            Ver a sala dos testes novamente foi como levar um choque de realidade. Primeiro, vi todas as pessoas olhando para mim. Não só olhando, elas estavam literalmente me encarando, sem parecerem respirar. Eu senti uma vergonha súbita, consciente de que estava sendo o centro de atenções.

            — Esses foram os trinta segundos mais bem dramatizados da história. — Disse o homem de cachecol, batendo palmas alegremente. Os outros dois jurados pareceram receosos.

            — De fato. — Disse a mulher.

            O jurado do meio olhou para mim, semicerrando os olhos, e pareceu ficar pensando por um momento. Eu aproveitei o silêncio e a quietude do momento para secar as lágrimas que tinham caído dos meus olhos. Ele engoliu a saliva antes de falar:

            — Pois bem. Entraremos em contato. Você já está liberado.

            — O que? — Perguntei. — Liberado? Isso significa que eu passei.

            — Não, significa que você está liberado. — Ele rebateu. — Também não significa que você foi eliminado. A sua performance (uma bem curta, se me permite dizer), vai ser avaliada e nós entraremos em contato.

            — Ah, qual é. — Disse o jurado de sobretudo. — Ele foi ótimo. Nós devemos contratá-lo agora mesmo.

            — Não estou de acordo com isso. Acho que o desempenho dele deve ser estudado. — O jurado do meio respondeu.

            — Ele está certo, Fred. Para isso existe essa câmera. — A mulher respondeu. — E, além do mais, o voto deve ser unânime. Devemos chegar num consenso. Não basta apenas o seu voto para aprová-lo.

            — Mas...

            — Sem mais. — O jurado do meio interrompeu, olhando para mim. — Você está liberado.

 

            Eu simplesmente não soube o que fazer naquele momento. Não sabia se devia discutir com ele, brigar com um dos jurados, ou se deveria sorrir e agradecer pela oportunidade. Pensei em fazer as duas coisas ao mesmo tempo: brigar com o jurado do meio, mas agradecer o jurado de cachecol (que, supostamente, se chamava Fred). Sem ter certeza de qual opção seguir, e sentindo que as lágrimas ameaçavam surgir novamente, sorri e disse:

            — Obrigado.

            Conforme fui me afastando da mesa dos jurados, as pessoas foram se afastando de mim. Eu senti os olhares delas me perfurando como navalhas, senti a dor de estar sendo o centro das atenções. Eu não queria que eles me vissem chorar, e só Deus sabe o quanto eu queria chorar naquele momento. Apertei o passo até conseguir sair da sala.

            Foi a primeira vez que eu o vi. Eu estava tão cego, tão cansado por ter sido feito de tapete pelo jurado mais “cara-fechada”, que não percebi onde estava indo. Sem querer, acabei esbarrando em algo, na hora que saí do corredor. Apenas após algumas insistências da minha atenção, consegui perceber o que era: um carrinho de limpeza – daqueles que carregam vários produtos de limpeza, panos de tirar pó, espanadores e coisas do gênero. Um homem conduzia o carrinho. Ele olhou para mim quando passei por ele, e senti algo estranho. Não sei se foi o meu cérebro, percebendo que aquele era um sinal para fuga, que me deu aquela sensação, ou se foi algo a mais. Porém, senti tudo ficando em câmera lenta. Ele parecia idoso, com uns cinquenta anos, mais ou menos. Usava um macacão cinza da limpeza e parecia consternado por ter sido praticamente atropelado por mim.

            Eu sei o que você deve estar pensando, mas não. Eu não o achei atraente.

            — Desculpe. — Murmurei e saí correndo, mirando a porta de saída.

 

            Eu realmente precisava sair de lá.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...