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História Okay - A vítima


Escrita por: GSilva

Notas do Autor


Feliz ano novo, pessoal <3 Que os sonhos de todos vocês se realizem em 2017...

Capítulo 11 - A vítima


CAPÍTULO 10 – A VÍTIMA

 

Nenhum dos garotos falou alguma coisa quando o sequestrador começou a puxar o Erick (que estava tremendamente desesperado) para o andar de cima. Não podíamos fazer nada porque vimos que dois homens estavam no topo da escada, como guardas, com revólveres nas mãos. Eu não queria deixá-los assassinarem o Erick, mas também não queria perder a minha vida. Eu também não disse nada enquanto o sequestrador puxava o garoto escada acima. Fiquei olhando, petrificado, tentando digerir o que o sequestrador havia dito.

— Não faz sentido. — Yian sussurrou ao meu lado, enquanto os homens fechavam o alçapão. — Ainda estamos em quatro, isso vai totalmente contra a ordem.

— Eu também não estou entendendo. — Respondi, olhando para ele.

Fiquei imaginando se Yian, que já tinha visto muitos garotos sendo levados pelo sequestrador, ficava assim toda vez que um garoto era retirado do porão.

— Nós não vamos morrer. — Kaio respondeu. — Não enquanto eu gerir esse grupo.

— E você vai fazer o quê? — Perguntei. — Vai dar um jeito de lutar contra o sequestrador e contra toda essa “trupe” do sequestro?

— Não. — Ele disse.

— Então o que pretende fazer? — Elevei a voz. — Porque tudo o que você fez desde que eu “o deixei no comando” não foi nada bom. Eu deixei você fazer os planos e o Erick foi levado!

— Isso não é uma monarquia, Oli. — Yian respondeu gentilmente. — Não temos ordenadores e subjugados.

— Eu sei, mas o que ele está pedindo é impossível. Vocês me avisaram há algum tempo e eu não ouvi, mas posso dizer com a máxima veemência agora: é impossível lutar contra ele. — Respondi. — Se lembra do que o sequestrador disse quando eu o ameacei? Ele disse que sabia que isso não acabaria com a sua morte e novas pessoas tomariam o controle sobre as nossas vidas.

— Me desculpe por isso, Oliver, mas eu queria ajudar! — Kaio gritou, fazendo sua voz ecoar pelo porão vazio. — Eu não queria ver mais um garoto morrer. Acha que isso estava nos meus planos? É claro que não!

— Parem de gritar. — Alan interrompeu, parecendo terrivelmente perturbado, entrando na nossa frente e bloqueando qualquer contato entre os membros do grupo. — Eu não… Eu não consigo pensar.

Subitamente, todos nós ficamos em silêncio. Foi como se o Alan fosse uma pessoa muito importante, pois Kaio e Yian ficaram olhando para ele com seus olhos vidrados, bem abertos. Eu não via o porquê daquilo. Para mim, Alan era só mais um garoto tímido que se escondia, por medo.

— O que… O que o Montmore disse para você, Oliver? — Alan perguntou, virando-se para mim com o cenho franzido. — Não minta. Eu sei que ele disse algo, só não sei o quê.

— Ele… — Eu gaguejei. Parecia uma pergunta muito incomum para o momento, principalmente porque eu ainda não havia entendido o significado da frase que Montmore disse. — Ele falou que o sistema está acabando, ou alguma coisa do gênero. Eu não entendi.

Alan desviou o olhar, murmurando alguma coisa num volume inaudível. Ele parecia ultra concentrado, com as mãos levantadas e os dedos mexendo-se como se estivesse tocando piano. Eu o observei até que ele parasse.

— Deve ser isso. — Disse ele. — O sistema. Ele está acabando.

De repente, Kaio se aproximou do garoto e colocou uma de suas mãos no ombro de Alan. Foi um gesto mínimo, mas carinhoso, algo que eu nunca tinha visto no Kaio. Eu comecei a pensar diferente em relação a ele depois daquilo.

— O que você quer dizer, Alan? — Kaio perguntou.

— O sistema. Estamos num sistema, não estamos? — Alan perguntou, esbaforido. — Somos sempre um grupo de quatro, nunca a mais, nunca a menos. Se um de nós morrerá em breve, o número se reduzirá a quatro, certo? Isso significaria que o sistema está acabando.

Kaio exalou lentamente, parecendo avaliar a situação.

— Faz sentido. — Disse ele. — Mas por que Montmore disse isso justamente para o Oliver, consegue descobrir? O que esse garoto tem de diferente?

— Eu não tenho nada de especial. — Interrompi, olhando seriamente para Kaio. Eu duvidava que ele pudesse me enxergar na escuridão, mas mesmo assim decidi fuzilá-lo com os olhos.

Por algum motivo, a implicância do Kaio pareceu dar um tempo e ele ficou em silêncio. Eu aproveitei a oportunidade para me afastar, a fim de não ser mais metaforicamente apedrejado por qualquer acusação do Kaio ou do Alan. Fui caminhando até a parede oposta do porão, onde bati as costas contra os tijolos e fiquei parado. Segundos mais tarde, Yian se juntou a mim.

Eu me perguntava o porquê dessa aproximação do Yian. Tudo bem, eu tinha tentado ajudar (de alguma forma), mas não conseguia descobrir por que ele parecia mais próximo a mim do que aos outros garotos. Eles passaram por muitos outros problemas, juntos, e eu tinha sido o “invasor”. Eu tinha causado problemas a eles. Por que Yian insistia em se aproximar? Talvez porque ele achava que eu era a solução. Mas eu não era.

— Não ligue para o Kaio. — Yian disse, aproximando-se. Eu pude ver apenas a silhueta dele se aproximando e o som de seus passos silenciosos.

— Eu não ligo.

— Liga, sim. — Ele rebateu. — Dá pra ver que você está irritado. Sabe… Ele só deve estar consternado por causa do Erick, nada mais do que isso. Ele só precisa de um tempo.

— Eu também estou consternado. — Respondi. — Não dá pra tirar da cabeça a ideia de que poderíamos ter feito algo para salvá-lo. Sei lá, qualquer coisa. Podíamos nocautear os seguranças, estamos em um número maior, podíamos ter corrido…

— Você acabou de falar para o Kaio que não podemos lutar contra o sequestrador. — Ele protestou. — E, além disso, eles tinham armas. Com apenas um revólver, poderiam matar todos nós.

Fiquei em silêncio. Ele estava certo. Eu não estava pensando direito, achava que poderia ter salvado a vida do Erick (se é que ele tinha sido morto), mas não podia. Eu não poderia ter feito nada, não poderia ter nocauteado ninguém, não poderia ter corrido. Meu Deus, eu nem sei lutar e nem tinha ideia de onde ficava a saída daquela casa.

— Eu sei. Eu sei. — Respondi. — Desculpe.

— É como eu disse: estamos consternados. Mas não adianta ficar tentando achar soluções para algo que já aconteceu. Não podemos salvá-lo agora e não adiantará em nada ficar colocando mais peso sobre nossas costas. — Yian respondeu.

Eu olhei para ele e sorri na escuridão. Ambos não queríamos admitir, mas havia algo na nossa conversa que acalmava a nós dois.

— E o que vai acontecer agora? — Perguntei. — Como vamos aguentar mais uma morte?

A voz dele estava carregada de pesar quando respondeu:

— Eu não sei. Eu sinceramente não sei.

 

***

 

De alguma forma, esse garoto, Yian, era muito mais próximo a você do que os outros garotos. Você acha que isso se dá ao fato dele também ser homossexual, como se ele visse em você uma esperança que os outros não viam?

 

Para falar a verdade, eu nunca parei para pensar nisso. Mas, analisando bem, eu acho que sim, deve ser algo por aí. Desde o primeiro momento que vi os garotos, encolhidos contra a parede do porão quando o sequestrador ligou a luz, eu percebi que Yian era diferente. Ele parecia mais aberto, mais receptivo, e foi o único garoto que me acolheu quando eu precisei, lá no início. E ele sempre pareceu gentil, cuidadoso. No princípio, eu achei que ele tinha toda essa bondade porque queria algo, mas nunca quis me aprofundar muito no assunto.

Naquele dia nós não estávamos pensando muito bem. Estávamos cansados, famintos, consternados pela suposta morte do Erick… Por isso, acho que achamos um no outro a sustentação de que precisávamos.

 

Eu e Yian ficamos afastados dos outros dois garotos por mais ou menos duas horas. Ele disse que estava com algumas dores, então se sentou no chão e eu o acompanhei. Senti pena dele naquele momento, principalmente porque ele parecia mais abatido do que eu. Eu podia sentir isso na voz dele.

— Você está aqui há pouco tempo, mas tempo suficiente para virar meu amigo. — Ele disse, quando estávamos num profundo silêncio.

— Sim. — Respondi. — É, eu acho que sim.

— Mas você nunca contou algo real sobre a sua vida. Tipo, eu só sei o seu nome, e da sua aparência, só me lembro da cor dos seus olhos. — Ele respondeu.

— Bom, eu não gosto muito de falar da minha vida. É um desastre. Quero dizer, existem alguns pontos bons, mas… Mas no total é um completo desastre. — Respondi. — Por quê? O que você quer saber?

— Sei lá. — Ele respondeu. — Comece pelo início. Onde você morava antes de vir para cá?

Eu respirei fundo, pensando seriamente se deveria falar da minha vida pessoal para o Yian. Porém, como já disse nessa entrevista, agora há pouco, e em outros relatórios, ele era o garoto mais próximo a mim. Além disso, eu precisava conversar para me distrair.

— Eu morava na Dinamarca. — Respondi. — Meus pais são dinamarqueses, mas meus avós eram ingleses. Eu cresci em Copenhague, a capital, até meus dezoito anos, quando decidi que queria vir para a América.

— Nossa… Dinamarca? Sério? Você não tem sotaque. — Ele respondeu.

— Meus avós sabiam inglês e sempre me ensinavam quando podiam. Eu sei falar inglês fluentemente desde os seis anos de idade. — Respondi.

— E por que quis vir para os Estados Unidos? A Dinamarca não é tão legal assim? — Yian perguntou novamente. Havia um tom de risada na voz dele e eu desejei mais do que tudo poder ver o sorriso dele.

Eu sorri e respondi rapidamente:

— A Dinamarca é legal, tem seus pontos turísticos e tal, mas sempre achei a América mais interessante. E além disso, Los Angeles tem várias oportunidades para jovens atores. — Respondi. — Isso é outra coisa que eu acho que você não sabia sobre mim: eu sou ator. Eu me esforço, quero dizer. Vim para a América com o objetivo de iniciar uma carreira a partir do Instituto de Artes de Los Angeles. Dois amigos vieram junto comigo, George e Amy, mas eles devem estar longe nesse instante. Ou mortos.

— Não fale assim.

— Então por que eles não estão procurando por mim? — Perguntei, quebrando completamente o clima agradável da conversa.

— Talvez porque eles sabem que não podem, porque é perigoso. — Yian respondeu. — Você não pode pensar que todos te abandonaram.

 

Eu costumava me perder nas conversas com Yian, algo que geralmente me distraía (o que era bom), mas naquele momento fomos interrompidos por algo além de nossas vozes. Eu não entendi direito – e creio que os outros garotos também ficaram perplexos – quando o alçapão do porão se abriu, porém, não podíamos enxergar nada além de uma fraca luz que vinha do andar de cima. Era uma luz diferente, da cor amarelada ao invés da costumeira luminosidade branca.

Ficamos parados enquanto o sequestrador descia as escadas, segurando uma vela nas mãos. Ele parou na base da escadaria e olhou em volta, erguendo a chama e iluminando o porão. Seus olhos caíram sobre mim e ele sorriu.

— Vocês devem estar cansados. — Disse ele, exasperado. — Eu também estou. E com fome. Vocês estão com fome?

Miramos o rosto dele, mas não respondemos. De alguma forma, era uma pergunta torturante, sádica, como perguntar a um escravo se este está sentindo fome ou cansaço. Retoricamente, ele se virou e começou a subir a escada novamente.

— Me sigam. — Disse ele.

Eu não teria seguido. Todos os meus sentidos e previsões sugeriam que aquilo não acabaria bem, que, se subisse, eu iria me arrepender. Porém, quando o sequestrador se virou e eu pude ver o lado dele que antes estava escondido sob as sombras, notei que ele carregava um facão na mão que não estava segurando a vela.

Yian estava estático ao meu lado, parado como uma estátua, então tive que entrelaçar o meu braço ao dele para fazê-lo se mover.

— Vamos. — Eu sussurrei. — Se não formos por bem, ele vai nos obrigar.

Ele olhou para mim e assentiu levemente, então começamos a andar. Os outros dois garotos já estavam no encalço do sequestrador, subindo para o andar de cima, e eu respirei fundo antes de pisar no primeiro degrau.

 

Havia uma porta, no final do corredor, que sempre esteve fechada quando eu precisei subir ao andar de cima. Eu nunca vi o que havia atrás dela, algo escondido, talvez algo perigoso. Naquela hora, uma luz amarelada saía pela porta e se derramava pelas paredes do corredor, como luz de fogo.

— O que há ali? — Eu perguntei baixinho, tão baixo que mal pude escutar.

— É a sala de jantar. — Disse Yian, sem parar de andar.

Fomos nos aproximamos e a luz foi se tornando cada vez mais brilhante. Finalmente, cheguei perto o suficiente para descobrir o que havia além da porta.

Como Yian disse, era a sala de jantar. Ou, a sala de um verdadeiro banquete. Havia uma mesa longa e retangular no centro (aquelas com mais de vinte e poucos lugares), com um jantar muito diversificado sobre a superfície, quadros nas paredes e espelhos. Todas as paredes eram de madeira, adornadas com molduras douradas. Eu fiquei imaginando como uma sala tão grande cabia naquela casa e quem, por que e quando havia construído aquilo.

— Sentem-se. — O sequestrador ordenou, apontando para a as cadeiras. — Por favor. Eu fiz um banquete para vocês.

Olhei em volta como se nem tivesse escutado o que homem havia dito. Tinha um espelho na parede direita, logo após a porta, pendurado acima de um armário de pratos. Eu pude ver meu reflexo pela primeira vez em dias. Não posso dizer que não fiquei espantado: eu estava magro, muito magro, comas pontas dos ossos aparecendo sob a pele, o cabelo bagunçado, sujo e embaraçado, o corpo dolorido e cheio de hematomas.

— Oliver. — O sequestrador repetiu. — Por favor, sente-se.

Ele apontou com o facão para a cadeira à minha frente, na ponta oposta da mesa. Sem ter o que fazer, puxei a cadeira e me sentei, enquanto Yian, Kaio, Alan e o sequestrador sentavam-se no outro oposto da mesa. Foi apenas nesse momento que eu notei que a luz amarelada vinha, de fato, de diversas velas espalhadas pela sala, sobre os armários e em candelabros nas paredes.

— Vocês devem estar se perguntado “por que ele fez isso?”, ou dizendo “isso é truque”. — O sequestrador começou a falar, num tom extremamente diferente. À meia luz alaranjada, ele parecia ainda mais ameaçador. — Mas não é. Isso não é um truque. Eu só quis fazer um jantar especial para vocês, que conseguiram sobreviver até agora.

— Muito considerável da sua parte. — Respondi. Os garotos olharam para mim com uma clara expressão de espanto. O sequestrador apenas exibia um sorrisinho.

— Sim, de fato. — Disse ele. — E há mais. Eu preciso compartilhar um segredo com vocês, vindo do alto patamar desse sistema.

De repente, ele se levantou e agarrou uma garrafa (que parecia ser de vinho) que estava logo à sua frente. Abaixei meus olhos para os conteúdos sobre a mesa pela primeira vez. Havia saladas, cereais, a maioria dos tipos de carne e frutas. Também não posso dizer que não queria desesperadamente comer tudo aquilo.

— Acontece que vocês são especiais. — O sequestrador continuou, andando para o lado. — O nosso sistema decidiu que você são mais do que merecedores disso tudo, por terem sobrevivido até agora. Podem não ter percebido, mas, desde que chegaram, foram submetidos a diversos testes. E, meus parabéns, passaram em todos. — Ele pegou a taça que estava no espaço do Yian à mesa e a encheu de vinho, depois fez o mesmo com os outros dois garotos. O curioso é que nenhum dos garotos tocou o líquido na boca naquela hora.

O sequestrador começou a andar na minha direção, mas foi interrompido no meio do caminho.

— Se somos vencedores, de alguma forma, por que você disse que um de nós vai morrer? — Kaio perguntou, elevando a voz.

O homem se virou com as sobrancelhas arqueadas respirando fundo. A garrafa de vinho dançava em sua mão e eu tive certeza de que ele já havia bebido um pouco.

— Porque esse é o último teste. — Ele respondeu. — Um de vocês deve morrer para que os outros sobrevivam. Depois disso, terão paz e sossego no nosso sistema. Não ficarão completamente livres, mas serão tratados como eu sou. Não sofrerão mais dores, não passarão fome.

— É mentira. — Interrompi. — É mentira e você sabe que é. Ou talvez não. Talvez os seus superiores tenham te enganado também.

— Oh, não. — Ele respondeu. — Não é mentira. Eu sei que não é. Sei, porque também já estive nos seus lugares, já fui sequestrado, e hoje estou aqui.

— Você já foi como nós? — Alan, que estava sentado na outra ponta da mesa, perguntou. O garoto estava com lágrimas nos olhos, pelo que pude ver, e parecia especialmente comovido pela suposta chance de paz que estava sendo oferecida.

— Já, claro. — O sequestrador disse, virando se para mim e pegando a minha taça. O vinho tinha uma cor mortal. — E há anos, fui trazido a esta mesma sala, com outros quatro garotos. Eu era o mais velho, o único adulto, mas ainda assim… Eles me ofereceram a mesma cosa, a mesma chance que estou dando para vocês. E eu aceitei. A única coisa que precisei fazer foi comer e beber.

— Só isso? — Yian perguntou. — Comer e beber?

O sequestrador se virou para ele e depois disse, sorrindo:

— Sim, só isso. E depois não sentirão mais nada.

 

Eu franzi as sobrancelhas e interiormente questionei a última frase do sequestrador, mas, ainda assim, olhei para o meu prato. O conteúdo já estava posto, um ensopado de carne, mas a aparência não parecia muito acolhedora, assim como o vinho na minha taça.

Kaio foi o primeiro a começar a comer (o que achei estranho, já que ele sempre foi desconfiado), mas tudo parecia correr conforme um jantar normal. Alan foi logo depois, dando um belo gole no vinho. E eu continuei a mirar o meu prato com as sobrancelhas arqueadas. O que o sequestrador queria dizer com “e depois não sentirão mais nada”? Aquilo não parecia confiável, nem um pouco, e, além da frase, o tom dele parecia muito diferente. Não demorou muito para Yian agarrar a taça de vinho, mas só percebi o que tudo aquilo queria dizer quando ele tocou o líquido nos lábios.

— Não! — Eu gritei, com a minha voz ecoando pela sala. Sem pensar duas vezes, levantei-me e joguei o prato com a comida e a taça ao chão. — Não beba! É um veneno!

Gritei novamente e saí correndo na direção do Yian, mas ele já havia ingerido a bebida. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele olhou para mim com perguntas no olhar e franziu as sobrancelhas.

— Oli, o que é isso? — Ele perguntou.

— É um veneno. Por isso ele disse que “e não vão sentir mais nada”. Ele vai matar a todos nós! — Gritei, agarrando os ombros do Yian. A pele dele parecia mais quente do que o normal.

Virei-me para trás instintivamente, sentindo que o sequestrador estava se aproximando. E ele estava lá, parado do outro lado da sala, com um sorriso ameaçador no rosto e um facão na mão. Ele já havia derrubado a vela no chão.

— Muito bem, Oliver. Você não me decepcionou. — Ele disse.

Olhei novamente para os garotos, que pareciam consternados e confusos, mas o veneno já estava em seus organismos. Um a um, começando pelo Kaio, os garotos começaram a sofrer os efeitos colaterais. Não tenho palavras para descrever o meu desespero naquele momento. Primeiramente, os envenenados começaram a apresentar uma espécie de convulsão, depois caíram para o lado e ficaram parados, com a boca aberta e a saliva escorrendo pelo queixo. Num gesto desesperado, eu agarrei o corpo de Yian enquanto ele caía sobre mim.

Apertei o garoto fortemente contra mim, num gesto de medo e desespero. Eu não queria vê-lo morrer, eu não podia vê-lo morrer tão rapidamente. Abaixei-me contra seu peito, quando seus músculos pararam de se mover, e percebi que seu coração ainda batia.

— O que você fez?! — Gritei, virando-me para o sequestrador. — O que fez com eles?!

— É só um líquido paralisante. Eles ainda estão vivos, mas não podem te ouvir ou te ver, muito menos sentir dor. — Ele respondeu. — Não tente salvá-los. O veneno se dissipará na corrente sanguínea em mais ou menos duas horas, mas a água pode desencadear consequências catastróficas ao organismo.

— Você é um monstro! — Eu gritei, com as lágrimas rompendo através dos meus olhos.

— Não se preocupe. O Alan não vai sentir dor. — Ele disse, se aproximando dos garotos, e eu quis perguntar o porquê do Alan. — Eu não sou um monstro, pois não mato com dor. Só a provoco antes da morte.

Ele se aproximou do Alan, que ainda pendia em sua cadeira, e ergueu o facão. Eu não pude desviar o olhar, porque foi muito rápido, e também não pude me afastar. O sequestrador apenas perfurou o torso do garoto (onde supus que ficava o coração), com a lâmina rasgando a carne e entrando no corpo, até o cabo do facão.

Olhei, horrorizado, para o sequestrador, que estava com um sorriso perverso.

— Viu só? Ele não sentiu dor. — Ele disse.

Foi nesse momento que percebi que precisava me mover, caso contrário também seria morto.

 

Eu não olhei para trás, para o sequestrador, apenas deu uma última olhadela no Yian, que permanecia imóvel. Corri para o lado oposto, saindo às pressas pela porta. Não liguei para as dores nas minhas pernas ou para qualquer coisa que não fosse fugir dali. Eu precisava achar a saída, precisava fazer qualquer coisa.

Corri até a outra porta, que permanecia trancada. Tentei a outra porta. Também trancada. A percepção de que, em momentos, eu poderia estar morto, me atingiu. Comecei a pensar que tudo aquilo tinha sido em vão, todas as vezes que não tentei fazer algo para escapar. Eu precisava ter tentando, antes de ser tarde demais. Porém, após a morte de Alan, não havia mais tempo para chorar pelo leite derramado. Tentei outra porta e, surpreendendo-me, ela se abriu.

Era o quarto onde eu tinha encontrando o Montmore pela primeira vez, onde fui feito de modelo de fotografia.

— O que você vai fazer, Oliver? — O sequestrador perguntou, gritando através das paredes. — Não há escapatória.

Olhei em volta. Precisava haver uma escapatória. Eu não podia estar preso numa casa sem saída, pois como teria entrado?

Não consegui ver nada nas paredes e muito menos no teto. Havia apenas algo que já havia despertado a minha atenção na outra vez que fui àquela sala. Havia uma lona branca pendurada em uma das paredes, misturando-se à tinta branca que cobria cada centímetro daquela sala. Correi até a lona e a puxei para baixo. Ouvi um estalo e de repente uma nova oportunidade apareceu.

Uma porta. Contudo, uma porta com um cadeado.

— Olha só… Você achou a saída, mas ainda precisa da chave. — O sequestrador disse, aparecendo de repente na porta. Eu me virei, assustado, e o mirei.

Essa foi a primeira vez que eu realmente estava perto o suficiente para matá-lo, com vontade para tal e sem alguém ou alguma coisa para me impedir.

 

***

 

Ele estava olhando diretamente para mim, e seu olhar não se desviava ou tremia. Eu estremeci do sentir aqueles olhos sobre mim, analisando cada centímetro do meu rosto.

— Por favor, me deixe sair. — Eu supliquei, obviamente decidido de que usar a violência não ajudaria em nada. Ele gargalhou, começando a andar.

Estávamos a poucos passos um do outro, de modo que podia me atingir com qualquer arma de fogo ou até mesmo com o facão, se o arremessasse para cima de mim. Eu andei para o lado, sem tirar os olhos dele, caso de algum ataque ou algo parecido. Estava nos meus planos, de fato, dar a volta no sequestrador e sair pela casa procurando pela chave, e não o que ele fez em seguida. O homem se virou para trás, puxando a maçaneta da porta, fechando-a.

Ficamos trancados lá dentro.

— Muito bem. — Disse ele. — Você tem duas opções: aceita voltar ao porão em paz, ou luta comigo.

Eu olhei para a porta trancada, para os olhos do sequestrador, para a porta de saída (que também estava trancada) e para mim mesmo. Meus braços não eram maiores do que o do sequestrador, minhas pernas não pareciam mais potentes. Eu mal tinha músculos no torso, não tanto quanto ele. Ainda assim, tive a minha decisão.

— Eu escolho lutar. — Respondi. Ele sorriu desafiadoramente e avançou.

 

Eu não tinha armas, não tinha para onde correr ou com o que me defender. Meu Deus, eu não tinha nem roupas. Como podia me defender se nem ao menos roupas eu tinha? Esquivei-me do primeiro golpe, correndo para o outro lado da sala. Ele sorriu ao se virar e vir com as mãos esticadas para cima de mim. Eu queria gritar para ele parar, porque não suportaria o fardo de ter que matá-lo, mas não consegui falar nada, pois o segundo golpe passou perto. Com o coração pulando no peito, corri para longe dele.

— Por que você está fazendo isso? — Pergunte, ofegante.

— Você escolheu lutar. — Ele respondeu sarcasticamente, protestando.

Eu corri para o lado oposto, batendo as minhas costas na parede.

— Não, eu quis dizer… Por que você nos sequestrou? Por que parece precisar de nós? — Perguntei. — Por que Montmore parecia ter uma rivalidade com você?

— Isso não lhe diz respeito! — Ele gritou, vindo na minha direção. Dessa vez, não pude escapar.

As mãos dele agarraram os meus ombros e eu fui jogado para longe, caindo no chão com força e quase batendo a cabeça. Ele parecia estar evitando o facão, pois apenas as suas mãos me tocaram.

— Eu aceito ir em paz para o porão, mas apenas se você responder a essa pergunta. — Gritei, fazendo-o parar imediatamente.

Foi como se todo o mundo estivesse parando.

— O quê? — Ele perguntou.

— Eu vou para o porão e digo que também fiquei apagado. Eles nunca vão saber onde fica a porta de saída, mas só se você responder a uma pergunta, ok? — Perguntei, esperando pela resposta.

Ele olhou para o facão na mão esquerda e comprimiu os lábios.

— Okay. — O sequestrador respondeu. — O que você quer saber?

— Por quê? Por que vocês precisam de nós? O que quatro garotos podem acrescentar ao sistema? — Perguntei.

Ele olhou para mim com chamas sob o olhar. Eu senti cada centímetro do meu rosto queimando.

— Não precisamos de quatro garotos, apenas de um. Por isso o sistema está acabando. — Ele disse, repetindo a mesma coisa que Montmore havia dito para mim há algum tempo.

Eu franzi as sobrancelhas e olhei para ele. Fiquei me perguntando o que aquilo significava (lembrando o que Alan havia dito), mas ainda não tinha descoberto o que queria. O “sistema” ao qual ele se referiu queria dizer toda essa organização de sequestro ou apenas aquele pequeno núcleo, apenas aquela casa?

— Você prometeu. — Disse ele, abaixando-se e agarrando o meu antebraço. A força com a qual ele puxou para cima foi descomunal.

Eu olhei para a porta trancada e de repente percebi algo que não tinha pensado antes.

Eu estava prestes a morrer. Ele ia me matar ali mesmo, naquela sala. Meu sangue mancharia o chão incrivelmente branco e eu sucumbiria aos pés do meu sequestrador.

Eu não podia deixar isso acontecer.

— Sabe… — comecei a falar —, Montmore disse que você não podia me danificar, mas não disse nada sobre eu não poder danificá-lo.

Ele olhou para mim com os olhos semicerrados e eu aproveitei esse milissegundo de confusão. Com a máxima força que consegui reunir no braço, dei uma cotovelada logo abaixo das costelas dele. Ainda não consegui me ver livre de seu aperto no meu antebraço, mas a outra mão deixou o facão cair.

— Seu filo da puta! — Ele gritou. — Você vai se arrepender!

— Não. — Respondi. — Você vai.

Antes que ele pudesse fazer qualquer outra coisa além de reclamar, eu chutei seu órgão genital. Ele caiu imediatamente, com ambas as mãos sobre a barriga, obviamente sentindo a maior dor que qualquer homem pode sentir. Eu quis sorrir de triunfo naquele momento, mas permaneci focado. O facão estava por perto. Com rapidez, abaixe-me e peguei a arma antes que ele pudesse se levantar.

Esse foi o meu primeiro momento crucial. Eu realmente tinha tudo para poder matá-lo. Eu podia matá-lo. Podia correr e salvar Yian e Kaio, podia fugir e reencontrar minha família, meus amigos, e até mesmo Andrew, meu vizinho. Eu precisava matá-lo, mas… Mas me lembrei do que ele havia dito da outra vez que quase o matei, alguma coisa sobre o sistema. Ele disse que o sofrimento não acabaria com a sua morte, e estava certo. Eu sentia que ele estava certo.

Comprimindo os lábios, eu virei o facão ao contrário, segurando-o pela lâmina, e, usando toda a força, bati com o punhal na cabeça dele. O sequestrador caiu, desmaiado.

Eu deixei o facão cair no chão e sorri de incredulidade. Eu estava livre, finalmente livre. Sem pensar duas vezes, abaixei-me onde ele estava e enfiei minha mão em cada bolso de suas roupas, até achar as chaves no bolso traseiro de sua calça jeans.

Eu podia ir até o Yian, podia ir até o Kaio. Mas não voltei. Virei-me para a porta de saída e, com cuidado, destranquei o cadeado. A porta revelou uma escadaria que descia para um andar muito abaixo, serpenteando, e eu sorri. Finalmente sorri de verdade.

Eu estava livre, mas, ainda assim, precisava conseguir ajuda para Yian e Kaio. Contudo, precisava sair daquele lugar para realizar tal tarefa.

Eu precisava ir para casa.


Notas Finais


Com esse capítulo, a segunda parte de OKAY chega ao fim. A terceira e última parte começará a ser postada no dia 15 de janeiro. Até mais... <3


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