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História Behind Those Eyes - Parte 1


Escrita por: redrosess

Capítulo 2 - Parte 1


Fanfic / Fanfiction Behind Those Eyes - Parte 1


Uma mulher loira desceu a escada de embarque aproveitando o doce ar sul-americano, mais precisamente o argentino. Assim que pisou no chão, colocou os óculos Ray Ban personalizados, tragou outro punhado de ar e caminhou calmamente até a entrada do aeroporto, deixando para trás o jato luxuoso em que fizera sua viagem. Ela caminhava de forma absolutamente elegante com seus sapatos estilo stiletto (também feitos especialmente para ela), que combinavam perfeitamente com o macacão que ela usava.

Seu nome? Mary-Claire Harrison, uma personalidade estabelecida nos quatro cantos do mundo. Ninguém tocado pela era global não conhecia esse nome, sinônimo de sucesso no glamouroso universo da moda.

Naturalmente, logo que entrou no aeroporto, Claire foi assediada por vários passageiros. Pediam-lhe fotos e autógrafos e, com muita simpatia, atendeu a cada um de seus fãs, embora estivesse cansada e ansiando por uma relaxante banheira de hidromassagem, já que não parava há dias. Em pouco mais de duas semanas, ela literalmente cercou os quatro continentes "civilizados"! Estava exausta.

Pelo menos, para seu alívio, os paparazzi, sempre importunos, não estavam por perto (ou assim parecia). Claire odiava o comportamento antiético que muitas dessas pessoas costumavam mostrar para atingir seus objetivos. O comportamento deles era sinônimo de assédio e perseguição de figuras públicas e celebridades, sem respeitar a privacidade de absolutamente ninguém. Felizmente, especialmente do ponto de vista dos paparazzi, a vida pessoal de Claire ainda não havia sido comprometida por nenhum deles, mas se o fizessem, ela moveria o céu e a terra para fazê-los pagar.

Se aparentemente não havia paparazzi no aeroporto, o mesmo não podia se dizer dos jornalistas que chegaram cedo para registrar o tão esperado desembarque de Claire Harrison na América do Sul, onde ela tinha acabado de pisar pela primeira vez. Depois de contentar seus fãs, Claire se moveu para resolver os problemas burocráticos de sua chegada. Poucos minutos depois, acompanhada por um representante da Vogue Argentina, ela deixou o aeroporto pela porta principal, ainda sitiada pelos passageiros que a reconheciam. Do lado de fora do aeroporto, um motorista enviado pela Vogue estava esperando por ela ao lado de um veículo Bentley preto. Antes de entrar no veículo, no entanto, a elegante mulher se virou e, com uma expressão descontente em seu rosto bonito e delicado, confrontou Hernando Gutiérrez, um homem alto e careca de terno que combinava perfeitamente com o Bentley e que andava com Claire desde sua chegada ao saguão do aeroporto, o que não a agradou muito, já que ela não gostava de muita bajulação​ e até por isso viajava sozinha para seus compromissos, deixando seus contratados a cargo das suas equipes de apoio.

"Há algum problema, senhorita?" Gutierrez perguntou em tom monótono.

Claire descansou os óculos no nariz, revelando seus penetrantes olhos azuis e seus diabolicamente longos e naturais cílios.

"Vamos ver..." Ela fez uma breve pausa, fingindo um esforço para lembrar de algo. E então prosseguiu com bastante severidade através de seu espanhol praticamente perfeito. "Você poderia me informar da minha bagagem?"

"Sra. Harrison, sua bagagem irá para o hotel através de outro veículo".

"Se algo acontecer com minhas coisas, você terá problemas, entendeu?"

"Senhorita, garanto-lhe que seus pertences estão sendo manuseados com extremo cuidado".

"É bom mesmo, porque eu não vou aliviar em caso de perda de algum dos meus pertences."

Houve uma breve pausa antes que Gutiérrez suspirasse e dissesse:
"Sim, senhorita, nós entendemos". Finalmente, ele indicou o carro e, com simpatia forçada, pediu a Claire para entrar. E incrivelmente elegante em seus saltos altos, a modelo estelar entrou no veículo.

                            (…)

Enquanto passeava pelas movimentadas ruas de Buenos Aires a caminho do hotel, Claire analisou alguns detalhes de seu trabalho na América Latina. Ela se concentraria com a Vogue em uma campanha publicitária que cobriria os públicos de Argentina, Chile e Brasil, os mercados mais vantajosos do continente e nos quais a revista estava perdendo território nos últimos tempos.

Ela estava pulando as páginas mais burocráticas dos documentos, o que, é claro, ela sempre deixava para seus advogados resolverem, até que um detalhe chamou sua atenção.

"Lionel Messi ...?" ela pensou em voz alta, então voltou seu olhar para Gutierrez, sentado ao lado dela e falando ao telefone. Ele olhou de volta e, quando percebeu a seriedade do rosto dela, perguntou:

"Há algum problema, senhorita Harrison?"

"Acabei de encontrar o nome de Lionel Messi nos documentos da campanha."

"E qual seria o problema?"

"Ainda pergunta? O nome dele está relacionado com esta trabalho?"

"Sim, você não sabia disso?"

"Claro que não", respondeu Claire com tom muito irritado, mostrando todas as evidências de sua falta de conhecimento do detalhe em questão. "Por que não me avisaram sobre isso?"

"Srta. Harrison, eu realmente achei que você já sabia. Em todo caso, essa mudança ocorreu quase no último momento".

"Último momento?"

Percebendo o interesse de Claire em saber mais sobre a mudança na campanha, Gutierrez desligou o telefone para lhe dar toda a atenção.
Então ele disse a Claire que o plano inicial tinha sido alterado porque Kevin Johansen, que a princípio seria a outra estrela da campanha na Argentina (porque, embora tivesse Claire como sua principal estrela, a Vogue também tinha planejado usar celebridades locais para expandir seu empreendimento), por motivos pessoais, tivera que quebrar o acordo, forçando a revista a ir imediatamente atrás de outra grande celebridade, que acabou por ser a maior estrela do esporte mais popular do país: Lionel Messi, o próprio.

*Seria uma combinação impossível de dar errado*, pensavam os braços fortes da Vogue. Afinal, quantos milhões de fãs não seriam afetados por um golpe de marketing envolvendo Claire Harrison, a melhor modelo do mundo, e Lionel Messi, a figura mais brilhante do futebol? Seria fantástico! A jogada do século! Da América do Sul ao resto do mundo, todos estariam satisfeitos com este projeto. Ainda assim, olhando para o rosto estranhamente contorcido de Claire, Gutierrez pensou que ela não parecia nada satisfeita com essa situação.

"Senhorita Harrison, você tem algum motivo para ser contra a participação do Sr. Messi em nossa campanha?" ele perguntou, sua voz ainda entediada, fazendo Claire perceber que ele não era o funcionário mais satisfeito que a Vogue tinha.

E eles me mandaram justo ele... Eu mereço isso.

Claire estava hesitante sobre como responder à pergunta de Gutierrez. O que ela diria quando nem sequer tinha trocado uma palavra com Lionel Messi? Qual era a verdadeira razão pela qual ela era contra trabalhar com ele? Bom, a razão era unicamente dela e de mais ninguém. O ponto é que essa razão era tão intensa que Claire podia sentir-se quase o repugnando, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente. Ela não tinha nada contra ele particularmente, mas tinha contra o que ele significava para o resto do mundo. Lionel Messi era um homem com enorme prestígio e poder, uma combinação que geralmente não acabava sendo uma coisa boa. O mundo sexista em que Claire havia crescido fora criado por esse tipo de gente, e nesse mundo as mulheres tinham que se submeter às vontades e caprichos de homens que as tratavam como objetos. E a pior parte era que mesmo aquelas que conseguiam alguma independência, como Claire, não se livravam completamente dessa lógica social distorcida.

O mundo da moda, o mundo de Claire Harrison, não passava de uma extensão desse pensamento que tanto detestava. Algum tempo depois de se tornar modelo e criar sua própria fortuna, Claire chegou à conclusão de que, embora aparentemente tivesse se libertado, tinha ficado ainda mais prisioneira. Parecia uma engrenagem tentando neutralizar a máquina à qual pertence, algo inútil e, portanto, extremamente frustrante.

No entanto, voltando ao questionamento de Gutiérrez, o motivo de Claire por não querer trabalhar com Lionel Messi não parecia substancial o suficiente para ser colocado na mesa. Como sempre, ela deveria continuar dançando de acordo com a música.

"Não...", ela respondeu, suspirando pesadamente, e depois virando o olhar para a janela em frente a Gutierrez, "não tenho nada contra isso, por quê?

"Por nada, só notei sua exaltação a partir do momento em que você tomou nota da nossa mudança".

"Você disse certo," Claire começou, seu tom severo e um tanto autoritário quando ela se virou de novo para Gutierrez. "Estou irritada exatamente porque esse detalhe não me foi dito antes. Como posso ser a grande estrela de uma campanha publicitária e não estar ciente de suas atualizações?"

"Mas, senhorita, nós avisamos você."

"Como vocês me avisaram?"

"Através da sua equipe de assessoria. Nós pensamos que te informariam sobre a mudança, esse é o trabalho deles, certo?"

                             (…)

Claire queria ir a seu quarto antes de chamar sua assessoria, mais especificamente a pessoa com maior responsabilidade por esta parte, Raul Domingues, um advogado espanhol que ela conhecera durante trabalhos em Madri. Claire confiou a Raul a direção de sua carreira e ficou muito chateada por ele não tê-la informado antecipadamente sobre a inclusão de Lionel Messi na campanha. Sua raiva era tão grande que ela não pôde esperar e acabou ligando para Raul enquanto ainda estava na recepção do hotel. Naquele instante, ela já estava sozinha, pois havia dispensado os puxa-sacos oferecidos pela Vogue.

"Raul!" Claire praticamente gritou ao telefone enquanto caminhava pela recepção do hotel, com uma das mãos na cintura. "Eu não me importo, entendeu? Nem mesmo um pouco! Você é a droga do meu agente ou não?" Sentindo que sua voz estava alta demais e chamando a atenção de outros clientes, Claire se esforçou para se acalmar, deu um longo suspiro e finalmente perguntou: "Qual é o problema com você?"

"Olha, Claire, eu acho que você está exagerando...

"*Exagerar*, ele diz. Como não queres que eu fique irritada quando o meu agente, que deve me manter a par de todos os detalhes sobre o meu trabalho, é tão irresponsável!"

"Claire, por favor, acalme-se. Eu reconheço meu descuido, mas não acho que isso é motivo suficiente para você reagir assim".

Por um momento, Claire não soube como responder, afinal Raul estava certo sobre ela estar mostrando uma reação um pouco exagerada para a notícia de que trabalharia com Lionel Messi. Ok, ela tinha que se acalmar, pois esquentar a cabeça não resolveria nada.

"Claire," Raul continuou, "eu sei que Messi, como você, é um superstar, mas isso não muda nada na campanha. Sua posição como uma grande figura deste projeto não será tocada, não se preocupe".

A loira suspirou profundamente. Então era isso. Para qualquer pessoa que a visse de fora, sua irritação se resumia ao seu ego inflado que não queria dividir os holofotes durante as filmagens. Bem, ela não podia culpá-los por pensarem assim quando era conhecida por ter uma personalidade um pouco narcisista.

"Não tem nada a ver com isso".

"Então tem a ver com o quê?"

"Você não entenderia", disse ela.

"Eu respeito seus motivos, sejam eles quais forem, mas você não pode voltar atrás agora numa campanha que é tão importante", disse Raul, esperando que sua interlocutora pudesse ceder. "A Vogue confia em você para recuperar território na América do Sul".

"Raúl, Raúl…", ela começou, seguido por um suspiro e um revirar de olhos. "Maldito dia que eu te dei tanta liberdade." Ouviu uma leve risada de seu agente. Esse homem... Ela o mataria assim que pisasse em solo inglês. "Ouça, eu vou fazer essas fotos, mas eu só quero que você esteja ciente de uma coisa: assim que eu entrar em Londres, vou chutar sua bunda até você não poder mais andar. Entendeu, Raul?" Claro, Claire estava brincando, mas seu tom era severo o suficiente para não mostrá-lo.

Depois de trocar mais algumas palavras com seu agente, Claire desligou o telefone e optou por baixar algo de sua fadiga através de um banho quente. Assim que terminou seu registro, ela não perdeu tempo antes de ir para sua suíte e entrar no chuveiro. Durante o banho, enquanto a água fria corria por seu corpo, lavando a fadiga que uma vida tão agitada como a dela causava, Claire não conseguia parar de pensar sobre como as sessões de fotos iriam acontecer agora que estaria trabalhando com Lionel Messi. Como já dito, ela não o conhecia pessoalmente, mas isso não diminuiu sua irritação por ter de trabalhar com ele. Sabia que tinha motivo mais do que suficiente para não querer se envolver com esse tipo de gente. Eram todos iguais…

Droga! Ela tinha que parar de pensar nisso, pelo menos por um momento. Por enquanto, disse a si mesma, ela fecharia os olhos e apreciaria o banho e o tempo livre que tinha antes de começar a filmar. Porque sua vida nunca cessaria, e se ela não lutasse por isso, então nunca teria paz. Não era como se ela não gostasse de seu trabalho. Não, definitivamente não era isso. Na verdade, Claire era absolutamente apaixonada pelo que estava fazendo. Ela era uma modelo mundialmente famosa, saudada como a melhor de todas. Tinha milhões de fãs ao redor do mundo, sendo o tipo de pessoa que todos queriam o estilo de vida.

Havia mais alguma coisa que ela pudesse pedir? Havia sim. Às vezes, Claire só queria um pouco de tempo para si mesma, um tempo longe dos holofotes, dos rumores, dos eventos extravagantes, da falsidade que a rodeava. Ela queria um pouco de tempo e privacidade para ir à praia, caminhar em um parque, andar de bicicleta por um bosque, sentir o vento reconfortante que penteia as árvores às tardes durante a primavera. E, acima de tudo, ela queria ter alguém com quem compartilhar momentos tão simples, mas importantes e raros, para uma pessoa como ela, cuja vida privada já quase que havia sido engolida pela fama. Ela queria alguém em quem confiar, sem ter medo de virar as costas, alguém para abraçá-la e protegê-la de todos os seus medos, porque ela também os tinha. O mundo só conhecia a imagem da elegante, bela e prodigiosa Mary-Claire Harrison, a modelo melhor e mais bem paga do planeta. Mas ela, acima de tudo, era humana e, como tal, tinha medos e tristezas que não conseguia superar sozinha.

Claire balançou a cabeça em negação e disse basta para seus pensamentos tumultuados. Ela precisava de um pouco de descanso, no entanto essa viagem não ajudaria em nada, já que ela trabalharia a maior parte do tempo.
"Muito obrigada, Raul", pensou, ironicamente, lembrando que, acima de tudo, teria que trabalhar com Lionel Messi. Se Raul tivesse avisado antes sobre a mudança, ela poderia ter dado um jeito de exigir que a Vogue repensasse sua decisão, mas o fato era outra e ela não hesitaria agora que já estava na Argentina. Assim, ela só tinha que passar o mais rápido possível por aqueles dias de sessões fotográficas.

                              (…)

Nas primeiras horas depois de chegar ao hotel e se registrar, Claire optou por um descanso merecido e necessário por algumas horas. Cruzar os oceanos, mesmo de avião (e para ela, tão acostumada a isso), nunca era fácil. A rotina das grandes viagens era sempre exaustiva. Claire nem gostava de lembrar o desconforto que costumava sentir quando ia aos trópicos, por exemplo. Uau, sempre era um incômodo ENORME! Mesmo que ela gostasse do clima tropical, seu corpo era muito sensível e tinha todos os tipos de desconforto, como náuseas, enxaquecas, desequilíbrios de pressão arterial, etc. Viajar para esses lugares exigia um certo tempo de preparação.

Quando Claire abriu os olhos, a parte naturalmente clara do dia estava prestes a terminar. O brilho do sol ainda estava aparecendo, mas muito fracamente, tornando laranja/vermelho o horizonte e oferecendo uma belíssima vista.

Ainda não muito pronta para sair da cama, Claire ficou deitada por alguns minutos mais, admirando o horizonte através da janela do quarto. Felizmente, a posição de sua suíte era privilegiada e pouco obstruída pelos grandes edifícios de Buenos Aires.

Finalmente, Claire se levantou e a primeira coisa que fez foi (adivinhe?) tomar algumas pílulas de enxaqueca. Isso era muito chato. Sua mãe e sua avó materna também sofriam com essa praga, e seu médico lhe dissera que ela tinha algum tipo de predisposição em seu sangue. As crises não obedeciam a nenhuma regularidade e podiam atacar a qualquer hora, em qualquer lugar, não importando o que Claire estivesse fazendo (mesmo que ela estivesse simplesmente dormindo). A intensidade da dor variava, mas muitas vezes latejava insuportavelmente, e Claire não via alternativa a não ser procurar ajuda nos analgésicos. Às vezes, quando ela exagerava, isso só aumentava sua náusea, que geralmente acompanhava os ataques de enxaqueca. Seu médico já havia avisado para ter cuidado com a automedicação. Ela também fora instruída a registrar em um diário suas atividades cotidianas, como comer, dormir, etc., e depois fazer algum tipo de relação entre as crises e sua rotina. Mas Claire concluiu que isso seria pura perda de tempo, já que alguém como ela não tinha uma rotina. Talvez até tivesse se sua vida diária fosse generalizada em: viajar para todos os cantos do mundo, filmar, fotografar, conhecer formalmente outras celebridades, dar entrevistas para todos os tipos de veículos de mídia... Essa era a rotina dela, o que certamente não ajudava em nada sobre sua enxaqueca crônica, então por que perder tempo obedecendo a conselhos médicos que não lhe serviriam?

Antes de tomar outro banho, Claire telefonou para os pais e informou-os sobre seu desembarque seguro na América do Sul. Isso era um hábito dela, mesmo que não tivesse o melhor relacionamento com os pais. Os pais de Claire, Ethan e Abigail Harrison, sempre tiveram um casamento de altos e baixos constantes. Era um tipo de relação que ela odiava, que enfatizava uma manifestação clássica do pensamento machista: seu pai, membro dos estratos superiores da classe industrial inglesa, influente fora de sua casa e absolutamente autoritário nela, rígido e que se sentia no direito de tratar sua esposa e filhas como se fossem uma mera extensão de seus bens; e sua mãe, esposa exemplar e totalmente submissa, que, em face do testemunho de Claire, nunca demonstrara qualquer reação além da total conformidade com a subjugação injusta a que era submetida sob o arcaico mundo dos costumes de seu marido. E essa situação era ainda mais agravada pela falha de Abigail em dar ao marido um menino (pois ela perdera a capacidade de engravidar depois de ter câncer no útero), para ser o braço direito, o herdeiro do legado de Ethan. Parecia que, aos olhos dele, nem Claire e nem sua outra filha, Amanda, serviriam a esse propósito. E se ele nunca abdicou de seu casamento com Abigail, Claire pensava, era mais para cuidar de sua imagem do que por amor a sua esposa. Assim, Claire reprovava simultaneamente seu pai, por seu pensamento arcaico e machista, e sua mãe por sua submissão.

O apego de Claire a sua mãe em algo ainda correspondia a um nível de afeto considerado digno, mas mesmo isso não poderia ser dito de seu relacionamento com seu pai. Isso porque, na impossibilidade de seu maior desejo ser realizado, Ethan naturalmente queria preparar Claire, sua primogênita, para assumir os negócios da família, mas as coisas não acabaram do jeito que ele planejara. Era uma história que levava alguns minutos para ser contada.

Ao longo de sua infância e parte de sua adolescência, Claire não fizera nada além de estudar muito, dia após dia. Ethan ficava lhe contando sobre sua responsabilidade por tudo o que ele construíra ao longo do tempo, à custa de muito suor e dedicação, pouco se importando com a enorme carga nas costas da garota. Mas não demorou muito para que Claire se cansasse de tudo e decidisse seguir sua própria trilha. Desde de pequena ela demonstrara talento para desenhar, e aos 13 anos também começou a gostar do mundo da moda. Ao unir seu talento para desenhar ao interesse pela moda, Claire descobriu não apenas uma vocação, mas também sua grande paixão, que mexeu profundamente com seu destino.

Anne-Marie Martin, francesa especialista em modelagem que conhecia os atalhos desse universo muito particular, ajudou-a a desenvolver-se profissionalmente. Claire conheceu Anne-Marie durante uma palestra em Londres, e nessa ocasião ela não hesitou em mostrar seu talento. Martin ficou, de cara, maravilhada com o potencial da então adolescente e resolveu torná-la sua protegida; afinal de contas, não deveria ser nada comum encontrar uma fonte de potencial que fosse tão boa com as concepções de moda e ainda tivesse os atributos para ser seu próprio manequim (pois Claire tinha uma beleza deslumbrante desde que ela ainda nem era uma mulher). Seu sorriso cativante e perolado já estava lá, com sua habilidade especial de impactar a esmagadora maioria dos seres humanos, homens ou mulheres. Desde aquele momento um pouco mais remoto de sua vida, em seus 14/15 anos, a garota cativava as pessoas, deixando-as perplexas, dominadas, desarmadas, perdidas diante de seu fascínio.

E com Anne-Marie não fora diferente. Esta mulher tão acostumada ao mais alto nível de beleza não pôde conter a sensibilidade peculiar que a agarrou assim que seu olhar se fixou na encantadora e graciosa jovem, em sua figura elegante e impecável, em seus olhos tão brilhantes quanto diamantes, nas pernas e braços suaves como marfim. O potencial da garota então, Martin sabia, era colossal. Ela tinha tudo e um pouco mais dos atributos que todas as mulheres sonham em ter. Ela tinha tudo para, no futuro próximo,  se tornar a rainha das passarelas; e suas criações, como consequência, alcançariam os quatro cantos do mundo, penetrando em qualquer cultura; e suas fotos seriam colocadas ao ar livre pelas grandes metrópoles, a serem observadas pelas multidões com as bocas abertas. Tal proporção sua imagem alcançaria que eles diriam que ela era a mulher mais bonita do mundo. E aqui está o olhar incrivelmente afiado e visionário de Anne Marie Martin mais uma vez não mentindo para ela. Dito e feito!

Mas muito já foi dito sobre o sucesso de Claire Harrison, então o que importa aqui é o que sua escolha significou: uma enorme colisão com seu pai.

Ethan se sentia desafiado e deliberadamente desaprovava a carreira de Claire, não apenas porque ela não havia tomado o curso que ele queria, mas também porque ele era muito tradicional para não ver a modelagem como "totalmente contrária à decência e modéstia". Ver uma filha expondo seus atributos físicos aos olhos de toda a sociedade era simplesmente inaceitável e o fez dar um passo extremo em seu relacionamento com ela: lhe fechou as portas da casa da família Harrison. Desde então, Claire não trocou nenhuma palavra com o pai e isso a magoava muito. Ela nunca deixou de tentar a reconciliação, mas Ethan era um homem muito difícil, às vezes parecendo ter um coração impenetrável. Tudo o que restava para Claire era ouvir sobre ele através de seus outros parentes, especialmente sua mãe, a quem ela acabara de contar pelo telefone sobre uma fração do seu dia.

Claire se despediu da mãe, soltou um suspiro com alguma melancolia e foi para outro banho quente. Depois disso, ela se sentiu muito melhor, já que sua enxaqueca empalideceu junto com uma fração de seu estresse. Depois de se secar, começou a ler por alguns minutos um famoso romance de literatura britânica, To the Lighthouse, mas logo ela estava entediada. Deixou cair o livro na cama, caminhou até a sacada de sua suíte e olhou novamente para a paisagem da capital platina: as luzes da cidade eram lindas, havia muitos carros e pedestres circulando pelas ruas, e o tempo estava muito agradável (apesar do frio natural que acompanha a noite), um bom cenário para uma caminhada que certamente a distrairia de sua mente, às vezes, muito hiperativa.

Claire, você está em Buenos Aires! Há muito mais a ser feito aqui do que passar horas em uma cama de hotel.

Determinada a animar-se um pouco e explorar a América do Sul, um mundo quase desconhecido para ela, Claire deixou de lado o roupão e revirou suas malas. No começo, sua intenção era um passeio rápido, então ela escolheu uma combinação discreta (mas, é claro, elegante). Sendo quem ela era, não seria difícil ser reconhecida, então seria melhor para ela evitar esforços para atrair a atenção. Por isso, escolheu um vestido preto de comprimento médio e sandálias combinando, complementando sua aparência com uma maquiagem bem sensível. Preferiu deixar o cabelo solto porque gostava mais dele assim.

Ela realmente queria fazer todo o possível para ser discreta, então chamou um táxi como qualquer pessoa comum. Sua única instrução para o motorista foi: "Leve-me para as ruas mais brilhantes desta cidade". O homem franziu a testa, e Claire olhou para ele como se dissesse: O que você está esperando?Então, arrogantemente, ela jogou uma nota de 100 dólares no colo do motorista, que esbugalhou seus olhos para ela.

"Esqueça o troco, apenas dirija", disse ela.

Enquanto o carro se movia, nos olhos de Claire dançavam as luzes de postes, casas, prédios e outdoors. O vidro do carro refletia apenas um esboço de seu reflexo, exceto pelos olhos, da mesma cor que os do pai. "Seus olhos são como o sol e nada pode diminuir seu brilho", sua mãe dissera a ela para cessar suas lágrimas de infância. E, de fato, os olhos de Claire nunca tinham cessado de brilhar, mas agora eles se pareciam mais com a lua do que com o sol, pois pareciam mais refletir a luz do que produzi-la. Como a lua, eles eram perfeitos para enganar aqueles que se hipnotizavam com sua venustidade. Até onde seus olhos indicavam, Claire sempre pareceria o ideal de um ser humano, sem manchas, sem tristeza, sem problemas ou reclamações. Mas eles eram nada mais que uma máscara.

Se seus olhos eram enganosos, também eram sensíveis o suficiente para notar um grupo de moradores de rua sob a imponência dos enormes edifícios que cercavam o Obelisco. Eles estavam sentados na calçada, cobertos com velhos tecidos e papelões, alguns fumando, outros dormindo, enquanto nenhum pedestre parecia disposto a abaixar o rosto e olhar para eles.

Em outro lugar, em televisões alinhadas atrás de vitrines, Claire viu filmagens de Lionel Messi fazendo a jogada que culminou no título mundial da Argentina na Copa do Mundo de 2014. E não era difícil encontrar referências a ele nas ruas da cidade – desde camisetas e grafites até cartazes publicitários, outdoors (e mesmo um par de estátuas!). As pessoas daquela cidade o idolatravam e, pela primeira vez em muito tempo, Claire se sentia uma coadjuvante.

Cerca de 20 minutos depois, após uma jornada "errante" de quase uma hora, o motorista novamente questionou Claire sobre algum destino para seu serviço. Ela então pediu a ele para deixá-la em um restaurante com boa vista, e o motorista eventualmente a levou para um lugar cujo cenário de fundo era o Rio de la Plata, chamado Puerto Madero, uma área portuária localizada em um bairro com o mesmo nome. À margem do rio havia bons restaurantes e era absolutamente deslumbrante a aparência da água adornada pelas luzes da rua e edifícios circundantes. O lugar parecia agradável para Claire, que decidiu que seria interessante experimentar o jantar assistindo a serenidade do belo Rio de la Plata.



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