"— O que o senhor me diz? — Pergunta o mais velho.
Um homem em torno de 50 anos, estatura mediana, olhos pretos, cabelos louros com alguns fios brancos — terno cinza escuro bem alinhado com uma gravata roxa e sapatos sociais pretos.
Henrique não deixa de se intimidar pela postura séria do homem a sua frente.
— Eu aceito, senhor King. — Após dias pensando o moreno finalmente se decide.
— Boa decisão. — O mais velho sorri vitorioso."
A conversa que teve a dois dias atrás não sai da cabeça do moreno. O mesmo não consegue pensar em nada além disso. No fundo Henrique sabe que tomou a decisão errada, mas precisa fazer isso para garantir não só o próprio futuro, mas o futuro de outras pessoas.
Desde que descobriu que a empresa está com problemas financeiros tem tentando achar uma solução para a mesma não falir, mas nenhuma até agora foi tão boa quanto a proposta que aquele homem lhe fez.
O vento fresco da noite bate na face do moreno fazendo o mesmo sentir um arrepio gostoso. Dá varanda da cobertura observa as estrelas, uma noite muito bonita para sair. Sorri ao cogitar em convidar a noviça para dar um passeio e tomar um sorvete, mas seu sorriso some mais rápido do que quando surgiu, por saber que deve ficar longe.
— Parece preocupado. — Diz a loura ao adentar a varanda. — Simon me contou a burrada que fez.
Henrique se assusta, pois não viu quando a madrinha chegou. Ele olha de soslaio para a madrinha, dando um sorriso sem humor.
— Já contou para a Chris? — Olha para a cidade já iluminada pelas luzes das estrelas. — Afinal ela mora com você.
— Não vai brigar comigo? — Pergunta ao notar que a mais velha está calma demais. — Ou tentar me jogar daqui?
— Você é um homem feito, Henrique. — Encosta na sacada, ficando de frente para o afilhado. — Se você acha que essa é a melhor solução, então Simon e eu não iremos no meter.
Elizabeth sabe que Henrique é um homem feito e que já pode tomar as próprias decisões, mas essa que ele tomou — no seu ponto de vista — é uma grande burrada. O moreno está jogando não só com sua vida, mas com a vida da noviça também.
Tem poucos dias que está convivendo com a noviça e o afilhado e percebeu o quanto se dão bem, mas também notou que eles se gostam, muito além de uma amizade. E deseja que ele note isso, antes que a perca.
A loura sabe quem Christine é, mas ainda não teve tempo para conversar com a mesma e perguntar o porquê dela não ter contado para o moreno quem ela é de verdade.
— A Chris está preocupada com você. — A mais velha volta seu olhar para a sala ao notar a noviça vindo. — Ela merece saber a verdade.
— Com licença. — A noviça diz ao entrar na varada. — O jantar já está pronto.
— Eu não estou com fome. Vou para o meu quarto. — O moreno desencosta da sacada e sai da varanda sem olhar para a noviça.
Christine o segue com o olhar, mas não consegue dizer. Sente seus olhos arderem e um nó se formar na garganta.
— Não é nada com você. — A loura passa o braço sobre os ombros da noviça. — Problemas na empresa.
— Entendo. — Desvencilha do aperto da loura. — Eu perdi a fome. Com licença.
A noviça sorri triste e sai em seguida. Deixando uma loura irritada, mas a irritação da mesma não é voltada para a noviça e sim para com o moreno.
— Devia ter lhe jogado da sacada. — Bufa irritada. — Kristen. — Chama a amiga ao olhar para o céu. — Ajuda o nosso menino a tomar a escolha certa.
Elizabeth se sente frustrada, por não poder ajudar o afilhado, mas o moreno não quer deixar ser ajudado.
Henrique recusou a ajuda dos padrinhos, não por orgulho, mas porque ele sabe que a culpa de sua empresa estar afundando é somente sua e que tem que resolver sozinho.
— Querida? — Simon a chama, tirando a mesma de seus pensamentos. — Cadê a Chris e o Henry? O jantar vai esfriar.
— Henrique não quer comer. — Aproxima do companheiro passando os braços em volta da cintura dele e deitando a cabeça em seu peito. — E a Chris perdeu a fome.
— Tudo vai acabar bem. — Acaricia os fios louros da esposa. — Ele só precisa de tempo para ver o erro que está cometendo.
Simon deposita um beijo no topo da cabeça da loura — o amor que ambos tem para com Henrique é de pai e mãe e se preocupam com o moreno.
— Vamos comer. — Desfaz o abraço da esposa e segura na mão da mesma. — Depois resolvemos isso. — Elizabeth assenti e deixa ser guiada pelo esposo.
O silêncio não é mais confortável como antes. O sentimento de solidão lhe apossa — mesmo tendo outras pessoas por perto — o vazio em seu peito retorna.
Christine tenta entender o porquê de estar sendo tratada como se não existisse. Desde que voltará do hospital é ignorada por Henrique.
No começou achou que era coisa da sua cabeça, mas percebeu que não. Henrique está distante e evitando falar consigo.
A noviça abre a gaveta da cômoda, tirando da mesma um caderno — o mesmo é azul claro com uma fita verde amarrada e com um desenho colado no meio — desfaz o laço da fita e a põe sobre a cama. Abre o caderno em uma página que está marcada com uma fotografia e uma margarida envelhecida.
Sorri entre as lágrimas que desce sem cessar por sua face. Pega a fotografia — na mesma Christine sorri mostrando a janelinha e segura uma margarida, sendo abraçada por Henrique — a única fotografia que tem com o amigo.
Soluços cortam sua garganta, rompendo o silêncio. Põe a mão livre sobre a boca tentando abafar os soluços, mas a tentativa é falha.
Com medo de alguém lhe ouvir ela guarda a fotografia e põe o caderno em cima da cama. Saindo correndo para o banheiro.
Assim que a porta do banheiro é fechada, a do quarto é aberta. Henrique adentra o quarto, mas para ao não ver a noviça.
Passa o olhar pelo quarto e percebe que a noviça está no banheiro. Então decide esperar. Caminha até a cama da mesma, mas antes de sentar nota o caderno. Curioso, ele pega o mesmo, porém algo cai de dentro do mesmo.
Seu olhar desce para o chão e vê que se trata de uma fotografia e a pega de imediato, e sorri ao ver o desenho no lado de trás da mesma — um casal de palitinhos de mãos dadas — olha para o caderno e vê que ambos tem quase o mesmo desenho infantil.
O moreno sente um nó repentino se formar na garganta ao perceber que talvez que a fotografia seja do amigo da noviça. Tomado pela curiosidade e raiva ele vira a fotografia, mas a mesma é arrancada de sua mão antes que possa ver algo.
Henrique se assusta ao ver Christine parada em sua frente — não havia ouvido ela sair do banheiro — a mesma está com os olhos vermelhos e com a face inchada.
Nenhum dos dois sabem o que falar. Henrique quer tomar a fotografia da mão da noviça e descobrir quem é esse homem que a magoa tanto. Já Christine, quer reunir forças para contar a verdade.
— Eu não li. — Diz ao notar o olhar assustado da noviça. E rompendo o silêncio desconfortável. — Você escreve nesse caderno? Fala sobre ele?
Com medo de sua voz falhar Christine apenas assenti — para ambas as perguntas — vendo o olhar magoado do moreno, após confirmar.
— O que você sente por ele? — Pergunta ríspido, sentindo o sangue ferver. — Pode ser tudo, menos amizade.
Irritado. Frustrado. Magoado. Traído. Henrique sente um confusão de sentimentos em seu peito. Seu coração parece estar sendo esmagado por espinhos.
— Ele não se importa com você. — Joga o caderno em cima da cama, afastando a vontade de ler o mesmo. — Ele só te magoa. Ele nunca te ligou e nem veio te ver. — Aproxima da noviça. — Ele te abandonou.
— Não. — Afirma com convicção. — Ele só não se lembra de mim.
— Chris. — Segura a face da noviça entre as mãos. — Você o ama? Como homem.
— Eu não sei. — Fecha os olhos tentando fugir das orbes verdes, que agora transmite tristeza.
— Por favor, Chris... — Súplica confuso. — Por favor.
A única vontade do moreno é beija-la e fazê-la sua. E nunca mais deixa-la.
— Me pare. — Sussurra ao se aproximar ainda mais dela. — Porque eu não vou parar.
— Eu não quero que pare. — Diz ao abrir os olhos e encarar as orbes verdes que estão escura. — Não pare.
Um sorriso malicioso surge nos lábios do moreno. Christine deixa a fotografia cair no chão e leva ambas as mão até o peitoral do moreno, tentando manter o equilíbrio.
— Chris, o Henry es... — Elizabeth para ao ver a noviça nos braços do afilhado. — Eu... Bem... Depois eu volto.
Nenhum dos dois faz menção de se fastar, mesmo sabendo que a outra pessoa no local. Para falar a verdade nem viram quando a loura adentrou o quarto, mas para eles isso não importa.
— Henry. — O chama ao ver que nenhum dos dois se pronuncia. — Telefone para você, é o senhor King.
Ao ouvir aquele nome, Henrique é puxado para a realidade, quebrando o contato visual com a noviça e se afastando da mesma. O moreno volta sua atenção para aloura parada na porta, pega o telefone da mão da mesma e sai do quarto sem olhar para a noviça.
— Desculpa, eu devia ter batido. — Lamenta ao notar o olhar triste da noviça. — Sinto muito.
— Tudo bem. — Agacha e pega a fotografia. — Foi melhor assim. Apenas amigos. — Guarda a fotografia dentro do caderno e guarda o mesmo na gaveta. — Não devo me esquecer de quem sou.
— Você e o Henry são dois teimosos, principalmente você. — A loura segura na mão da noviça e juntas saem do quarto. — Mas conversamos sobre isso depois, agora você vai jantar e isso é uma ordem.
Mesmo não estando com fome a noviça não questiona a ordem da loura, pois sabe que a mesma não lhe dará direito de escolha.
O moreno anda de um lado para o outro enquanto fala ao telefone, mas seus pensamentos não está na conversa e sim nos acontecimentos de minutos atrás. Sabia que se a madrinha não tivesse teria a beijado e a tomado para si, sem se importar com mais nada. Por um lado está aliviado por não ter acontecido, mas pelo outro está com raiva e frustrado.
— Sim, senhor King. — Responde no automático, por estar perdido em pensamentos não ouviu nem a metade das coisas que o homem falava. — Como o senhor preferir. — Sai do escritório, caminhando rumo a cozinha ao ouvir o estômago roncar. — Por mim está tudo bem ser daqui a três meses. — Para ao chegar na cozinha e se deparar com seus padrinhos e a noviça sentados à mesa, conversando e dando risada.
A cena o atinge de jeito, ver a noviça se dando bem com seus padrinhos e eles a aceitando na família é algo que nunca esperou acontecer, por saber que os mesmos não se dão bem com alguém tão facilmente. No fundo deseja ver essa cena todos os dias, mas é algo impossível de se concretizar.
— Tá bom, senhor King. — Responde por fim e chama a atenção dos outros três. — Boa noite. — Encerra a ligação sem esperar resposta. — O que temos para comer?
— A Chris fez seu prato preferido. — Simon sorri malicioso. — Ela será uma ótima esposa.
— Concordo com o Simon. — A loura entra na onda do companheiro. — A Chris é uma mulher incrível.
O moreno puxa a cadeira sentando ao lado da noviça e nota a coloração avermelhada nas bochechas dela.
— Você se parece muito com a Kristen. — Comenta de repente. — Principalmente na personalidade.
— Até os longos cabelos. — Simon sorri para esposa ao notar a real intenção dela. — A única diferença é que a Kristen era dramática.
— Parem. — O moreno diz entre dentes. — Nenhum dos dois tem o direito de compara-la com ninguém. — Sua voz sai raivosa e magoada. — Minha mãe é única. — Levanta furioso e sai da cozinha deixando os três assustados.
— Com licença. — Sentindo-se desconfortável com o que acabara de acontecer a noviça sai as pressas da cozinha.
— Idiota. — A loura murmura frustrada. — Será que ele não enxerga? Não percebe?
— Calma. — Simon passa o braço em volta dos ombros da esposa e a puxa para mais perto de si. — Dê tempo para o Henry. Ele vai perceber que ama a Christine e que ela é a garota que passou anos culpando pela morte dos pais.
Simon deposita um beijo na cabeça da esposa e encosta a abraça forte. Ambos sabem da verdade dos dois lados, mas querem vê-los juntos antes que Henrique destrua a própria vida.
" — Enli? — A pequena pula nos braços do amigo assim que o mesmo surge nos portões do orfanato. — Tava com saudadi.
— Eu também estava com saudades de você, colorida. — A gira no ar. — Mas não posso ficar muito tempo.
Ao descer a pequena percebe que o sorriso deu lugar a um bico emburrado. Sorri divertido por achar a atitude da amiga fofa.
— Mas eu volto mais tarde. — Bagunça os cabelos da amiga ao fazer um cafuné. — E quando voltar será para sempre.
— Pomete? — Pergunta com os olhos marejados.
— Prometo. — Agacha para ficar do tamanho da amiga e abre os braços, a pequena entende o recado e o abraça. — Ninguém vai mais te machucar. Cuidarei de você para o resto de nossas vidas."
As lágrimas descem se cessar pela face do moreno, a lembrança da amiga de infância tinha surgido de repente e o mesmo tentan entender como ela ainda é presente em suas memórias, após tudo o que ela causou na sua vida.
Já é quase de manhã e o moreno não consegue dormir — fica aliviado por não precisar trabalhar mais tarde. Mas quer poder fechar os olhos sem ter que sonhar com seus pais ou com a amiga, que tanto deseja esquecer.
Henrique nunca a esqueceu de fato, apenas não quer se lembrar dela. No fundo deseja saber o que aconteceu com ela. O que ela se tornou. E se ela foi adotada ou não, mas se ir atrás dela é tudo o que menos quer.
Ele sabe que se a visse hoje em dia a reconheceria — nunca se esqueceria daqueles olhos coloridos. Era o que ele mais gostava nela. Gostava de saber que ela era única. E com certeza hoje é uma mulher belíssima.
Henrique para ao ver as cortinas da varanda se mexerem, tomado pela curiosidade caminha até a varanda.
O moreno para ao ver a noviça — a vento gelado da madrugada bate nas vestes e nos longos cabelos fazendo ambos balançar de forma suave — a mesma não nota a chegada dele.
Seu sorri some assim que ouve soluços vindo da noviça e sem pensar duas vezes, se aproxima dela e a abraça por trás, fazendo a mesma dá um pequeno pulo de susto.
— Não chora, por favor. — A vira de frente sem desfazer o abraço. — Te ver chorar parte meu coração. — Leva uma das mãos até o queixo dela e o ergue vendo a tristeza nos olhos castanhos. — Por que está chorando?
— Você me odeia? — Pergunta assim que os soluços cessão.
— Não. — Limpa as lágrimas que caem pela face da noviça. — Por que acha isso?
Sem coragem de responder a noviça desvencilha do aperto do moreno e o abraça, afundando a face no peito do mesmo.
O moreno aperta o abraço e acaricia os fios castanhos da noviça. Tentando passar segurança e proteção para a mesma.
— Fica calma, Chris. — Deposita um beijo no topo da cabeça dela. — Estou aqui.
O moreno suspira frustrado por não saber o que está havendo com a noviça. Quer apenas tirar essa tristeza dela.
Após alguns minutos de silêncio o choro da noviça cessa, mas permace abraçada ao moreno.
— Obrigada. — Levanta a face encontrando as orbes verdes do moreno.
— Eu que agradeço. — Inclina um pouco a cabeça para poder vê-la melhor. — Melhor a gente entrar. — Diz ao desfazer o abraço e segurar na mão dela. — Não quero que fique doente.
O moreno a puxa para dentro, mas ao invés de irem para a sala, ele passa direto, indo para o quarto. Vendo a intenção do moreno, ela tenta puxar a mão, mas ele aperta ainda mais.
— Não precisa ter medo. — Abre a porta de seu quarto e entra no mesmo puxando a noviça. — Não vou te morder. — A põe sentada na cama e senta ao lado dela. — Tudo bem?
— Sim. — Abaixa a cabeça ao sentir suas bochechas esquentar. — Seu quarto é bonito.
— Obrigado. — Encosta na cabeceira da cama. — Vem para cá.
Ela nega com a cabeça. Henrique não aceita não como resposta e avança para cima dela, a deitando na cama e subindo em cima da mesma.
— Não aceito não como resposta. Agora irá sentir minha fúria. — Diz ao começar a fazer cócegas na barriga da noviça.
As risadas da noviça preenche o quarto — fazendo o moreno rir também — nenhum dos dois percebe a situação que estão.
— Pa-pa... Hen... — Tenta falar enquanto tenta se livrar das mãos do amigo. — Para.
Ao perceber que o peito da noviça sobe e desce descompensado e a mesma está vermelha de tanto rir, ele cessa a sessão de cócegas e se joga do lado dela.
O silêncio predomina o ambiente. Mesmo após o momento de descontração o clima ainda está estranho entre eles.
— Vai continuar comigo? — Pergunta quebrando o silêncio.
— Sim. — Ela desvia o olhar e o encara. — Até quando você quiser.
— Então a quero. — A encara. — Para sempre, Chris.
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