1. Spirit Fanfics >
  2. One me two hearts >
  3. É um insano ele

História One me two hearts - É um insano ele


Escrita por: unkn0w

Notas do Autor


Em primeira pessoa sim porque ele que ta contando

Capítulo 23 - É um insano ele


Fanfic / Fanfiction One me two hearts - É um insano ele

NICO

            Eu nasci sabendo que eu não era normal. Não consigo me lembrar de um período que eu pensasse que algo estava certo, que eu não estava tremendamente errado. Mas essa é a parte boa.

            Minha mãe disse que antes de falar, eu cantei.

            Havia uma meia melodia que ela murmurava por aí, quando eu ainda era um bebê, e antes mesmo das minhas primeiras palavras, eu a cantarolava. E nós a cantávamos um para o outro, de trás para frente e de baixo para cima.

            Meu primeiro contato com o piano foi assim que consegui andar com minhas próprias pernas por onde bem entendesse. Acredito que desde sempre eu deva ter mantido um interesse naquela enorme peça vitoriana nos limites da nossa sala de estar, aquele piano antigo que provavelmente tinha mais história e valor do que a alma de Beethoven.

            Lembro-me de ter espalmado a mão na parte de madeira que cobria as suas teclas esticando o meu braço, então eu era realmente pequeno na época.

            — Gosta do piano? — perguntou Bianca, que tomava conta de mim naquela tarde.

            Sorri.

            Ela me levantou e me colocou sentado na banqueta, ajustando-a um pouco mais alto. Fez força para levantar a peça e descobrir as teclas.

            Lindo. Simplesmente lindo.

            Em um mês e algumas semanas, eu, aquele pirralho que mal falava, tocava as duas músicas mais simples que se têm para piano: “As duas cornetas” e “o lobo mau”, cujas notas se limitam ao dó e ao ré. Mais algumas semanas e eu dominava “bom filho, bom pianista”, “quando o galo canta” e “minha primeira valsa”. Coloque mais dois ou três meses e eu podia tocar até mesmo de trás para frente ou com os olhos vendados cantigas um pouco mais elaboradas, como “marcha soldado”, “cai, cai, balão”, “o pobre e o rico” — que foi uma tortura até aprender, e “capelinha de melão”. Aos quatro anos, quando comecei a ir para a escola, sabia peças simplificadas — mas inteiras — de Franzgruber, Mozart, Brahms e Beethoven. Eu havia estudado um livro inteiro do princípio do piano desde o meu um ano e poucos meses até meus quatro anos. Aquele livro era para crianças a partir dos quatro. A partir. Não estudei sozinho, claro. Pelo menos meu pai teve a decência de contratar um professor particular que me dava uma aula por semana. Ele me passava o exercício, eu praticava por alguns minutos e se tornava entediante. Assim, toda vez que ele voltava, na semana seguinte, eu já havia avançado muito além de onde havíamos parado na última aula.

            A música estava em mim antes da fala. Cantei antes de falar. Li partituras antes de ler palavras. Eu sabia tocar o meu nome antes de eu sequer saber escrevê-lo.

            Sempre tive consciência do meu potencial. Que tipo de idiota não teria? Mas eu também sabia de algumas coisas mais obscuras que nenhuma criança devia saber.  Meio ano depois de começar a ter contato com outras pessoas da minha idade, eu já sabia que tinha alguns colegas que ninguém mais via. Era um pouco tarde demais, porém. A notícia já se espalhara pelos professores, alunos e pais: Nicolas di Angelo, filho dos prestigiados milionários Hades e Maria di Angelo, falava com o nada e com o vazio, é um insano ele. Pobre criança, pobres pais. Deus terá misericórdia.

            Eu e Deus, acho que nós não nos damos muito bem. Não sei porque ele tem tanta raiva de mim. Eu nunca pedi pra ver outra realidade, eu nunca quis isso. Mas fui escolhido, e só posso supor que foi porque Ele sabia que eu seria um mau garoto por toda a minha vida, independente do que ele colocasse de enfeite na tragédia toda.

            Percy Jackson entrou na minha escola no quinto ano. Ele era do sexto, no caso. Acho que nossa “amizade” começou quando alguns caras do sétimo ano me atormentavam.

            — Você pode falar com gente morta, é? — perguntava uma menina, o cabelo castanho e aquele tronco enorme de um javali. Estava caçoando da minha cara.

            Fiz minha melhor expressão de quem não se importa, apesar desse tipo de brincadeira ter realmente me incomodado quando eu tinha essa idade.

            — Aw, não fique assim — um garoto horrível de feio passou o braço sobre o meu ombro e deu um sorriso suspeito, seu cheiro quase me fez esboçar uma careta. Os outros riram. Eu arqueei uma sobrancelha. — Apenas queria saber quando é a seção. Minha vizinha morreu semana passada, sabe? Aquela puta era gostosa.

            Idiotas dessa idade, quando acabam de descobrir que falar palavrão e coisas de conotação sexual não faz seus pais automaticamente surgirem para lhes dar uma bronca, sempre falam esse tipo de besteira.

            — Eu não... — tentei falar impassível, mas minha voz tremeu e um deles pegou a deixa para me interromper.

            — Aaah, pessoal, acho que ele não tá interessado nesse tipo de serviço — riram. — Será que você prefere outros?

            Minha cabeça de criança de 10 anos já os entendia, apesar de eu não querer.

            Eu queria desaparecer.

            Eu queria que eles desaparecessem.

            Queria que alguém me salvasse.

            — Nico! — alguém chamou, como se estivesse me procurando. — Ainda bem que te achei. Pessoal, muito obrigado por segurar ele por mim, mas agora precisamos ir. Certo, Neeks? — o garoto piscou.

            Ele era alto... Não, não era alto. Tinha algum tipo de presença, uma força que o rodeava como brisa salgada. Não tinha tamanho, devia pesar quarenta e cinco quilos, no máximo, mas parecia grande. Parecia enorme. Percy jackson era mesmo só dois anos mais velho que eu? Mas não acho que seja questão de idade. Bem, tanto faz.

            E ele havia me chamado de Neeks. Aquele cretino.

            — Certo, Nico? — repetiu, com uma maior urgência na voz.

            Eu não era estúpido.

            — Certo.

            — Espere aí, Jackson — disse a menina asquerosa. — Com que direito você chega no meio de nós assim, querendo bancar o herói?

            — Não sou herói nenhum — ele revirou os olhos, displicente. — Façam chacota dele o quanto quiserem. Mas temos assuntos com o diretor, e se vocês não quiserem que ele venha aqui nos procurar, é melhor deixar Nico em paz.

            Ela o encarou por um segundo e meio, tentando decidir se acreditava nele ou não. Percy deu de ombros e saiu me puxando. Soltou-me poucos passos depois, saímos do pátio e fomos em direção à sala do diretor. Quando saímos da vista deles, Percy desceu as escadas na minha frente e sentou no último degrau do segundo lance de escadas, que dava para as salas do sexto e sétimo.

            — Ufa — disse ele com aquele sorriso perturbador e olhos de um verde água brilhante. — Por um momento, pensei que ela não ia acredit...

            — Não. Me. Chame. De. Neeks — grunhi, o interrompendo. — Nem em situações como essa. Nem em emergência. Nem no meu leito de morte. Nem que você seja o meu melhor amigo.

            O que é meio impossível, pensei. Não combino com gente que brilha tanto.

            Ele me encarou aflito, então decidi espantar essa parte de mim que agia com agressividade para se defender. Abri um sorriso tão natural quanto o eu sem cicatrizes daquele tempo poderia abrir.

            — Ah, foi mal. Obrigado por me tirar daquela, eu só... Realmente não gosto de me chamem de “Neeks”. É meio... Pessoal demais, entende?

            — Ah, sim. Sua mãe te chama assim ou algo do tipo?

            — É. Também é meio infantil, não acha?

            — Eu acho bonitinho — Percy deu uma risada curta. — A propósito, sou Percy Jackson, da 6 - D.

            — Sei disso. Você deve saber, mas... Nico di Angelo, 5 – A.

            — Turma A? — Arregalou os olhos e abriu a boca teatralmente. — Você é um gênio? E estando um ano adiantado?

            — Não me considero um gênio — franzi o nariz. — E por que a surpresa? Algo errado em eu estar na turma de gênios?

            — É só que... Bem, você não parece ser do tipo que estuda.

            — E eu não sou. Mas não tenho nada melhor pra fazer durante a aula, então presto atenção.

            — Certo, você está na turma mais avançada do seu ano só prestando atenção na aula?

            — É, não é tão difícil. Estamos aprendendo incógnitas, ó Senhor, que coisa difícil — ironizei.

            — Você não tem dislexia e déficit de atenção, como eu? Como consegue fazer as provas? Ou sequer prestar atenção?

            — Tenho — usei um tom suspeito. — E como você sabe tanto de mim, Jackson?

            — Anh, isso, eu... — desconcertou-se. — Minha mãe conversa com a sua — falou baixinho, ruborizado. — Mamãe falou de você.

            Não deixando que um clima tenso se estendesse entre nós, um garoto saltitante passou pelo corredor com uma bola debaixo do braço e o rosto brilhando com a mistura de terra e suor que escorria dele.

            — Meu Deus, Jackson, todos estão te procurando! Bora jogar? O time tá completo, mas você é melhor do que aquele imbecil do Grover, então queríamos substituí-lo.

            O menino me encarou como se me visse pela primeira vez ali e a expressão de desprezo no seu rosto me fez querer gargalhar. Era sempre assim.

            — Nico, quer jogar com a gente? — Percy perguntou, o menino ficou tenso.

            — Não gosto muito de esportes — o outro pareceu até derreter de alívio.

            — Ah, vamos, assim eles não precisar tirar o Grover, coitado.

            E o garoto voltou a ficar tenso.

            Não consegui prender um sorrisinho. Acabei por concordar, só pelo prazer de sentir algumas crianças assustadas na minha presença, e acho que parte de mim queria ter um assunto pra falar depois com Percy ou algo do gênero.

 

Minha amizade com Percy começou basicamente assim. Ele era uma das únicas pessoas que falava comigo no colégio, Grover era outro dos três. Estudamos o ensino fundamental todo naquela escola que até pouco tempo descobri ser ridiculamente requintada. Mas quanto mais o tempo passava, mais eu sentia algo. Como eu era imaturo e insensato, logo relacionei com essa coisa de atração física e dependência emocional.

            Eu estava gostando do Percy. E isso era muito, muito errado. Gostar de um garoto... Gostar do meu até então único amigo... Era errado. Minha existência por si só já era uma heresia.

            Porém eu tinha mais coisas com as quais me preocupar, ou pelo menos achava que tinha. Por um tempo, achei que era realmente um problema absurdo a insistência da minha mãe em me colocar em concursos de música. Assim que completei cinco anos, meus pais haviam me colocado em aula de violão também. Eu teria tirado de letra se não fosse pela falta de calos em minhas mãos. Logo depois veio a bateria, o violino, o violoncelo e a harpa. Gaita eu aprendi sozinho, assim como zilhões de outros instrumentos. “Nico, você tem um dom!”. A questão era que, naquele ponto, tanto meus pais quanto meus professores estavam me azucrinando para entrar num desses concursos.

            Um sucesso que não agregue em nada à humanidade não me interessa. Nunca interessou.

            Mas as coisas estavam estranhas em casa. Cada vez que eu olhava para minha mãe, ela estava com um hematoma novo. Cada vez que eu olhava para Hades, ele estava mais embriagado. Cada vez que eu olhava para Bianca, ela estava mais morta.

            Eu não entendia. O que tinha de errado?

            Meu pai era outro com quem eu não me dava lá muito bem. Um homem que batia na esposa, ignorava os filhos, se embebedava e desperdiçava dinheiro com outras mulheres não merecia muito do meu respeito, merecia? Tudo que eu odiava era a imagem de Hades. Eu não queria ser como ele nem nas especulações mais especulativas. Se algum dos funcionários da empresa vinha puxar seu saco dizendo que nós éramos parecidos, meu olhar se enchia de fúria na hora. Eu não sou como ele, não sou, nunca vou ser. Bianca se dava bem com Hades, isso nos raros momentos que eu via papai com qualquer pessoa da família. Eu preferia Maria. Gostava de tudo nela, cada parte, cada detalhe. Mesmo quando ela não estava comigo, eu sabia que era porque precisava cuidar daquilo que nosso pai irresponsável não cuidava. Era tudo culpa dele, culpa de Hades.

            Bianca não gostava muito da mamãe. Elas viviam discutindo e, se não discutiam, estavam num silêncio caótico, como se uma o tempo todo fuzilasse a outra com o olhar. Bom, eu era parecido com Maria, Bianca era parecida com Hades. Incrivelmente, nós nos dávamos bem.

            Nossa família estava desmoronando, e eu queria, precisava, tinha que fazer alguma coisa. Soube de um concurso que teria dentro de um mês, era do ensino fundamental. Violino. Não era o meu instrumento favorito, mas eu ia muito melhor do que muitas pessoas que dedicam todo o seu tempo à prática com ele. De toda forma, talvez aquilo pudesse mudar um pouco as coisas. Quem sabe eu poderia desviar a atenção deles para outra coisa que não seus demônios pessoais.

            Eu realmente era uma criancinha esperançosa. Como se minha música pudesse trazer algo de bom. Como se eu pudesse tirar minha família da cova que eles próprios cavavam.

            Por isso comecei a treinar. Treinei como um condenado, como se dependesse daquilo para viver. Muitas das vezes, Hades mandava o mordomo me dizer para tocar lá fora, já que ele quase sempre estava de ressaca e não queria ouvir minha música. Sempre que Maria parava em casa e terminava de falar com quem quer que tivesse de falar, ela sentava e me assistia. Eu queria que ela sentisse, queria que meu violino passasse para era toda a súplica que eu sentia: por favor, não abandone essa família. Por favor, não desista da gente. Não desista de mim. Por favor.

            E eu tocava com paixão, com tudo que tinha. Ignorava quando Clarisse e os outros valentões da escola tiravam sarro de mim por terem inveja do meu talento. Ignorava quando meu pai me mandava parar. Ignorava quando Bianca torcia o nariz para mim por receber toda a atenção da mamãe. Ignorava, ignorava, ignorava. E esse foi o pior erro que eu jamais cometi.


Notas Finais


espero que tenham gostado e sentido como se estivessem tocando marfim


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...