Something new
Os dias e noites que se seguiram passaram em uma névoa indistinta para as duas. Não era mais o relógio que marcava as horas e sim seus instintos mais básicos: sexo, sono e fome. Foi um tempo de intensa criação para a cantora que começava a se sentir cada vez mais compositora. De alguma maneira, ter Katy ali, ao alcance dos seus dedos, inspirava Rihanna. Foram várias as noites em que a jornalista acordou em uma cama vazia, para achar a morena sentada na sala, violão no colo, debruçada sobre seu caderno de músicas.
Katy normalmente assistia àquela apresentação privada de longe. Sabia que Rihanna entrava em um mundo particular quando compunha e não queria impor sua presença naquele universo. Mas na última noite que ia passar ali, não resistiu.
A cantora estava sentada no chão da sala, apenas de calcinha, cantando alguma coisa sobre dois amantes separados pelo tempo. Apenas a lua cheia iluminava o ambiente e algo naquele clima apertou o coração de Katy dentro do peito. Atravessou a sala em silêncio e sentou-se atrás da cantora, enlaçando as pernas dela com as suas e colando o corpo às costas nuas. Apoiou o queixo no ombro da namorada e ficou ouvindo até que ela terminasse a canção.
- Você sabe que eu vou voltar, né? – A voz não passava de um fiapo.
- Eu sei, amor. Mas mesmo assim, eu detesto pensar que você vai embora.
- Rihanna ! Nunca pensei que você fizesse o tipo carente!
- Prefiro pensar que eu sou apaixonada.
Riram juntas e Rihanna acomodou melhor o corpo contra o de Katy. Se tinham que se separar por um tempo, queria aproveitar ao máximo o que restava antes que a jornalista atravessasse o país novamente.
- Você já sabe quando volta?
- Ainda não. Tenho muita coisa para resolver por lá antes de poder vir de vez. Tem a revista, o apartamento, alguns compromissos...
- Eu andei pensando... Por que você não mantém o seu apartamento de lá?
- Como assim?
- É. Pensa comigo: aqui, você vai morar comigo, então não precisa pagar aluguel. O Johnny pode passar lá de vez em quando para ver se está tudo bem. E ele fica como uma espécie de refúgio quando a gente quiser fugir daqui.
- Não sei se o Johnny é a pessoa mais confiável para essa função, mas até que não é uma má idéia...
- Além de fazer você voltar mais rápido para mim.
- Eu sabia que tinha uma segunda intenção nessa história.
(...)
Como combinado, Katy estava na redação na segunda-feira. Ainda precisava rever as considerações de Dianna em suas matérias, escolher as fotos com Johnny e fechar a diagramação com a equipe. Mas antes de qualquer coisa, tinha que conversar com a editora. Já tinha se decidido antes de embarcar naquele avião uma semana atrás e a maneira como foi recebida na vida de Rihanna apenas confirmou que aquele era o passo certo a ser dado.
Mas isso não o tornava nem um pouco mais fácil.
A porta da sala de Dianna estava aberta, como sempre. Bateu de leve na madeira do batente e, quando a mulher levantou o olhar, avançou para uma das cadeiras vazias. Sentou-se de frente para a chefe e sentiu o estômago afundar; tinha certeza de que o sorriso em seu rosto devia parecer falso.
- Como foi a folga? – Dianna tinha percebido o caos interno de Katy e achou melhor iniciar a conversa.
- Foi ótima. É até sobre isso que eu quero falar com você.
- Deixa eu adivinhar: você veio pedir demissão para se mudar para Nova York de vez. Acertei?
- Como é que você sabe? – Toda a surpresa da jornalista transpareceu em sua voz, mas ficou aliviada por ter sido privada de dizer aquelas palavras.
- Katy, eu não cheguei até aqui por causa dos meus belos olhos azuis. Eu sei que você passou essa semana em Nova York. Eu sei como você se sente a respeito da Rihanna. Caramba!, eu li a sua declaração de amor em forma de matéria. Não foi muito difícil fazer as contas.
A jornalista estava atônita. Sabia que a chefe era uma mulher inteligente e que ela tinha dado bandeira – como Johnny fazia questão de lembrar a todo momento –, mas nunca achou que ela soubesse o quanto gostava da cantora e quais eram suas intenções.
Dianna percebeu no silêncio da jovem a sua surpresa e achou que era o momento de uma conversa honesta. Sentou-se em cima de sua mesa, de frente para a jornalista.
- Olha, Katy, quem está falando aqui não é mais a sua chefe e sim uma pessoa que gosta muito de você. Se você acha que ir para Nova York ficar com a Rihanna é o melhor para você, então vá. Eu não vou te prender aqui e nem tentar te convencer do contrário. Mas eu quero que você pense muito bem antes de qualquer coisa. Essa é uma decisão importante demais para ser tomada por impulso. Não seria justo com nenhuma de vocês duas.
- Eu já pensei muito no assunto, Dianna. Dez longos anos. A Rihanna é a mulher da minha vida. Eu sei disso.
- Então, acho que só me resta desejar boa sorte e perguntar até quando você fica.
- Obrigada e até o fim da semana. Vou terminar a matéria e encerrar algumas outras coisas. Tudo bem por você?
- Muito bem. Ao trabalho, então.
O momento de intimidade tinha acabado e voltaram a ser editora e repórter novamente. Até o final daquela semana, pelo menos.
Assim que ganhou o corredor, Katy viu Johnny fingindo mexer no celular, tentando disfarçar o fato de que estava vigiando a hora em que ela sairia da sala. Abraçou o amigo por trás, um sorriso brincava em seus lábios.
- Você é a pessoa mais curiosa e menos discreta da face da terra, sabia?
- Não tenho a menor idéia do que você está falando – tentou fazer sua melhor cara de esfinge, mas a curiosidade era maior.
- Pensa que eu não te vi passando de um lado para o outro do corredor enquanto eu conversava com a Dianna?
- Tá bom, tá bom. Eu assumo: estou louco de curiosidade. Mas, também, depois daquela nossa conversa você entrega a matéria uma semana antes, me manda uma mensagem de três palavras, tira folga de uma semana e some no mundo. Telefone desligado, não responde e-mails. Eu fiquei oficialmente preocupado.
- Preocupado, Johnny? Sem essa para cima de mim! Você sabia muito bem onde e com quem eu estava. A idéia foi sua! Você só queria saber dos detalhes em primeira mão que eu sei.
A morena deu um soquinho no braço do amigo. Sentiria falta daquela amizade quando fosse para Nova York. Só esperava que ele compreendesse a sua decisão.
- Isso é só um detalhe, Katy. Mas, anda! Conta tudo! Quero detalhes!
- Agora não, Johnny. Nós dois temos trabalho a fazer, lembra? – A primeira resposta que recebeu foi uma careta.
- Almoço?
- Almoço.
Johnny tomou o braço de Katy e caminharam juntos em direção à estação de trabalho do fotógrafo. No meio do caminho, com a cabeça apoiada no ombro masculino, Katy reparou em alguns de seus colegas e teve uma idéia.
- Sabe, acho que eu vou sugerir à Dianna que você vá para a coluna de fofoca da revista. Acho que você vai se encontrar por lá.
O beliscão que recebeu na altura da costela foi merecido e a gargalhada de Katy pôde ser ouvida em toda a redação.
(...)
O cenário era o mesmo de duas semanas antes. O mesmo restaurante, a mesma mesa, os mesmos amigos e a mesma curiosidade nos olhos de Johnny. Apenas a disposição de Katy tinha mudado. Se da outra vez em que estivera ali com o fotógrafo ele praticamente teve que forçá-la a contar uma parte da sua história prévia com Rihanna, agora a jornalista sentia um desejo de gritar a plenos pulmões a sua felicidade. Não que fosse fazer isso, mas seu sorriso entregava o jogo.
- Bom, eu nem preciso perguntar para saber que vocês se acertaram. Então, vamos pular direto para a seção dos detalhes tórridos? Quero todos os detalhes sórdidos dessa semana de amor em Nova York.
- Johnny! Até parece que não me conhece!
- Continua a mesma sem graça de sempre.
- E você vai morrer de saudades de mim quando eu me mudar para a outra costa.
- Como assim, se mudar?
- Eu pensei muito sobre o que a gente conversou e eu quero construir uma vida com a Rihanna. A gente já ficou afastada por tempo demais para sequer pensar em esperar. Depois dessa semana que passamos juntas, a única coisa que faz sentido é ir para lá de vez.
- Ouvindo você falar assim, nem parece a mesma pessoa que eu encontrei depois que a Rihanna foi embora.
- Aquela menina assustada cresceu e criou coragem. – Estendeu a mão por sobre a mesa e segurou a mão do amigo. – Graças a você.
- Você merece essa felicidade estampada na cara, minha amiga. Depois de tanto tempo, eu estou finalmente vendo você feliz de verdade.
- Também não é assim, Johnny. Eu fui feliz com a Margot.
- Não. Você esteve satisfeita com ela. Mas feliz mesmo, como agora, eu nunca vi.
O sorriso que trazia no rosto desde aquela noite chuvosa em Nova York só fez aumentar. Precisava concordar com Johnny. Seu relacionamento com Margot sempre fora agradável, mas a ex-namorada nunca a fez feliz daquela maneira. Havia algo muito especial em seu relacionamento com Rihanna.
- Agora falando de coisas mais práticas, já falou com a Dianna?
- Já, era isso que eu estava fazendo quando você ficou passeando pelo corredor, hoje de manhã.
- Passeando, não. Refletindo sobre o futuro da economia global.
- Sei... Chegou a alguma conclusão?
- Nenhuma ainda, então pode continuar a contar. Como foi a conversa?
- Melhor do que eu esperava. E surpreendente, também. Ela já sabia sobre nós duas e adivinhou que eu estava ali para me demitir.
- Eu avisei que você estava dando bandeira, não avisei?
- Avisou. Eu tava, né? – Johnny concordou com um aceno de cabeça. – Ai, quer saber? Não estou nem aí.
- Assim é que se fala. E você fica na revista até quando?
- Até o final da semana. É o tempo de fechar as últimas matérias e encaminhar algumas outras coisas.
- Aquela redação não vai ser a mesma coisa sem você.
- Ei, eu não morri, não, tá legal? Eu só estou me mudando. Além disso, tenho um favor a pedir que vai fazer com que você ainda tenha que me aturar por um bom tempo.
- Sabia que ia sobrar para o quebra-galho aqui. Diga, do que você precisa?
- Eu e a Rihanna estamos pensando em manter o meu apartamento daqui. Seria uma boa saída para quando ela viesse fazer shows do lado de cá e também um tipo de refúgio para a gente. Mas para isso, eu queria pedir que você tome conta dele para mim. Não é nada demais. Só aparecer de vez em quando, checar se está tudo certo.
- Acho que eu posso fazer isso.
- Obrigada.
- Se eu puder dar uma festinha ali de vez em quando.
- Sabia que vinha um “se”. Festinhas liberadas, mas ninguém entra no meu quarto, você arruma tudo depois e, se alguém quebrar alguma coisa, você paga. Fechado?
- Fechado! Agora vamos começar a planejar a sua despedida...
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