A vila terminava de afundar, a claridade do incêndio deixava lugar para a luz do disco prateado pendurado no céu iluminando o enorme lago, numa extremidade estava a fumaça do desastre, as pessoas não eram maiores do que formigas vistas da margem oposta. A gélida superfície era o autódromo da vampira correndo das monstruosas sombras peludas.
Nuvens de fumaça desprendiam-se de sua boca entre aberta e ofegante, deu uma cambalhota para frente desviando de garras lupinas miradas nela, logo depois dois pares de mandíbulas a atacaram, ela girou com o tronco paralelo ao chão e os joelhos flexionados, aterrissando no calcanhar da bota – infelizmente não projetado para o gelo – ela escorregou sendo arrojada pelos ombros de um peludo.
Ele a arrastou atritando as costas da vampira no gelo por dez metros, mas caiu com a ponta da Death Kiss abrolhando da nuca a cintura. Outros seis rasgaram o colega morto para por as mãos na vampira, porém, espertamente ela usou o presunto de trampolim antes de ser estraçalhado; girou em um mortal para trás batendo a manopla no chão, terminando em pé.
- Então bando de pulguento, quem é o próximo pra eu matar – Ela girava a espada entre os dedos com a respiração clara na luz da lua.
A matilha de onze lobos a cercou, rosnavam, ladravam, babavam, mordiam o ar loucos pela pele da morena.
- Então, podem vir! – Desafiou ela com o cabo entre as duas mãos, a lamina ao lado de seu rosto, a ponta da espada para os céus – Mandem ver! – Os olhos dela brilharam carmim, a arma a devorava.
Dois atacaram pela direita tomando impulso com as mãos. Ela correu de encontro ao primeiro, rodopiando sobre as costas dele, fincando a espada na cabeça do segundo, girou a lamina atirando o cadáver sobre o primeiro. Carmilla encarou os outros, sua visão turvou e ela não pode evitar as garras de um terceiro lobo a atirar três metros para trás. A espada escorregou dos dedos com um corte no quadril a fazendo rolar sobre o gelo, caída ela viu os lobos se dirigindo a ela. Atrás dela surgiram outros saídos da margem na orla da floresta, mesclados a soldados nazistas.
A morena mirou os oponentes, a sede raspava a garganta e, coçava suas presas, foi levantando com aquele fio rubro do chão ao queixo sentindo o gosto do próprio sangue escorrer dos lábios, sorrindo sadicamente da situação, ninguém ia ver ou saber – dependendo do noturno, o sangue podia enganar, mas se tratando de lobisomens de ultima categoria como esses o gosto seria horrível de qualquer jeito – escarlate e amarelo na noite prometida de rubis líquidos. Mirando de soslaio cada inútil de uniforme e cada nojento de pelos aluados, esperando a largada para morte.
Eles atacaram. Ela derrapou entre as pernas de um – frangueiro! – correndo para o meio do lago.
- Death! – Chamou e a lamina se lançou para sua palma. Outro giro e ela estava em posição de combate, pronta; porém eles diminuíam o ritmo, um uivo irrompeu de longe. Carmilla virou o rosto para o som e a janela do vagão de jantar a engoliu, capotando e atirando a vampira para todos os lados entre a louça de porcelana parisiense, cacos de vidro e mobília de jantar.
O pedaço de trem rodopiou com a vampira, parando ao quebrar do gelo com as rodas para cima. Carmilla se viu rodeada de água entrando em jatos, até seus joelhos. Rosnou com tudo, buscou com os olhos uma saída enquanto o piso inclinava e subia o nível da piscina – a janela no alto era a única saída ainda para fora – empurrou as mesas, usou um banco preso a parede como impulso, arrebentou a janela e saltou para o gelo.
Tudo doeu de repente, a vampira paralisou com uma dor aguda em suas costas somada ao som de uma arma disparando, tudo ficou frio e embaçado, o chão se achegou ao seu rosto e só...
***
- Para de brincar com isso! – Escutou os gritos de um dos lobisomens.
Carmilla despertava do transe dolorido em suas costas. O vento era frio e cortante, a luz da lua ofuscante de tão próxima, ou seria apenas impressão? A vampira se dava conta de ter desmaiado no lago minutos antes. Tentou se mover, porém os trilhos do trem a prendiam firmemente a um tronco de madeira enterrado na neve, o fedor de lobisomem era horrendo, cheirava a cão encardido com lama, sujo de sangue velho e lixo.
Um gosto bem amargo de pólvora e metal dava-lhe um nó na língua, seus caninos estavam em riste, enxergou fracamente as luzes da cidade por sobre a ponta das arvores e, um extenso tapete branco entrecortado de estradas escuras.
- Chefe ela acordou! – Gritou um soldado sem camisa.
- Olá Mircalla – Disse a mesma voz de antes, inconfundivelmente repulsiva, igualmente odiosa, Doran.
- O senhor disse o que?! – Perguntou um dos homens aos berros.
- Eu disse olá.
- O que?! – Ele virou o rosto para tentar ouvir, Carmilla então viu os buracos de onde faltavam orelhas, em outros curativos e, no próprio Doran, faltavam-lhes as orelhas.
- Porra era você o centurião! – A vampira acordou em uma enorme risada de fazer a barriga doer, as orelhas no pote de Mina Halker eram deles – Eu sei onde estão suas orelhas, mas vão ter de pegar o trem pra buscar! Eram vocês – Era impossível não rir, lobisomens brutos perguntando o “oi” que o outro dissera, pois estavam surdos sem as orelhas, cortadas por Fallvalion e levadas de suvenir pela jovem juíza. Os lobisomens se acotovelavam furiosos, eram mais de vinte; alguns com os pelos da lua cheia, outros com armas e uniformes militares, alguns poucos sem roupa e sem os pelos lunares.
- Eu sabia, vocês combinaram isso não foi?! – Doran apertou o ombro da prisioneira no tronco.
A risada cessou de uma vez, uma ardida dor dominava as costas da morena, escorrendo em rubro pela parte de trás da perna.
- Que merda é essa?! – A dor era semelhante a da adaga pertencente à Garu, farejou metal e o mestre dos lobisomens confirmou sua suspeita.
- Balas de bronze arenito, legal né – Ele exibiu o revolver de cano longo e aço escovado reluzente – Mandei fazer caso eu tivesse problemas – Disse com um evidente fundo de raiva. Os peludos salivavam pela carne dela – Ela te quer no comando por aqui, vou provar a eles que você é que é incompetente, imagina quando souberem do trem, os homens, os boatos, o segredo noturno mais uma vez em risco por sua culpa – Ele dizia olhando a lua.
- Que comando você ta falando idiota?
- Não finja que não sabe, foi você! O tribunal veio aqui por culpa sua, você os chamou, e armou pra mim, tirar o lobo e colocar você, uma traidora.
- Deixa de conversa, não tenho ideia do que você ta ladrando pulguento, o tribunal veio aqui por suas conversas com rosnadores. A culpa é sua!
- Isso é guerra Mircalla! Sabe o que se tem de fazer em épocas como essas? Eu não podia perder, sabe o que eu tive de fazer pra chegar aqui?
- Entendi... – Ela riu de canto – Eu sempre soube que você era fraco, mas tão covarde assim? Ficou com medo deles, então se curvou a eles – Doran segurou o grito, mas fazia sentido; desde que o conhecera num baile na Inglaterra, o cheiro de covarde era evidente – Me diz, é verdade? Ninguém nunca acreditou na morte acidental do filho do lorde dos lobisomens, mas foi por esse infeliz acidente que você se tornou o líder, foi acidente?
O chefe dos peludos riu-se, jogou a arma de uma mão a outra, virou-se para morena no tronco e começou a se vangloriar:
- Surpresa – Disse ele estendendo as mãos com a arma em punho – Bronze arenito com menta platina, em pequenas doses vai destruindo nosso corpo, osteoporose, sintomas e enfermidades humanas, na quantidade certa mata na hora mais propicia – Ela percebeu o tom cínico. Foi ele, ele e essa corja que chamava de clã – Sabe foi um saco, ele era muito grande, forte, demorou mais de um ano pro veneno fazer efeito no corpo – Os lobos rumorejavam em curtas risadas, todos eram companheiros do crápula de chefe que tinham, ele os transformara, era quase um exercito, mas que devido a péssima administração de Doran diminuíra mais da metade.
A vampira respirou fundo; não tinha conversa com um estúpido feito ele. Seu corpo pesava mais que chumbo, os músculos pouco a pouco estavam invadidos do bronze e, graças a sua espada, estava ainda mais sedenta.
- ANDEM LOGO SEUS ANIMAIS! – Bradou o chefe. Três lobisomens cavavam uma cova – Quando perceberem...vão implorar, implorar pelo grande lorde Doran, o clã Schalf – Citava para si – Quando os homens perguntarem do trem na vila, vão atrás de você– Carmilla riu.
- Mas você é burro mesmo, usar um trem, a vila já era – Gargalhava tentando esconder a dor do metal se espalhando.
- O que?! – Ele serrou os olhos para os companheiros de pança cheia, estes se encolheram com o ataque ocular do alfa – Ah! Tudo bem, de qualquer forma, o objetivo dessa noite era você vampira, te cacei na cidade toda, mas você tinha ido para o lago, posso saber pra que?
- Você foi me procurar? Bom eu preferia enfiar a cabeça nas brasas do que olhar pra sua cara, não é óbvio?
Alguns lobos escutaram e riram, outros foram tragados pela osmose dos sorrisos, deixando o alfa engasgando a própria saliva.
- Já terminaram?! Andem logo! Cavem bem fundo! – Ele foi arrancando as bandagens para escutar melhor.
Carmilla ignorou os rosnados, pensava em como sair dali, olhou por sobre o ombro, para as mãos amarradas para trás, depois seus olhos correram para a cova – mais uma cova para si.
- Sabe Mircalla, eu sempre achei que ia rolar alguma coisa entre nós – Ele falou sem se virar e, da fala um embolo verde escalou o fundo do estomago da vampira, evidenciando um enjoo sem tamanho de qualquer e todo pensamente referente a esse imbecil e o que ele dizia – Será que é muito tarde pra nós? – Perguntou num sopro.
“Maldito baile!” – Ela pensava, devia ter matado esse inútil assim sentiu o cheiro de bezerro mimado leite com pera. Os lobos encontraram o corpo do rosnador, Doran então se virou para o tronco envolto de trilhos.
- O que acha Mircalla? Juntos poderíamos ter o domínio da Europa oriental; eu e você, eu te ajudo, você me ajuda, juntos – Ele sorriu como um adolescente jogando cantada numa garota mais velha.
- Me digam quando vão fazer outra idiotice tipo a do trem, porque eu vou me jogar na frente do trem, melhor isso a qualquer coisa perto de você Doran – Os lobos riram como da primeira vez, nem mesmo os de uniforme resistiram.
- Entendi – O sorriso se desmanchou em desgostoso fora – Gostou dela né? Gosta das virgens; ela não será mais virgem depois que eu visitar ela hoje – Sorriu o chefe – Não finja, eu vi, todos viram, quem não ia reparar na Laura? Filha daquele velho ranzinza, mas tudo bem, mato ele depois de deflorar a filha preciosa dele – Foi instantâneo, a vampira não teve tempo para pensar, simplesmente sua mandíbula contraiu, os dentes serraram, os olhos trovejavam o vermelho raivoso – Agora esta com ciúmes? Não se preocupe, não sou egoísta, tenho em mente que devo dividir com os rapazes, eles também vão ter ela, talvez todos de uma vez que tal?
O metal guinchou num impulso da morena enfurecida.
- Death! – Berrou e a lamina saltou da mão do soldado que a segurava.
- Chefe! – Chamou o soldado, ele segurou o cabo empunhando a espada, num segundo ele desfaleceu com a lamina lhe devorando e, deixando no chão uma uva passa lupina.
- O que você fez?! – Doran virou-se para a prisioneira apontando a arma.
O pulso esquerdo de Carmilla queimou, o bracelete trincou os trilhos, soltando uma vampira selvagem. A arma disparou e acertou de raspão na cabeça da morena, mas era tarde e ela arrancou dois dentes do imbecil num soco. Chamou pela espada, mas assim que a empunhou o bronze vibrou de suas costas.
Os lobos a atacaram, ela não teria muitas opções sem a Death Kiss. Desviou atrapalhadamente, o metal estava a fazer seu trabalho nela, lembrou da força que a ajudou, pensou em Laura; ela tinha de protegê-la, chega, mais ninguém ia tocar num fio de cabelo raiar do sol dela.
- Mas que merda! – Guinchou guardou a espada no cinto, desviou de outro lobo, quando acertou outro soco quebrando a mandíbula de um peludo. Assombrada com a força desproporcional – lobisomens são fisicamente mais fortes que vampiros – encarou os dedos da mão direita e, viu a manopla se mondando ao punho como uma luva de combate – Não posso desmaiar – Disse para si com o sangue ladeando o olho.
Socou outros dois até Doran rugir transformado e ataca-la. Ele agarrou a perna da vampira a jogando no tronco, com os trilhos. Carmilla encarou os vários inimigos, quando um estranho vento enxertou todos de pavor.
- AVALANCHE!!! – Gritou um soldado.
A vampira aproveitou a deixa, apanhou o revolver de Doran no chão, disparando em três soldados. Mais uma vez o alfa a arrematou com um soco, satisfeito de sua força.
A morena atravessou entre as arvores e, parou sobre uma das motos deles derrubando outras dez na estrada. Saltou para banco, girou a chave e arrancando, acelerou até o fim do guidão com o pneu esfarelando em fumaça, o som do motor se misturava ao estrondo silencioso da neve despencando, a morte pálida se arrastando pelas sombras. Os outros lobos tentavam fugir atrapalhados.
- MIRCALLAHHH!!! – O nome era cuspido pelo lobo atrás dela, ela se virou na moto mirando com a penúltima bala no revolver.
BANG!
Doran caiu, mas a bala o pegara de raspão, pois a vampira mirava o tanque da primeira moto na fila, fazendo um dominó de explosões abafado pela avalanche engolindo tudo.
A estrada era quase na vertical, a morena acelerou curvando o corpo para frente, a grande queda branca quase a engolia, quando a estrada planeou, uma elevação ao lado direito dava para uma estreita passagem pela lateral, mas a velocidade era demais para uma curva, logo sentiu o braço formigar, fitou o punho e, fios de metal vindos da manopla formavam espinhos curvados como ganchos na lateral. A morena esticou o braço prendendo os ganchos em um tronco, virando a moto de uma vez com as rodas no ar, saltou para o lado até que por fim estava fora da linha de queda branca.
O alvo dilúvio cobria parte do vale atrás dela enquanto a moto seguia por um íngreme e estreito caminho na parede. Carmilla tentou diminuir a velocidade, mas já não aguentava mais, a visão embaçou e tudo desapareceu.
***
Tudo estava escuro, Carmilla se mexeu atordoada dos membros dormentes. Virou o rosto e um feixe de luz atingiu seus olhos ainda fechados, era como se suas pálpebras fossem transparentes, resmungou, puxou o gélido ar de uma manhã de inverno. Suas pernas doíam com esforço para se quer dobra-las, os braços ardiam com a neve e, a cabeça latejava de uma ressaca não bebida. Por fim com dor e tudo mais abriu os olhos se virando de barriga para cima, desenterrando-se da neve, enxergou o tronco da arvore pelada e o céu cinza.
- Que raios?... – As lembranças da noite passada caiam como tijolos em sua testa - ...ai, que droga – Foi sentando apoiada no pinheiro, observou o leve rastro até a moto enterrada no branco – Isso por que não bebi... – Fez piada massageando a cabeça, percebeu que o tiro de raspão estava curado – Enh? Quanto tempo eu to aqui? – Questionou, mas a cabeça doía demais e o corpo estava demasiado pesado para qualquer coisa.
Se arrastou com dores até na ponta do cabelo – tudo doía – ergueu a moto e, notou o braço esquerdo que não respondia bem aos comandos. Bufou e escondeu os dedos roxos dentro do casaco, com a mão direita ligou o motor, girou o acelerador guiando para o Punkt.
Por mais que quisesse beber, não poderia, restava apenas dormir. Subiu as escadas, escorou-se pelas paredes do corredor, abriu a porta do quarto sem a chave, trancou e, foi arrancando toda aquela roupa úmida, gelada e fedendo a brejo, jogou a espada enrolada no cinto num canto e, sem qualquer pano mais no corpo cambaleou para a cama.
- Cama – Falou parecendo uma ovelha, quando um palpitar encheu seus ouvidos, o coração dela - ...ah da um tempo, eu não to bem... – Choramingou e tropeçou de cara no chão – Merda! – Essa fala saiu mais enérgica – Laura?! – Essa ultima fala saiu engasgada de puro espanto, surpresa e felicidade não manifestada por conta de dores.
A loira estava deitada num saco de dormir no chão, resmungou virando-se.
- Carmilla? – Perguntou a voz de sono mal dormido, esfregou os olhos, o cabelo ainda grudado na cara amassada – Carm? Você ta pelada! Por que você ta pelada?!
- Acho que a pergunta é “por que você esta vestida no meu quarto?” – Disse Carmilla com divertimento na voz, apanhou do chão a camisa e vestiu sobre as costas, porém não fazia questão de abotoar nada para a loira – Alias o que você ta fazendo aqui?
- Posso ficar? – Laura fitou a calça da vampira estirada ao chão – Não da pra ficar com a Perry, ela já ta cheia de problemas por causa da avalanche que cobriu metade da casa e, acham que fui eu que taquei fogo na vila... – A morena gargalhou da situação. Como eles poderiam ser tão trouxas? Acreditar que uma pitoca faria tudo aquilo – Não vou ficar de graça, eu pago – Continuou ignorando o “sim” da cabeça da outra.
- Pode – Respondeu, mas parecia que Laura nem tinha escutado tendo em vista que ela não se calava e, ainda tentava convencer a anfitriã do quarto – Eu disse que pode ficar – Carmilla então erguia o queixo de Laura com o indicador – Pode ficar – Falou com veemência próxima ao rosto da jornalista sem teto.
- Carm... – Chamou a falha voz.
- O que foi cupcake?
- Você ta cheirando como um porão de matadouro – Nervosamente ela fitava qualquer direção que não fosse a morena tão perto dela – Onde você se enfiou pra ficar assim?
- Eu tava por ai, e você entrou onde pra cheirar como um camelo? – Riu-se a vampira – Tem chuveiro aqui sabia? Ou vai me dizer que ficou aqui dentro por três dia.
- Fiquei, não podia sair, e se você voltasse e eu não tivesse aqui, se você estivesse ferida, eu fiquei preocupada! – Berrou Laura constrangida, mas o vermelho tomou conta ao mirar a malicia na expressão da morena – AH! Que droga! Não é isso! É só que ninguém iria me achar aqui e... você é a única que acreditaria em mim... você estava lá né. Ninguém acreditou, eu vi eles, aquelas coisas e o trem, me perguntaram, e eu disse a verdade. Também acham que eu matei aquele pescador que encontrei na margem, não fui eu, não fiz nada... mas se você falar...
- Não vão acreditar, homens não acreditam no que não podem ver – Interrompeu Carmilla – Vai tomar um banho cupcake, esqueça isso, é melhor, vai lá.
- MAS VOCÊ TA LOKA?! TEMOS DE CONTAR PRA TODO MUNDO, AVISAR E SE AQUELAS COISAS VOLTAREM? PERA AI, VOCÊ SUMIU LÁ, ONDE É QUE VOCÊ FOI? AQUELAS COISAS TE PEGARAM? MEU DEUS! – A loira apertava a cabeça entre as mãos bagunçando ainda mais os cabelos necessitados de shampoo.
- Laura – Chamou Carmilla, sobrepondo as mãos da jornalista com crise de informações, o tom mais grave cheio de atenção e carinho fez a galega se acalmar – Vai tirar o camelo, depois falamos – Disse indo para o guarda roupas – O que foi? Quer que eu vá com você? – Piscou mirando Laura no espelho interno do móvel.
Laura saiu respirando forte levando uma toalha o que fez Carmilla sorrir de canto.
***
A vampira saiu do banheiro enxugando o cabelo. De certa forma agradecia ter ficado naquele estado, besuntada de sujeira e sim fedendo como um “porão de matadouro” do contrario, teriam sido expostos todas as marcas dos ferimentos quase curados. O que mais preocupava estava nas costas, era bronze arenito, mas não estava tão ruim quanto a adaga de Garu, somente seu braço esquerdo não se movia bem.
“Que importa?” – Pensou.
Ao entrar no quarto se deparou com Laura no chão enfiada no saco de dormir.
- Ei, tem uma cama ali – Apontou para os lençóis.
- Que bom, dorme lá – Esnobou.
- Por que não dorme lá? É grande, cabemos nós duas.
- Não, eu to bem... aaah! O que você ta fazendo?! – Questionou ao sentir o corpo da morena sobre ela no chão.
- Você não vai pra cama, como anfitriam não posso dormir lá, seria inaceitável enquanto uma convidada deita nesse chão frio, vou dormir aqui então – Disse com manha.
- Ai ta bom eu durmo lá – Rendeu-se a loira.
Foram para a cama, Carmilla tomou o lado esquerdo, Laura o direito se escorando na beirada.
- Vai ficar ai na ponta? Vem pra cá.
- Não, a cama é sua e você precisa de espaço – Respondeu.
- Ou você vem aqui pro meio, ou eu vou ai me espremer na beirada com você – Intimou.
- Mas que coisa! O que há entre a gente?! – Bufou Laura sentando.
- Nada ainda, mas se você quiser – Sorriu.
- Para com isso! Eu não te conheço, mas parece que conheço, e tem aquelas coisas, mas também tem... essa vontade de te abraçar... e... – Carmilla se jogou na loira que a abraçou. Mal acreditava no quanto sentiu falta desse abraço.
- Vamos dormir – Disse deitando com o ouvido no peito da loira.
- Mas eu queria falar disso Carm, o que tem entre a gente...
- Shhhhh...falamos mais tarde, agora eu estou exausta.
Ambas estavam, por falta de sono, ou por lutar com uma corja de imbecis, ambas precisavam de descanso. Laura puxou o cobertor sobre as costas da morena já adormecida e, se entregou ao tão querido sono junto de Carmilla.
***
Pouco mais de oito da manhã um dia depois de retornar a cidade. O quarto permanecia em sublime silencio com as duas garotas na cama. A luz acinzentada entrava pela fresta da janela, as cortinas do dossel a diminuíam ainda mais. Estava tão quentinho, macio, calmo, uma paz em tempos não sentida pela vampira. Carmilla foi abrindo os olhos de má vontade, mas se alegrou ao fazê-lo, pois encontrou Laura adormecida sob ela, permitiu-se sorrir com o retrato de olhos fechados e cabelo bagunçado.
- Linda... – O coração palpitou, mas era o dela, o que batera por Ell - ...será mesmo? Ela?
- Ela quem?... bom dia – Bocejou a loira.
- Bom dia...
- Então agora vai me explicar?
- Quanta energia pra quem acabou de acordar, eu ainda não acordei – Carmilla escondeu o rosto nas vestes da galega.
- Acordou sim, pode começar – Um resmungo do estomago de Laura cortou a conversa, constrangendo a garota e provocando risos na morena.
- Vamos falar sim, mas antes você tem de comer – Riu.
Elas foram para o bar, depois da loira descer as escadas com toda a atenção do mundo. No balcão lhes serviram de bolo de cenouras, leite e salsichas.
- Não vai comer? – Perguntou com as bochechas bem cheias de bolo de cenouras para a vampira.
- Não tenho apetite de manhã – Respondeu disfarçando a gana que estava do delicioso bolo, porém o bronze a impediria de comer por um tempo.
Alguns homens entraram depois, sóbrios eles fitaram as duas, sobre tudo a loira, julgada suspeita e culpada de uma serie de desastres; cochicharam palavras maldosas a encaravam com desprezo. Laura parou de comer, incomodada dos maldizeres.
- Vem – Carmilla puxou Laura pelo braço.
- Pra onde? Pera ai a conta.
- Ta tudo certo – O barman ainda era dominado da hipnose do tribunal.
Elas foram para o outro lado da rua, mais pessoas olhavam feio para a jornalista.
- Sobe – Disse Carmilla ajeitando os espelhos da moto.
- De onde você...
- Vamos logo, você quer conversar? Vamos conversar, mas não vai ser aqui – Aquecia o motor. As pessoas rumorejavam as palavras horrendas, então Laura subiu na garupa deitando o corpo nas costas da morena e abraçando sua cintura – Vamos dar um passeio – Disse calmamente. Carmilla acelerou atirando pequenos cascalhos e sumindo com Laura no fim da rua.
Seria um longo passeio para uma bela conversa.
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