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História Gaia - O Continente Vermelho


Escrita por: Skarr

Notas do Autor


Essa história eu criei a alguns anos atrás, quando estava no ensino médio. Com o chegar do vestibular meu desespero cresceu então eu acabei não terminando ela. Agora, já na universidade, minha amiga me mostrou esse site e eu resolvi experimentar, nada como um bom suporte pra manter o trabalho andando, né.
Espero que gostem :)

Capítulo 1 - O Continente Vermelho


Não sei quem sou, nem onde estou. A única certeza que tenho, é a de que preciso sobreviver, custe o que custar.

Acordei aqui, no Continente Vermelho, há três eras (o equivalente à oito anos terrestres), sem memória, com a roupa do corpo, e uma placa em que se podia ler um número – 3058. Desde então, minha identidade passou a ser essa. Vago pela área desde os primeiros dias em que me acostumei com o clima, a fauna e a flora ao meu redor, e venho tentando descobrir mais sobre ela, apesar de já ter desbravado boa parte.

Nesses primeiros dias, acostumei-me com o mundo selvagem à minha volta e recuperei instintos de sobrevivência que já possuía antes de ter minhas memórias retiradas. Busquei água logo no primeiro dia, encontrei frutas no segundo e cacei pela primeira vez no sétimo dia. Quando finalmente me situei, comecei a analisar a natureza que me cercava.

Enormes árvores cobriam minha visão por todos os lados e suas cores avermelhadas se misturavam ao restante da vegetação, que reunia arbustos, flores e gramíneas em campos comuns ao interior. Esses não eram muito densos, mas perfeitamente proporcionais. A coloração apontada para o vermelho me gerou intriga nos primeiros meses, até que descobri o porquê. As raras plantas de outro tom que cresciam nas proximidades, não resistiam à luz liberada pelos dois sóis que iluminavam aquela área do planeta.

Essas espécies vegetais tinham uma forte característica, a altura. As árvores com menos de seis metros eu chamava de Plótens, enquanto as maiores eram as Humídeas. Aquelas eram extremamente espessas e suas bases redondas possuíam diâmetros de no mínimo dois metros. A cor vermelha estava presente no tronco e nas folhas, enquanto as flores mostravam uma coloração espontânea e diversificada. Essas, juntamente com as folhas, cercavam algumas depressões do tronco fazendo com que ele se enfeitasse de acordo com suas vontades. Aquilo parecia estar realmente vivo.

As Humídeas levaram esse nome por terem uma altura humilhante para as outras espécies ao redor. Algumas eram tão altas que sequer era possível enxergar suas copas. O tronco avermelhado não recebia nenhuma folha até os seis metros, quando começavam a surgir grossos galhos carregados de frutos coloridos e dignamente deliciosos. Próximas às copas, flores brancas pendiam livremente de outros galhos mais finos e caiam ao seu desejo e vontade.

Curiosamente, algumas características como a de saber detalhes astronômicos ou do que me alimentar, ainda se encontravam em minha mente, apesar de grande parte da memória ter sido removida, e eu também me lembrava claramente de minha língua, tanto falada quanto escrita, sabia o nome de algumas coisas que encontrei por ali e sentia que aquele lugar não era minha terra natal, mesmo não tendo memórias sobre essa. Algo me dizia que eu tinha de permanecer vivo, independentemente do perigo.

As noites apareciam rapidamente, da mesma forma como se esvaíam, mas em cada uma delas eu me encantava ainda mais com sua magnitude. O céu esbanjava estrelas em todos os cantos, muitas delas em conjuntos engraçados que me permitiam imaginar figuras se as ligasse. A luz chegava brilhando intensamente de duas luas principais que eram vistas também durante o dia, e à noite era possível ver mais alguns pequenos satélites naturais que dançavam livremente em torno do planeta, e, de vez em quando, das duas luas principais.

Nas primeiras semanas, comecei a montar um abrigo próximo ao mar, em uma orla grande o suficiente para precisar de três dias de caminhada para atravessá-la. Busquei madeira, cipós e algumas pedras para a construção e em algumas horas consegui o necessário para passar noites frias ou dias muito quentes. Desde então, quando havia necessidade, aderia um detalhe ou outro no que eu chamaria de lar, até meu primeiro ano completo.

A contagem dos dias se dava com marcas deixadas por mim em um tronco de uma Humídea. Algo me dizia para fazer aquilo, não sei como explicar. As noites e os dias passavam-se rapidamente e duravam cerca de 8 horas cada. O ano também era diferente do terrestre, já que aqui havia dois sóis. Comecei a contar um novo quando passei por todas as oito estações, cujo reconhecimento também foi deixado em minha memória. Esse primeiro ano levou um período de seis meses de 30 dias para ser completado.

O meu organismo foi de suma importância para a marcação do tempo. A cada mês eu me sentia mais preparado e adaptado ao ambiente. A cada ano daqui, cresci da mesma forma em que um humano cresce em doze meses na Terra; Naquele tempo, eu tinha o equivalente a 13 anos na contagem humana.

 

                                                         *

 

Durante o meu 14º ano, resolvi explorar o local de forma mais extensa. Segui pela praia para que tivesse água e alimento durante a viagem. O mar daqui é diferente por ter água doce e potável, o suficiente para qualquer ser vivo - principalmente peixes, a base da minha alimentação durante esses anos. Depois de alguns dias seguindo para o oeste, a zona praiana diminuiu de tamanho dando lugar a altas falésias que se tornariam precipícios à beira-mar em alguns quilômetros. Caminhei próximo à beirada desse lugar que chamei de “O Precipício da Morte” (os resultados de uma queda fazem jus ao nome) e em alguns dias alcancei a ponta de uma península.

Aquela área era extremamente fria, por isso a nomeei de “Lugar Frio” (nomenclatura não era meu forte). Logo, precisei de vestimentas mais aquecidas. Recolhi uma boa parte das folhas da vegetação diferenciada dali, que se adaptou muito bem ao clima. As árvores eram tão altas que precisavam de três troncos principais e várias raízes para se fixarem ao solo, e a maioria de suas folhas ficava restrita à base, o que me ajudou muito na hora de montar roupas mais quentes. Peguei algumas dessas folhas extremamente grandes e espessas e envolvi-as ao meu redor. Tudo parecia ir bem, até que meus pés começaram a se ferir com o solo denso. Recuperei mais algumas folhas e montei uma espécie de calçado que se mostrou bem útil quando recomecei a andar.

Em todo o trajeto era possível notar uma floresta densa na medida em que se afastasse da praia, mas não encontrei nenhum tipo de vida selvagem além das plantas e peixes. Animais desse porte eu conheceria à noite, dali a um mês, em um encontro não muito agradável. 

Segui viagem por um longo período sem nenhuma distração, até que cheguei à uma elevação anormal em meio a praia, diferente das falésias previamente visitadas. A vegetação dali já havia voltado a ser a mesma com a qual me deparava em meu abrigo, devido ao clima que voltara ao comum, porém a região praiana se alongou por um grande território e depois de vários metros começava-se a floresta. Havia algo ali em baixo. Comecei a procurar por alguma depressão, entretanto acabei encontrando uma entrada para uma caverna, próxima ao mar. Olhei para cima notei que o dia já estava acabando, então andei vários metros até o fim da praia e adentrei na mata buscando alguma copa de árvore para passar a noite.

Acordei disposto ao esforço físico, então calcei meus sapatos improvisados, comi algumas frutas próximas ao chão e entrei na caverna. O local era extremamente quente, o que tornava cada centímetro à frente, mais abafado. O teto e as paredes traziam pequenas estalactites que brilhavam com a luz que chegava dos sóis, e algumas deformações rochosas. O solo era pesado e fofo, semelhante à terra, mas mais próximo à lama. Isso, e a falta de luminosidade dificultavam meus passos à medida que me afastava da entrada, então tive de criar uma tocha. Coletei algumas algas e um pedaço de tronco levados para ali provavelmente pelo próprio mar, e em alguns minutos, com a ajuda de óleo de peixe e rochas acendi a chama que me guiaria caverna adentro.

Assim que me aprofundei na cavidade que descia cada vez mais, um odor extremamente forte atingiu meu olfato, então resolvi segui-lo para encontrar a fonte. Passei por vários corredores silenciosos e sombrios, tudo ali parecia parado no tempo. Finalmente cheguei a uma abertura com cerca de 40 metros quadrados que trazia uma coloração forte apontada para o verde, provavelmente por causa do musgo que crescia em vários lugares por ali. O cheiro forte emanava de uma planta localizada no canto da área, oposto a mim. Ela não era grande, mas suas raízes se espalhavam por todo o solo do local e se parecia muito com as árvores que já vira, mas em miniatura. Quando me aproximei, senti que algo se movia atrás de mim.

Virei-me bruscamente para trás me deparando com uma das raízes, que se movia de um lado a outro buscando me analisar de alguma forma. Primeiramente, o forte odor estorvou-me de qualquer movimento, e depois a estirpe envolveu-se lentamente ao meu redor, pressionou meus ombros e costas e senti fracas pontadas em meus braços. Em segundos, o ar tornou-se mais abafado e cerrei os olhos.

 

                                                         *

  

Acordei com uma forte dor de cabeça e quando me dei conta do que havia ocorrido me levantei bruscamente, um grave erro, e logo voltei a cair devido à náusea. Olhei ao meu redor e por sorte a chama da tocha, que fora depositada em uma espécie de buraco na parede parecido com um suporte, ainda queimava, portanto pouco tempo havia se passado. Eu ainda estava no mesmo local, mas algo havia mudado. Aquela planta com as raízes móveis agora estava maior e parecia expirar e inspirar, como se respirasse.

Finalmente ergui meu corpo com muita dificuldade e me apoiei na parede da caverna. Fixei o olhar na figura a minha frente e assim permaneci, analisando-a. De repente, ela virou-se bruscamente e pude ver algo brilhando em seu tronco avermelhado parecido com uma esfera. Senti imediatamente uma vontade incontrolável de tocá-la, e mesmo sem querer, segundos depois, aproximei-me. A pequena árvore ergueu-se com a ajuda de suas raízes e veio em minha direção. Em instantes eu estava a centímetros do objeto luminescente, e com um movimento de suas estirpes, o vegetal fez com que minha mão tocasse o globo brilhante.

Senti outra pontada extremamente forte, mas dessa vez localizou-se no interior de minha cabeça fazendo-me grunhir levemente enquanto uma grande imagem formava-se em minha mente. Abri meus olhos e o que vi me fez cambalear. Passei a enxergar uma grande área azul, que tocava o horizonte sem previsão de acabar. Eu estava no corpo de uma grande árvore localizada no centro de uma densa floresta que ainda não conhecia. Ergui minhas mãos, porém o que vi foram enormes galhos movendo-se no lugar delas e com esse movimento, centenas de pequenos animais voaram ou caíram deles. Eu estava controlando aquela árvore?

Tentei mover meus pés, entretanto não conseguia senti-los, provavelmente as raízes da grande árvore estavam profundamente ligadas ao solo. Comecei a observar o meu redor, notei que vários sons chegavam aos meus – ouvidos? – vindos de todas as direções. Sons esses que eu ainda não havia ouvido durante minha estadia ali, no Continente. O mais estranho, foi uma grande nuvem que surgira no céu, parecia-se com uma tempestade iminente, mas algo saia do núcleo dela... Um túnel de luz que nascia nas nuvens e lentamente fixava-se no meio da mata, levando algo extremamente pequeno para que pudesse distinguir, com ele. Subitamente outra pontada me atingiu, levando-me para outra visão.

Quando abri novamente os olhos eu era outra árvore, menor que a anterior, mas ainda sim grandiosa. Dessa vez, minhas pernas estavam mais fáceis de serem movidas, mas ainda com esforço, separei-me do chão. Olhei ao meu redor e a visão não era muito diferente da anterior, a não ser pelo fato de eu enxergar montanhas meio ofuscadas em uma extremidade norte, e um penhasco em outra mais próxima, ao sul. No leste não vi nada além de florestas e no oeste notei algo relativamente estranho.  Andei alguns metros à frente e reconheci a área, estava próximo à caverna onde adentrei momentos atrás. Aquele penhasco no sul era O Precipício da Morte.

Então todo aquele lugar era o Continente Vermelho. Olhei novamente para o sul e comecei a correr. Com minha altura, pude ver meu abrigo na orla com alguns quilômetros percorridos. Depois de admirar meu trabalho arquitetônico, percebi que as distâncias no planeta eram relativamente pequenas vistas de cima. Tentei medir meu tamanho como árvore e cheguei ao resultado de mais de 30 metros! A minha visão vegetal também cooperava quando se tratava de enxergar ao longe, pois após alguns segundos virado para o leste avistei uma pequena mancha no mar, seria aquilo uma ilha?

Olhei para o céu a procura da grande nuvem, mas não a encontrei por perto. E da mesma forma que veio, uma outra pontada surgiu. Dessa vez, quando abri os olhos só o que vi foi o ambiente escuro e úmido da caverna, além do vegetal na minha frente. Minha mão estava desconectada da esfera e a minha primeira reação foi tentar tocá-la novamente, mas a planta reagiu com um som abafado vindo de seu tronco.

- Você... você fala? – perguntei à planta, afastando-me.

Após longos minutos a árvore moveu sua cabeça de um lado a outro, como um sinal negativo. Ela me entendia! Ou eu teria imaginado aquilo? Tentei novamente.

- O que foi tudo aquilo, aquelas visões?

Silêncio. Com outros minutos ainda mais demorados, fez outro movimento com a cabeça, que não compreendi.

- Por favor, você tem de me ajudar, eu virei uma... Como isso é possível?

Mais um movimento irreconhecível. Tentei inúmeras outras perguntas, mas tudo indicava que a planta também não sabia de nada. Olhei para ela e a vi voltando para onde a encontrei primeiramente. Sentei-me em um canto e senti que meu corpo estremecer antes de começar a derreter em pequenas gotas de água salgada saindo dos meus olhos. Todas as minhas emoções juntaram suas forças para me atingir ali, naquele exato momento. Era uma sensação estranha, me senti vulnerável e extremamente revolto. Eu estava cansado de andar por aí, procurando alguma resposta por estar naquele lugar. E aquele vegetal deu-me uma pequena parcela de esperança, que acabou em instantes.

 Com raiva, mas parcialmente recuperado, lembrei-me das visões como um vegetal. Tudo aquilo parecia tão real... Os braços transformados em galhos, o corpo em tronco, eu realmente havia me tornado uma grande árvore. Durante o acontecimento, senti diversas sensações internas como se água escorresse dentro de mim, e meu cabelo, transmutado em folhas, emanasse energia. Um sentimento de liberdade aflorara em mim, como se nada pudesse me causar sofrimento. Pensei em voltar àquela forma, para livrar-me de meus problemas, mas olhei para a planta e ela havia cerrado a abertura em seu tronco, escondendo a esfera.

Recordei-me também de ter visto coisas estranhas acontecendo enquanto estava no meu abrigo, semanas atrás. Algumas plantas não pareciam estar onde anteriormente estavam e outras surgiam sem nenhum rastro, quer dizer, agora todas as marcas no solo que já havia visto se justificaram. Senti como se conhecesse uma ínfima parcela de todo o Continente. O que também me gerou intriga, foi a esfera. O que aquele objeto fez com meus movimentos e noção de realidade transformou todos os conceitos do natural que conhecia até ali em meros folhetins. A verdade era um grande livro aberto à mim por livre e espontânea vontade daquela miniatura de árvore à minha frente. Foi ali que percebi que todo aquele lugar tinha vida.

Olhei para ela e percebi que agora estava diminuta novamente, e parecia ter entrado em transe, um estado literalmente vegetativo. Eu estava exausto então recolhi minha tocha que estava a ponto de consumir a última porção de óleo de peixe, e parti para fora da caverna, torcendo para me lembrar do caminho que fiz.

Quando finalmente cheguei à abertura cavernosa, notei que já era noite, e um cansaço me atingiu instantaneamente. Voltei à floresta, vendo-a com outros olhos e aproximei-me lentamente da mesma árvore em que dormi no dia anterior. Por sorte, nada me atacou ou possuiu, então logo adormeci.

No dia seguinte, acordei extremamente cansado, e uma forte vontade de voltar ao meu abrigo me levou a seguir a ideia. Tenso pelo que ocorrera no dia anterior, prometi retornar ali em breve para tentar entender mais o que acontecia naquele lugar. Com a visão que tivera, percebi que se traçasse uma linha reta de onde estava até a orla, chegaria em bem menos dias do que os que levei andando pela beira-mar para chegar até a caverna.

Parti ao meio-dia e em 12 dias incompletos alcancei meu lar. Durante essa viagem, avistei pequenos animais inofensivos e escaladores de árvores, que chamei de “Monos”. Eles tinham aspectos muito parecidos com o meu, mas eram bem menores e seus crânios eram relativamente maiores que o corpo. Sua coloração também era avermelhada e sua cauda servia para dependurar-se nos galhos altos. Evolutivamente perfeitos. Avistei insetos coloridos por todo o trajeto alimentando-se de folhas dos arbustos, mas desde o episódio na caverna eu não tinha coragem para ferir nenhuma planta dali para satisfazer a fome.

Falando nelas, comecei a notá-las com mais curiosidade durante dia e noite, e percebi que elas gostavam de se mover no período noturno. Muitas delas caminhavam livremente pela floresta em busca de um local com mais água, percebi naquele momento que elas precisavam de tanto quanto eu para viver, talvez até mais – muito mais no caso das Humídeas. Durante o dia, algumas respiravam da mesma forma que qualquer animal fazia, mas não cheguei a ver nenhuma se movendo com as raízes nesse período.

 

                                                         *

 

Em meu abrigo, recuperei minhas energias em algumas semanas, e já estava pronto para outras viagens. Nessas, conheci os mais exóticos locais do Continente Vermelho. Com 15 anos, encontrei a Floresta dos Animais Selvagens, que se localizava no centro da ilha. Lá abrigava centenas de espécies animais com tamanhos e cores variadas. Os mais perigosos disputavam um pequeno território no centro da ilha, que abrigava cachoeiras deslumbrantes, mas poucas vezes alcancei o lugar sem ser atacado.

Aos 16, conheci as Montanhas de Gelo, passei dias preparando a roupa ideal para passar pelo frio que fazia lá, mas nunca consegui passar da metade do caminho até o extremo norte do Continente. Estranhas aparições me assustavam diariamente enquanto morei nas montanhas, elas se assemelhavam muito aos monos e tinham a pelagem branca, como a neve. Eu achava que não passavam de miragens até o dia em que vi uma bem próxima de meu abrigo improvisado.

A figura não se parecia nada com o que eu pensei primeiramente, a altura alcançava os dois metros facilmente quando se espreguiçava, a estrutura corporal básica se assemelhava à minha e a musculatura era impressionante. O torso era coberto de pelos brancos assim como os membros restantes, a única parcela de pele à mostra se encontrava na palma das mãos e pés que traziam finas garras que provavelmente cortavam carne com facilidade.

A primeira vez em que vi aquilo nomeei a criatura de “Mono das Montanhas de Gelo”, mas assim que a vi mais próxima de mim adotei “Abominável” antes do primeiro nome. Com sorte não fui visto, mas um pequeno animal também de pelagem branca, porém em menor tamanho, não teve o mesmo destino. O predador agarrou-lhe pelas patas e em segundos não havia vestígios de vida por ali além da minha. Saí da área no dia seguinte.

Depois de seguir para o leste das Montanhas, uma curvatura praiana se alastrou por um breve período de terra, e através dela consegui avistar no mar, uma aparentemente pequena ilha próxima ao Continente, mas como não havia madeira próxima de onde estava, não pude reunir recursos para chegar até lá com uma jangada. Decidi seguir desbravando o local e posteriormente tentaria atravessar aquele perímetro marítimo. Durante todo o meu trajeto pela beira-mar não havia encontrado nenhuma ilha como aquela, apenas centenas de quilômetros de mar. Definitivamente, eu voltaria ali, no “Ponto X”.

Com 17 anos, encontrei um deserto. Como aquele continente abrigava tanta diversidade eu nunca descobri, mas tudo aquilo tinha um motivo para existir. Depois de descer pelo Ponto X em direção ao Sul, alcancei uma área um pouco mais esverdeada, miscigenada ao vermelho, extremamente atraente aos olhares de o que quer que passasse por ali, não é à toa que vi centenas de espécies menos selvagens que as da floresta anteriormente vista. Todas caminhavam e desfrutavam da natureza exuberante ao seu redor, aproveitando as imensas cascatas de água morna que brotavam das regiões um pouco mais altas dali.

Passei alguns dias ali, no Paraíso, desfrutando também de tais recursos naturais que a natureza da área proporcionava, e enquanto entrava perímetro adentro, campinas começaram a surgir cada vez em maior quantidade abrindo espaço nas árvores que diminuíram de tamanho pelo caminho e deram lugar para gramíneas amareladas que alguns quilômetros adiante se tornaram areia pura e cristalina. Uma imensidão de mares de areia amareladas e em alguns pontos avermelhadas surgiram quase instantaneamente em minha visão.

Pouquíssimas espécies vegetais ou animais surgiam por ali, com exceção de insetos aparentemente inofensivos que brotavam espontaneamente do chão arenoso. Tudo se dava pela temperatura que atingia o solo com força brutal dos dois sóis. Não era raro um incêndio surgir em meio à areia provavelmente inflamável e transformá-la em pequenos e brilhantes pedaços de vidro cortante e cristalino. Com poucos dias de sofrimento encontrei a floresta comum à oeste, e ao norte logo percebi a vegetação violenta da Floresta Selvagem. Retornei ao Paraíso situado no leste, depois de passar uma noite ali, na fauna ameaçadora.

Depois de uma semana alcancei o mar e prossegui minha descida para terminar uma volta completa no Continente Vermelho, que deveria ser apelidado de Infinito. Meus pés doíam, juntamente com minha cabeça e o resto do corpo após ter dormido nos mais variados lugares, envolvendo troncos e copas de árvores, areia, folhas e até pedras. Eu já estava à beira de desistir e construir um novo abrigo no Paraíso para descansar algumas semanas, quando encontrei outra grande elevação no solo, partindo em direção ao mar, muito parecida com o Precipício da Morte, porém maior, e menos aterrorizante, já que era mais amplo no comprimento.

Subi o morro com certa apatia, mas quando cheguei ao fim do despenhadeiro a falta de vegetação na área me deu uma visão estonteante das fronteiras daquela terra. Era possível ver um mar avermelhado de florestas por trás de mim, e um emaranhado de ondas infinitas desbravando o oceano aquático a minha frente. O motivo por ter seguido a viagem se mostrou quando me virei para o oeste e pude ver ao longe a grande árvore com que me conectei anos atrás.

Ela estava caminhando pela vegetação submissa, provavelmente procurando um local com mais água. Percebi que ela parou próxima a uma grande área sem vegetação, e notei que essa era a orla em que meu abrigo se encontrava. Enchi-me de alegria por estar finalmente próximo a ele, e meu corpo pareceu sentir isso também, completando-se de energia para uma última caminhada até minha pequena casa.

Passei a noite ali, na “Colina da Esperança”, comemorando meu 18º aniversário e analisando o que eu conseguia ver do Continente. Percebi que a visão que eu possuía era extremamente diferente da que experimentei quando me conectei à vegetação, na caverna. As plantas podiam sentir e enxergar coisas a centenas de quilômetros com uma estupenda nitidez, digna de uma máquina. O que pude distinguir dali, além da orla, foi o Deserto, cristalino e vibrante durante a noite, uma pequena parcela da Floresta Selvagem e o começo do Precipício. No mar, não pude ver nada alem de lindas imagens formadas pelo reflexo das Grandes Luas.

No dia seguinte, comecei meu retorno ao meu abrigo original, despedindo-me do mirante e do conforto. Passaram-se vários dias e percebi que o local não estava tão próximo assim. Quando reconheci algumas espécies, minha mente entrou em um relaxamento instantâneo que quase me fez cair, mas eu disse a mim mesmo que só descansaria quando me deitasse em minha cama de folhas de Humídeas. Infelizmente, meu corpo não me respeitou, e assim que vi meu abrigo desmaiei de cansaço e permaneci ali, adormecido, até o amanhecer do décimo dia do retorno.

 

*

 

Desde então, passei dois breves anos me descobrindo juntamente com a natureza ao meu redor, que se mostrou muito útil no meu desenvolvimento. Cacei, colhi, conheci e sobrevivi aos mais variados desafios que o Continente Vermelho me proporcionou. Construí uma personalidade forte e desconfiada do que me cercava, mas o que mais me transformou foram as experiências místicas que a caverna próxima ao mar me proporcionou. Segui visitando-a regularmente para descobrir algo sobre o ocorrido, mas o que surgiam eram mais e mais dúvidas.

Tudo isso me perseguiu até meu 20º aniversário, quando as coisas começaram a mudar.

 


Notas Finais


Espero que tenham gostado desse primeiro capítulo, tenho alguns mais prontos :)
Algumas dúvidas da minha amiga:
*Como ele sabe as medidas de tempo terrestres?
- Essa história está sendo contada por um personagem em um futuro um pouco mais distante que o contado nesse capítulo, então o que posso dizer é que em algum momento ele aprenderá essas medidas ;)
*Tem como ter dois sóis?
- Sim, existem sistemas estelares binários (duas estrelas)

Qualquer dúvida, é só perguntar.


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