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História Orchids in the Summer - Florescer


Escrita por: Fangirl-imnida

Notas do Autor


"Joy, você não tem um milhão de fics pra atualizar além dessa?" TENHO. MAS ME ESCUTA, SÓ UM INSTANTE.

Eu estou com essa ideia na minha cabeça há muito, muito tempo. Eu amo o Oikawa com todo o meu coração, e é a minha primeira vez escrevendo sobre ele, então também é um pequeno estudo pra mim! Oikawa, nessa fic, está apenas começando a se descobrir como ele "realmente" é, então é sutil, mas espero que vocês gostem da história mesmo assim!

Capítulo 1 - Florescer


A primeira vez que acontece, é tão inocente e passageiro que ninguém registra qualquer mudança. Ele tem apenas quatro anos na época, e ele é uma criança tão curiosa quanto qualquer outra. Tooru é um menino observador, silencioso até, com vergonha demais para buscar outras crianças de sua idade para brincar na escola ou no clubinho de esportes. Nessa terna época, ele apenas começa a dar indícios da grande pessoa que ele um dia virá a ser; observador, dedicado, atencioso, atento aos pequenos detalhes e os segredos não ditos das pessoas ao seu redor. 

Dessa mesma forma, ele observa sua irmã mais velha passo a passo, enquanto ela, apenas uma adolescente na época, descobria a cada dia mais sua identidade como mulher e seus gostos e formas de expressão, mudando suas roupas, suas maquiagens, seus adereços. Tooru não sabe muito bem que milhões de frascos são aqueles sobre a mesinha de Mayu, das mais variadas cores e tamanhos, e como ela sabe exatamente qual frasco ela precisa usar no rosto ou no cabelo, mas ele tenta absorver o máximo que pode, com apenas seus olhos grandes e brilhantes. 

Tooru gosta de vê-la se arrumar. Mayu nee-chan parece tão leve e feliz, usando roupas coloridas e colocando algo que parece tinta rosa em sua boca, cantarolando para si mesma enquanto passeia pelo pequeno quarto. As roupas de nee-chan não tem desenhos como as suas - que tem estampas de carrinhos, estrelas e aliens! -, mas elas sempre tem diversas flores no tecido e ela sempre coloca aquelas coisinhas coloridas no cabelo, e ele acha todo aquele ritual simplesmente fascinante. 

- Nee-chan. - Tooru a chama um dia, quando sua curiosidade se torna grande demais para ficar insaciada e só observar não lhe dá as respostas que precisa, não aguentando mais um dia  - O que são essas coisas no seu cabelo? 

- O quê, isso? - Mayu mexe nas pequenas flores em seu cabelo, sorrindo para seu reflexo quando as vê mexer  e dançar em suas madeixas castanhas quando as toca - São clips de cabelo. Lembra que eu te mostrei meus acessórios, Tooru, quando você me pediu a caixinha para ver? Então, eles também são daquela caixinha. 

Tooru franze o nariz ao som da palavra "acessório"; ele ainda não entende muito bem porquê sua irmã precisa de todas aquelas coisas miúdas da caixinha branca, mas ele nunca viu ela usar os tais clips de cabelo antes, então talvez eles sejam novos. - Mas como eles ficam aí? As flores que eu coloco no meu cabelo caem. Quando as meninas na escola tentam também, elas não ficam. 

- É porque essas flores não são feitas pra por no cabelo, Tooru. - Mayu ri, deixando o espelho para trás e sentando-se na cama ao lado de seu irmão, inclinando a cabeça para poder olhá-lo nos olhos - E você andou tirando as flores da mamãe do vaso? Por favor não faça isso, ela está trabalhando duro pra fazer as flores crescerem e você não pode tirá-las, tudo bem?

- Mas por que as suas flores ficam e as da mamãe não?

Mayu solta uma risada soprada, correndo seus dedos pelos cabelos bagunçados de Tooru. Ele não vai pedir desculpas por tirar as flores do vaso de sua mãe, mas ela sabe que agora que pediu, ele não fará de novo; mas Tooru não ficará satisfeito enquanto não entender e não conseguir colocar as flores em seu cabelo como Mayu.

Porque ele quer tanto ter flores no cabelo, ela não sabe bem, mas talvez alguma menina em sua escola também estivesse usando clips e ele, competitivo como sempre, não aguenta o fato de não conseguir usar as pequenas flores também.

Então, Mayu faz a coisa mais simples que pode pensar.

- Você quer que eu tente por em você?

Tooru pula em seu lugar, agarrando os lençóis com animação. - Quero!

Ele salta da cama apressadamente, estendendo a mão para buscar a escova de Mayu sobre a cabeceira, quase a empurrando nas mãos da irmã antes de sentar-se de costas para ela na cama. Mayu faz um barulho surpreso, chocada como Tooru tinha diretamente buscado a escova quando ela sugeriu lhe ensinar como colocar os clips; ele estava observando com mais cuidado que ela pensava, e ele tinha percebido que ela sempre escovava o cabelo antes de colocar os acessórios.

Mayu corre a escova pelos cabelos de Tooru, sorrindo para si mesma, impressionada com a atenção que seu irmãozinho lhe dá. Ela deixa as cerdas desembaraçarem os cabelos naturalmente macio, e ela adora o jeito que as pontas das mechas de Tooru fazem aquelas pequenas voltinhas delicadas, ao contrário de seu cabelo longo e pesado. Ele fará sucesso com as meninas quando mais velho, ela pensa, ele será bonito como um príncipe. 

Depois de tirar os nós da forma mais delicada que pode, Mayu tira um dos clips de seu cabelo, vendo como as mãozinhas de Tooru tremem e se remexem em seu colo, ansiosas para tocar e aprender os segredos daquelas pequenas e coloridas flores. Ela se inclina, com a flor azul entre seus dedos, e mostra a Tooru o pequeno fecho que fica escondido atrás das pétalas, sorrindo quando ele levanta seus dedos ansiosos para encostar.

- É de mentira?! - ele arfa, quando segura o clip na mão e percebe que a textura sob seus dedos é de plátisco, e não macia como uma pétala de verdade.

- É, assim elas não amassam, viu? - Tooru faz um barulho que soa muito como ultraje, mas Mayu não se abala. - Mas elas são bonitas do mesmo jeito. Quer que eu coloque essa aqui em você?

- Sim!

Mayu pega algumas mechas de Tooru e as coloca em sua mão, fechado o clip ao redor delas com muito cuidado; o azul celeste fica lindo contra os cabelos castanhos de Tooru, entre suas voltinhas e brilho, parecendo estar em meio a um lindo desabrochar, do mesmo jeito que os olhos de chocolate de Tooru reluzem quando ele se volta para ela, elétrico de emoção.

- Pronto. Essa vai ficar presa no seu cabelo direitinho, e não vai cair. - ela sorri. - Ficou lindo, Tooru. Quer mostrar para mamãe e o papai como ficou?

Tooru salta da cama antes mesmo que possa responder, correndo pelo apartamento em passos pesados, gritando por seus pais em euforia, e Mayu apenas pode rir quando escuta o gritinho surpreso de sua mãe e as palmas de seu pai, em algum lugar da sala. Tooru provavelmente está rodando e andando de um lado a outro, exibindo sua flor com toda a pose, e seus pais estão sobre ele, o enchendo de mimos e elogios.

Bonito como um príncipe, ela pensa para si mesma, e vaidoso como uma princesa. 

•••

Ele tem oito anos quando ele conhece Iwaizumi Hajime pela primeira vez. 

Tooru e sua família se mudaram de Tokyo para Miyagi quando sua irmã mais velha anunciou sua gravidez, ao lado de seu marido igualmente carismático e sorridente. Mayu, apesar do seu jeito inquieto e enérgico, queria construir uma família para si própria longe das luzes e das buzinas da cidade grande; em um lugar em que seu filho poderia correr em espaços abertos sem medo, onde ele pudesse ver o céu ficar estrelado a noite e pudesse caçar vagalumes quando o verão chegasse.

Tooru nunca gostou de vagalumes. Ele não gosta de insetos e ponto, eles são nojentos e incômodos, e eles o assustam. Tooru não tem nada contra as cidades do interior - ele se diverte muito na casa de seus avós, em suas férias -, mas ele também não tem nada que o prenda a cidade. Ele pensa quietamente quando seus pais o perguntam se ele gostaria de ir junto com Mayu e formar um novo lar, todos juntos, e ele não consegue realmente chegar a uma conclusão se aquilo deveria ser uma coisa boa ou ruim. Então ele só dá de ombros. 

Tooru ainda é um menino tímido, com uma certa dose de insegurança em suas ações. Seus pais temem que ele possa se fechar mais caso ele não conseguisse se encaixar em Miyagi, mas ele também parece não se encaixar em Tokyo, eles tristemente percebem. Não há muitas crianças que queiram brincar com ele na escola, ele não mostra interesse no clube de natação ou nas aulas de basquete infantil e a única pessoa que parece ser capaz de tirá-lo de dentro de sua fortaleza é sua querida irmã, que está prestes a partir.

Então, de malas feitas, unidos como sempre, a família Oikawa deixou a cidade para trás em busca de uma casa, um lar, algo que pudesse não apenas tranquilizar Mayu, mas que pudesse fazer com que Tooru desabrochasse, que ele pudesse encontrar o seu lugar no mundo.

Para a surpresa de seus pais, o lugar de Tooru vem na forma de uma pessoa. Um menino de cabelos selvagens e olhos penetrantes, cheio de band-aids e um sorriso largo no rosto. Ele vem algumas semanas depois de terem chegado, quando o verão finalmente caiu sobre Miyagi, trazendo consigo os infames vagalumes e os deliciosos dias de sol nos fins de semana; de mãos dadas com Tooru, quando voltam da escola juntos e descobrem que, na verdade, são vizinhos. Hajime-kun é a única pessoa que consegue fazer com que Tooru chegue a sequer dois metros de um inseto, e, pela primeira vez em toda a sua vida, Mayu e seus pais veem Tooru brincar na grama, gargalhando, correndo atrás de Hajime-kun sem nenhum medo ou insegurança.

Foi a melhor escolha que já fizeram, vir para Miyagi. Finalmente, Tooru iria florescer no brilhante menino que ele havia nascido para ser.

Anos depois, ele descobre voleibol. Ele descobre uma paixão fervorosa e ardente pela vitória, ele descobre que sua determinação e seu magnetismo é capaz de fazer com que as pessoas o admirem, ele descobre o seu propósito.

E sempre de mãos dadas a Hajime, ele vai. Ele cresce, ele se torna um rapaz, e é só depois de muitos anos, quando a vida já se tornou algo tão diferente daquela inocência, só então aquela pequena memória infantil no fundo de sua cabeça volta para lhe perturbar. 

•••

No decorrer de seus anos do fundamental, Tooru conhece Ushijima Wakatoshi, e ele sente que o chão foi retirado de seus pés e ele caiu em um vazio negro. Foi o primeiro encontro com o maior de seus obstáculos, a pedra no seu caminho para a glória, e, dali em diante, algo sinistro começa a crescer nas ruelas de seus pensamentos sem que ninguém saiba.

É óbvio que ele está desapontado por perder. Mas sua decepção vai um pouco mais além; ela afeta as suas estruturas, a sua confiança, a base que sustenta a sua força e seu auto-controle.

Mas é silencioso. Discreto. Ninguém iria notar. E então, ele conhece Kageyama Tobio. 

É terrível. É assustador e é horrendo, o jeito que seus pensamentos se nublam com inferioridade e pavor, o deixando amargo e cego de inveja. Não era pra ser assim. Não era pra ser assim. Em um segundo cego de sentimentos negros, em um mal julgamento e uma culpa que Oikawa nunca esquecerá, ele ergue a mão para acertar Kageyama - como se Kageyama tivesse culpa de ser o que é, como se não fosse ele que é insuficiente, ele que não é bom o bastante -, e é apenas a presença de Iwaizumi que o impede de cometer este enorme erro.

Mais tarde, Iwaizumi precisa socar um pouco de bom senso em sua cabeça para afastar seus pensamentos nebulosos, se não, sozinho, Tooru seria consumido por sua própria escuridão. Tooru não agradece, depois que Kageyama se vai e eles caminham juntos para casa, mas ele sabe que Iwaizumi sabe que ele está aliviado. É tão confuso. Tooru não consegue se impedir de caminhar mais próximo de Iwa-chan que o normal, com seu ombro esbarrando no ombro largo dele enquanto seus passos sincronizam, em um conforto suave que ele não tem coragem de pedir em voz alta agora. 

- Precisava bater tão forte, Iwa-chan? Seu bruto. - Tooru falsamente reclama, precisando retomar a briga reconfortante entre eles, a aura de insultos brincalhões que ele veio a amar ao longo dos anos. Apesar da sua voz já estar saindo anasalada pelo algodão impedindo sua narina de sangrar, ele a afina ainda mais, se fazendo irritante com toda a sua capacidade dramática. - Minha testa vai ficar roxa e minhas fãs vão chorar por você ter ferido o meu rosto perfeito.

- Você mereceu. - Iwaizumi bufa, mas não há veneno em suas palavras bruscas. Ele parece quase distante, como se seus pensamentos estivessem inquietos.

Ele ainda está esperando a ultima ficha cair, Tooru bem sabe. Ainda há algumas palavras presas em sua garganta, ainda há uma dúvida triste pairando em sua mente, e ele precisa expulsá-la agora ou Iwa-chan não vai conseguir sossegar a noite toda.

Então Tooru respira fundo, e pergunta em um só fôlego, amargurado:

- Eu sou uma pessoa ruim, Iwa-chan? - Tooru segura Iwaizumi pelo braço, forçando-o a parar, e apoia sua testa no ombro dele, escondendo o rosto. - Eu sou ruim por detestar Tobio-chan? 

Na mesma hora, Iwaizumi rebate, como se ele já estivesse esperando essa pergunta - Você tem uma personalidade horrível, mas você não é ruim.

- Iwa-chan! É isso o que você chama de me consolar?! Você é péssimo nisso!

- Eu não preciso te consolar, você não é criança. - Iwaizumi dá de ombros, e quando seus olhos se encontram em hábito, o brilho sério e transparente dos olhos dele fazem Tooru travar em seu lugar, e, de repente, todos os seus pensamentos se aquietam e ele é preenchido por uma única voz; a voz de Hajime. - Você não gosta do Kageyama por que você acha que ele pode te passar, e você tem razão por detestá-lo por isso. Eu detesto Ushijima por ter feito meus ataques parecerem nada. Mas você é mais do que isso, Tooru, então pare com essa festa de auto-piedade. Você tem mais orgulho que ele. 

Ah, é tão frustrante saber que Hajime tem tanto poder sobre ele. Ele não pode ser tomado como sofredor, não quer receber um olhar de pena dele. Ele quer a fúria de Hajime, quer dele as palavras de motivação e uma mão amiga para ajudá-lo a se erguer de novo e seguir em frente. E Iwa-chan sabe exatamente o que ele precisa, como sempre. De sua boca, nunca sairão mais palavras do que o necessário, por que ele já sabe bem demais que palavras nem sempre são o jeito preferido de Tooru de se comunicar com ele. 

Por mais que ele não goste de admitir, nos últimos três anos, isso se tornou tão mais frequente. Desde Ushijima e Kageyama, Tooru, inconscientemente, começou a gravitar em torno de Hajime quando se sentiu inseguro - encostando nos ombros dele com os seus, colocando a mão em suas costas, segurando a ponta da camisa de seu uniforme quando o jogo parece ficar exaustivo demais - e, quanto mais ele faz isso, mais ele percebe que ele tem feito isso desde sempre, como quando Hajime capturava aquelas cigarras no verão. Tooru morria de medo delas, mas ele ficava ao lado de Hajime, porque a mão de Hajime na sua era segurança o suficiente para fazê-lo ficar.

E Hajime sabe disso. Tooru sabe que ele sabe. Mas ele não se sente ameaçado com isso - com Hajime, uma fraqueza raramente parece uma fraqueza. Nas mãos dele, tudo o que Tooru tem é força, desde o ataque no vôlei a mão erguida na sua direção, para ajudá-lo a se levantar quando ele cai. 

Ele está ficando tão sentimental de repente, ah, ele consegue sentir sua garganta se fechando em uma emoção arrebatadora que ele não consegue conter, e seu lábio inferior treme sem sua permissão.

- Ah, não, você não vai chorar, vai? - Iwa-chan pergunta, exasperado e em pânico - Eu não falei nada demais!

- Iwa-chan é tão meloso, eu fico envergonhado por você. - Tooru brinca, mas seu tom falha entre sua risada e seu choro - Você fala assim com as pessoas? As meninas talvez gostassem mais de você se você falasse mais assim. Nem dá pra dizer como você é bruto, desse jeito. 

- Como é que você consegue ser tão insuportável, mesmo chorando? Eu nunca mais ajudo você. - ele reclama, mas quando Tooru termina de enxugar as lágrimas que escaparam e molharam suas bochechas, ele percebe que Hajime está sorrindo. E o coração dele dá uma batida mais forte, fora do ritmo, e Tooru quase suspira ao senti-la - Vamos embora, eu estou sendo todo picado por mosquitos aqui, tendo que esperar você parar de mimo.

Ainda agarrado ao braço de Hajime, Tooru se permite ser puxado pelo resto do caminho para casa, ouvindo apenas o som de seus passos ecoando na calçada. As cigarras deveriam estar dormindo, a essa hora - ele lembra que Iwa-chan lhe disse isso, quando eram menores -, mas quando uma delas começa a cantar depois que ele e Iwa-chan passam debaixo da árvore faz com que Tooru comece a rir ao invés de chorar, pela ironia, e pela estranha sensação de alívio e frescor que o preenche quando o canto dela enche seus ouvidos. 

Ele e Iwa-chan se despedem normalmente, quando param na frente de suas respectivas casas. Finalmente, o dia parece mais como um dia qualquer, e Tooru se sente normal de novo. Ele vai ter que agradecer Iwa-chan de algum jeito, mais tarde. 

Quando ele pisa em casa e sua mãe coloca a cabeça para fora da cozinha para lhe desejar boas vindas, ela arfa e derruba a colher que segura bem no chão.

- Tooru, o que houve?! Você está chorando!

- Está tudo bem. - ele acena com a mão em um gesto leve, a voz genuinamente animada - Eu já estou melhor. 

Sua mãe relaxa, mas não totalmente - Sua testa está vermelha. Hajime-kun te acertou de novo?

- Por que você parece mais preocupada com a ideia de eu chorar do que com a ideia de que Iwa-chan me maltratou?!

- Porque conhecendo você e Hajime-kun, isso é normal. - ela dá de ombros, limpando as mãos antes de se aproximar - Ah, mas isso vai ficar roxo. E seu nariz sangrou também? Tooru, o que você fez?

- Por que você está falando como se fosse minha culpa?!

- Ele faz isso há tanto tempo que eu acho difícil ele ter errado a mira e ter acertado sua testa sem querer, você não acha?

Infelizmente, isso é verdade. Ele fica completamente sem argumentos para esse pequeno comentário, então, ele escolhe ficar em silêncio enquanto sua mãe, o mais gentilmente que pode, corre os dedos por sua testa, não querendo pressionar o local ferido.

- Hm, vai parecer que você se meteu numa briga. Não quero que você tenha problemas na escola por causa disso. Hajime-kun acertou muito forte dessa vez...

- Foi sem querer! - Tooru se intromete de repente, pronto para defender Hajime - Foi sem querer, eu sei. Está tudo bem, eu dou um jeito de esconder. 

A mãe de Tooru suspira fundo, sacodindo a cabeça para si mesma. O que ela pode fazer? Ela sabe que Tooru nunca a deixaria vencer esse argumento. 

- Tudo bem. Acho que ainda tem algumas maquiagens da sua irmã jogadas por aí, também, elas podem ajudar. Vocês tem a mesma cor de pele, é facil esconder.

- Com maquiagem? - Toor franze o nariz, não completamente confortável com a ideia.

Não que Tooru não seja vaidoso; oh, por Deus, ele é. Se você ousar erguer a mão e bagunçar o cabelo dele, provavelmente ele irá gritar em ofensa. Ele tem muito orgulho de sua aparência, pois foi ela que, de uma hora para a outra, o tornou o ídolo da Kitagawa Daiichi entre as meninas da classe. Talvez isso o faça parecer um pouco superficial ou metido - urgh, ele quase consegue ouvir Iwa-chan bufando sarcasticamente quando pensa nisso -, mas ele não gosta da ideia de ter que colocar maquiagem. Ele não sabe bem quando essa informação se colocou na sua cabeça, mas maquiagem é coisa de menina. Sua mãe usa, sua irmã usa. Tooru pode ser vaidoso, mas a sua vaidade tem limites

Não tem?

É isso que ele reforça em sua cabeça, mesmo quando ele vai ao banheiro e busca pelas gavetas nas caixinhas antigas de Mayu. Ele se sente meio idiota por estar se sentindo tão inseguro com apenas a ideia de usar maquiagem; não é como se ele estivesse fazendo isso porque ele quer, mas porque seria um problema se sua escola acreditasse que ele, considerado um dos melhores alunos, tivesse se metido em uma briga.

Então ele engole seu orgulho, só dessa vez, e caça pelas maquiagens antigas de sua irmã. Surpreendentemente, sua mãe tem toda a razão - Mayu e ele realmente tem o mesmo tom de pele, sem nenhuma diferença visível quando Tooru passa o tal corretivo em sua testa machucada. O creme simplesmente desaparece em sua pele, mais eficiente do que qualquer curativo teria escondido, e ele precisa admitir que ele fica chocado com o quão fácil e prático é.

Ele não sabe bem se vai funcionar, ele bufa, mas vale a pena tentar. 

•••

No dia seguinte, ninguém pode dizer que ele está com a testa ferida, nem mesmo Iwa-chan. Tooru reclama, óbvio; mas a surpresa nos olhos de Hajime quando ele percebe que realmente acertou a testa de Tooru em cheio o deixam tão aliviado que o corretivo esteja funcionando quanto o deixam se sentindo culpado por ter feito Hajime acreditar, mesmo que por um segundo, que ele está falando sério quando chama Iwa-chan de 'bruto' mais uma vez. 

Faz parte do que eles são, ele diz, com um sorriso genuíno no rosto.

- Você não me machucou, Iwa-chan. - ele conforta, e seu coração dá aquele estranho aperto mais uma vez, tão sutil que ele quase não nota.

- Tem certeza? - Iwa-chan pergunta, duvidoso - Eu não queria te machucar.

É a única vez em sua vida que Tooru vai ouvir essas palavras, e ele sabe disso, então ele as aprecia o máximo que pode, por um suave, efêmero segundo. 

E ele diz, enfim - Eu sei, Iwa-chan. 

E é a mais pura verdade. 

•••

Parece tolo, mas durante todos os dias em que Tooru teve que recorrer ao corretivo de sua irmã para cobrir o machucado em sua testa, ele sentiu que estava escondendo um grande segredo. 

O que é estúpido, porque uma testa roxa não é nada demais, mas ele não consegue não sentir que ele está fazendo algo errado por trás das costas de todo mundo. 

Então, ele começa a pensar demais sobre isso. Ele se lembra de Mayu colocando suas maquiagens quando ele era mais novo, ele lembra das presilhas coloridas que ela usava e dos penteados que ela gostava de fazer, mas tudo parecia tão mais complicado. Ela tinha mil frascos a sua disposição e ela colocava uma coisa após a outra, em uma ordem específica, até ela ficar parecendo aquelas lindas modelos de revistas e atrizes famosas da televisão. Tooru tem que admitir que ele não é o único com uma aparência privilegiada na casa dos Oikawa - se Mayu tivesse a oportunidade, ela teria sido famosa pela sua beleza e sua doçura em sua adolescência. 

Ele quase fica tentado a ponto de ligar para sua irmã e perguntar sobre as maquiagens, mas isso seria estranho e embaraçoso a tal ponto que ele não consegue imaginar.  E Mayu fala demais, ela lhe daria todo o passo a passo de sua rotina de maquiagens se Tooru demonstrasse o menor interesse nela, então, ele corta essa opção de sua lista imediatamente.

Mas ele está curioso, por mais que não queria admitir. Então, como qualquer menino da sua idade faz, quando ele não sabe sobre algo, ele busca na internet.

Ele ainda não tem seu próprio computador, mas seu pai deixa que ele use o computador que fica no escritório do andar de cima, perto de seu quarto, quando quiser. De noite, quando seus pais estão na sala assistindo um drama que sua mãe gosta, Tooru vai ao escritório e liga o computador com uma certa ansiedade que ele não consegue bem entender, e nem pode começar a explicar. Quando ele joga o termo 'maquiagem' no site de busca, ele encontra tantos sites de venda e propagandas que fica desnorteado, e isso, por mais louco que soe, o faz se sentir um pouco menos confuso.

Então ele tinha razão. Ele lembra que Mayu passava muito mais tempo na frente de seu espelho - sim, mais tempo que ele, não ria! -, e nada era simples assim como só colocar um pouco de creme na testa e sair de casa. Mas há tantas coisas envolvidas em maquiagem que ele quase fica tonto ao tentar decifrar o que todas elas significam. Ele clica em alguns links aqui e ali e descobre vários pequenos detalhes inúteis, como qual é a melhor opção, um delineador líquido ou em gel, ou como encontrar a cor certa de sua base ou corretivo, porque, no fim das contas, ele descobre que esses dois produtos não são a mesma coisa. 

Depois de um certo tempo, ele desiste. Sua curiosidade foi aplacada o suficiente, ele supõe, e ele pode desligar o computador com uma mente aquietada e um coração menos aflito. Ele lava o corretivo de Mayu de seu rosto, toma seu banho e despede-se de seus pais, indo para a cama em direção a sonhos felizes sobre voleibol e sobre os festivais de verão que estão por vir. 

Essa é a segunda vez. 

A terceira, anos depois, é mais difícil de ignorar.

•••

Pode soar como a coisa mais previsível e tola do mundo, mas, dessa vez, o responsável por trazer essa curiosidade inqueta de volta para a mente de Tooru é ninguém além dele mesmo.

Ele mesmo, e Star Wars. O que é ainda menos surpreendente. 

Não é nada muito fora do normal. Ele está em casa, vendo vídeos sobre o novo filme de Star Wars que foi anunciado há algumas semanas, ainda extasiado com a ideia de ter um novo filme de sua franquia favorita saindo nos cinemas em apenas alguns meses, bem no período de suas férias. Ele mal pode esperar para juntar Mayu e Iwa-chan e talvez até mesmo Makki e Matsun para irem juntos assistir o novo filme. 

Ele está mais ou menos na vigésima repetição do novo trailer em seu computador, quando a página recarrega e os vídeos recomendados ao lado mudam mais uma vez, mas agora, com uma miniatura que ele não tinha visto antes. 

Não é uma entrevista, ou um vídeo de reação ou nem nada que ele já tenha assistido - é uma garota, com algo que parece muito com uma caneta super perto do próprio olho, o que lhe dá calafrios só de olhar, mas é ainda mais do que isso. Ela é idêntica a Padmé Amidala, do cabelo até as roupas, até o rosto, pintado da mesma forma que a atriz no episódio I.  O choque é tão grande que ele clica no vídeo sem nem pensar duas vezes, e fica ainda mais confuso quando a mulher que o cumprimenta no começo não é nada parecida com a moça da miniatura. 

Ele assiste, sem palavras, enquanto a garota apresenta vários pincéis e produtos sobre os quais ele nada sabe para a câmera, falando em um tom doce e calmo em inglês, até que ela tira da bolsa um produto que parece ser um batom, que tem o logo de Star Wars na embalagem; E isso surpreende Tooru. Ele não sabia que eles faziam até mesmo maquiagem de Star Wars. Como foi que Mayu nunca contou isso pra ele? Ela com toda certeza saberia sobre isso, adorando maquiagem e adorando Star Wars com quase tanto fervor quanto seu irmão mais novo.

De repente, ela começa sua transformação. Tooru encara fixamente enquanto ela ajeita o cabelo com uma maestria insana, e em menos de três minutos ela já arrumou seu longo cabelo castanho em um estilo similar ao da personagem, e começou a aplicar várias coisas em seu rosto com seus pincéis. Lentamente, Tooru percebe que ela se transforma em outra pessoa, mudando a forma de suas bochechas, de suas sobrancelhas, até mesmo seus lábios com aquele tal batom. É  impressionante. Ele não consegue desviar o olhar.

Sem querer, ele passa o resto da noite no canal, clicando de vídeo em vídeo como um louco, até mesmo naqueles que nada mais tem a ver com Star Wars. No fim da noite, ele já viu a mesma mulher se transfomar em sete celebridades diferentes, em cinco personagens de filmes, em dois de anime e mil outras coisas mais. Ele se sente como se tivesse descoberto um tesouro escondido; cheio de mistérios e promessas, atiçando sua curiosidade. Mesmo que ele não saiba exatamente o que ele pode fazer com essa informação, ele a guarda para mais tarde, em um instinto estranho de que elas poderão ser úteis de alguma maneira, um dia.

Até para si mesmo, isso soa como uma mentira. Mas isso ficara entre ele e ele mesmo apenas, então, em silêncio, ele vai dormir, e promete a si mesmo não pensar mais no assunto.

•••

Se, algumas semanas depois, ele vê aquele batom em uma vitrine na cidade, e ele esconde um no meio de suas compras quando vai ao caixa, nem tendo coragem de olhar para cima enquanto a menina no caixa passa o produto no sensor, ninguém precisa saber. 

•••

As mãos de Tooru tremem com uma energia nervosa que ele não consegue explicar. Ele andou o dia todo se remexendo, inquieto e tenso, até mesmo depois que Iwa-chan lhe deu um tapa na testa e o mandou parar. Ele provavelmente percebeu que Tooru não estava em seu melhor estado, mas já que a temporada dos campeonatos ainda está longe e Tooru não cruzou caminhos nem com Ushiwaka ou Tobio-chan nos últimos dias, Iwa-chan provavelmente concluiu que Tooru só estava sendo estranho mais uma vez. 

Ele não perguntou. E Tooru agradece, pois ele não sabe o que ele teria dito, se Iwa-chan tivesse perguntado. 

Eu estou com um batom escondido na minha mochila há 3 dias, tentando tomar coragem. 

Tomar coragem para quê? Para tentar usá-lo? 

Não é nada demais. 

Mesmo assim, o suspiro que sai de sua boca é cortado, enquanto ele se encara no espelho com os olhos arregalados em algo muito parecido com a adrenalina de um jogo, com o batom em suas mãos, em uma posição que o faz parecer mais uma faca que um inofensivo produto de maquiagem. 

Já faz alguns minutos que ele se trancou no banheiro, tamborilando na beira da pia enquanto reunia coragem, mas ele está cansado de sua própria hesitação. Ele encara o batom com fúria e frustração, por um segundo mais, e antes que perca as forças, ele tira os olhos do espelho e encosta o batom nos lábios.

Ele sente o produto correndo em seu lábio inferior conforme o espalha, em uma textura um pouco diferente a que ele esperava. Ele pressiona os lábios juntos, tentando aplicar o máximo que pode sem erguer a cabeça, mas não há muito que ele pode fazer cego, e ele precisa levantar e encarar de frente a sua imagem no espelho, se não toda sua preocupação terá sido à toa. Ele pode fazer isso. 

Tooru ergue a cabeça. 

Oh. Wow. 

Oh, não.

•••

Iwaizumi Hajime se considera uma pessoa sensata. Claro, tendo Oikawa Tooru como amigo de infância, ser sensato é uma das características que você precisaria ter em seu repertório, sem falta - junto com ser paciente, seguro, e com uma mão muito firme pra impedir aquele imbecil de se autodestruir. Mas se Hajime for perfeitamente honesto consigo mesmo - e com ninguém mais, porque Oikawa nunca vai ouvir essas palavras deixando sua boca -, ter Oikawa Tooru como seu melhor amigo não é totalmente sem seus méritos. 

Ele é brilhante, simples assim, e é, apesar da personalidade duvidosa, uma das melhores pessoas que Hajime conhece.

Ele não é mau, ou cruel, como as pessoas acham que ele é. Ele é complexo, e nenhuma palavra é o bastante para descrever todos os lados dele que Hajime viu ao longo da vida. Ele simplesmente tem facetas demais, muitas fraquezas e muitas forças para ser resumido a um simples adjetivo. Mas Hajime tem orgulho dele. E orgulho de si mesmo, por aguentá-lo e apoiá-lo sempre, mesmo que, em certas horas, Tooru surja do nada com as coisas mais absurdas e doidas do mundo.

E ele acha que, a essa altura do campeonato, ele é capaz de aceitar tudo que Tooru jogar em seu caminho, sem choque ou surpresas.

Até que, apoiado em sua mesa, seu celular começa a tocar.

- Alô? - ele responde prontamente, no segundo toque do aparelho.

Uma longa pausa do outro lado. Hajime larga o controle do videogame, deixando seu jogo em pausa, para focar-se completamente na estranhamente silenciosa ligação. Ele escuta alguém do outro lado, tão perto do outro lado da linha que ele escuta a respiração de quem quer que seja, mas ele atendeu em um instinto tão rápido que não olhou o identificador antes de aceitar a chamada.

- Alô? - ele insiste, com uma irritação crescente. - Quem é?

- Iwa-chan? 

Hajime arfa, em total Alerta Vermelho em menos de um segundo. Tooru soa péssimo, aquele tom engasgado e terrível como se ele estivesse prestes a chorar, e não o choro falso que ele faz sempre - o choro sério, o choro que Hajime ouviu quando ele caiu no chão da quadra no fundamental,  com o joelho em chamas e anos de dedicação se quebrando a seus pés. 

- Tooru?  - ele se levanta em um pulo, vestindo uma camisa com apenas uma mão e fazendo tudo na velocidade da luz, já pulando os degraus das escadas em direção a casa de seu melhor amigo logo na frente - Você está bem? O que foi?

- Eu preciso da sua ajuda. 

- Você se machucou? Eu estou indo.

- Não, eu estou bem. Mas Iwa-chan... - um soluço seco corta a sua fala, e Hajime sente seu coração apertar em seu peito - Eu estou... E acho que estou surtando, pode vir aqui, por favor?

- Já estou indo. - ele afirma, agarrando suas chaves e batendo a porta atrás de si, andando em passadas largas para o outro lado da rua, sem se preocupar em olhar para seus arredores antes - Fique comigo, Tooru.

- Desculpa te pedir ajuda, mas Iwa-chan...

- Não termine essa frase. - Hajime ralha, hesitando em um passo, como se a fúria que de repente explodiu em seu corpo o fizesse tremer de dentro pra fora, trincando seus dentes com tal força que sua jugular dói em protesto. Tooru faz um som absolutamente desolado na linha, as palavras bruscas lhe acertando como uma bala no peito, mas Hajime não recua - Você nunca vai pedir desculpas por precisar de mim. Nunca se envergonhe de precisar de mim do seu lado.

As chaves  em sua mão sacodem com seus nervos, fazendo a tarefa de encaixar a chave da porta da frente de Tooru um problema muito maior do que deveria ser, e cada segundo que Hajime gasta do lado de fora é um soluço a mais escapando pela garganta de seu melhor amigo, é mais um soco em seu âmago e mais uma nota de desespero ecoando em sua cabeça. Quando ele consegue e enfim, a porta abre, Hajime se joga para dentro com tamanha pressa que em duas passadas ele quase cruzou a entrada, e quase bateu de frente com Tooru, sentado no primeiro degrau da escada com o rosto escondido na mão e o pranto sacudindo seus ombros como terremotos destroem prédios em um piscar. 

O silêncio passa entre eles tão tangível que Hajime não ousa se mexer. Ele termina a ligação, e, de onde está, ele consegue ouvir o apito do celular de Tooru em seu ouvido, mudo e solitário, e o arfar quebrado que passa por sua garganta quando ele larga o celular e se encolhe diante de Hajime. 

- Tooru? - Hajime pergunta, com cautela, e Oikawa funga mais uma vez, antes de furiosamente esfregar suas palmas em suas bochechas, afastando as trilhas das lágrimas com ofensa, recolhendo sua coragem de erguer a cabeça.

- Você tem que me prometer que não vai gritar. - ele exige, mas a ordem em sua fala é quase totalmente afogada pelo medo, que se enrola em sua garganta e transborda por suas palavras inseguras - Por favor, me prometa que você vai me ouvir antes de dizer alguma coisa.  

Hajime nem consegue responder antes que Oikawa se levante. Em parte, por que o tempo parece ter travado e ele está solto no vazio, pela primeira vez em muito tempo sem saber com reagir a seu melhor amigo, nunca tendo visto uma reação tão explosiva de Tooru sem saber a causa de sua tormenta. Tooru parecia bem, até ontem mesmo. Hajime nunca cometeu um erro tão grande, nunca deixou um sofrimento tão imenso de Tooru passar em branco, e ele se odeia por isso. Ele quer avançar, tomá-lo nos braços em um aperto, e garantir-lhe que tudo vai ficar bem, mas a culpa e a necessidade de saber a verdade o mantém travado, e seu silêncio é confirmação o bastante para Oikawa.

Ele se levanta, hesitante e frágil, respirando o mais profundamente que pode antes de erguer o rosto e olhar Hajime direto nos olhos.

Imediatamente, os olhos de Hajime caem para a boca dele, onde um brilhante tom de coral cobre o tom natural de seus lábios, tão em destaque por sua estranheza que poderia muito bem ser um enorme hematoma ao invés de uma inofensiva cor. 

Tooru, na mesma hora, desata em uma explicação longa e nervosa e confusa, tentando explicar-se e manter Hajime calmo ao mesmo tempo, embora Hajime ainda nem sequer tenha reagido ao que viu. 

Tooru continua falando, gesticulando exasperadamente e com um olhar perdido no rosto, como se seu discurso tivesse vida própria e estivesse matando-o até ele colocar tudo para fora. Hajime consegue ouvir parte do que ele diz - várias vezes ao longo dos anos e era só curiosidade e ele não entende porque ele não consegue parar de se desesperar -, mas, na realidade, diversas partes se perdem na estática chiando em sua cabeça, enquanto seus pensamentos lutam para se reorganizar em meio ao choque que ele acabou de ter.

Ele sente que, de repente, após todos esses anos de convivência, Oikawa Tooru conseguiu mais uma vez surpreendê-lo, e acrescentar mais uma peça ao imenso e complexo quebra-cabeça que Hajime já sabia que ele era.

- ...Iwa-chan? - ele é chamado de volta, suavemente, e ele de repente percebe que Tooru terminou, e ele ainda nem sequer se moveu de seu lugar - Por favor, diz alguma coisa.

- Espera. - Hajime pede, no automático - Você está surtando por causa de um batom?

- Você não ouviu nada do que eu disse?!

- Eu ouvi, mas eu ainda não entendi! Você gosta de maquiagem, e daí?! Você acabou de ter um ataque de pânico por causa disso?!

- Eu não sei! - Tooru grita de volta, agarrando suas próprias roupas, seu cabelo, tudo que suas mãos trêmulas podem alcançar, mantendo distância de Hajime - Eu não quero ter que pensar nisso! Eu quero que isso pare!

- O quê?! Tooru! 

- Eu não quero gostar disso. Eu sou um garoto! Isso é errado, é ridículo e eu não deveria estar me preocupando com isso! Eu deveria estar me preparando para o campeonato, eu deveria estar pensando em como acabar com Ushiwaka e Tobio-chan nos próximos jogos, mas, ao invés disso, eu estou ficando acordado à noite me preocupando com isso!

- Como assim? E daí que você é um garoto? - Hajime sacode a cabeça - Você passa mais produtos no cabelo do que qualquer garota que eu conheça há anos, e isso nunca te incomodou. 

- Mas isso é errado, Iwa-chan!

- Quem colocou isso na sua cabeça?! Tooru, se acalme! Pare de se desesperar e me escute! 

Oikawa treme da cabeça aos pés, segurando os próprios braços como se isso estivesse impedindo-o de colapsar e estilhaçar-se em pedacinhos no chão, e Hajime é obrigado a avançar e segurá-lo pelos ombros, escorregando uma de suas mãos para a nuca de seu melhor amigo, firmemente forçando-o a olhar para frente. 

- Olhe para mim. Olhe nos meus olhos, Tooru. - ele comanda, mas seu tom é gentil, nivelado e cheio de conforto. Oikawa se vira para ele como uma flor que busca o sol, instintivamente buscando sua luz, deixando-se encher com seu brilho até transbordar, até que todo o medo fique mudo diante da voz segura de Hajime. - Está tudo bem. 

Um soluço borbulha pela garganta de Tooru e escapa por seus lábios, e ele treme sob as mãos de Hajime. 

- Não tem nada de errado com você. Gostar de maquiagem não te faz menos garoto do que gostar de vôlei ou qualquer outra coisa.

Mas Tooru continua tremendo, suas lágrimas partindo o coração de seu melhor amigo, e a pergunta que ele não consegue esquecer finalmente é dita em voz alta, pesando mais que tudo - E se eu não for um garoto no fim das contas?

- Então a gente vai se ajustar ao que você é. - Hajime responde, sem nenhum segundo de hesitação, sabendo a resposta para a angústia de Tooru antes mesmo que ele próprio saiba. Tooru sente a tensão de seu corpo se esvair devagar, hipnotizado com a firmeza da presença de Hajime diante de si; E mesmo quando seu corpo deixa de vibrar com a energia de seu pânico e começa a ficar dormente e exausto, seus joelhos permanecem estáveis, o segurando no lugar.

- Garoto ou não, Oikawa, você ainda é você. Você ainda é meu imbecil, paranóico, teimoso melhor amigo. E tanto faz se você coloca saias ou não, para mim. Isso não muda nada.

- Mesmo se eu quiser mudar? Mesmo eu sendo estranho?

- Você sempre foi estranho, mas por outras razões, seu nerd. Não por isso. E se você mudar, eu vou acompanhar você. Até o fim, lembra?

Tooru se lança para frente e envolve Hajime com os braços, puxando-o para um abraço tão apertado que ele não poderia fugir; mas ele nem tenta. Hajime o abraça de volta, espalmando suas mãos em suas costas e lhe acariciando, em um movimento rítmico e calmante, deixando que seu corpo se sacuda com o do mais alto em ofegos e arquejos, até que seu choro cesse de vez. 

Ainda sim, minutos depois das lágrimas terem parado de rolar, Hajime e Tooru permanecem abraçados, compartilhando no silêncio um sentimento de devoção e gratidão que nenhuma palavra poderia traduzir bem. Tooru pousa sua cabeça no ombro de seu melhor amigo e inspira fundo, focando-se no palpitar errático de seu coração contra o peito de Hajime, perguntando-se se Hajime consegue sentir a mesma maciez e sutileza que ele, quando seus cabelos roçam na bochecha dele e quando as mãos dele fazem cócegas em seus braços arrepiados. 

Há tanta delicadeza nesse abraço, mas Tooru nunca se sentiu tão forte e firme, mesmo estando a ponto de despedaçar mais uma vez.

Hajime para suas mãos nas costas de Tooru, cessando a carícia quando um pensamento lhe ocorre de repente - Se eu fizer uma pergunta a você, vai me responder honestamente?

- Que cruel. - Tooru graceja, sua voz ainda embargada de emoção, mas já mais leve com seu bom humor - Querendo arrancar meus segredos de mim quando eu estou frágil e vulnerável. 

Iwaizumi não morde a isca, e se afasta um pouco para poder olhá-lo de frente. - No seu aniversário, ano passado, Hanamaki comprou uma saia cheia de estrelas pra você, de brincadeira. Você a usou?

- Você adoraria saber, não é mesmo? - Oikawa ri e seu corpo todo sacode junto com seu gargalhar, aberto, feliz, e em paz. - Iwa-chan quer me ver usando mini-saias, que indecente! Não, eu nunca a usei. Mas eu ainda tenho ela guardada. Eu pensei em dá-la pra Mayu-nee, mas eu nunca dei. 

- Então saias talvez entrem no seu repertório, mas você não tem certeza?

- Pra quem disse que não se importa se eu usaria saias ou não, você está bem interessado na ideia!

- Seu aniversário está chegando. - Iwaizumi diz, dando de ombros, mas o sorriso que ele abre é tudo menos indiferente, cheio de afeto e compreensão - Eu não ia dizer nada, já que eu não sou infantil que nem você, mas você sabia que eles fazem saias de Star Wars? Leggings e vestidos também. Tem roupas masculinas também, claro, mas você já viu a vitrine das lojas no centro? Elas são insanas de tão nerds, iguais a você. 

A risada continua a transbordar pelos lábios de Tooru, o calor se espalhando em suas bochechas com o tom rosado de inocente vergonha e puro deleite. O som grave e divertido sai direto de sua boca para a pele de Hajime, ainda em seu abraço, ainda seu apoio, e Iwa-chan começa a rir junto; e por um segundo, eles não são nada além do que duas crianças novamente, se conhecendo entre os raios brilhantes do verão, trocando abraços, presentes e segredos sem medo. 

Saias ou shorts, maquiagem ou vôlei, Hajime não se importa. Oras, quem sabe os dois?  Talvez tudo ao mesmo tempo. Tooru nunca foi mesmo do tipo que faz uma coisa só de cada vez.  E Iwa-chan está aqui. Ele está aqui, como ele prometeu que estaria, e Tooru se sente absolutamente invencível mais uma vez.

Nesse verão, ele desabrocha enfim. E o verão se enche de flores e cigarras, de descobertas e surpresas,  e ele não o teria de nenhuma outra maneira. 



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