História Os Elementais - Gato Estranho

Minha respiração descompassada se aquietava aos poucos enquanto inspirava e expirava após um mergulho de quase um minuto. Já fazia horas que eu estava ali, os dedos de minhas mãos, enrugadas, começavam a doer. O vento frio soprou em meu rosto me lembrando novamente de que aquela estação não era a certa para se mergulhar em um lago no parque, e imaginei que uns dois ou três dias com febre seria o suficiente para me ensinar uma lição depois daquilo. Mas uma luz ofuscante no fundo do lago era o que havia tomado toda minha atenção a uma grande distância de onde eu me encontrava agora, tinha algo ali, uma pedra preciosa, um pingente ou um pequeno pedaço de ferro? Eu não sabia, mas estava determinada a pegar. Por algum motivo aquilo me atraia e eu sentia que deveria ser meu. A água do lago poderia ser chamada de cristalina tempos atrás, mas agora era meio esverdeada por conta das plantas e musgos que crescem nas pedras em seu interior. Apesar de cobrir meu corpo até o pescoço ela não era tão funda, apenas o suficiente para me deixar na pontinha dos dedos, minha estatura pequena não colaborava muito. Mergulhei rapidamente mais uma vez para jogar meus cabelos para trás. Desembaraçar aqueles cachos seria um sacrifício. Olhei para trás apenas para conferir que minha pequena mochila, sobretudo, calça e óculos redondos ainda estavam ali e então preparei o fôlego para mais um mergulho, eu estava cavando com as mãos uma abertura para o que quer que fosse aquele brilho até que finalmente o alcancei, fechei a mão segurando pedras a mais do que esperava. Nadei até a beirada e afastei a água do meu rosto antes de analisar o que eu havia batalhado tanto para pegar. Era um colar, mas um colar totalmente diferente de qualquer um que eu tenha visto antes. Era de corrente prateado adornado como uma trança de duas e algumas luas crescentes pequeninas, no meio uma pedra azul safira perfeitamente em um formato de uma gota d'água, se eu não o tocasse poderia jurar que era um líquido. Me deitei para descansar um pouco ainda o analisando, meu corpo arrepiou com um vento e não resistir em expirar baixinho. Por um reflexo algo brilhou acima. Me sentei ainda olhando para o alto enquanto fechava o colar em meu pescoço, mesmo sem os óculos conseguia ver tudo nitidamente o que era muito estranho. O brilho por sua vez se tornou um anel verde preso na ponta do galho de uma alta árvore que crescia na beirada do lago, me aproximei da mesma começando a escalar sem tirar os olhos do anel — Por um instante me permiti pensar de que era um jovem escalando uma árvore apenas de calcinha e regata preta e o quão constrangedor seria me explicar para quem aparecesse ali — Estava a poucos passos de pegar o anel quando o galho se partiu, a água se chocou contra minhas costas como lâminas afiadas e gritei segundos antes de senti a água adentrar minha boca.

Eu respirava com dificuldade quando sobressaltei da minha cama. Novamente aquele mesmo sonho e novamente eu perdia o final.

  – Aquele sonho de novo, Luna? - minha irmã mais velha se encostava na porta me encarando com aqueles olhos imensamente azuis herdados de minha mãe e que infelizmente não me foi proporcionado. Puxei meu pai com olhos castanho mel como meus cabelos.

  – Sim... já é a terceira vez essa semana.

  – Bom, pelo menos te acordou na hora certa o café da manhã está na mesa. -minha irmã se aproximou das cortinas que escureciam meu quarto e as puxou com ímpeto e o sol adentrou ofuscando minha visão.

  – Droga, você sempre faz isso. - Esfreguei os olhos que lacrimejam um pouco e minha irma riu de escarnio saindo do quarto e descendo as escadas.

  – Se arruma e desce se ainda quiser uma carona pro shopping. - E assim o fiz. Era férias de meio de ano e não tem muito o que fazer com todos os seus amigos viajando então para descontrair decidi ir ao shopping, cedo que não é tão movimentado, e aproveita a promoção que a livraria estava oferecendo. Estava caminhando distraída quando esbarrei acidentalmente em um garoto. Ele aparentava ter uns 10 anos e atrás dele estava outras crianças, dois meninos e uma menina.

  – Desculpa moça. - Seus olhos expressavam surpresa.

  – Sem problema, só tenha mais cuidado. - Sorri fraco e me posicionei para seguir caminho até que com passos suaves um gato branco super peludo se posicionou ao lado como se estivesse analisando, o gato olhou para o menino e depois para mim e se sentou, não resisti e agachei para acariciar seu pelo macio, o gato me olhou e por um instante achei que ele estivesse surpreso.

  – Awn, que gatinho fofinho, é de vocês? - Olhei para as crianças e elas pareciam pálidas, a garotinha loira de olhos verdes estava com as mãos na boca.

  – Espera, você está mesmo vendo um gato? - O garoto com cabelos cor de obsidiana e olhos de um cinza quase prata falou franzindo a testa.

  – É apenas um gato, porque eu não veria? - Falei me levantando, a garotinha loira rapidamente pegou o gato e se afastou sem tirar os olhos de mim. O garoto do qual havia esbarrado e o outro que estava atrás eram idênticos, obviamente gêmeos, os dois com cabelos cacheados castanho e olhos verde-esmeralda. O de trás segurava com firmeza uma espadinha de brinquedo e suas feições era de pura raiva totalmente diferente do que estava a frente que parecia inocente e frágil. Olhei para um e para outro, algumas vezes, antes de firma o olhar no que estava com a espada e não parava de me encarar, me deixando miseravelmente desconfortável mesmo sendo uma criança.

  – Eu vou indo crianças, e acho melhor vocês levarem esse gato pra fora antes que um segurança o faça. - Segui meu caminho ate a livraria mas antes de virar o corredor, olhei para trás. As crianças já haviam sumido.

O tempo passou sem  que eu desse conta enquanto lia sentada em um sofá na livraria, mas tinha apenas meia hora que eu estava me sentindo vigiada, pois, nesse tempo, alguns garotos da minha idade e outros mais velhos chegaram quase que juntos. Cada um foi para um lado distinto, analisando livros, outros pedindo aos atendentes informações mas quase sempre olhando discretamente para mim. Eu os observei por um tempo e pude contar cinco garotos. Dei de ombros e prossegui lendo o livro  mas sentindo os olhares me perfurando de todos os lados. A fome finalmente me tomou por completo e decidi que era a hora de um almoço, me levantei abruptamente e meus ossos doeram, estava a muito tempo na mesma posição, fechei o livro com um marcador que ficava de brinde em cima da mesa próxima ao sofá. Minha visão escureceu brevemente,—Não deveria ter levantado tão rápido — Com uma rapidez indescritível um silêncio súbito me envolveu. Onde estavam os atendentes? Ou os garotos? Eu não conseguia mais escutar a multidão de passos das pessoas no shopping ou a musiquinha ambiente. Um clarão inesperado ofuscou minha vista.

  – Ela se parece humana e tem cheiro de humano, deve ser a garota errada. - A voz suave de um rapaz ecoou, minha vista ainda embaçada procurava se ajustar, retirei os óculos e esfreguei os olhos em seguida os coloquei de volta, minha visão voltará. Me espantei dando um breve passo para trás e sentando novamente no sofá, as cinco figuras masculinas há minha frente eram belíssimas.