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História Os Garotos - Capítulo 11 - O Aluno Rejeitado


Escrita por: andreiakennen

Notas do Autor


Retomando Os Garotos - Atualização dupla pra compensar a demora. :]
Boa leitura e já sabem, se puder, comentem! o/

Capítulo 11 - Capítulo 11 - O Aluno Rejeitado


Os Garotos

Por Andréia Kennen

Capítulo XI

O Aluno Rejeitado

 

Conforme fora agendado, na quarta-feira, ao meio dia, os cinco rapazes estavam de volta ao Instituto Educacional.

Desta vez, acompanhados da defensora pública, Erika Kanagawa, que fez questão de estar presente para verificar os trâmites legais que implicariam os resultados dos exames.

Ditos os cumprimentos formais, o senhor Tamura, avaliador do Instituto, acomodou-se na mesa de professor na mesma sala em que fora dada a prova.

Após ter permissão dos cinco para expor os resultados individuais para o grupo deu início a reunião.

— Bem, antes de tudo, gostaria de ressaltar que a doutora Erika sempre nos trouxe jovens carentes para serem avaliados, sendo assim ela conhece muito bem nosso processo e posso garantir que estão bem assistidos.

— Obrigada pela confiança, Tamura-san — agradeceu Erika.

— Porém, tenho que confessar, Kanagawa-san, que fiquei bem impressionado com os resultados desta vez.

— Espero que isso seja algo positivo.

— Num modo geral digamos que sim — certificou o homem, observando os rostos apreensivos que o encaravam relaxarem e aproveitou para acrescentar uma piscadela, enquanto retirava da sua pasta um bolo de formulários. — Acredito que quase todos os presentes, em idade escolar, poderão concorrer vagas em boas instituições da região sem maiores temores. Também, temos uma pequena surpresa que pretendo deixar para o final. 

Erika respirou aliviada, enchendo-se de animação com aquele discurso inicial do avaliador. Fez um sinal positivo para os meninos que, depois desse anuncio, pareceram menos tensos.

— Bem, vamos dar início. Procurarei ser breve para não tomar muito o tempo dos senhores. Farei a leitura dos resultados por ordem decrescente de idade. Amamya-san, você será o primeiro.

Ikki fez um meneio afirmativo com a cabeça e o senhor Tamura colocou os óculos para expor os resultados que estavam sobre a mesa.  

— A sua avaliação do Ensino Básico[1] ficou acima da média — o homem esclareceu, analisando o formulário em sua mão. — Porém, a avaliação do Ensino Secundário[2] foi apenas satisfatória. O senhor teve bastante dificuldade com língua inglesa e com questões de exatas: matemática, física e química. Mas alcançou a média no geral. E, considerando que você é um rapaz com idade para estar cursando o Ensino Superior, dezenove anos, prestes a completar vinte, o Instituto optou por te fornecer o certificado de graduação dos dois níveis de ensino: básico e secundário. Assim, caso tenha interesse em pleitear alguma universidade, sugiro que faça um cursinho preparatório antes e foque nas matérias nas quais teve dificuldade.

Ikki se manifestou:  

— Para quem não estava sequer esperando o certificado do Secundário, estou satisfeito com esse resultado, sensei — Ikki deu por satisfeito. — Obrigado.

— Fico contente.

— Parabéns, onii-san — Shun cumprimentou o irmão.

— Obrigado, Shun.

Os demais também cumprimentaram o mais velho do grupo, incluindo a doutora Erika.

Acabada as congratulações, o senhor Tamura pediu que Ikki se encaminhasse para a mesa do seu assistente para que assinasse os certificados e demais documentos, enquanto anunciava o resultado do próximo. 

— Alexei Hyoga Yukida-kun.

O loiro levantou a mão e abaixou de volta.

— Bem. Tenho que dizer que seu desempenho do Ensino Básico ficou na média, Yukida-kun. Mas você teve uma grande dificuldade com a língua japonesa na avaliação dos dois níveis.

— Eu nasci e morei na Sibéria até os três anos de idade — Hyoga justificou. — Foi quando minha mãe decidiu se mudar para o Japão e acabou ocorrendo o naufrágio que me deixou órfão. Não sei por qual motivo fui encaminhado para um orfanato aqui no Japão, ao invés de ser mandado de volta para minha Terra Natal. Quando estava dominando a língua japonesa fui enviado de volta para casa. Retornei ao Japão depois de algum tempo e percebi que não tinha desaprendido o que aprendi do idioma escrito, mas como eu não estive praticando, enferrujei bastante. Tentei recuperar um pouco nessas três semanas que passamos estudando, mas eu senti na hora da prova que tive bastante dificuldade.

— Admiro sua sinceridade e seu esforço. Ficar entre dois países desta forma, e ter sofrido ao perder a mãe em uma tragédia, não deve ter sido nada fácil — o avaliador ponderou. — O senhor pretende fazer o Secundário[3]?

Hyoga pensou um pouco, mas bastou o olhar semicerrado de Ikki e da doutora Erika na sua direção para que ele compreendesse que não tinha escolha.

— Sim, claro.

— Então, faremos o seguinte, darei como concluso seu Ensino Básico. Pela idade que tem, dezessete anos, você deveria estar no segundo ou terceiro ano do Ensino Secundário. E se começar do primeiro agora estará bem atrasado. Algo que, pelo porte físico que tem. Aliás, que a maioria de vocês tem... — O homem incluiu os demais naquela observação. — Acho que será constrangedor estar em uma sala com garotos de menos idade. Tendo em vista esse detalhe, se me garantir que irá se matricular em aulas extracurriculares de língua japonesa e aperfeiçoar o idioma, irei dar ao senhor como concluso o primeiro ano do Secundário e poderá buscar a admissão em um colégio a partir do segundo ano.

— Eu o farei — respondeu o loiro prontamente.

— Entramos em acordo então. Pode se dirigir para mesa do Chiba-kun.

— Parabéns, Hyoga — Shun desejou, todo sorridente.

Hyoga assentiu com um sorriso breve e recebeu o cumprimento dos demais.

Ikki deu tapinhas no ombro do loiro ao dar o lugar onde estava para ele se sentar e foi se acomodar em uma carteira ao lado da advogada, entregando para ela o envelope com os certificados para que ela conferisse.

— O próximo é o senhor Shiryu Suynama-kun.

— Aqui, senhor.

— Suynama-san, eu quero dizer que seu desempenho em ambas as avaliações foi perfeito. Você fechou a média do Ensino Básico muito acima do necessário e suas notas para o Ensino Secundário só não foram melhores porque o senhor apresentou um pouco de dificuldade em alguns cálculos, língua inglesa e pouca coisa de literatura japonesa.

Shiryu continuou sério, assentindo para tudo que era dito.

— Deste modo, não tenho muito que orientá-lo. Seu Ensino Básico está concluso com louvor, emitiremos seu certificado e daremos como terminado também o primeiro ano do Secundário. Assim, igual ao jovem Yukida, poderá prestar a admissão para o segundo ano de qualquer escola secundária de sua escolha. Pelas notas, recomendo que tente as melhores instituições da região.

— Obrigado, senhor.

— Parabéns, Shiryu — Shun, novamente, foi o primeiro a parabenizar o amigo, logo sendo seguido pelos demais.

O avaliador apontou a mesa do seu assistente para Shiryu e voltou-se para os resultados em sua mesa. Mas, não conseguiu evitar a aflição que tomou conta do seu rosto, uma mudança de expressão que foi notado por todos, principalmente por Ikki e pela defensora pública que se entreolharam.

— Seiya Ogowara-kun?

— Só “Seiya”, professor — ele pediu. 

O homem respirou fundo antes de começar.

— Certo. Seiya-kun... Pela sua idade, quinze anos, o correto seria estar cursando o último ano da Escola Básica ou o primeiro da Escola Secundária, mas... — O homem fez uma pausa dramática e deu um novo suspiro, correu a mão sobre a cabeça calva e se voltou para o rapaz. — Você tem ideia que passou longe disso, não?

Seiya arregalou os olhos.

— Mas eu juro que me esforcei.

— Não foi o suficiente — comentou o avaliador com pesar. — Veja. Você fechou a primeira fase do Ensino Básico[4] em cima da média. Mas suas notas não alcançaram a média necessária para dar como concluso a segunda fase[5]. Eu até acho que você deveria recomeçar o chuugakkou[6] e rever todas as matérias desde o início. Você se saiu mal em praticamente todas. Mas, mesmo que insatisfatórias, consigo nivelá-lo no segundo ano do chuugakkou[7].

Ikki encobriu o rosto com ambas às mãos e ao notar o desespero dele a advogada interveio.

— Desculpe-me interromper, Tamura-sensei. Mas Seiya fará dezesseis anos antes do ano letivo terminar[8]. Como um rapaz de dezesseis, que deveria estar concluindo sua vida escolar, se sentirá dentro de uma sala de aula com garotos de treze anos? 

— Não posso fazer milagres, Kanagawa-san.

— Pelo menos o enquadre no último ano do chuugakkou[9], dê a ele uma oportunidade assim como fez com o Yukida-kun. Condicionando-o às aulas de reforço.

Shun, que estava na carteira ao lado de Seiya, sobrepôs a mão do amigo com a sua, tentando transmitir um pouco de apoio.

Seiya, por sua vez, havia abaixado a cabeça e parecia desacreditado.

O avaliador retirou os óculos, massageou a região do nariz onde o objeto descansava e voltou a repô-los.

— Posso fazer algo, desde que a senhorita se responsabilize.

— Farei qualquer coisa — Erika se propôs.

— Se for assim, arriscarei um pouco mais alto. — Houve um murmúrio de excitação dentro da sala e o homem pediu silêncio. — Por favor, deixem-me concluir. Darei ao Seiya-kun um certificado provisório de conclusão do Ensino Básico e irei enquadrá-lo no primeiro ano do Ensino Secundário como a doutora propôs.

Todos os olhares presente se arregalaram e antes que a euforia virasse tumulto o avaliador ergueu a palma da mão, em um pedido mudo de calma, e prosseguiu.

— Óbvio, terá algumas condições — acrescentou rapidamente, direcionando um olhar sério para Seiya e em seguida para a advogada. — O Seiya-kun terá que fazer não somente as aulas de reforços, mas apresentar ao nosso Instituto seu boletim no final de cada trimestre. Se em qualquer desses boletins houver notas abaixo da média, irei revogar a validade do certificado provisório. Estão de acordo? 

— Não poderíamos esperar algo melhor — Kanagawa se levantou e reverenciou o avaliador. — Obrigado, senhor.

Ikki repetiu o gesto da doutora e após ser cutucado por Shun, Seiya se levantou e fez o mesmo.

— Obrigado, senhor.

— Não faça com que eu me arrependa, Seiya-kun.

— Farei o meu melhor.

— Parabéns, Seiya — Shun sussurrou para ele.

O avaliador assentiu e apontou a mesa do seu assistente.

— Chegamos ao último então: Shun Amamya-kun — ele disse sorridente, olhando para o único que restava.

— Sou eu, senhor.

O avaliador ficou em silêncio por um segundo, admirando o jovem que tinha uma expressão um tanto ansiosa, mesmo que não tivesse motivo para tal. 

— Amamya-kun, não sei nem como começar.

Houve um momento de apreensão em que Shun ficou tão sério que empalideceu, mas o homem tratou de afastar aquela apavoro desnecessário da face do rapaz, dando continuidade ao discurso.

— Nesses meus vinte e dois anos como avaliador nunca tinha me deparado com um gênio antes. E, olha, sem dúvida alguma, pelas notas que obteve aqui, você é um pequeno gênio, meu rapaz.

O murmúrio de exclamação e as congratulações vieram de todos ao mesmo tempo. Inclusive de Seiya, que parou de assinar seus papeis para aplaudir e gritar parabéns para o amigo.

— Mesmo, senhor?

— Nunca estive tão sério na minha vida. Você gabaritou a primeira parte da avaliação e ficou acima da média em algumas matérias da segunda. Ou seja, eu poderia dar como concluso seu Ensino Secundário. Porém, acho que a soma geral das médias o prejudicariam na hora de ingressar em uma boa universidade. E como você ainda está em idade escolar aconselho que comece do segundo ano do Secundário. Obtenha as melhores notas durante esses dois anos que lhe restam de escola, e aí sim, com essas notas, tente ingressar em uma instituição de ensino superior adequada.

Mas, diferente do que o homem imaginava, que um sorriso maior fosse brotar na face de Shun, ele viu o adolescente ficar estranhamente sisudo.

— O que houve, meu jovem? Parece que não gostou muito do meu anúncio.

Shun balançou a cabeça em negação.

— Não é isso, senhor. Mas é que... Eu não quero ser nivelado acima do que é correto para minha idade. Eu prefiro que o senhor me coloque na mesma série que o Seiya, assim poderemos frequentar a mesma escola e ainda temos uma chance de ficar na mesma sala.

— Eu não aceito isso, Shun! — Ikki interveio, irritado. — Para quê refazer um ano da escola sem necessidade?  

— Doutora? — Shun pediu por auxílio, visto que advogada havia ajudado Seiya.    

— Eu acho que o Shun está certo — ela entendeu o pedido do mais novo e interferiu a favor dele. — Da mesma forma que aleguei que o Seiya-kun se sentiria mal sendo um aluno mais velho na classe dos mais novos, o Shun-kun também pode se sentir mal por ser um aluno muito novo na turma dos mais velhos.

— Eu acho que a diferença não é tão grande que cause esse desconforto, Kanagawa-san — o avaliador ainda insistiu. — O Amamya-kun é um adolescente alto, e pode se passar por um pouco mais velho sem problemas.

— Está pedindo que ele minta?

— Estou sugerindo que ele omita...  

— E o meu desejo, apenas, não conta? — Shun interrompeu a discussão que se formava entre os dois adultos, chamando a atenção deles para si. — Sabe, Tamura-sensei, pode parecer algo bobo e sem sentido, mas essa fase escolar pela qual iremos passar terá um grande significado para mim, talvez para os meus amigos também, exatamente por não termos tido a oportunidade de frequentar uma escola de maneira convencional, por sermos órfãos. Então, eu sinto esse desejo de saber como é ser um colegial comum, estudando na mesma classe que um dos meus colegas de infância. Também acho que será mais fácil de nos adaptarmos se tivermos o apoio um do outro. Algo assim...  

O avaliador encarou Shun por um tempo. Ele tinha uma razão plausível, mesmo assim era difícil aceitar o posicionamento do rapaz. Enquanto muitos queriam ter aquele talento e capacidade para estar mais adiante no ensino, ele queria manter-se estagnado ou ainda regredir.

Voltou sua atenção para Seiya, que balançou a cabeça depressa, como se negasse que tivesse algo a ver com aquilo.

Desapontado, mas compreendendo as alegações do adolescente, que eram de clivo sentimental, assentiu.  

— Posso concordar com seu posicionamento, Amamya-kun. Mas, tenho uma condição especial com relação a você.

— Uma condição especial? 

— Lembra que mencionei no início da reunião que tinha uma surpresa?

— Sim.

O homem apanhou um envelope timbrado em meio aos documentos e o estendeu para Shun, que o abriu e retirou de dentro dele uma carta.

— O que seria isso, senhor?

— É uma Carta-Recomendação do diretor do nosso Instituto para a melhor instituição de Ensino Secundário dessa região: a Kanagoe Fuji. Concordamos que seu desempenho merece uma consideração especial. Essa é uma escola de elite, particular e de nível alto. Só ingressam nela jovens consideravelmente acima da média, ou de famílias muito ricas, que possam arcar com a mensalidade. Somente com essa Carta-Recomendação, a cópia das suas médias obtidas nessa avaliação e com uma entrevista que está marcada para próxima segunda-feira, você poderá ingressar como bolsista nessa Instituição. A escola procura por alunos que possam elevar seu status de alguma maneira, e você é um desses alunos visados. Porém, os demais, Seiya-kun, Suynama-kun e Yukida-kun, se quiserem ingressar na mesma instituição terão que tentar pelo meio convencional de bolsas do lugar: avaliação teórica. Mas, para isso, precisam se inscrever o mais breve possível, entre amanhã e depois, pois o ano letivo está prestes a começar. Também preciso alertá-los que a Kanagoe Fuji tem como prática avaliar o currículo dos candidatos à bolsa através de entrevista antes de permitirem que eles façam a prova, então, há uma possibilidade de serem recusados antes mesmo do teste.

A reunião terminou pouco depois daquelas últimas elucidações e do avaliador enquadrar Shun na mesma série que Seiya.  

Concluindo, Seiya e Shun ingressariam no primeiro ano da Escola Secundária. Shiryu e Hyoga no segundo ano da mesma. E Ikki estava liberado para tentar o ingresso em uma universidade, caso fosse seu interesse alguma formação no nível superior.

...

O grupo deixou o Instituto acompanhado da advogada, que conversava com Shun. 

— Recusar uma carta de recomendação não seria algo sensato, Shun-chan — Erika explicava ao mais novo. — Por isso tive que intervir e pedir que aceitasse.

— Ele também não seria idiota de recusar, Kanagawa — Ikki irrompeu a conversa lançando um olhar furtivo para o irmão caçula. — De forma alguma eu permitiria que Shun abrisse mão de uma escola prestigiada só para ficar do lado do idiota do Seiya.

— E eu também não ia querer que ele fizesse isso por mim! — resmungou Seiya.

— Mas você pode tentar a bolsa convencional da Kanagoe Fuji, não é, Seiya?

— Shun! — Seiya exclamou alto, revirando os olhos. — Você é o gênio acima da média aqui. Pensa comigo só um pouquinho? — pediu. — Eu tenho um certificado provisório do chuugakkou com notas raspando na média. Você acha mesmo que uma escola de elite como essa tal Kanagoe-não-sei-o-quê vai querer um cara burro como eu?

— Mas, Seiya...

— Não tem nada de “mas”, Shun! — Esturrou Ikki, crispando os punhos.

Prevendo que a situação tendia a adensar, a advogada se inseriu entre o trio, decidida a por fim na discussão.

— Acalmem-se, rapazes, por favor — Erika suspirou fundo ao ter atenção deles. — Vejam, só. Eu trouxe para deixar com vocês uma lista de dez outras boas escolas da região. A maioria são escolas públicas, porque bolsas sendo ofertadas em particulares são raras. Além de terem o processo de ingresso bem complicado, tal como o Tamura-san colocou. Nessa lista está a May Okane, que é a pública de mais prestígio desse perímetro, estando entre as trinta melhores instituições do país. Se conseguirem ingressarem nela eu penso que estarão fazendo um grande feito. As aulas começam daqui dez dias. Temos um tempo curto para correr atrás da matricula. Por isso, não é o momento oportuno para se recusar um convite de prestígio que está sendo oferecido sem precisar correr atrás, né, Shun-chan? Se quiser mesmo que o Seiya-kun passe por essa entrevista na Kanagoe, eu posso marcar para ele também. E acompanho os dois. Mas, por favor, prometa, mesmo que o Seiya não passar no processo seletivo da Kanagoe Fuji, que você ficará com essa bolsa?

Shun parou para observar os amigos, finalmente entendendo que estava sendo inconveniente. Seu desejo era ser igual aos colegas e frequentar a mesma escola que eles. Porém, aquela sua vontade poderia estar sendo interpretada como o “capricho do gênio” e por um instante se sentiu mal.

— Desculpem-me — ele pediu, sentindo os olhos marejarem. — Eu não percebi o quanto estava sendo egoísta. — Shun curvou-se diante dos colegas e da advogada. — Não vamos perder mais tempo comigo, por favor, vou ajudá-los com a escolha das outras escolas.

Erika sorriu contente por Shun finalmente ter entendido a questão e acabou consolando-o com um gesto que o constrangeu ainda mais: ela repousou uma das mãos sobre o topo da cabeça dele e fez um breve carinho.

Shun corou instantaneamente, por estar sendo tratado como uma criança pequena, e acabou fazendo um bico de chateação. Principalmente depois dos risinhos debochados que sucederam ao seu momento de embaraço com a advogada.

— Melhor assim — Ikki lançou aquela advertência sisuda para o mais novo e anunciou: — Hora de irmos.

— Só não ofereço carona para vocês porque não caberão todos no meu carro — Erika justificou, retirando da sua pasta a lista e os panfletos explicativos das escolas que mencionara e os entregou nas mãos de Shun, levando em conta que ele havia se prontificado a ajudar os demais. — Aqui, Shun-chan. Conto com você.

— Hm. Arigatô gosaimassu[10].

Todos eles se curvaram e exclamaram em uníssono:

— Arigatô gosaimassu!

O som do “muito obrigado” soou tão alto e forte, devido aos vários timbres de vozes masculinas, que fora a vez de Erika corar, por terem chamado atenção dos que passavam na via pública.  

— C- certo. O- obrigada. Voltem com cuidado.

— Até mais, Erika-sensei! — Seiya foi o primeiro a se despedir, passando por Shiryu e puxando-o pelo braço. — Vamos dar uma corrida até a estação, Shiryu? — fez aquele convite ao amigo e saiu correndo na frente.

— Espere, Seiya. Vai acabar atropelando alguém — alertou Shiryu, mas saiu no encalço do outro.

Hyoga fez um aceno com a mão para advogada e esperou pela companhia dos irmãos Amamya, tendo em vista que não estava nenhum pouco interessado em sair correndo pelo trânsito movimentado daquela região.  

Porém, notou um clima estranho. Ikki encarava Kanagawa como se ainda tivesse algo para falar com ela, mas precisava ser em particular. Algo que não dava para ser feito devido a presença de Shun.

Decidiu dar uma mãozinha aos dois.

— Ei, Shun. Vamos?

— Estou esperando o Ikki. Vamos, onii-san?

— Vai indo com o Hyoga, Shun. Alcanço vocês. Vou com a advogada até o carro dela.

— Por quê?

— Shun. Vai. Logo. — Ikki pontuou entredentes, perdendo a paciência com o caçula.

O mais novo fechou o cenho. Mas, obedeceu a ordem do mais velho, virando as costas para ele e saindo sem se despedir da advogada.

— Não fique tão bravo com o Shun, Amamya-san. — Erika pediu, assim que a distância que os mais novos tomaram se tornara segura suficiente para que Shun não a ouvisse.  — Procure ter paciência com ele. Essa fase de adaptação será assim mesmo, mas logo passa.  

— Desculpe-me, Kanagawa. A vida nos tornou adultos antes do tempo, então não vejo motivos para tolerar esse tipo de comportamento imaturo vindo do Shun. Mas, me viro com ele depois. Eu pedi que eles fossem primeiro porque tenho um assunto particular para tratar com a doutora.

— Em particular? — ela arregalou os olhos.  

— São duas coisas, na verdade. Eu não queria falar na frente deles, porque é meio embaraçoso.

Erika assentiu, sentindo um leve tremor.

Sua mente agiu num impulso e idealizou algo que considerava realmente impossível. Envergonhada dos seus próprios pensamentos, balançou a cabeça em negação e se repreendeu por ser uma mulher de vinte e sete anos e ainda estar pensando bobeiras adolescentes com um rapaz quase oito anos mais novo que ela. Mesmo assim, não conseguiu evitar o palpitar mais rápido do coração e o calor que se apossou mais intenso da sua face, imaginando que estava prestes a receber uma confissão amorosa. 

— Pode perguntar — autorizou.

— Eu quero arrumar um emprego — Ikki declarou indiferente a mudança facial da advogada. — E se não for incomodá-la, gostaria que me orientasse como devo proceder nessa questão. Não faço ideia de como funciona essa coisa de emprego. Onde procurar, o que vou precisar. A outra coisa é que... Como posso saber se tenho vocação para faculdade? E se realmente vale a pena eu perder tempo e dinheiro pagando um cursinho para entrar em uma.

— Então é isso... — Erika falou um pouco aliviada, ao mesmo tempo em que tentava evitar que aquela estranha sensação de decepção transparecesse em seu rosto ou em sua voz. — Você não quer que seus irmãos saibam disso por qual motivo, Amamya-san? São desejos tão nobres. 

— Só não quero que eles me vejam tendo dúvidas. Eu sou o mais velho. Tenho a impressão que eu preciso dar o exemplo, mesmo sabendo que eu nunca fui um bom exemplo a ser seguido. Diferente de você, Kanagawa, que desempenha esse papel, o de referência, bem melhor do que eu. Por isso estou pedindo seus conselhos.

— Entendi. Obrigada — ela aceitou e sorriu. — Você não quer mostrar-se inseguro porque isso poderia deixá-los inseguros também?

— Algo do tipo. 

— Hm... — ela analisou por um instante, cruzando os braços sobre os seios, em uma pose pensativa. — A escolha de uma carreira não é tão simples como a procura de um emprego... Vamos fazer assim, primeiro iremos nos focar na matricula dos mais novos. Quando eles estiverem devidamente alocados em suas escolas e dado o ponta-pé inicial no ano letivo, focaremos em você. Emprego e carreira. Pode ser? 

— Por mim está ótimo. Obrigado, mais uma vez, Kanagawa.

 — Não tem motivo para me agradecer, Amamya-san.

— Só mais um pedido?

— Claro.

— Só “Ikki”, por favor? Esse “Amamya-san” soa esquisito demais. Não combina nada comigo. Sempre acho que está se direcionando a outra pessoa e não a mim. 

O rosto da doutora ruborizou-se por completo.

— “I- Ikki-kun”?

— Não, pelo amor de Deus, ficou pior. Só Ikki.

— I- Ikki... — ela testou a sonoridade e repetiu mais firme. — Ikki.

— Bem melhor.

— Se for assim, você também pode me...

— “Kanagawa” combina melhor com você — Ikki a interrompeu, prevendo a intenção dela. — E eu te devo respeito por ser uma mulher madura, advogada e estar em um patamar mais elevado do que eu. Por enquanto, prefiro tratá-la formalmente.

— Nossa... Conseguiu fazer com que eu me sentisse velha agora — ela contestou, não encontrando melhores argumentos.   

Ikki deu um sorriso de canto de boca e coçou a nuca, gestos que fizeram Erika sentir aquele estranho palpitar em seu peito retornar com força.

— Eu só sou um ignorante, doutora. Não sei florir as palavras, por isso, não se sinta ofendida por algo que posso ter deixado entendido, mas que você não é. Na verdade, eu acho a doutora uma mulher muito jovem e atraente — Ikki soltou aquele elogio e piscou um dos olhos, acenando para ela. — Tenho que ir. Até mais.    

Erika não soube o que responder. Havia anos que não recebia um elogio.  Apenas abaixou a cabeça e deixou-se ser tomada pelo constrangimento, enquanto alguns transeuntes passavam por ela dando risinhos por terem ouvido sem querer aquelas falas.

— Oh, droga! Não confunda a minha cabeça desse jeito, Ikki Amamya! E que maldito sorriso sacana de canto de boca foi aquele?! Ahhhh!!

...

Uma semana se passou após os testes e entrevistas nas escolas almejadas, os quatros rapazes receberam os resultados via correio.

Shiryu e Hyoga colocaram como primeira opção o Instituto May Okane de Ensino, indicado pela doutora Kanagawa como sendo uma das trinta melhores escolas pública do país e a primeira na região que se encontravam. Para surpresa de ambos, não houve grandes empecilhos para serem aprovados no processo seletivo.

Como esperado, Shun havia sido aceito na Kanagoe Fuji, graças a carta de recomendação do Instituto Educacional.

Porém, Seiya continuava sendo a grande preocupação do grupo, pois o moreno fora recusado em ambas as instituições que os amigos conseguiram vagas, além da terceira, quarta e quinta opção da sua lista. 

— Nem uma das cinco primeiras, Seiya? — Ikki reclamou, perdendo a paciência. 

Seiya continuou de cabeça baixa, em seu colo estavam repousadas as cartas com a resposta de ‘recusado’. Não que ele imaginasse que seria aceito em uma delas, mas agora que havia tido o resultado negativo, pensava que tinha sustentado a possibilidade de um pequeno milagre.

— Ikki, por favor, não pegue tão pesado — Shiryu tentou aliviar a tensão, olhando as outras correspondências destinadas a Seiya. — Veja, ele foi aceito nessa aqui, chamada Odashiro Yoda.  

— Ah, sim, essa é perfeita — disse o mais velho em tom irônico. — Uma escola que só têm delinquentes e alunos abaixo da média.

Mas antes que Ikki concluísse, o adolescente moreno se levantou abruptamente e seguiu em direção a saída da casa com os olhos marejados.

— Você pegou muito pesado, Ikki — reclamou Shiryu.

— Eu vou atrás dele! — sugeriu Shun, levantando-se, tencionando seguir o amigo, mas foi impedido por Shiryu que segurou seu braço.

— Não, Shun. Você não. Melhor que fique. Eu vou.

— Por que não eu, Shiryu?

— Concordo com ele, Shun — Hyoga também se manifestou. O loiro estava encostado na parede, perto da entrada da sala. — Você, nesse instante, é a imagem do prefeito. Enquanto Seiya é a imagem do fracasso. Sua presença fará com que ele se sinta pior.

— Exato. O que o Hyoga está dizendo é o que penso também — Shiryu concordou, soltando do braço do mais novo ao perceber que ele tinha compreendido. — Eu vou.  

— Certo. Por favor, faça-o entender que nem tudo está perdido, Shiryu. Vamos encontrar uma solução. 

— Claro. Farei o meu melhor!

Assim que Shiryu saiu atrás de Seiya, Ikki se levantou, indo em direção ao telefone, Shun o seguiu com o olhar.

— O que vai fazer, irmão?

— Vou falar com a Kanagawa. Talvez ela nos dê uma luz ou alguma sugestão milagrosa.

Por ser o único que restou na casa além dos irmãos, Hyoga pode perceber o leve franzir de cenho do menor para Ikki quando ele mencionou a advogada. Deduziu que não era mais uma suspeita incabível da sua mente, tinha quase certeza que Shun estava com ciúmes da relação de amizade que estava se formando entre Ikki e Erika.

Suspirou fundo, e decidiu se retirar. Aquilo não era da sua conta afinal.

...

Shiryu desceu para praia atrás de Seiya. Era início da primavera, havia muitos jovens aproveitando a temperatura agradável e os últimos dias que antecedia o retorno das aulas. 

Não demorou avistar o amigo sentando na areia, abraçado aos joelhos, com os olhos fixos na direção do mar. Aproximou-se sorrateiro e acomodou-se ao lado dele.

— Você nem parece o Seiya que eu conheço — comentou. — Desistir assim? Não, não mesmo. Nunca. O Seiya que aprendi a admirar sempre foi bravo e obstinado. Jamais se detinha em frente de um grande desafio. Na verdade, ele sorria bobamente diante de um adversário mais forte.

Seiya continuou em silêncio.

— Vai mesmo desistir sem lutar?  

— Não é você quem é criticado o tempo todo, Shiryu. O Ikki é um milhão de vezes pior que a Marin e o mestre Saga no seu “modo maligno”.

Shiryu sorriu com aquela comparação exagerada do amigo.

— Ah, Seiya, Seiya. O Ikki só fala o que vem na cabeça no momento da raiva, mas tenho certeza que nesse exato instante ele deve estar arrependido e pedindo conselhos para doutora Kanagawa enquanto estamos aqui conversando.

— Você acha mesmo?

— Claro que acho.

O mais novo suspirou.

— Vamos voltar? — Shiryu se pôs de pé e estendeu a mão para ajudar o amigo a se erguer também. — Essa nossa nova batalha mal começou, Saint Seiya[11]. Não vamos permitir que desista.

— Tá. Mas eu não quero papo com o Ikki — avisou, apanhando a mão de Shiryu, levantando-se com o apoio dele.

— Isso eu não posso te ajudar — observou Shiryu, puxando Seiya e colocando-o de pé. — Você sabe como nosso “pai” é. Mesmo que você não queira conversa, ele...

— Vai dar um sermão de qualquer jeito — os dois falaram juntos e riram da sincronia de seus pensamentos.

Seiya compreendeu que havia estava sendo imaturo. Tinha passado por situações e dificuldades muito piores que aquelas e nunca baixou a cabeça. Não era por ser o menos inteligente do grupo que deixaria se abalar.

— Não vou desistir sem lutar, Shiryu. Mesmo que seja em uma escola de delinquentes, eu vou me esforçar e provar para o Ikki que sou capaz. 

— Agora sim é o Seiya que conheço! Vamos seguir em frente, guerreiro!

— Sim!

Continua...

Próximo Capítulo: XII – Side Story – Entre a ética e o coração.

Revisão e Suporte de roteiro: Naluza.

Escrito originalmente em: 13.07.2007

Versão revisada: 11.06.2017

Notas:

[1] Ensino Básico Japonês: equivale ao Ensino Fundamental Brasileiro;

[2] Ensino Secundário Japonês: equivale ao Ensino Médio Brasileiro;

[3] O Ensino Secundário no Japão não é obrigatório: porém, 98% dos jovens que terminam o Ensino Básico, completam o Ensino Secundário.

[4] Primeira fase do Ensino Básico Japonês: equivale do primeiro ao sexto ano do Ensino Fundamental Brasileiro;

[5] Segunda fase do Ensino Básico Japonês: equivale do sétimo ao nono ano do Ensino Fundamental Brasileiro;

[6] Chuugakkou: Segunda fase do Ensino Básico Japonês: equivale do sétimo ao nono ano do Ensino Fundamental Brasileiro.

[7] Segundo ano do Chuugakkou no Japão: equivale a oitava série do Ensino Fundamental Brasileiro.

[8] O ano letivo no Japão tem início em abril e finaliza em março do ano subsequente. Seiya faz aniversário em dezembro, ou seja, no caso mencionado, ele faria dezesseis anos cursando ao que equivale a nossa 8ª série, sendo que o correto seria ele estar cursando o 2º ano do ensino médio. E, no Japão, diferente do Brasil, não é nada comum ver alunos atrasados em sala de aula. 

[9] Último ano do Chuugakkou: equivale a nona série do Ensino Fundamental Brasileiro.

[10] Arigatô gosaimassu: Muito obrigada.

[11] Saint Seiya – Cavaleiro Seiya. 



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