História Os Marotos (FINALIZADA) - Martha - Acordos

                -Você não pode evitá-la para sempre, Thiago.
                Quando entro na biblioteca depois do almoço de sexta, me surpreendo por ver um dos mais improváveis visitantes daquele local. Thiago sozinho sentava em uma mesa, dois livros fechados ao seu lado e um outro aberto logo em seu campo de visão. Ele olhava atentamente os desenhos quando chego e falo com a voz mais irônica que consigo, exibindo um sorriso satisfeito quando ele se assusta e fecha o livro com um estrondo, me olhando cautelosamente.
                -Não estou evitando ninguém. – Ele sussurra, erguendo um pouco mais os olhos ao final do corredor, onde Lilian sentava com Alice no lugar habitual, para onde eu estava me dirigindo antes de acha-lo. – Se muito, acho que seria ao contrário.
                -Bom, não pode culpá-la. Sabe como é difícil para ela aceitar as coisas que estão acontecendo. – Puxo a cadeira ao seu lado, me sentando silenciosamente, para não atrair nenhuma atenção indesejada da bibliotecária, que já não se afeiçoava muito por mim. – Mas evitar uns aos outros não é uma solução muito madura.
                -Diga-se de exemplo você, não é mesmo? – Ele se vira, me analisando com curiosidade e humor, puxando seus livros para mais perto. Reviro os olhos com deboche, sentindo meus lábios secos.
                -Não sei do que você está falando, Potter.
                -Posso reavivar sua memória, se o último final de semana não serviu para nada. – Ele se põe ereto na cadeira, arrumando a gravata vermelha e dourada como se iniciasse um evento importante. – No último final de semana, após um encontro fracassado entre nós dois...
                -Do qual eu culpo exclusivamente você. – Interrompo, cruzando os braços em frente ao corpo, com uma sensação de nervosismo se intensificando.
                -Enfim.... Chegaram aos meus ouvidos e aos meus conhecimentos que “alguém” por aqui.... – Ele me cutuca no ombro com um dos dedos – Deu esperanças a um amigo meu.
                -O que? – Pisco lentamente, com o deboche estampado no rosto para esconder qualquer traço da vergonha que eu sentia por Thiago saber de minha gafe do final de semana.
                -Puxa, vou ter que ser mais direto que isso? – Ele sorri, me tirando do sério.
                -Ok, já entendi. – Me debruço na cadeira, aproximando-me de Thiago. – Não foi nada.
                -“Nada” é um pouco menos do que fiquei sabendo. – Ele solta uma risada abafada, na tentativa de não fazer barulho. Dou um pequeno soco em seu braço, fazendo-o esfrega-lo com a mão logo após. – Sirius é meu amigo, ele me conta as coisas.
                -Muito interessante da parte dele, mas se mais alguém ficar sabendo, eu arranco a língua de vocês dois. – Digo, me levantando da cadeira. Ele sorri, e segura meu braço.
                -Desculpe, desculpe. Não vá embora.
                -Você consegue ser legal quando quer, Potter. – Puxo meu braço, me sentando novamente na cadeira. – E daí que eu beijei Sirius?
                -Eu não quis dizer nada, só enfatizar que foi importante a ponto de ele comentar logo que chegou. – Thiago sorri, piscando com um olho para mim. Umedeço os lábios, secos pelo nervosismo, e o olho com desconfiança. – Pelo menos o plano de alguém deu certo.
                -Odeio estar falando sobre isso com você. – Enfatizo, cruzando os braços novamente. – Mas você sabe das coisas, então é mais útil.
                -Ah, eu sei. Mas não significa que eu vou te contar. – Ele sorri provocadoramente, não da forma sexy que Sirius que olhava, mas petulante e atrevido. Encaro-o com meu olhar reprovador, o que o faz soltar uma risadinha. – Não. Você quer que eu traia a confiança de meu amigo, mas me disse em nosso encontro que “não faria o mesmo com Lilian”. Por que eu te ajudaria?
                -Por que eu tenho coisas que você pode gostar de saber também, Potter. – Atiço o fogo curioso em seus olhos o suficiente para transtorna-lo com um sorrisinho irônico, e nos olhamos em auto avaliação.
                - E o que isso quer dizer? – Ele morde o lábio inferior com o nervosismo, esperando minha resposta.
                - Que se eu souber em que pé ficar com Sirius, você pode ganhar uma informação preciosa de Lilian também. – Me contorço por dentro por estar fazendo uma troca tão desonrosa com o inimigo, mas me sinto nervosa desde o final de semana com a minha “situação”.
                Desde que fiz a porcaria do favor de trair todos meus planos em relação à Sirius, sinto que ele só espera um momento a sós para me lembrar de nosso pequeno beijo, e tentar repetir o feito. E por mais que esse pensamento me atraia, sinto que estou pisando em falso, imaginando todos os sentimentos tolos e românticos que penso que ele possa sentir por mim. Não quero ser mais uma na maldita lista de um adolescente maroto. Mesmo assim, passar informações de Lilian para Thiago não me parece uma ideia boa, mesmo que traga algumas respostas. Lilian vai me matar no momento que descobrir minhas peripécias.
                -Sirius está apaixonado por você. – Thiago diz sem hesitar, vendendo o amigo por um pedaço de informação perdido. A frase me abala um bocado, me fazendo abrir a boa lentamente, e então fecha-la novamente. Ele gostava de mim. Isso era uma vitória. E meu coração queria soltar os fogos, aparentemente.
                -Eu.... Isso.... Eu acho muito bom. – Tento formular uma resposta, mas minha língua se enrola e eu me calo novamente.
                -Sua vez. – Ele me mira com animação, passeando os olhos entre meu rosto e algo atrás de mim, que suponho ser Lilian com Alice ao final do corredor. Me sinto exposta, mas um trato é trato. Ele está tão perdidamente apaixonado por Lilian que nem ao menos se sentiu mal em delatar o próprio amigo.
                - Não sei, Thiago. Promete não contar nem aos seus amigos? É uma informação para você, exclusivamente. – Tento aliviar minha culpa, abaixando o tom de voz angustiadamente.
                -Por favor, Martha. Só quero sua ajuda. – Ele insiste, se mexendo na cadeira com uma inquietação impaciente, quase derrubando o livro que estava lendo há poucos minutos.
                -Ok, tudo bem. Se ela perguntar qualquer coisa, eu vou negar. Acho bom você não me meter em confusão, ouviu Potter? – Ele acena afirmativo, sorrindo. Me ergo da cadeira, puxando um grunhido confuso de Thiago. Me aproximo vagarosamente de seu ouvido, e sussurro. – Alguém tem feito aparições animadas nos sonhos dela. Imagina quem pode ter sido, Potter?
                Saio com um sorriso natural, andando como se não tivesse parado para conversar sobre a vida, a confusa vida, com Potter. Me aproximo das meninas com meus passos silenciosos, e me sento em uma cadeira vazia ao lado de Alice.
                -Está atrasada, Martha. – Alice faz uma expressão de desapontamento, e sorri logo em seguida. – Tudo bem?
                -Claro, por que não estaria? – Digo, pensando nas informações que foram trocadas logo atrás. De muitos modos, eu havia saído ganhando. Não só com meus planos renovados para Sirius, mas ajudando Lilian, com a esperança que Potter fosse um bom galã e a conquistasse. Ele gostava dela. Eu tinha certeza.
                -Bom, vamos começar! – Lilian sorri, apontando para um livro de Poções ao seu lado. – Precisamos terminar esse trabalho. Nossa poção ainda não está perfeita. Pensei em...
                A biblioteca se cala com o ruído. Me viro lentamente para a direção que o som viera, para mirar um Potter muito nervoso, nos olhando de volta. Não para “nós”, mas para Lilian. Ambos se olham com uma intensidade estonteante, fazendo Lilian corar. Thiago se agacha com um choque, sacudindo a cabeça levemente, apanhando os livros que havia derrubado no chão. Quando ele se levanta e sai, Alice e eu nos olhamos, e miramos Lilian com um pequeno sorriso. Meu coração se acelera quando ela cora com mais intensidade e me olha.
                -O que foi isso? – Alice pergunta, cutucando-a com os dedos. Lilian sorri envergonhada, e desconversa.
                - Vamos nos focar na poção. Então....
                Deixo-a falar sobre as intermináveis fórmulas que deveríamos seguir, os ingredientes fedidos e quantas horas cada etapa levaria. Penso em Sirius, e no que eu faria a seguir. Já se passara tempo demais para fugir. Era tempo de agir.
                Também espero que Thiago pense o mesmo.