História Os Marotos (FINALIZADA) - Martha - Espinhos

                Ficar na biblioteca era sempre um desafio, já que o silêncio me ensurdecia aos apelos dos livros. Me irritava ao mais profundo nível, mas fazia isso pelo simples prazer da companhia de Lilian e Alice. Elas estudavam ao meu lado, coladas ao livro, com os narizes quase tocando as folhas amarelas e manchadas. Lilian mexia a varinha embaixo da mesa, fazendo as folhas ao seu redor se agitarem a cada volta que a ponta mágica dava. Alice contornava seu livro de Herbologia com os novos andamentos de suas pesquisas sobre o Arbusto Tremulante que adotara ao final do quarto ano.
                -Olhe, ele cresceu 3 centímetros desde as férias. – Alice cochicha, sorrindo. – Queria poder leva-lo para casa, mas se continuar crescendo o Ministério nunca deixará que eu o plante no jardim de casa, com tantos Trouxas por perto. – Ela fecha o livro, suspirando.
                -Alguma modificação em relação aos espinhos? – Lilian puxa um livro debaixo de uma pilha que tinha ao seu lado, levantando uma nuvem de pó amarelo ao abrir a dura capa.
                -Um pouco – Alice tosse, afastando o pó com a mão – Eles precisam ser podados com mais frequência agora, a cada doze dias. E ele não permite que mais ninguém o faça, a não ser eu. – Ela sorri, afetada pelo amor à sua plantinha assassina - Ficou sem poda as férias todas. Até o Professor Dumbledore tentou perto do Natal, quando os espinhos começaram a ficar vermelhos, mas desistiu quando levou uma ferroada no braço.
                -Vermelhos? – Lilian sorri, olhando com curiosidade para Alice.
                -Sim. Ele está ficando maduro. Quanto mais maduro, mais vermelho ele fica, até atingir uma cor de sangue e ficar com o veneno mais forte. Aí projeta os espinhos para mais longe que puder, tentando criar novas mudas. – Alice volta a apanhar o livro de Herbologia, mostrando seus desenhos singelos feitos por ela, traços leves e cheios de detalhes. – Quando chegamos, precisei correr lá e apara-lo. Ele quase causou uma infestação de mudar venenosas pela estufa.
                Volto a percorrer os olhos por minhas páginas de Transfiguração, as fórmulas e artigos se amontoando pelo decorrer das linhas. Minha atenção nunca fora muito forte por Transfiguração. Sempre gostei de Poções, apesar de Lilian ser melhor que eu, e História da Magia. Adorava ouvir sobre a Rebelião dos Duendes, ou sobre os bruxos que armavam contra as enormes fogueiras medievais. Gostaria que a matéria se fizesse útil algum dia também.
                Ergo os olhos quando vislumbro com a ponta dos olhos um movimento sutil à minha esquerda. Potter nos olhava com surpresa, e até um pouco de pânico no rosto. Ergo minha sobrancelha, e ele me olha com surpresa impaciência, me chamando com a mão. Ele aponta para fora e sai, e acho que espera que eu o siga. Viro para minhas amigas, esperando alguma explicação. Apenas Alice me olha, arregalando os olhos e apontando com um sinal para o local onde Potter estava. Ergo os ombros em descaso, e suspiro.
                -Já volto, meninas.
                Passo pelas estantes lotadas de livros, me demorando ao olhar nos corredores, esperando encontrar Potter escondido para me pregar qualquer peça. Quando alcanço a porta da biblioteca, já estou convencida que ele apenas queria me irritar.
                -Achei que não viria. – Ele se vira devagar, do lado de fora da biblioteca, e me olha. – Por que demorou tanto?
                -Estava fazendo outra coisa, Potter. O que você precisa? – Fecho a porta atrás de mim quando passo, e me desloco até uma janela na parede aposta. Daqui do alto consigo ver o lago, que brilha na luz leve do sol, perto do campo de Quadribol. Me debruço pelo parapeito, apanhando o vento em meus cabelos soltos.
                -Queria falar com você. Se importa? – Ele me segue, se apoiando na parede sólida.
                -Se eu disser que sim, você vai puxar tudo o que disse de trás para frente? – Eu o olho com minha habitual impaciência, um sorriso irônico nos lábios.
                -Provavelmente não. – Ele revira os olhos, tal como Lilian faz. Me pego espiando por dentro de seus óculos, esperando ver algo de similar além disso, mas não encontro nada.
                -Então fale, Potter. – Fico de costas para a janela, esperando.
                -Humm.... Queria saber se você.... Bem, se você está ocupada por esses dias. – Ele passa uma mão pela nuca, a outra batucando em seu bolso. Suas bochechas estão vermelhas, e ele não me olha ao falar.
                -Não muito. – Mordo o lábio, suspeitando de seu nervosismo. Cada passo parece calculado, como se tivesse pensado nisso por um longo tempo. – Por que?
                -Queria saber.... Se você estaria interessada em ir comigo. Para Hogsmeade. Nesse final de semana. – Ele me olha por cima dos óculos, um gesto tanto charmoso que já o vi fazer diversas outras vezes com Lilian e com algumas outras garotas para conseguir um beijo.
                -Ir com você para Hogsmeade? – Eu rio, passando as mãos em meu rosto. Agora sou eu que estou corando. Penso em vários motivos para negar, me pinicando na parte de trás de meu cérebro. – Está me chamando para sair, Thiago?
                -Sim, estou. – Ele faz uma expressão de dúvida, e arruma os óculos em cima do nariz.
                -O que Sirius acha disso? – Escapa de minha boca antes que eu pudesse pensar. Meu coração se acelera a minha mera menção ao nome dele. Devagar, o olho com cautela, esperando por sua reação.  Não percebendo nada de singular, apenas me olha com um sorriso divertido no rosto e coloca uma das mãos no bolso novamente.
                -O que tem Sirius a ver com isso? Quero sair com você, não com ele. – Sorrindo, ele apanha uma bala do bolso, e leva com cuidado aos lábios.
                -Ele não falou nada quando você disse que me chamaria? – Meu coração murcha, por motivos que não quero entender. E daí se ele não havia falado de mim para os amigos dele? Como se eu precisasse de um prepotente Black no meu pé.
                -Não. – Thiago me olha com o início de uma suspeita, mascando a bala com a boca entreaberta. Não era desagradável de se olhar, quase como se ele tivesse aprendido a fazer aquele movimento em frente ao espelho, o melhor e mais suave o possível. Desvio os olhos, e ele sorri. – Por que quer saber sobre o que Sirius pensa?
                -Não quero. – Cruzo os braços sem frente ao peito, e olho para ele com uma expressão de vencida. – Muito bem, está marcado.
                - Ótimo. E onde você deseja ir?
                -Tão galanteador, Potter. – Sorrio, fazendo uma pose honrável, digna de um baile, com um belo pie e uma saia imaginária. – Três Vassouras está bom.
                -Duas cervejas amanteigadas e uma tigela de pretzels trouxas, sem falta. – Ele sorri, respondendo ao galanteio com uma reverência engraçada e um chapéu, também imaginário.
                Ele se despede com um leve rubor nas bochechas, um aceno e um sorriso. Me viro com precisão e avanço para a biblioteca. Encontro minha mesa facilmente, apenas Alice sentada com suas inúmeras anotações de Herbologia, e seus grossos livros. Ela ergue os olhos quando chego, arregalando os olhos mais uma vez.
                -O que ele queria? – Ela cochicha, se debruçando sobre o livro enorme em seu colo.
                -Eu não sei. – Cochicho de volta, um tom mais alto. Sempre fui péssima com sussurros.
                -O que? Como assim “não sabe”? – Me olhando confusa, puxa uma cadeira para que eu me sente mais perto.
                -Na verdade, eu sei. Só não entendi muito bem. – Sento-me com irritação, não querendo pensar muito no que acabava de acontecer.
                -Me conte antes que Lilian volte!
                -Ok, se acalme, Alice. – Sorrio com a impaciência de minha amiga. -Ele estava me chamando para ir com ele em Hogsmeade esse fim de semana.
                -O que?! – Alice se descontrola, soltando um leve gritinho. A bibliotecária nos faz um biquinho e um barulho seco de “SHIII”. – Ai, desculpe! Como assim?! – Ela repete, mais baixo.
                -Ele...
                -Eu entendi! – Interrompendo-me, ela fecha o livro em seu colo com impaciência, e o coloca em cima da mesa. – Mas ele é amigo de Sirius, não deveria saber que vocês estão.... Sabe.... No clima?
                -Eu não sei, Alice. Aparentemente, Sirius não negou que Thiago me chamasse. – Digo com mais amargura que pretendia, e me encosto na cadeira com desafeto. – Não sei se ele gosta tanto assim de mim, como eu achava.
                -Mas é claro que gosta, Martha. Sabe como são os meninos, tão tímidos. – Ela me olha com tristeza, quase pena. Me irrito de pensar que sou digna desse olhar. Não posso me rebaixar ao nível das inúmeras garotas que sofrem por Black. Não sou capacho de ninguém.
                -Não que eu me importe – Acrescento, e faço uma expressão de ironia. – Acho que Potter vai ser um ótimo encontro também. Se bem que acho que ele só está fazendo isso para deixar Lilian com ciúmes.
                -Oh, Martha! – Alice se admira, colocando as mãos sobre a boca para não gritar – Isso faz mais sentido! Ele nunca trocou olhares com você, mas para deixar Lilian com inveja.... Isso muda tudo.
                -Não muda. Vou me utilizar disso também. – Digo, subitamente inspirada. – Vou fazer com que todos nos vejam juntos. – Enfatizo bem minha frase, sorrindo.
                -Sirius vai se derreter de ciúmes. Tenho certeza que vai. Ele te olha com tanta.... Bem, com muita cara de idiota, para falar a verdade – Ela ri, me cutucando com delicadeza. – Não é possível que ele não esteja perdidamente apaixonado por você.
                -Bem, será uma prova ou um choque de realidade. – Afirmo. Alice me olha com um biquinho triste, apertando a capa do livro em seu colo – No final das contas, esse final de semana vai definir algumas coisas.
                -E Lilian?
                -O que tem Lilian?
                -Não acha que deveríamos contar a ela? – Alice se vira para a cadeira vazia ao seu lado, esperando que Lilian aparecesse a qualquer instante. – Afinal de contas, é de Potter que estamos falando, não é mesmo?
                -Acha que ela ficará magoada? – Me prendo ao sentimento nauseante de estar traindo minha própria amiga. Ela nunca afirmou gostar de Thiago, e todos achavam que Thiago nunca afirmaria tal coisa também. Mas no último ano fora bem claro que os sentimentos de ambos eram muito confusos em relação ao outro, e Lilian ainda rejeitava a ideia de sequer gostar de Potter, o que parecia o machucar muito mais recentemente.
                -Eu não sei. – Alice dá de ombros levemente – Não acho que há nada errado nisso, mas também não sei se estamos fazendo algo.... Escondidas.
                -Não conte agora. – Toco no braço de Alice, afirmando com a cabeça – Vou conversar com ela mais tarde, ou outro dia. Pode fazer isso por mim, Alice?
                -Fazer o que? – Lilian aparece, carregando mais três pesados livros nos braços. – Estão negociando alguma lição de casa? – Ela nos olha com um sorriso bobo, e se senta novamente – Por que se estão, também quero alguma ajuda com o dever de História da Magia.
                -Claro! Por que não perguntou antes. – Sorrio, apanhando minha cópia das respostas intermináveis sobre o Conflito dos Centauros e seus efeitos no Mundo Bruxo. Lilian me olha com satisfação, e começa a me indagar várias questões.
                E só no que eu consigo pensar era no motivo pelo qual eu havia aceitado aquela barganha idiota.